ANEXO II
LEI Nº 7.492, DE 16 DE JUNHO DE 1986, define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências:
Art. 23, funcionário público;
Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado).
§1º. Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o interventor, o liqüidante ou o síndico;
DECRETO-LEI N.º 201, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1967, dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
LEI N.º 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950, define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento:
Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República;
Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra...;
Art. 13. São crimes de responsabilidade dos Ministros de Estado;
Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal;
Art. 40. São crimes de responsabilidade do Procurador Geral da República;
Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos Estados ou dos seus Secretários, quando por eles praticados, os atos definidos como crimes nesta lei;
LEI N.º 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965, regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade:
Art. 1º O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei;
LEI N.º 7.106, DE 28 DE JUNHO DE 1983, define os crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal, dos Governadores dos Territórios Federais e de seus respectivos Secretários, e dá outras providências.
Art. 1º - São crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal ou de seus Secretários, quando por eles praticados, os definidos na Lei n.º 1.079, de 10 de abril de 1950, ou ainda quando simplesmente tentados;
LEI N.º 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990, define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências:
CAPÍTULO I
Dos Crimes Contra a Ordem Tributária
Seção II
Dos crimes praticados por funcionários públicos
Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I);
LEI N.º 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992, dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agente públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências:
Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei;
LEI N.º 9.504, DE 30 DE SETEMBRO DE 1997, estabelece normas para as eleições (ver art. 90, § 1):
Art. 90. Aos crimes definidos nesta Lei, aplica-se o disposto nos arts. 287 e 355 a 364, da Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, respondem penalmente pelos partidos e coligações os seus representantes legais;
DECRETO-LEI N.º 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969 – Código Penal Militar:
Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal;
III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.
Crimes militares em tempo de guerra
Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:
I - os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;
II - os crimes militares previstos para o tempo de paz;
III - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente:
a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;
b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;
IV - os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.
Militares estrangeiros
Art. 11. Os militares estrangeiros, quando em comissão ou estágio nas fôrças armadas, ficam sujeitos à lei penal militar brasileira, ressalvado o disposto em tratados ou convenções internacionais.
Equiparação a militar da ativa
Art. 12. O militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar.
Militar da reserva ou reformado
Art. 13. O militar da reserva, ou reformado, conserva as responsabilidades e prerrogativas do pôsto ou graduação, para o efeito da aplicação da lei penal militar, quando pratica ou contra êle é praticado crime militar.
Defeito de incorporação
Art. 14. O defeito do ato de incorporação não exclui a aplicação da lei
penal militar, salvo se alegado ou conhecido antes da prática do crime.
Dedico este trabalho
A Deus, pela oportunidade de estar aqui, ajudando e sendo ajudado pelos que me querem bem e orando pelos que não me vêem com bons olhos.
Aos meus irmãos e amigos que realmente acreditam em meu potencial.
Aos meus amigos especiais, Carlos André e Sérgio Brasil, os quais tanto estimo e respeito e com os quais aprendo a cada dia.
Ao meu pai que, de sua maneira, moldou-me o caráter, (In memorian).
À minha mãe, pela força e dedicação.
Em especial, à minha querida noiva, Elaine, pessoa sublime, que tem me esteado e incentivado ao longo dos anos.
Agradeço
Especialmente ao meu mestre e orientador, Túlio Lima Vianna, que com atenção, educação, competência e amizade tornou a tarefa mais amena e de possível execução.
Ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, que ao investir em meu aprimoramento profissional, aumenta a minha responsabilidade para melhoria dos serviços prestados à comunidade mineira.
À Fundação Escola do Ministério Público que, ao oferecer o Curso de Ciências Penais aos operadores do direito de Minas Gerais, está influenciando diretamente na qualidade da prestação jurídica à comunidade.
Aos ilustres, competentes e educados professores da Fundação Escola do Ministério Público aos quais enfatizo o meu respeito, admiração e amizade. Torno ao meu caminho com a memória dos mestres à frente da turma, espelhos de conduta e reflexão para os meus passos vindouros.
Aos colegas do Curso de Especialização em Ciências Penais, ano 2000, o meu reconhecimento pelo valor e respeito ao ser humano e as desculpas no que possa ter falhado.
"In the interpretation of a provision of an Act, a construction that would promote the purpose or object underlying the Act (whether that purpose or object is expressly stated in the Act or not) shall be preferred to a construction that would not promote that purpose or object."(101)
NOTAS
1 ARAÚJO, Sérgio Luiz de Souza. Teoria geral do processo penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, 396 p.
2 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, 143 p.
3 SALES, Sheila Jorge Selim de. Do Sujeito Ativo na Parte Especial do Código Penal. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, 143-145 p.
4 LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Moreira de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2000, 71 p.
5 HERRERA, Enrique. Práctica metodológica de la investigación jurídica. Buenos Aires: Astrea, 1998, 9 p.
6 LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Moreira de Andrade. Metodologia do trabalho Científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas, 1992, 107 p.
7 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes Contra o Sistema Financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2000, 28 p.
8 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 4ª edição. Rio de Janeiro: Revan, janeiro de 2001, 104/105 p.
9 BRASILEIRO, Repertório Enciclopédico do Direito. Carvalho Santos, Volume XXXVII. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, Rua Licínio Cardoso, 55, Benfica, 1966, 137 p.
10 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. 19ª ed. Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 1995, 457 p.
11 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, 75 p.
12 FIÚZA, César. Direito Civil – Curso completo. 2ª tiragem, revisada, atualizada e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, 77 p.
13 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 31 p.
14 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes Contra o Sistema Financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2000, 29-30 p.
15 MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 15.
16 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. 19ª ed. Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 1995, 5 p.
17 ARAÚJO, Sérgio Luiz Souza. Teoria geral do processo penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, 25 p.
18 ARAÚJO, Sérgio Luiz de Souza. Op. cit., 154 p.
19 BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Undécima edição atualizada por Achilles Beviláqua e Isaias Beviláqua. Volume I. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1956, 169 -178 p.
20 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., p. 34.
21 BITENCOURT, Cézar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 92 p.
22 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral, artigos 1ª a 120 do C.P 15ª edição. São Paulo: Atlas, 1999, 141 p.
