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As tutelas de urgência contidas na Lei da Propriedade Industrial

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10/02/2014 às 14:20
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3. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA:CARACTERÍSTICAS GERAIS

A tutela antecipada foi criada com vistas a tornar efetivo o acesso à justiça previsto no art. 5º, inciso XXXV[35], da Constituição, pois, como já referido acima, o atual estágio das relações sociais não mais comporta o acesso pelo acesso, vale dizer, é necessária qualificação da tutela jurisdicional para proporcionar oportunidade de verdadeira realização da justiça social.

Se o Estado-juiz avocou para si a resolução dos conflitos intersubjetivos, proibindo a autotutela, assumiu, ipso facto, o dever de prestar a tutela jurisdicional nos moldes previstos na Carta constitucional de 1988.

Antes do advento das tutelas antecipadas, resolviam-se situações de urgência por meio das tutelas cautelares, mesmo nos casos em que a tutela estatal seria dada de modo satisfativo, ou seja, ultrapassando os limites previstos para aquele gênero de tutela jurisdicional.[36]

Contudo, a dificuldade de tutelar direitos socialmente relevantes por meio da fórmula tradicional (processo de conhecimento, de execução e cautelar) escancarou a necessidade de revisão de conceitos e antigos entendimentos, fato que levou o legislador a editar a Lei n.º 8.952, de 1994, e outras leis esparsas como exemplificativamente a Lei n.º 10.444, de 2002.

Conforme demonstra Humberto Theodoro Júnior, a evolução das tutelas de urgência satisfativas repercutiu no Velho Continente[37]. No Brasil, a tutela antecipada foi lapidada (e ainda encontra-se em franco processo de aperfeiçoamento) com o intuito de proporcionar o referido ideal de justiça, marcado pela presença das salutares características da efetividade e tempestividade.

Durante a evolução dos conceitos trazidos acima, chegou-se a cogitar do fato de que a antecipação dos efeitos da tutela de mérito afrontaria direitos fundamentais do processo civil, principalmente aqueles insculpidos na Constituição Federal, contudo, a própria doutrina e a jurisprudência chegaram à conclusão de que os princípios constitucionais processuais que impediriam a antecipação da tutela (contraditório e ampla defesa, principalmente), deveriam ceder espaço à efetividade, tempestividade e celeridade processual.

De todo modo, hodiernamente não restam dúvidas de que a tutela antecipada, ao lado da tutela cautelar, é provimento especialmente desenhado pelo legislador, interpretado pela doutrina e aplicado pela jurisprudência com olhos voltados à realização do quanto previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Suas principais características são a provisoriedade e a reversibilidade.

Ambas podem ser analisadas à luz da ausência de coisa julgada material e de preclusão para o juiz e para as partes[38](CPC, art. 273, § 4º). Evidentemente que a afirmação supra necessita ser interpretada cum grano salis, de modo que ausente qualquer modificação no estado fático da causa, estaria o magistrado e as próprias partes obstados de, respectivamente, de alterar a decisão e de pleitear medida já decidida. Incide, portanto, a regra do art. 473, do CPC.

Sua previsão está nos arts. 273, 461 e 461-A, do Código de Processo Civil e depende de requerimento da parte[39], estando o magistrado adstrito ao pedido nos exatos termos do quanto discutido na doutrina em relação ao princípio dispositivo[40], não havendo espaço para discricionariedade[41]. Dito de outra forma, o juiz não poderá agir de modo criativo (como no caso do poder geral de cautela já analisado acima), estando vinculado ao pedido da parte, sendo possível apenas o deferimento ou rejeição, no todo ou parte, do pedido.

Com efeito, a atuação do magistrado deverá se pautar na prudênciae nos requisitos previstos em lei, de modo que sejaverificada no caso concreto a possibilidade de concessão do pedido do autor, sem importar em prejuízos para o réu, principalmente quando a leitura do processo evidenciar não ter logrado êxito o requerente em demonstrar prima faciea necessidade e adequação de seu pedido.

