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Limites dos juros remuneratórios nos contratos bancários

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Capítulo III- Limites constitucionais aos juros bancários

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A constituição mexicana de 1917 foi a primeira a tratar de forma sistemática da ordem econômica. Em seguida, várias outras nações seguiram o exemplo. “No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a consignar princípios e normas sobre a ordem econômica, sob a influência da Constituição alemã de Weimar” (SILVA, 2002, p. 762).

A Constituição de 1988 tratou do tema em quatro capítulos: dos princípios gerais da atividade econômica; da política urbana; da política agrícola e fundiária e da reforma agrária; e do sistema financeiro nacional.

Valorização do trabalho humano, função social da propriedade e defesa do consumidor são alguns dos princípios expressamente enumerados pela Constituição.

3.1.  Art. 192, § 3º da Constituição Federal de 1988

Em apenas um artigo, a Constituição Federal tratou do Sistema Financeiro:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

I - a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata este inciso;

II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador;

II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador.

III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente:

a) os interesses nacionais;

b) os acordos internacionais

IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do banco central e demais instituições financeiras públicas e privadas;

V - os requisitos para a designação de membros da diretoria do banco central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo;

VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União;

VII - os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento;

VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras.

§ 1º - A autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento.

§ 2º - Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados.

§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

Dessa forma, no § 3º, a Constituição Federal consolidou a limitação da taxa de juros em doze por cento ao ano.

Ao especificar as taxas de juros reais, conclui-se que foi abrangida a capitalização, de forma que o índice percentual não pode ultrapassar aquele limite, ainda que aplicada a capitalização. É o que revela a redação do dispositivo, ao usar a expressão juros reais.

A Lei n.º 4.595 possibilitou, desde que consentidas pelo Conselho Monetário Nacional, interpretações permissivas de taxas de juros superiores a 12% (doze por cento). De forma contrária, foi incluída na Carta Magna norma proibitiva, que derroga qualquer outra regra supostamente autorizada de percentuais reais mais elevados.

O dispositivo constitucional limitador dos juros, à primeira vista, parece claro. Entretanto, a economia do constituinte em inserir um número demasiado de normas num mesmo artigo gerou controvérsias na interpretação do § 3º do art. 192. Passaram a surgir questionamentos sobre a auto aplicabilidade da referida norma constitucional.

O Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre a questão na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4. O objeto da ADIn n.º 4 foi um parecer emitido pela Consultoria Geral da República, um dia após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e aprovado pelo Presidente da República, concluindo pela necessidade de edição de norma complementar superveniente para aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CF/88. Por força do Decreto n.º 92.889/1986, art. 22, § 3º, o parecer da Consultoria Geral, aprova pelo Presidente da República, adquire caráter normativo para a Administração federal, cujos órgãos e entes ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. Sobre a competência do Presidente da República para aprovar tal ato com caráter normativo e obrigatoriedade para a Administração Federal, foi ajuizada, por partido político, a ADIn n.º 4.

Ao decidir a matéria o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ação, concluiu pela competência do Presidente da República na aprovação dos pareceres da Consultoria da República e fixou o entendimento de que o § 3º do art. 192 da CF/1988 teria eficácia limitada pela lei complementar prevista no caput do artigo. Nesse sentido, o voto do Min. Sydney Sanches:

“Note-se e observe-se que o texto constitucional não determina quais as regras fundamentais do sistema financeiro nacional, para, depois, declarar que a lei complementar deverá regulamenta-las. No art. 192, o que primeiro se estabelece é que “o sistema financeiro nacional (...) será regulado em lei complementar”. Esta é a regra fundamental do citado preceito da Constituição, a revelar que a preocupação principal do legislador constitucional foi a de entregar a lei complementar, e não a leis ordinárias, a regulamentação básica do sistema financeiro nacional”(julgada em 07.03.91, Relator Ministro SIDNEY SANGUES, Diário da Justiça da União de 25.06.93, ementário 1709-01, RTJ 147/816-817).

Com a devida vênia, não parece acertada a decisão do Colendo Tribunal uma vez que aparenta o dispositivo ter imediata incidência e independente de regulamentação, ou de lei complementar.