23 BITENCOURT, Cézar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 92 p.
24 BITENCOURT, Cézar Roberto. Op. cit., 1997, 104 p.
25 MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988, 130-131 p.
26 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 38 p.
27 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral, artigos 1ª a 120 do C.P, 15ª edição. São Paulo: Atlas, 1999, 175 p.
28 ALBERGARIA, Jason. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1987, 9 p.
29 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, artigos 170 a 232. 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, Biblioteca jurídica, 1993, 4038-4045 p.
30 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, 73-75 p.
31 SILVA, Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da. O genocídio como crime internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, 55 e 65, 180-181 p.
32 VARGAS, José Cirilo de. Introdução ao estudo do crimes em espécie. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, 180 p.
33 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, artigos 170 a 232. 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, Biblioteca jurídica, 1993, 4044-4045 p.
34 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 390 p.
35 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 390 p.
36.TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, artigos 1º a 31 do Código Penal: princípios constitucionais, teoria da lei penal, teoria geral do crime. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1998,. 33 p.
37 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral I, artigos 1º a 31 do Código Penal: princípios constitucionais, teoria da lei penal, teoria geral do crime. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1998, 34 p.
38 MUNOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Tradução e notas de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Fabris, 1988, 50-51 p. Acentua Munhoz Conde que: "Todo tipo de delito está orientado no sentido de colocação em perigo ou lesão de um bem jurídico. Este não é nada mais do que o valor, o qual a lei quer proteger de ações que possam lesá-lo. Esse valor é uma qualidade positiva que o legislador atribui a determinados interesses. A qualidade de bem jurídico, portanto, é algo que a lei cria e não alguma coisa que lhe seja preexistente. É lógico que se espera, de acordo como o princípio da intervenção mínima, que o legislador só utilize o Direito Penal para proteger bens jurídicos verdadeiramente importantes e tipifique aqueles comportamentos verdadeiramente lesivos ou perigosos para esses bens jurídicos. Mas isto é um desideratum que nem sempre é cumprido. Daí a necessidade de Ter sempre presente uma atitude crítica tanto frente aos bens jurídicos protegidos quanto à forma de protegê-los penalmente."
39 VARGAS, José Cirilo de. Introdução ao estudo do crimes em espécie. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, 32 p. "Nem todos os bens, contudo, são bens jurídicos: nesta categoria inscreve-se apenas o que está amparado pela ordem jurídica. Historicamente, os bens de natureza patrimonial precederam aos demais. Nesse sentido, tudo o que pode integrar-se ao patrimônio da pessoa ou do Estado é um bem e, como tal, recebe a tutela do Direito. Mas, evidentemente, não foram apenas os bens patrimoniais que se erigiram em bem jurídico. O ordenamento jurídico envolve, ainda, outros bens inestimáveis do ponto de vista econômico, ou insusceptíveis de se traduzirem por um valor pecuniário. Assim, não recebendo, embora, valoração financeira, são objeto da proteção jurídica e, mais precisamente, da proteção penal, a vida, a honra, a liberdade individual, etc..."
40 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 2ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 80-82 p.: "O poder Legiferante, com a criação dos tipos penais, faz uma opção que reflete o espírito de sua época. A noção de injusto depende de uma decisão valorativa e normativa do órgão próprio. O delito vem a ser, assim, uma magnitude de valoração (Wertungsgrösse). A experiência axiológica em que se funda a lei penal pode ser problemática sendo certo que, em uma "sociedade aberta e pluralista, as profundas divergências de opinião acerca das normas sociais devem ser aceitas não só como uma questão inevitável, mas também como legítima expressão da livre discussão dos problemas sociais. Por isso, é incompatível criminalizar uma conduta que se oponha à concepção da maioria ou ao padrão médio de comportamento. A estigmatização de um comportamento como delituoso deve limitar-se à violação daquelas normas sociais em relação às quais existe um consenso praticamente ilimitado e com as quais, no mínimo, em geral, é possível as pessoas se conformarem". A propósito, o legislador constituinte de 1988 fez várias indicações criminalizadoras, ainda que excepcionais, ou relativas a deveres protetivos específicos. Assim, à guisa de exemplificação, "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" (art. 5º, XLI, da CF); "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei" (art. 5º, XLII, da CF); "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem" (art. 5º, XLIII, da CF); "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático"(art. 5º, XLIV, da CF); "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição de liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos" (art. 5º, XLVI, da CF), entre outros (art. 5º, XLV, XLVII, XLVIII, XLIX; art. 225, § 3º, 227, § 4º, da CF). O motivo dessa constitucionalização é a relevância dada ao bem que se quer proteger e a necessidade de se utilizar do instrumento sancionatório criminal."
41 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., 84-85 p. Ensina Regis Prado: "A Constituição, sobretudo em uma sociedade democrática, há de ser o ponto jurídico-político e referência primeiro em tema de injusto penal – reduzido às margens da estrita necessidade – como afirmação do indispensável liame material entre o bem jurídico e os valores constitucionais, amplamente considerados."
42 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., 92-93 p. Nesse sentido, assevera Regis Prado: "Essa instância é conexa ao requisito de necessidade de proteção criminal do bem. Não bastando que um bem possua suficiente relevância social para vir a ser tutelado penalmente. É preciso que não sejam suficientes para sua adequada tutela outros meios de defesa menos lesivos. Do exposto ressai que a ingerência penal deve ficar adstrita aos bens de maior relevo, sendo as infrações de menor teor ofensivo sancionadas, por exemplo, administrativamente. A lei penal, advirta-se, atua não como limite da liberdade pessoal, mas sim como seu garante."
43 MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. Anotações à Lei Federal n.º 7.492/86. 1ª edição. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1996, 17 p.
44 Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14º ed., revista e atualizada nos termos da Reforma Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, 755 p.
