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Prescrição no ECA

03/02/2014 às 06:30
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Análise doutrinária acerca da incidência da prescrição no Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente em face dos atos infracionais e das infrações administrativas.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente não detém qualquer regramento quanto à prescrição, mas determina que a legislação penal e processual-penal devem ser aplicadas subsidiariamente na esfera da Infância e da Juventude, em consonância com o mandamento dos artigos 152 e 226, ambos da Lei nº 8.069/90.

Contudo, por possuírem natureza distinta das penas criminais, as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não poderiam ser atingidas pelas disposições relativas à prescrição, contidas especificamente no Código Penal.

Isso porque, no procedimento regido pelos princípios do estatuto juvenil, busca-se a ressocialização educativa do adolescente, com imposição de medidas de caráter eminentemente pedagógico, sem cunho punitivo (ao menos stricto sensu), ao passo que na seara criminal visa-se à aplicação de pena pelo crime cometido, necessária e suficiente para a respectiva reprovação e prevenção penal.

Daí que eventual reconhecimento da perda da pretensão socioeducativa constituiria inquietante contrassenso ao princípio da proteção integral do adolescente, adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Todavia, a evolução das decisões judiciais, inclusive dos Tribunais Superiores, caminhou no sentido de reconhecer a viabilidade da prescrição das medidas socioeducativas.

De fato, malgrado tais medidas contenham caráter educacional, de cunho induvidosamente protetivo, não se pode negar que também desvelam natureza retributiva e repressiva, de modo que não há motivo, minimamente razoável, para excluí-las do campo prescricional.

Acresça-se que as medidas socioeducativas, assim como as sanções penais, encerram mecanismos de defesa social e, também por isso, reclamam limitação da atuação estatal, não sendo demais destacar que a imprescritibilidade é exceção absoluta no cenário jurídico nacional, tolerada apenas para os casos restritos dos incisos XLII[1] e XLIV[2], do artigo 5º, da Constituição Federal.

Enfim, impende afirmar-se que a correção sociopedagógica do adolescente em conflito com a lei só conquista legitimidade se constatada a contemporaneidade à prática infracional, sob pena de intolerável perda da função reeducativa da medida.

Noutros dizeres, em sede de reeducação social, a imersão do ato infracional no tempo aniquila, por completo, o procedimento especializado e torna inútil a resposta estatal, já que tardia, pondo em xeque o princípio da imediatidade.

Alexandre Morais da Rosa e Ana Christina Brito Lopes[3], asseverando que no período da adolescência as mudanças subjetivas são constantes e rápidas, entoam que, além da prescrição, deve-se perceber que “...se as respostas não forem imediatas, inexiste vinculação do ato praticado e a medida imposta”.

Impõe sobressair, pela notoriedade autoral, que a inaplicabilidade do instituto da prescrição penal em relação à prática infracional é defendida por Eduardo R. Alcântara Del-Campo[4], o qual entende que “...as medidas sócio-educativas têm por finalidade a proteção e a educação do infrator...” e que elas “...em sua maioria, não comportam prazo determinado...”, e por Válter Kenji Ishida[5], para quem, dado o escopo de reeducação do adolescente infrator, a medida socioeducativa seria “imprescritível”.

Mas, Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério Sanches Cunha[6], acompanhados no entendimento por Wilson Donizeti Liberati[7], Elson Gonçalves de Oliveira[8], Thales Tácito Cerqueira[9] e Roberto Barbosa Alves[10] anotaram que o “...STJ firmou entendimento no sentido de serem aplicadas, de forma subsidiária, as regras pertinentes à punibilidade da Parte Geral do Código Penal em relação aos atos infracionais praticados pelos adolescentes, como extensão, a essas pessoas, dos direitos assegurados aos adultos, editando, em função disso, a Súmula 338”, a qual assenta que “a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”.[11]

Assim, admitido o instituto, para o cálculo da prescrição em abstrato dever-se-á levar em consideração o prazo de três anos, fixado no artigo 121, § 3º, da Lei nº 8.069/90, que é máximo limitado pelo legislador.

Já a prescrição em concreto – seja na modalidade retroativa, seja na superveniente – e a prescrição da pretensão executória serão calculadas a partir da socioeducativa estipulada na sentença.

Nas situações do parágrafo anterior, o cômputo prescricional dos atos infracionais, sob o influxo das normas penais, deve observar três situações distintas: (a) medidas socioeducativas de advertência e a de obrigação de reparar o dano, desvinculadas de aspectos temporais; (b) medida socioeducativa sem termo final, ou seja, sem lapso determinado e (c) medida socioeducativa com termo final, isto é, como prazo especificado, aí incluída a que a sentença estabelece um período mínimo.

No primeiro caso (a), em que o cumprimento da medida se exaure instantaneamente, isto é, não se protrai no tempo, a prescrição deve ser declarada em um ano e meio, que é o atual menor lapso do Código Penal (inciso VI, do artigo 109), já ponderada a redução gravada no artigo 115, do mesmo codex.

Importante consignar, com respeito a essa redução, que os atos infracionais submetidos à disciplina da Lei nº 8.069/90 não são incompatíveis com a regra redutor-etária da prescrição penal.