Determina o caput do art. 192 que a atividade bancária será regulada por lei complementar, dispondo esta, inclusive, sobre os incisos que se seguem. No caso do § 1º, é evidente e explícito que se deve aguardar a lei complementar, pois nele se faz referência à lei. Porém, não no § 3º, que trata de questão completamente diferente das mencionadas nos incisos I a VIII.

De acordo com a classificação ensinada por José Afonso da Silva (1982, p. 89-91), pode-se dizer que o art. 192 é de eficácia contida, ou seja, o legislador constituinte regulou suficientemente a matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte poder público.

A limitação imposta pelo caput do artigo não se estende aos seus parágrafos. É pacífica a ideia de que a maneira de dispor da matéria em parágrafos emprega o esforço de excepcionar a regra-base.

O § 3º do art. 192 contém todos os elementos necessários à aplicabilidade imediata, embora a legislação infraconstitucional possa eventualmente atuar de forma restritiva, sobretudo diante da presença de termos indeterminados, tais como remunerações e comissões. Tais proposições devem ser ter por escopo apenas a definição dos termos. Entretanto, não pode dispor daquilo que é a essência do dispositivo, o que lhe é fundamental e imperativo, ou seja, a taxa de 12% (doze por cento) ao ano. O conteúdo de juros reais não carece de lei complementar para a sua caracterização.

Importante ressaltar as palavras de José Afonso da Silva (2002, p. 803) ao tratar da questão ora suscitada:

Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, por exemplo, o § 1º do mesmo art. 192. Ele disciplina assunto que consta nos incs. I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita  às limitações impostas no citado parágrafo.

A lei complementar a que se referia o caput do art. 192 e à qual o Supremo Tribunal Federal condicionou a aplicabilidade de seu § 3º foi substituída pelo legislador pela Emenda Constitucional n.º 40, de 29 de maio de 2003 que revogou o § 3º do art. 192.

O precedente criado pela ADIn n.º 4 não foi suficiente para encerrar a celeuma e a controvérsia gerada ao redor do § 3º do art. 192 da Constituição, forçando a edição pelo STF da Súmula 648:

A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.

Assim, mantendo o entendimento já firmado, encerrou o STF qualquer discussão prática sobre a questão da auto aplicabilidade do extinto § 3º do art. 192, ainda que em relação ao período em que esteve em vigor.


Capítulo IV- Limitações infraconstitucionais aos juros bancários

4.     apagar

Diversos dispositivos infraconstitucionais estabeleceram regras limitando os juros a prática de juros abusivos.

A Lei de Usura foi a pioneira no tema ao consagrar a limitação da taxa de juros ao dobro da taxa legal (art. 1º), esta, por sua vez, anteriormente fixada no art. 1.062 do Código Civil de 1916 em 6%.

Outros dispositivos estabeleceram regras e princípios relativos à matéria.

4.1.   Lei n.º 4.595/64

Com a superveniência da Lei 4.595/64, as instituições financeiras que integram o Sistema Financeiro Nacional passaram a submeter-se ao Conselho Monetário Nacional, que tem competência para estabelecer, entre outras atribuições, as taxas de juros.

De acordo com o art. 1º, V, da Lei de Reforma Bancária, o Sistema Financeiro Nacional, será estruturado e regulado por esta lei, e será constituído, dentre outras, pelas instituições financeiras públicas e privadas.

O art. 17 define instituições financeiras como sendo as pessoas jurídicas públicas ou privadas que exerçam, ainda que de forma acessória, a coleta em moeda nacional ou estrangeira e a custódia de valor de propriedade de terceiros e equipara, no parágrafo único do mesmo artigo, às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades descritas no caput do artigo, ainda que de forma eventual.

Dessa forma, os bancos e demais instituições financeiras compõem o Sistema Financeiro Nacional, subordinando-se à mencionada lei, instituída para disciplinar suas atividades.

Fica criado o Conselho Monetário Nacional (CMN) em substituição da Superintendência da Moeda e do Crédito, com a “finalidade de formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País” (art. 2º).