45 BETTI, Francisco de Assis. Op. cit., 65-66 p. Acentua o ilustre penalista que: "O bem jurídico protegido pelos delitos econômicos é a ordem pública econômica. Todo delito econômico terá como bem jurídico protegido algum aspecto concreto do ordenamento público econômico. As infrações dessa natureza causam danos a bens e interesses supra-individuais que se expressam no funcionamento e consumo de riqueza. Na mesma linha de raciocínio, leciona Heleno Cláudio Fragoso: "um direito penal econômico é, portanto, o que se refere a fatos que lesam ou expõem a perigo uma determinada ordem econômica." Deduz-se, portanto, desses ensinamentos que os bens merecedores de proteção pelo Direito Penal estão insertos nas Constituições de cada país. Nesse sentido, expressa Luiz Luisi: "Ao incorporar os princípios do Estado liberal e do Estado social, e ao conciliá-los, as Constituições modernas renovam, de um lado, as garantias individuais, mas introduzem uma série de normas destinadas a tornar concretas, ou seja, "reais", a liberdade e a igualdade dos cidadãos, tutelando valores de interesse geral como os pertinentes ao trabalho, à saúde, à assistência social, à atividade econômica, ao meio ambiente, à educação, à cultura, etc. (...)." Nessa perspectiva, o delito econômico queda-se reduzido aos fatos que atentam contra a determinação ou formação dos preços, aos delitos monetários, ao contrabando e aos delitos fiscais."
46 BETTI, Francisco de Assis. Op. cit., 70-71 p. Segundo o penalista, o eminente Manoel Pedro Pimentel critica veementemente esse art. 1º:"É amplíssimo o conceito de instituição financeira fixado pelo art. 1º da Lei 7.492/86, acrescido ainda mais com as disposições contidas nos incisos I e II do parágrafo único deste Artigo, que equipara à instituição financeira a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros, bem como a pessoa natural que exerça quaisquer atividades referidas no artigo, ainda que de forma eventual. Sabemos que a amplitude do conceito de instituição financeira se deveu, em grande parte, à casuística acumulada pelo Banco Central, através de sucessivas experiências como as mais diversas entidades que lidavam como recursos de terceiros ou com títulos ou valores mobiliários. Em sentido estrito, as instituições financeiras públicas ou privadas estão enumeradas no art. 1º da Lei 4.595/64, que dispõe:
Art. 1º. O Sistema Financeiro Nacional, estruturado e regulado pela presente lei, será constituído:
I-do Conselho Monetário Nacional;
II- do Banco Central da República do Brasil;
III- do Banco do Brasil S/A;
IV- do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico;
V- das demais instituições financeiras públicas e privadas.
Segundo Aloysio Lopes Pontes, em seu livro Instituições Financeiras Privadas, seria esta a lista: "a) Sociedades de Financiamentos e Investimentos; b) Fundos de Investimentos; c) Bancos de Investimentos; d) Sociedades de Crédito Imobiliário, e) Cooperativas de Crédito; f) Associações de Poupança; g) Bolsas de valores; h) Empresas Corretoras; e, i) Empresas Distribuidoras.
A redação do art. 1º da Lei que examinamos ampliou, para os efeitos penais, essa conceituação, como vimos, incluindo "a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros", acrescentando, mais, "a pessoa natural que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual." Esse acréscimo – ainda que de forma eventual – é extraordinariamente amplo, e certamente criará dificuldades de interpretação, quando se cuidar da responsabilidade penal estruturada nos termos do art. 25 e seu parágrafo único desta mesma lei.
Quanto aos riscos que advirão para as pessoas naturais que, de forma eventual, exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, vamos recordar o que disse Paulo Salvador Frontini, em artigo publicado pela Revista de Direito Mercantil: "Percebe-se, ademais, que os delitos de maior repercussão econômica, nos grandes centros, se sucedem através de uma sucessão encadeada de atos camuflados como ou em meio a atividades empresariais; e em sua execução interferem inúmeros intermediários, agindo geralmente de boa-fé. A má fé existe apenas naqueles poucos situados à cúpula do negócio, pessoas que pouco aparecem, que não se fazem ver, que dão ordens a serem executadas por terceiros. É a realidade dos grandes organismos, das estruturas administrativas requintadas, que se pronunciam através de agentes e prepostos, em tom impessoal, distante e inacessível."
Poderão, assim, ser alcançados os intermediários de boa-fé, ficando a salvo os verdadeiros mentores, responsáveis pelos atos ilícitos"
47 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n.º 7.209, de 11/7/1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5º edição. São Paulo: Saraiva, 1994, 219 p.
48 TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit., 1994, 227 p. Ensina Assis Toledo: " Tomemos, por exemplo, uma tentativa de homicídio, com ferimentos no corpo da vítima. Exteriormente, nada, absolutamente nada, distingue esta tentativa de homicídio de um crime de lesões corporais. O que faz este ferimento deixar de ser uma simples lesão para transformar-se em um fato muito mais grave (a tentativa de homicídio) é tão somente a intenção de matar que dirigiu a ação criminosa do agente. Se retirarmos da ação essa intencionalidade, o objetivo de matar, cairemos em um beco sem saída, pois não restará mais qualquer distinção possível entre a lesão corporal e a tentativa de homicídio."
49 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. 4ª ed., Vol. I, tomo II, 30ª tiragem, revista e atualizada. São Paulo: Max Limonad, Editor de Livros de Direito, 1966, 214 p.
50 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte Geral, artigos 1ª a 120 do C.P 15ª edição. São Paulo: Atlas, 1999, 122 p.