Considerando o que foi dito até o momento, não poderia ter o legislador previsto possibilidade de antecipação da tutela sem dispor de medidas para garantir efetividade, as quais o magistrado deverá adotar para que sua determinação seja cumprida de modo eficaz. Nesse sentido, previu a Lei n. 10.444, de 2002, a possibilidade de utilização das medidas de apoio previstas no art. 461, §§ 4º e 5º, no art. 461-A e 475-O ( que substituiu o revogado art. 558), do CPC.

Necessário ressaltar, no entanto, que juntamente com a previsão da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, previu também o legislador a responsabilidade objetiva daquele que se beneficiar da tutela, de modo que causando dano, seja obrigado a repará-lo independentemente da existência de culpa.

Ainda analisando o escopo da mudança de paradigmas, é vencedora a teoria de que a legislação não previu momento específico para que seja concedida a tutela antecipatória, de modo que poderá ser concedida antes ou após a citação do réu. Melhor, poderá a tutela ser concedida enquanto o provimento jurisdicional não for capaz de produzir,per si, efeitos jurídicos próprios no plano material, desde que reversível a medida determinada.

Nesse sentido, em que pese nossa total discordância, a doutrina amplamente majoritária defende a possibilidade de concessão de tutela antecipada na própria sentença de mérito, ante ao fato de que o recurso de apelação será dotado do duplo efeito.

Sem embargo do peso da doutrina dominante[42], ouso divergir desse entendimento e o faço por dois motivos básicos. O primeiro está ligado ao fato de que não é possível, em sede teórica, prever que haverá recurso de apelação contra a sentença de mérito. Ora, a sentença é a tutela jurisdicional por excelência e será definitiva enquanto não for atacada por meio de recurso próprio.

O segundo motivo está ligado à profundidade da cognição feita pelo magistrado. Enquanto a tutela antecipatória é marcada pela brevidade da cognição, a sentença deverá ser pautada em cognição exauriente, pois a partir daquela decisão não terá mais competência decisória, salvo nos casos previstos no art. 463, do CPC[43].

É evidente que não poderíamos deixar de reconhecer que o efeito obtido por meio da antecipação da tutela em sentença é de todo útil e, muitas vezes, necessário para ao litigante, pois na maioria das vezes o processo não se encerra com a prolação da sentença de mérito.

Contudo, como a discussão está sendo travada no plano teórico, não poderíamos deixar de afirmar que a solução mais adequada seria possibilitar ao magistrado determinar, nos casos já previstos no art. 273, 461 e 461-A, os efeitos pelos quais receberá o recurso de apelação (art. 520, do CPC). Se o magistrado pode o mais (deferir a tutela antecipada a qualquer momento, inclusive impondo ao réu o contraditório diferido), pode o menos (determinar se eventual recurso terá ou não efeito suspensivo).

3.1.  A DISPOSIÇÃO DO CAPUT DO ART. 273, DO CPC

No caput do art. 273, do CPC, estão contidos os pressupostos para a concessão da tutela antecipada. Tratam-se de requisitos a serem verificados em todas as hipóteses de antecipação previstas no Código de Processo Civil, com exceção daquela prevista no parágrafo sexto do referido dispositivo. São eles: prova inequívoca e verossimilhança das alegações.

A prova inequívoca do direito alegado[44], conforme conhecida lição encontrada na doutrina, é mais robusta que o fumus boni iuris e conduz ao juízo de quase certeza do magistrado. Contudo, como o conceito de “quase certeza” é extremamente vago, melhor seria dizer que tal prova é aquela que levaria o magistrado a vislumbrar a presença do requisito legal, deferindo prudentemente a medida de forma fundamentada.