Dentre outras atribuições, compete ao Conselho Monetário Nacional, nos termos do art. 4º, IV, “Disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas”; inciso IX, “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros.”; e inciso XVII, “regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redesconto e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancária.”

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Como consequência deste dispositivo legal surgiu o entendimento de que os estabelecimentos bancários podem estabelecer taxas de juros superiores a 12% (doze por cento) ao ano. Neste sentido, dispõe a Súmula 596 do STF:“As disposições do Decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.”.

A jurisprudência do Pretório Excelso impusera em julgamentos anteriores à inaplicabilidade da limitação das taxas de juros estabelecidas na Lei de Usura. Na fundamentação do voto, proferido pelo Min. Oswaldo Trigueiro:

O art. 1º do Decreto 22.626 está revogado, não pelo desuso ou pela inflação, mas pela Lei 4.595, pelo menos no pertinente às operações com as instituições de crédito, públicos ou privados, que funcionam sob o estreito controle do Conselho Monetário Nacional.” (RE 78.953, RTJ 72/916)

No mesmo julgamento e acompanhando o entendimento anterior o Min. Xavier de Albuquerque:

Assim também me parece. O legislador do Dec. 22.626/33 cuidou, ele mesmo, de limitar a taxa de juros, fazendo-o no máximo de 12%. O da Lei 4.595/64, porém, adotando nova técnica para formulação da política da moeda e do crédito, criou o Conselho Monetário Nacional e, conferindo-lhe poderes normativos, quase legislativos, cometeu-lhe o encargo de limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros (art. 4º, IX). A cláusula 'sempre que necessário', contida nesse preceito, parece-me mostrar que deixou de prevalecer o limite genérico do Dec. 22.626/33; a não ser assim, jamais se mostraria necessária, dada a prevalência de um limite geral, único, constante e permanente, preestabelecido naquele velho diploma legal, a limitação que a nova lei atribuiu ao Conselho.

Dessa forma, com a publicação da Lei 4.595/64, é consagrada no ordenamento jurídico brasileiro a distinção de tratamento dado aos bancos no tocante à estipulação das taxas de juros nos contratos.

4.1.1. Princípio da igualdade

Importante ressaltar que, pouco tempo após a edição da Lei 4.595/64, foi publicado o Decreto-lei 167/67 dispondo sobre títulos de crédito rural. O art. 5º do referido dispositivo estabelece que: “As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros as taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar (...)”.

Os Tribunais firmaram posicionamento no sentido de que, no caso específico das cédulas de crédito rural, os juros, quando não fixados pelo Conselho Monetário Nacional, obedecerão aos limites do Decreto 22.626/33.

Crédito rural. Limitação da taxa de juros.

1. O Decreto-lei nº 167/67, art. 5º, posterior à Lei nº 4.595/64 e específico para as cédulas de crédito rural, confere ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano prevista na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), não alcançando a cédula de crédito rural o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 596/STF (REsp nº 111.881-RS).

2. Recurso especial não conhecido(3ª Turma, REsp n. 165.265/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, unânime, DJU de 07.06.1999).

De qualquer modo, as pessoas físicas ou jurídicas não enquadradas no conceito de instituições financeiras estabelecido na Lei 4.595/64 permanecem proibidas de estipular taxas de juros superiores às estabelecidas no Decreto 22.626/33, até a entrada em vigor do Novo Código Civil, a ele se sujeitando, a partir de então.

Evidenciam-se em nosso ordenamento, três regimes diferenciados no que tange a cobrança de juros: o tratamento geral instituído pelo Decreto 22.626/33 e atualmente em vigor no CC/2002, que veda a estipulação de juros superiores a taxa legal; a Lei 4.595/64 que permite às instituições financeiras a livre estipulação de taxas de juros, entretanto passíveis de limitação pelo Conselho Monetário Nacional; e o crédito rural, cuja taxa de juros é limitada pela Lei de Usura até que o CMN estabeleça outras taxas.

Em qualquer das hipóteses não há de se consagrar privilégios em favor de uma determinada classe de entidades ou pessoas, mesmo porque, por princípio constitucional, todos são iguais perante a lei.