51 BITENCOURT, Cézar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 192 p.
52 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 21-23 p. Ensina a ilustre penalista que "na doutrina tem-se utilizado como sinônimos a expressão "sujeito ativo" e o vocábulo "autor". A utilização da expressão e do vocábulo aludidos como sinônimos, parece-nos, sem dúvida, temerária, uma vez que, do ponto de vista estritamente técnico, não se correspondem. Evidentemente não pretendemos afirmar que as duas noções aludidas sejam antagônicas ou substancialmente diversas. Todavia, é necessário reconhecer que a noção de "sujeito ativo", do ponto de vista estritamente jurídico, precede à noção de "autor". Como componente técnico do tipo penal de Parte Especial, o "sujeito ativo" trata-se de elemento que se insere no desvalor de ação do fato tipificado, integrando, ao mesmo tempo, a estrutura objetiva do tipo penal. O "sujeito ativo", pois, é o suporte legal, o dado técnico objetivo", sobre o qual se constrói a noção de "autor", quer adotem legislações as teorias mínima, limitada ou máxima da acessoriedade, ou, ainda, a teoria da hiperacessoriedade. Note-se, pois, que enquanto a noção de "sujeito ativo" é atinente à apreciação do fato incriminado, em sua imóvel tipicidade, a noção de autor não pode ser elaborada prescindindo-se da consideração de outros dados, que fogem aos estreitos confins do tipo penal. Com efeito, este último trata-se de conceito jurídico que se extrai da apreciação viva, concreta e dinâmica do fato histórico que se faz objeto do juízo de adequação típica e, posteriormente, do juízo de ilicitude. O "autor" age ou omite no fato histórico, tratando-se de conceito a ser auferido e aplicado apenas como referência a um determinado fato concreto e não a um fato descrito de forma geral e abstrata, como, na realidade, o é aquele previsto no modelo legal. A noção de "autor, pois, pressupõe a noção de "sujeito ativo". Assim, mesmo se as duas noções não se apresentam como antagônicas, não nos é possível fugir à constatação de que todo "autor" existe, num momento anterior, no tipo penal legal de Parte Especial como "sujeito ativo". A qualidade de "autor", pois, pressupõe a presença de dados jurídicos não postulados pela noção de "sujeito ativo". Parece-nos, tendo em vista o exposto, que o estudo individuado do "sujeito ativo", como elemento objetivo da estrutura típica, impõe como conveniente e oportuno capítulo que deve anteceder àquele pertinente ao estudo do "autor", na ciência penal. Uma elaboração doutrinária assim orientada, a nosso ver, não possui relevância meramente acadêmica; sem dúvida, dela podem advir importantes conseqüências de ordem pública. Note-se que, tendo em vista uma peculiar condição do sujeito ativo ou uma qualidade que lhe é agregada no tipo penal de Parte Especial, torna-se possível extrair regras gerais para o concurso de pessoas, visualizando-se as possíveis hipóteses em que o mesmo poderá se dar no "caso penal". Por seu turno, a utilização do vocábulo "autor" deveria ficar adstrita, em nossa ciência, ao capítulo atinente ao "concurso de pessoas."
53 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 17 p.
54 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 55 p.
55 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed. São Paulo: Livraria e Editora José Bushatsky Ltda., 1976, 167 p.
56 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 56 p.
57 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 4ª edição, revista e ampliada e atualizada pelas Leis 9.099/95, 9.268/96 e 9.271/96, do livro Lições de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 192 p.
58 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. 1ª ed. São Paulo: Livraria e Editora José Bushatsky Ltda., 1976, 292 p.
59 VARGAS, José Cirilo de. Introdução ao estudo do crimes em espécie. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, 185 p.
60 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit., 1976, p. 292.
61 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 60 p.
62 Nesse sentido, SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 60-61 p.
63 VARGAS, José Cirilo de. Introdução ao estudo do crimes em espécie. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1993, 185 p.
64 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 61 p.
65 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. 1ª ed. São Paulo: Livraria e Editora José Bushatsky Ltda., 1976, 292 p.
66 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., p. 63-66.
67 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. 1ª ed. São Paulo: Livraria e Editora José Bushatsky Ltda., 1976, 291-293 p. Ensina Fragoso que "os crimes que podem ser praticados por qualquer pessoa, chamam-se comuns (delicta communia). Os que só por determinadas pessoas podem ser cometidos chamam-se especiais ou próprios (delicta propria). Nestes últimos, a qualidade ou condição pessoal do agente constitui fundamento da ilicitude ou fator de particular reprovabilidade da ação, pela transgressão de especiais deveres, funcionando como agravante da punibilidade." (...) "A lei penal atribui relevância à qualidade ou condição pessoal do agente em casos diversos. Nos crimes próprios identificamos eficácia constitutiva. Aqui a configuração do tipo depende da qualificação do agente, o que se verifica quando a prática do fato por pessoa diversa seria penalmente indiferente ou daria lugar a outro crime. A qualificação do agente tem eficácia impeditiva, quando exclui a punibilidade, constituindo causa pessoal de exclusão de pena. Assim, a relação de parentesco nos crimes patrimoniais não violentos (art. 181 CP) e no favorecimento pessoal (art. 348 CP). A eficácia é modificativa, quando influi na pena, aumentando-a ou diminuindo-a (ex.: arts. 226, 227, § 1º, 228 § 1º, etc.). Crimes próprios são todos aqueles em que se apresetam como elementos constitutivos qualidades, estados, condições e situações do sujeito ativo, de forma explícita ou implícita."
68 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 105 p.
69 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 107 p.
70 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed. São Paulo: Livraria e Editora José Bushatsky Ltda., 1976, 292 p.
71 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 123 p.
72 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 126-127 p.
73 Greco, Rogério. Concurso de pessoas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, 21 p.
74 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 15ª edição revisada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 251 p. Segundo Fragoso: "Um só fato criminoso pode ser praticado por uma pluralidade de pessoas em diversas situações. A ação delituosa pode ser executada, por exemplo, por duas pessoas, em conjunto (Tício e Caio desfecham golpes de punhal sobre o inimigo Mévio, matando-o), Pode também a ação delituosa ser realizada através de terceiro que desconhece o plano criminoso, atuando como instrumento ou longa manus do agente, como no caso do médico que, subornado pelo herdeiro, para matar o paciente, determina à enfermeira que lhe dê injeção, cujo conteúdo verdadeiro ela desconhece, e que, em realidade, é letal. Pode, ainda, a ação delituosa ser praticada com a participação secundária de outras pessoas que incitam ou aconselham, ou mediante o auxílio de outros que proporcionam os meios ou ensinam a utilizá-lo, ou mesmo prometem posterior refúgio e encobrimento."
75 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 117 p.
76 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 15ª edição revisada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 253 p.
77 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 324 p.
78 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 15ª edição revisada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 292 p.