Em algumas hipóteses, a lei condiciona o deferimento da medida à prova tarifada de certas situações, como é o caso da Propriedade de bem imóvel, da propriedade das marcas[45] e patentes[46]. Portanto, nesses casos, a prova inequívoca deverá passar, necessariamente, pela comprovação de certa situação jurídica perante o registro de imóveis ou perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, conforme os exemplos citados acima.

Em outras hipóteses, a prova inequívoca seguirá a regra prevista no art. 332, do CPC, não havendo qualquer previsão legal para que o requerente da medida antecipatória demonstre a veracidade de suas alegações através de meio de prova específico, em que pese a prova documental ser a forma mais confiável de obter êxito no deferimento da medida.

Já a verossimilhança das alegações trata da percepção do magistrado sobre a alegação do requerente acerca da existência do perigo de dano ou de abuso de defesa por parte do réu. Muitas vezes, no que concerne ao perigo de dano, a verossimilhança das alegações prescinde de prova concreta, uma vez que é de conhecimento geral que, se verificada a prova inequívoca do direito alegado, o perigo de dano é presumível[47].

Por outro lado, a existência de abuso de direito de defesa é constatável pelo magistrado pela análise dos autos.

3.2.  A PREVISÃO DO INCISO PRIMEIRO DO ART. 273:TUTELA DE URGÊNCIA

Trata-se da hipótese mais usual de antecipação dos efeitos da tutela. Pelo inciso primeiro do art. 273, o autor deverá provar o “perigo da demora” bem como apontar os requisitos contidos no caput do artigo 273, do CPC.

No que concerne à medida ora estudada, a hipótese é de verdadeira tutela baseada na urgência, sendo, portanto, plenamente utilizáveis as medidas de apoio contidas no § 3º, do art. 273, para seja cumprida de forma imediata a decisão judicial.

De todo modo, necessário ressaltar que não obstante autorizada posição em contrário[48], não há como distinguir de forma segura os requisitos contidos na antecipação de tutela específica (art. 461, § 3º, do CPC), sendo de rigor reconhecer o íntimo diálogo entre ela e a medida contida no inciso I, do art. 273, do CPC[49].

Portanto, tanto em uma quanto em outra hipótese, poderá o juiz lançar mão da fixação de multa diária (astreintes), determinar, de ofício ou a requerimento da parte, outras medidas além daquelas previstas no rol meramente exemplificativo no § 5º, do art. 461, entre as quais se destacam a “busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”.

3.3.  A PREVISÃO DO INCISO SEGUNDO DO ART. 273: O ABUSO DO DIREITO DE DEFESA

Pela presente hipótese, quis o legislador ao mesmo tempo beneficiar o autor e penalizar o réu, inclusive com a possibilidade de arbitramento das multasprevistas nos arts. 14, 17 e 18, do CPC, cumulativamente ou não, caso reste comprovado tratar-se de estratégia processual que configura flagrante abuso de direito de defesa[50].

Tanto no caso do inciso primeiro quanto no caso do inciso segundo vislumbramos a existência de urgência, porém em graus nitidamente diversos. Enquanto no caso do inciso primeiro a urgência deva ser comprovada pelo demandante; no caso do inciso segundo, tal requisito é presumível e por isso prescinde de prova[51], ante ao fato de que a pessoa que litiga tem a necessidade e interesse de obtenção do provimento judicial o quanto antes.

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Sobre os requisitos de tal medida, adverte, MARINONI, será necessário que as alegações do réu não estejam fundadas em prova documental e que as alegações de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos sejam infundadas. [52] Ainda segundo referido autor, a presente técnica faz com que seja o réu – e não o autor – o verdadeiro prejudicado pela demora na prestação jurisdicional.

Ao cabo, é preciso asseverar que o inciso II, do art. 273, do CPC, ora analisado, é uma resposta ao exercício arbitrário e desmedido do direito de defesa, pois segundo nossa sistemática processual, imposta pela Constituição Federal, não é possível a existência de princípios absolutos, de modo que em caso de conflito, deverão ser sopesados os pesos de cada um dos princípios, aplicando a teoria de Dworkin sobre o conflito de princípios, de modo que não haja prevalência absoluta de um princípio em relação ao outro.