A busca pela igualdade material, no tratamento igualitário aos iguais e com desigualdade aos desiguais, conduz ao estabelecimento de desigualdades. São várias as hipóteses em que a Constituição, visando assegurar a isonomia material, estabelece distinções de tratamento. Como exemplo, pode-se citar o tratamento diferenciado às mulheres dado pela Constituição Federal (art. 5º, L; art. 7º, XVIII e XIX; art. 143, §§ 1º e 2º).

As discriminações positivas só podem ser aplicadas para proteger certos grupos aos quais o constituinte entendeu merecerem tratamento diversificado, com a finalidade de corrigir marginalização social gerada ao longo da história ou compensar a hipossuficiência de determinados grupos.

Ao tratar da igualdade, ensina José Afonso da Silva (2002, p. 214) que “o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei.”

Não se vislumbra, na presente hipótese, em que a norma estabelece uma discriminação positiva, qualquer necessidade especial dos estabelecimentos bancários que justifiquem a imposição de norma mais benéfica em face do tratamento comum dado aos agiotas em geral. Admitir tratamento diferenciado e favorável aos bancos é o mesmo que dizer que estes são mais hipossuficientes do que os agiotas e que o poder econômico destes poderia prejudicar a atividade bancária.

É cediço que isso não ocorre e consequentemente, não se justifica o tratamento diferenciado, motivo pelo qual, a interpretação dada à Lei n.º 4.595/64 no sentido de que os bancos podem fixar livremente as taxas de juros conduz necessariamente a constatação de que a Lei n. 4.595/64, ou mesmo o Decreto-lei n.º 167/67, é inconstitucional, por ofender o princípio da igualdade, presente no art. 141, § 1º da Constituição de 1946, então em vigor. Pelo mesmo motivo que não pode ser recepcionada pela atual Constituição (art. 5º, caput).

O princípio da igualdade impõe ao interprete a aplicação ou da Lei n.º 4.595/64 ou da Lei de Usura e Código Civil de 2002 às taxas de juros pactuadas em todos os contratos que envolvam o crédito, seja aos bancos, seja aos agiotas, muito embora o uso da razoabilidade e da proporcionalidade como postulados normativos de interpretação e aplicação do direito certamente conduzirão o interprete à solução de que os limites impostos atualmente pelo Código Civil à taxa de juros devem ser aplicados aos contratos bancários que poderão, ainda, sofrer uma limitação ainda maior, imposta pelo Conselho Monetário Nacional, nos termos da Lei n. º 4.595/64, pois nesta lei, não se encontra qualquer menção a derrogação da Lei de Usura.

Do contrário, é oficializar a agiotagem, porém para apenas uma classe de privilegiados.

4.1.2. Art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

A Lei de Reforma Bancária de 1964, com visto anteriormente, concedeu ao Conselho Monetário Nacional a competência para disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas (art. 4º, VI).

A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Congresso Nacional a competência, no art. 48, de dispor sobre operações de crédito (inciso VIII) e sobre instituições financeiras e suas operações (inciso XIII).

Contudo, o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias revogou todos os dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência assegurada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no tocante à ação normativa, a partir de cento e oitenta dias da data da promulgação da Constituição, podendo este prazo ser prorrogado através de lei.

Ocorre que tal prorrogação aconteceu.

A Medida Provisória n.º 45/89, de 31 de março de 1989, estendeu o prazo de vigência até 30 de abril de 1990. Contudo, perdeu sua eficácia em 3 de maio de 1989, já que foi publicada em 3 de abril de 1989 e decorreram 30 dias sem que tivesse sido aprovada pelo Congresso ou reeditada a tempo. A reedição veio através da Medida Provisória n.º 53, de 3 de maio de 1989, e prorrogou, em tese, a competência até 30 de outubro de 1989. Embora convertida na Lei n.º 7.770/89, a Medida Provisória n.º 53 só entrou em vigor em 5 de maio de 1989, data de sua publicação.