79 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. 4ª edição, revista e ampliada e atualizada pelas Leis 9.099/95, 9.268/96 e 9.271/96, do livro Lições de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 196-197 p. Portanto, ensina o eminente penalista que: "o art. 25 da Lei 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, regula a responsabilidade penal nos seguintes termos: "São penalmente responsáveis, nos termos desta Lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (vetado)". Seguindo a orientação até aqui traçada, sustentamos que a previsão do art. 25 da Lei 7.492/86 deve ser interpretada à luz da vigente Constituição Federal e do Código Penal. Em outros termos, a responsabilidade penal dos controladores e administradores de instituição financeira será única e exclusivamente a responsabilidade subjetiva, e não pelo simples fato de ostentarem a condição de controlador o administrador, como pode parecer à primeira vista. Entendimento contrário importará em reconhecer a responsabilidade objetiva, vedada pelo texto constitucional e pelo moderno Direito Penal da culpabilidade. Mantém-se em plena vigência o dogma secular nulla poena sine culpa, consagrada na expressão de Feuerbach, tornando-se inadmissível a responsabilidade objetiva. A culpabilidade jurídico-penal constitui-se dos seguintes elementos: imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. A imputabilidade é a capacidade de culpa, cujos pressupostos biopsicológicos somente a pessoa humana pode ser portadora. A consciência da ilicitude, ainda que potencial, não é suscetível de ser possuída por um ente moral, como a pessoa jurídica, que não tem como motivar-se pela norma. Seria paradoxal formar-se um juízo de censura moral em razão do "comportamento" de uma empresa comercial, por exemplo. Ou então, como exigir-se conduta diversa ou mesmo a liberdade de vontade de uma entidade que é dirigida por terceiros? Por isso, a previsão do art. 25 da Lei 7.492/86 não se afasta dos princípios fundamentais do Direito Penal da culpabilidade, em geral, e do disposto no art. 12 do Código Penal, em particular, que estabelece a subsidiariedade a todas as leis extravagantes. Com efeito, a responsabilidade penal dos controladores ou administradores será sempre possível, desde que devidamente individualizada e orientada subjetivamente, e não decorre, pelo simples fato, de ocuparem a posição de controlador ou administrador, sem haverem tido qualquer participação pessoal na realização dos fatos "qualificados de delituosos".
80 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes Contra o Sistema Financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2000, 73-74 p. "Por ser o delito uma ação humana, o sujeito ativo só pode ser o homem. O legislador não descuidou desse princípio, estabelecendo no art. 25 da Lei 7.492/86:
Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes.
Parágrafo único – Equiparam-se aos administradores de instituição financeira o interventor, o liqüidante ou o síndico.
Este dispositivo resultou do texto final da Lei votada pelo Congresso Nacional, após o veto presidencial, pois originariamente incluía a expressão "e membros de conselhos estatutários", abrangida pelo veto contido na Mensagem n. 252, "porque, de abrangência extraordinária, institui uma espécie de responsabilidade solidária, inadmissível em matéria penal."
Imperou, assim, o princípio da responsabilidade subjetiva, consagrada no brocardo nullum crimen sine culpa. O dispositivo não deu à pessoa jurídica a condição de ser sujeito ativo de crime.
Convém salientar, entretanto, que a responsabilidade penal somente recairá sobre os administradores que tiverem participação efetiva no fato delituoso. Como lembra Manoel Pedro Pimentel, a Lei 4.729/65 (Crimes de Sonegação Fiscal) observou técnica mais apurada na definição da responsabilidade penal dos administradores, estatuindo, em seu art. 6º :
"Quando se tratar de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta lei será de todos os que, direta ou indiretamente ligados à mesma, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal."
Nota-se aqui a preocupação do legislador em referir-se à responsabilidade subjetiva, "colocando a relação necessária entre a ligação à pessoa jurídica e a prática ou concurso para prática da infração penal". Nesse sentido, têm se manifestado os nossos Tribunais:
"Concurso de agentes. Co-autoria. Pessoa jurídica. Responsabilidade penal.
A responsabilidade penal é pessoal. Imprescindível a responsabilidade subjetiva. Repelida a responsabilidade objetiva. Tais princípios são válidos também quando a conduta é praticada por sócio de pessoa jurídica. Não respondem criminalmente, porém, pelo só fato de serem integrantes da entidade. Indispensável o sócio participar do fato delituoso. Caso contrário, Ter-se-á a odiosa responsabilidade por fato de terceiro. Ser sócio não é crime. A denúncia, por isso, deve imputar conduta de cada sócio, de modo a que o comportamento seja identificado, ensejando possibilidade de exercício do direito pleno de defesa."
81 MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, 1ª ed., São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1996. 144 p. Ensina o eminente penalista "Ainda que numerus clausus, e com repercussão, como veremos, no momento da propositura da ação penal, deve ser entendido, apenas, como um mero indicativo, sem valor absoluto em matéria de imputação, de que se o tipo penal tiver por pressuposto uma atuação ou uma qualidade característica de pessoa jurídica serão os indicados aqueles que, no âmbito da instituição financeira, responderão pela prática do ilícito, se o mesmo não contiver disposição expressa sobre a matéria de autoria. Trata-se de presunção juris tantum, porque a própria lei contém dispositivos que são próprios de sujeitos ativos não indicados no dispositivo (v.g. arts. 14 e 23) e porque a matéria subordina-se às normas gerais vigentes no Código Penal acerca do concurso de agentes (art. 29 do CP).
A razão fundamental do relativismo do dispositivo, todavia, deflui da rejeição de qualquer responsabilidade penal objetivamente fixada. Em primeiro lugar, não pode existir responsabilidade penal sem culpa: ‘a culpabilidade, como fundamento da pena, projeta o sistema penal numa perspectiva eticizante, no centro da qual está o homem, como sujeito de responsabilidade moral, entendido, pois, em sua característica capacidade de auto-determinação, para o ‘mal’ e para o ‘bem’. Em segundo lugar, não pode subsistir uma imputação que não derive de uma conduta humana típica: [...]."
82 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes Contra o Sistema Financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2000, 75 p.
83 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes Contra o Sistema Financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2000, 74-75 p.
O autor, em seu livro, cita as seguintes considerações de Sérgio Marcos de Morais Pitombos:
"Supõe-se que o controlador, a que se refere, seja o acionista controlador (art. 116, da Lei 6.404/76), pessoa, ou grupo de pessoas, ‘vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum’, com poder de eleger a maioria dos administradores e de gerir a companhia.