3.4.  A PREVISÃO DO PARÁGRAFO SEXTO DO ART. 273:TUTELA DA EVIDÊNCIA

Trata-se de hipótese na qual é dispensada, de uma só vez,os requisitos do perigo da demora  e da prova inequívoca.A hipótese desperta profundas inquietações na doutrina: de um lado há aqueles que acreditam tratar-se de mera hipótese de tutela antecipada baseada na evidência do direito do autor; de outro lado, há aqueles que acreditam tratar-se de julgamento parcial da lide. Antes, contudo, de enfrentar essa questão, necessário tratar dos requisitos previstos em lei para a espécie.

Em primeiro lugar é necessária a completa ausência de controvérsia sobre pedido do autor, ou seja, é necessário que o réu tenha silenciado sobre determinado ponto ou tenha admitido, parcial ou totalmente, o pedido ou tenha  deixado de impugná-lo de forma específica[53].Nesses casos, haveria pedido incontroverso.

A doutrina costuma dar diversos exemplos para caracterizar a existência de pedido incontroverso. Um deles é a demanda envolvendo ACR, autor, e LCS, Réu, na qual aquele pede em face desta o pagamento da quantia de R$ 100.000,00, por danos materiais, e a quantia de R$ 15.270,00, por danos morais. Em contestação, LCS alega inexistência de direito do Autor de receber danos morais, e deixa de contestar o valor apontado como danos materiais.

Nesse caso, estar-se-ia presente caso de pedido incontroverso da seguinte maneira: em relação ao pedido de danos materiais, não haveria controvérsia, eis que admitidos pela Ré como devido; com relação ao pedido de danos morais, por ter havido impugnação específica por parte da Ré, não há pedido incontroverso.

É, ainda, requisito indispensável para que o pedido não controvertido surta os efeitos previstos no § 6º, do art. 273, do CPC, o convencimento do magistrado sobre a verossimilhança das alegações autorais.

Por fim, analisemos a possibilidade de cisão do julgamento de mérito[54] ou de simples tutela antecipada baseada na urgência[55].

Primeiramente, necessário dizer que a previsão ora estudada está inserida em um dos parágrafos no art. 273, do CPC, mais especificamente, no § 6 do referido dispositivo. Portanto, há ao menos forte indício de que se trata de mera exceção ao comando contido na regra de seucaput.

De fato, o que quis o legislador foi apenas criar hipótese de antecipação dos efeitos da tutela de mérito com base na ausência de controvérsia (tutela da evidência) do pedido do autor, não havendo espaço para compreender a questão como julgamento antecipado da lideou como sentença parcial de mérito, senão pelofato de não querer compreender a possibilidade de antecipação de tutela de mérito fora dos casos de urgência[56].

Nesse sentido, necessário destacar que, diferentemente do que ocorre em relação às hipóteses previstas no caput e incisos I e II, do art. 273, do CPC, a situação do parágrafo sexto não admite a reversibilidade da medida antecipatória[57].

Contudo, é necessário alertar que, no Projeto de Novo Código de Processo Civil[58], a ideia da sentença parcial é de todo modo reconhecida de forma expressa pelo legislador, fato que, em sendo aprovado seu texto, colocará definitivamente um pá-de-cal no assunto. Por enquanto, renovadas as vênias de estilo, vige a hipótese de mera antecipação dos efeitos da tutela de mérito.

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Sobre o autor
Eduardo da Silva Rodrigues

Advogado. Militante na área da propriedade industrial. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas em Responsabilidade Civil, e mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Eduardo Silva. As tutelas de urgência contidas na Lei da Propriedade Industrial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3876, 10 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26663. Acesso em: 24 abr. 2024.

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