A jurisprudência do Excelso Supremo Tribunal Federal[12] e do Colendo Superior Tribunal de Justiça[13], ao pronunciar-se sobre essa específica parte do tema, firmou a possibilidade jurídica de redução, pela metade, do lapso prescribente, contemplada, para tanto, a norma inscrita no artigo 115, do Código Penal.[14]

Na segunda hipótese (b), em que o prazo da medida socioeducativa é indeterminado, a prescrição será modulada sobre três anos, que é o teto da internação (artigo 121, § 3º, da Lei nº 8.069/90), e, portanto, operar-se-á em quatro anos, nos termos do inciso IV, do artigo 109, c.c. o artigo 115, ambos do Código Penal.

Na última situação (c), na qual há lapso certo ou fixação de um limite mínimo, a prescrição será calculada sobre o respectivo montante temporal e, por conseguinte, poderá ocorrer em um ano e meio, em dois ou em quatro anos, conforme o resultado da incidência dos incisos VI, V ou IV, do artigo 109, c.c. o artigo 115, ambos do Código Penal.

Obtempere-se, a propósito, que a indeterminação abstrata de prazo máximo para a medida socioeducativa de liberdade assistida, inserta no § 2º, do artigo 118, da Lei nº 8.069/90[15], não impede a incidência da prescrição, pois a alteração do lapso (ou do mínimo estipulado na sentença) estará condicionada a evento futuro e incerto.

Dito de outra forma, enquanto não verificada concretamente alguma condição autorizadora para prorrogação, não há como refutar, sem fragmentar a coerência sistêmica, que a medida socioeducativa da liberdade assistida deve ser considerada, para fins prescricionais, como de prazo certo e determinado.

Tem-se, ainda, que não se pode estender para a medida de liberdade assistida com prazo mínimo de seis meses o mesmo lapso prescribente que se destina aos atos infracionais de natureza grave, aos quais a internação é reservada, pois o juízo de reprovabilidade da conduta, definido pelo legislador penal, deve ser sopesado, sob pena de emprestar-se tratamento igualitário a situações significativamente diferentes.

Ademais, entendimento contrário ensejaria inobservância ao princípio da brevidade e afronta à proporcionalidade da execução da medida socioeducativa em relação à ofensa cometida, esta em flagrante descompasso com o estatuído no inciso IV, do artigo 35, da Lei nº 12.594/2012[16], que é a lei que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.

Não se pode desprezar, paralelamente, que a mesma Lei nº 12.594/2012 prevê, em seu artigo 1º, § 2º, inciso III, que um dos objetivos da medida socioeducativa é visar à desaprovação da conduta infracional, “...efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei” (sem destaques no original).

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Outra hipótese que vem sendo aventada, por ser mais benéfica ao adolescente, é a do caso em que o tipo penal prevê, para o adulto, pena inferior e, consequentemente, com lapso prescricional menor, demandando que o cômputo prescribente juvenil deva ser realizado sobre a pena cominada ao delito praticado.

Em outras palavras, para evitar a instituição de situações mais severas e duradouras aos adolescentes do que em idênticas situações seriam impostas aos imputáveis, deve ser contrabalanceado, para fins prescricionais, o prazo da pena máxima em abstrato, se inferior ao máximo da medida socioeducativa de internação.

Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, HC nº 93.281/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 04.08.2008; 5ª Turma, HC nº 116.692/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 13.04.2009; dentre inúmeros outros.

Por outro lado, para preservar coerência com o sistema jurídico-penal, a prescrição das medidas socioeducativas deve trazer ínsitas as causas suspensivas e interruptivas, em analogia àquelas prenunciadas nos artigos 116 e 117, ambos do Código Penal.

Ressalve-se, à derradeira, que as infrações administrativas, planificadas em capítulo próprio do Estatuto da Criança e do Adolescente (Capítulo II, do Título VII, da Parte Especial), por serem dotadas de perfis administrativamente puros – quer por sua inteligência, quer por assim tipificadas estatutariamente –, não se submetem à regência relativa à prescrição insculpida na Parte Geral do Código Penal, mas à prescrição administrativa, pois “...a natureza da infração administrativa é que decreta a utilização da analogia circunscrita à esfera administrativa, e a prescrição da infração administrativa do Estatuto da Criança e do Adolescente é de cinco anos”.[17]


Notas

[1] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

[2] XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

[3] Introdução Crítica ao Ato Infracional: princípios e garantias constitucionais, p. 270.

[4] Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais, p. 539/548.

[5] Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência, p. 244/251.

[6] Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Lei 8.069/1990: artigo por artigo, p. 374.

[7] Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 102/3.

[8] Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 245/7.

[9] Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente: teoria e prática, p. 387/390.

[10] Direito da Infância e da Juventude, p. 95.

[11] Terceira Seção, julgado em 09.05.2007, DJ 16.05.2007, p. 201.

[12] 2ª Turma, MC em HC nº 107.200/RS, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22.11.2011, DJe 07.12.2011.

[13] 5ª Turma, HC nº 50.873/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 03.04.2006.

[14] São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

[15] A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

[16] Art. 35.  A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: (...) IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida. 

[17] A infração administrativa no Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 62.

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Sobre o autor
Diogo Alexandre Restani

Assistente Jurídico. Especialista em Direito Penal, pós-graduado pela EPM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESTANI, Diogo Alexandre. Prescrição no ECA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3869, 3 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26550. Acesso em: 2 nov. 2024.

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