O administrador, também, terá o seu conceito buscado na lei, que dispõe sobre as sociedades por ações. Surgem qual eventuais agentes, então, os componentes do conselho d administração e da diretoria e ainda do conselho fiscal (arts. 138, 145 e 165, da Lei 6.404/76).
Gerente é quem administra ou dirige um estabelecimento em nome e por conta do empresário. Quando sócio do estabelecimento comercial, chama-se sócio-gerente, quando não, denomina-se contratado. A Lei de Sociedade por Ações alude a diretores (arts. 143 e 144, da Lei 6.404/76) e a administradores (arts. 145 e 1444, do mesmo diploma). Não irrompe simples a caracterização jurídico-penal da figura do gerente. Pensem-se nos bancos comerciais.
Não parece, entretanto, que tenha sido intenção da Lei 7.492/86 abranger no conceito de ‘gerente’ esses numerosíssimos funcionários bancários.
Se assim fosse, tornar-se-ia inviável, para a instituição financeira, o cumprimento da norma do art. 17 da Lei 7.492, que proíbe deferir empréstimo ou adiantamento, direta ou indiretamente, a administrador, aos cônjuges, aos ascendentes e descendentes, a parentes na linha colateral até o segundo grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas.
As relações dos impedidos de transacionar com as instituições financeiras, neste caso, poderiam atingir a casa de centenas de milhares de pessoas físicas e jurídicas, tornando inadmissível a proibição da lei. Ademais, quando a lei situou os ‘gerentes’ entre os ‘diretores’ e os ‘membros de conselhos estatutários’, indicou, para os gerentes, desenho diferente do que decorreria de se supor que a cominação da lei alcançasse todos esses funcionários, que as instituições financeiras denominam gerentes.
A interpretação lógica e sistemática da Lei 7.492 leva a crer que seu art. 25 chamou gerentes apenas a determinadas pessoas, de posição equivalente, em certas instituições financeiras, às que ocupam em outras os ‘diretores’. De fato, instituições financeiras estrangeiras, com agências em nosso país, não possuem, freqüentemente, no Brasil, diretores, mas somente gerentes.
A mais alta responsabilidade administrativa no Brasil, nesses casos, cabe a funcionários que têm a denominação de ‘gerentes’, mas que possuem responsabilidade administrativa equivalente à dos diretores das instituições financeiras.
Ademais, em hipóteses nas quais instituições financeiras tomem a forma de sociedade limitada, sua direção será exercida por sócios-gerentes, que deverão receber, da lei, tratamento idêntico ao que couber a ‘diretores’.
Todas essas considerações convergem para a conclusão de que ‘gerentes’, na Lei 7.492, não são os funcionários competentes para atos específicos de ‘gerência’, recebam ou não funcionalmente essa denominação de ‘gerentes’, mas sim os gerentes de instituição financeira de estabelecimento no Brasil responsáveis por toda a administração da instituição no país, ou sócios-gerentes de instituições financeiras que funcionem ou venham a funcionar em regime de sociedade limitada."
84 MAXIMILIANUS, Cláudio Américo Führer; MAXIMILIANO, RobertoErnestoFührer. Resumo de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2001, 53 p.
85 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Ementa do HC n.º 200.03.00.031753-4/SP, 1ª Turma, relator desembargador Roberto Haddad. j. 14.11.00, DJU 27.03.01, v.u., p. 298. Disponível em «http: www.ibccrim.com.br jurispru34.htm». Acesso em 4 de junho de 2001.
86 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes Contra o Sistema Financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte. Livraria Del Rey Editora, 2000, 76-77 p. "os crimes praticados no âmbito das organizações empresariais exigem, na maioria das vezes, conhecimento técnico especializado para sua descoberta. Os atos são bastante simulados, imperceptíveis aos não afeitos aos negócios envolvidos. Duplicatas simuladas, empréstimos fictícios para cobrir rombos de caixa, notas fiscais frias para possibilitar desvios de numerário, maquiamento de balanços para projetar uma imagem falsa dos negócios sociais etc. No que se refere ao Sistema Financeiro Nacional, compete aos técnicos do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários da fiscalização das atividades das empresas que operam no setor, informando ao Ministério Público Federal a ocorrência de crimes previstos na Lei 7.492/86, enviando-lhe os documentos necessários à comprovação dos fatos. Trata-se de disposição expressa do art. 28. Dessa lei, e a sua inobservância constituirá crime definido no art. 319 do Código Penal (prevaricação). Trata-se de infidelidade ao dever de ofício, à função exercida. Mister, todavia, que o agente aja por interesse ou sentimentos próprios. Uma falha da Lei 7.492/86 é a não especialização desse delito, cominando para ele uma pena compatível com a importância dos bens objeto de sua proteção. A participação dessas duas Autarquias na prevenção dos delitos contra o sistema financeiro nacional é de suma importância. Seus auditores são técnicos especializados, e usa informações darão ao Ministério Público Federal condições de ingresso imediato no juízo penal, evitando a instauração de inquéritos policiais, que atrasam a apuração desses crimes, inclusive porque a Polícia Federal não possui em seus quadros especialistas em questões de mercado de capitais e, ficam sempre na dependência do assessoramento dos profissionais do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários. Por isso, deve-se dar mais ênfase à participação dessas autarquias no combate aos crimes financeiros."
87 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95, Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, 65 p.
88 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Op. cit., 64-65 p.
89 LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Shakespeare, Von Ihering e a interpretação do Contrato. Texto elaborado em agosto de 2000. Disponível em «http: www. jusnavigandi.com.br/contratos.htm». Acesso em 4 de junho de 2001. "Dispõe-te, assim, para cortar a carne. Mas não derrames sangue, nem amputes senão o peso justo de uma libra, nem mais nem menos; pois se retirares mais ou menos do que isso, o suficiente para deixá-la mais pesada ou leve na proporção, embora, da vigésima parte de um pobre escrópulo; ou, ainda, se a balança pender um fio, apenas, de cabelo, por isso a vida perdes, ficando os teus bens todos confiscados..." (William Shakespeare, O Mercador de Veneza, In Comédias, trad. Carlos Alberto Nunes, Brasília, Editora Universidade de Brasília/ Melhoramentos, 1982, p. 262, palavras de PÓRCIA).
I. Gerações muito à frente da nossa, por certo, discutirão acerca das implicações jurídicas do contrato celebrado entre Shylock e Antônio. Este se responsabilizou como fiador de um empréstimo feito a Bissâncio, firmando que, caso não pagasse os Ducados até o vencimento da dívida, Shylock poderia cortar uma libra de sua carne de qualquer parte do corpo. Vencida a dívida, pretendendo o credor a execução do pactuado, Pórcia, magistrado veneziano, surge para apreciar a questão. Esse, entre outros enredos, imortalizaram "O Mercador de Veneza", mais uma, dentre as grandes obras de William Shakespeare.
II. É voz comum na doutrina que, quando duas ou mais vontades ajustam-se, em determinado momento e mediante modo estabelecido, surge o conceito de contrato. É bem verdade ser tal definição ainda ingênua, todavia, de maneira geral podemos dizer que o contrato é a manifestação ajustada da vontade humana, conforme as prescrições da lei e com escopo de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos, ou como bem sintetizou Caio Mário: é "o acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos" (1).
No direito privado fala-se da liberdade das partes para a realização dos contratos, ou melhor, da chamada liberdade de contratar (2) assente em quatro momentos distintos, segundo o escólio do professor Caio Mário (3). Primeiro, na vontade de resolver atendendo os interesses e conveniências das partes envolvidas. Ninguém é obrigado, em regra, a contratar, se bem que no Estado contemporâneo, nos moldes de sua organização, marcado pelo intervencionismo estatal, existem mais e mais situações onde o indivíduo vê-se compelido a contratar em favor de uma pretensa destinação social. A segunda implicação é a da escolha com quem se pretende o ajuste e o tipo de negócio a realizar. O indivíduo é livre para contratar com quem entender necessário. O poder individual aqui também não é absoluto, eis que a opção quanto à pessoa nem sempre pode ser feita (ex.: monopólios públicos, contratos de adesão). O terceiro momento é o da fixação do conteúdo do negócio. As partes firmam o que deve conter o ajuste, conforme seus interesses. Todavia, tal fixação está cada vez mais limitada. Por derradeiro, uma vez concluído o contrato, passa a constituir fonte formal do direito, autorizando qualquer das partes a reclamar seu cumprimento perante o Judiciário.
Entretanto, a liberdade de contratar, nos moldes tradicionais do direito privado, encontra limitação, modernamente, na idéia de ordem pública, vez que o interesse individual não pode prevalecer sobre o interesse social, o da coletividade. Não podem pois os princípios assentes na ordem pública verem- se afrontados por convenção entre particulares. Nesse aspecto o artigo 6º do Código Civil Francês é expresso: "Não se pode derrogar, por convenções particulares, as leis que interessam a ordem pública e aos bons costumes". Pontes de Miranda, lecionando sobre o que ele chama de "auto-regramento" da vontade, comentando exatamente a respeito das limitações acerca da vontade do homem, afirma que "no direito como processo social de adaptação, o regramento jurídico veda alguns atos humanos (atos ilícitos absolutos e relativos)..." (4)
Se por um lado é permitido aos homens poder considerável para dispor livremente de sua vontade, o direito positivo limita a ação livre de cada um, sem o que a vida coletiva estaria perturbada (5).
Desta forma, no berço do próprio direito privado, em tempos onde é prevalecente o interesse social, aumentando a extensão e intensidade das normas de ordem pública, o Estado interfere cada vez mais, seja impondo a contratação, instituindo cláusulas coercitivas, ou mesmo concedendo ao juiz a faculdade de rever o pactuado. Obviamente que hoje observamos a diminuição da interferência estatal com o fenômeno da globalização, mas esse é outro assunto.
III. Pois bem, concedido a Pórcia o direito de rever o pactuado, enxergou o magistrado que aquele pacto era válido tendo em conta que o título obedeceu sua forma e a autonomia da vontade imperava. Na comunidade ninguém duvidava da validade do título, inclusive o próprio Antônio, embora todos achassem injusto. Mas, hoje sabemos que a fixação do conteúdo do negócio infringia a lei penal. O homicídio, crime por excelência, no dizer de Hungria (6), inclusive em sua forma tentada, era previsto como tal pelas leis de Veneza. Desta forma, aquele que faz acordo no intuito de retirar uma libra, aproximadamente um quilograma, de carne no corpo de um homem, ainda que o consinta a "vítima", estar a realizar uma conduta delituosa se põe início a execução. No mínimo reside, no caso, o dolo eventual.
O que não vislumbrou Von Ihering na sua crítica ao problema (In A Luta Pelo Direito, 4ª Edição, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1983), foi a questão atinente à justiça. Para ele o direito restringia-se a mera forma. Houve um contrato, Antônio e Shylock o assinaram, o título foi reconhecido pelas leis locais, necessário pois seu cumprimento. Não há como deixar de ver a visão formalista do pensador alemão, apegado, sobremaneira, aos cânones legais, ao estabelecido. Shakespeare, embora não enfrentando diretamente a questão, por não está afeito às discussões acadêmicas, manteve válido o título, considerando até as convenções da época, contudo, em mais uma demonstração de que estava a frente de seu tempo, atingiu a solução mais justa, utilizando-se da interpretação do negócio, realizada por Pórcia e foi além. O magistral escritor inglês percebeu a questão do conteúdo contratual e firmou posição no seu escrito determinando a condenação do avarento Shylock.
IV. Carlos Maximiliano afirma que "interpretar uma expressão do Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta" (7). Nesse sentido o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro expressa que "na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e as exigências do bem comum".
Não há como negar que tais exigências atuais da moderna hermenêutica, embora ausente os rigores científicos e aspectos técnico-conceituais, foram percebidas por Shakespeare, que inicialmente valeu-se da interpretação meramente literal (gramatical ou filológica), quando Pórcia afirma que na letra pertencente a Shylock plenamente válida, em consonância com as leis de Veneza, apenas está registrada uma libra de carne, nem mais, nem menos, e nenhuma gota de sangue poderá ser derramada, vez que somente está garantido no título uma única libra de carne.
Pórcia não se socorreu apenas da interpretação gramatical. A linguagem, no dizer de Reale, só pode ser entendida de maneira estrutural, em correlação com as estruturas e mutações sociais (8). O juiz shakespeariano valeu-se em conjunto da interpretação teleológica. Porém, visualizou não o fim, o qual Ihering reduzia a uma forma de interesse, mas antes, o sentido do valor reconhecido racionalmente enquanto motivo determinante da ação (9). Como afirma Reale, "os valores não se explicam segundo nexos de causalidade" (10) e tal interpretação conduz ao juiz a missão de, na aplicação da norma, "vencer os óbices criados por leis prenhes de individualismos" (11), atendendo às exigências do bem comum, objetivando a justiça, que no caso respeitou, mesmo naquele tempo, o valor supremo da dignidade da pessoa humana. Com um subterfúgio é verdade, mas subterfúgio que foi utilizado para segurança jurídica daquela coletividade, apegada ás formas e ao exagero da autonomia da vontade e não a subterfúgios para retirar o direito de Shylock que inexistia. Isto é que não percebeu Ihering, que o direito pertencia ao ser humano, a sua incolumidade física e psíquica, não à avareza, que é característica daqueles que entendem negócio, liberdade de contratar e forma, acima dos valores consignados ao homem enquanto homem.
Shakespeare, de fato, estava à frente de seu tempo e, no dizer de Joseph Kohler, a cena forense do Mercador de Veneza encerra "a quintessência do caráter e da formação do direito. Contém uma sabedoria jurídica mais profunda que a encerrada em dez volumes das pandetas, e proporciona uma visão mais penetrante que todas as obras sobre a história do direito, de Savigny a Ihering" (12)."
90 MAXIMILIANO, Carlos. Op. cit., 1994, 181-182 p.
91 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: 8ª edição, revisada e atualizada, Editora Altas, 1998, 104 p.
92 SALES, Sheila Jorge Selim de. Op. cit., 93 p.
93 ARAÚJO. Sérgio Luiz de Souza. Op. cit., 319 p.
94 MAIA. Rodolfo Tigre. Op. cit., 153 p.
95 JUNIOR, Joel Dias Figueira; LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 1995, 390 p.
96 GOMES, Luiz Flávio. Crimes hediondos e penas substitutivas. «htpp: www. jusnavigandi.com.br/ artigo crimes hediondos_arquivos\PENAL125.HTM. Acesso em 10 de maio de 2001.
97 BRASILEIRO, Código de Processo penal. "Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria."
98 MAIA, Rodolfo Tigre. Op. cit., 168 p. "Cabe discutir, apenas, se a "magnitude da lesão" constituiria um fundamento autônomo à decretação da custódia cautelar, ao lado dos outros três fundamentos constantes do ordenamento processual (periculum in mora) ou se, ao contrário, deveria ser tal situação reconhecida como hábil a justificar a prisão provisória apenas quando associada a um dos outros fundamentos tradicionais. Tendo em vista a excepcionalidade que deve revestir a prisão cautelar estamos que a exegese deste artigo deverá ser restritiva, sendo o prejuízo causado, por maior que seja, insuficiente por si mesmo de ensejar a decretação da prisão preventiva, o que parece Ter sido a mens legis ao não alterar a redação do citado art. 312 e, sim, determinar que se fosse considerado quando do sopesamento da magnitude da lesão. Por outro lado, como se sabe, o fundamento de garantia da ordem pública, além das características que já enunciamos, pode ser alegado para "acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão."
99 ARAÚJO, Sérgio Luiz de Souza. Op. cit., 396 p. "A prisão preventiva, como ato de coerção processual antecedente à decisão condenatória, é medida excepcional que deixou de ser obrigatória para se converter em facultativa, adequada apenas e tão-somente às hipóteses precisamente fixadas em lei. Por sua condição de antecipado comprometimento ao jus libertatis e o status dignitatis do cidadão, não pode merecer aplicação senão quando absolutamente indispensável e indubitavelmente imperiosa à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal e à segurança da aplicação da lei penal. Continuo e continuarei sempre mantendo esse ponto de vista, insistindo na observação de que não mais obrigatória, como antes, e repisando, acórdão após acórdão, voto após voto, que esse sentimento de repúdio e redobrada cautela não é só nosso, mas de todo o mundo, em que diariamente combatida como medida cautelatória de aplicação corrente apenas em razão da maior gravidade dos delitos, sendo considerada entre os doutrinadores com "aspereza iníqua" (Luchini) e "mal necessário" (Garrot), admitindo quase todos sua decretação quando reclamada por necessidade irresistível ou absoluta conveniência de ordem social (Bozzani e R. Casarat)."
100 TAVAREZ, Juarez. Teoria do injusto penal. Belo Horizote: Del Rey, 2000, 163 p. Ensina o eminente penalista que "[...] o segundo fundamento decorre do princípio da presunção de inocência, hoje positivado no art. 5º, LVII da Constituição. Se se presume que toda ação, embora criminosa, não possa ser atribuída com esta qualificação a alguém, antes que se verifiquem todas as possibilidades de sua exclusão, isto implica não apenas uma alteração na estrutura e na interpretação das normas processuais penais, mas igualmente das normas penais. Em virtude disso, não se pode considerar indiciado o injusto pelo simples fato da realização do tipo, antes que se esgote em favor do sujeito a análise das normas que possam autorizar sua conduta. Está claro que deve haver um método para se proceder a essa análise, o qual pode perfeitamente identificar-se com aquele proposto tradicionalmente pela doutrina, ou seja, examinando-se, numa primeira etapa os elementos do tipo de depois os elementos da antijuridicidade..."
101 BARNES, Jeffrey W.Statutory Interpretation, Law Reform And Sampford´s Theory Of The Disorder Of Law - Part Two. «Http:// www. law.anu.edu.an/publications/flr/vol23n01/federallawreviewjeffreywba». Acesso em 20 de abril de 2001.
Na interpretação de uma disposição de lei, deve-se preferir a interpretação que defenda a intenção ou objeto subjacente à lei (estando essa intenção ou objeto expressamente declarado na lei ou não) à aquela que não defenda a intenção ou objeto. (tradução livre nossa)