Seguiu-se a Medida Provisória n.º 100/89, através da qualficou prorrogado, até a data da promulgação da lei complementar de que trata o art. 192 da Constituição. A seguir, a Lei n.º 7.892/89 voltou a limitar o prazo, desta vez até 31 de maio de 1990 data que entrou em vigor a MP n.º 188/90, convertida na Lei n.º 8.056/90, fixando o limite do prazo em 31 de dezembro de 1990.

A Medida Provisória n.º 277/90, convertida na Lei n.º 8.127/90, por sua vez,determinou como termo final o dia 30 de junho de 1991. Seguiu-se a Lei n.º 8.201/91, prorrogando até 31 de dezembro de 1991.

A Lei n.º 8.392/91 fixou como termo final a promulgação da lei complementar mencionada no artigo 192 da Constituição, determinação mantida pela Lei n.º 9.069/95 que criou o Plano Real, até hoje.

Apesar das inúmeras prorrogações, o Conselho Monetário Nacional perdeu a sua competência normativa em 03 de abril de 1989.

Portanto, os referidos instrumentos normativos posteriores à Medida Provisória n.º 45/89 não tiveram condições de prorrogar um prazo que já havia se esgotado.

Nesse sentido, o voto do Min. Marco Aurélio de Mello:

Admita-se que o artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não haja delimitado a prorrogação do prazo nele previsto - de 180 dias. Todavia, há de se dar interpretação ao texto a partir da razoabilidade. Em síntese, não se coaduna com o citado princípio a sucessividade de leis elastecendo um prazo de 180 dias de forma indeterminada. Hoje, passados mais de 16 anos da vigência da Carta de 1988, tem-se, ainda a competência do Conselho Monetário Nacional a partir de extravagante delegação, porquanto contrária aos ditames constitucionais. Há de se proclamar a supremacia da Carta da República, predicado que apanha não apenas os preceitos situados no corpo permanente, mas também no Ato das Disposições Transitórias (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 286.963-5 MG, RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE.

Dessa forma, o melhor entendimento é no sentido de reconhecer a revogação da competência atribuída pela Lei n.º 4.595/64 ao Conselho Monetário Nacional para disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas (art. 4º, VI).

Posto isto, resta indagar acerca das implicações e consequências jurídicas da revogação do dispositivo que delega ao CMN competência normativa atribuída pela Constituição Federal ao Congresso Nacional.

O objeto da revogação, ultrapassado o prazo de cento e oitenta da promulgação da CF, é a competência atribuída ou delegada a órgão do Poder Executivo pela legislação anterior à Lei Maior e não as normas editadas quando vigente a delegação.

O Conselho Monetário Nacional perdeu sua competência normativa em 03 de maio de 1989, a qual voltou ao Congresso Nacional. Dessa forma, qualquer dos atos normativos editados pelo CMN, anteriores a perda de sua competência foram recepcionados pela Constituição e só podem ser modificados por lei complementar. Os atos posteriores à perda da competência serão inconstitucionais, no caso inovarem no ordenamento jurídico brasileiro ou não houver norma infraconstitucional que trate do assunto, ou ilegais, quando ultrapassem o limite do ato normativo do Conselho Monetário Nacional, recepcionado como lei.

Dessa forma, muito embora tenha retirado a competência do CMN para limitar juros, o art. 25 do ADCT, não revogou os limites impostos (ou a ausência de limites) por aquele órgão no tocante à taxa de juros nos contratos bancário.

Assim, se reconhecida a inaplicabilidade da Lei de Usura aos contratos bancários após a edição da Lei n.º 4.595/64, o dispositivo constitucional transitório não é capaz de restabelecer a aplicação do Decreto n.º 22.626/33 aos contratos bancários.

4.2.       Código de Defesa do Consumidor

Cumprindo a determinação contida no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em 1990, foi publicado o Código de Defesa do Consumidor.

4.2.1. Aplicabilidade do CDC aos contratos bancários

Apesar do art. 3º, § 2º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) definir expressamente como fornecedores, persiste na doutrina o debate sobre a incidência das normas de proteção ao consumidor sobre os contratos estabelecidos entre o banco e seus clientes.

No que tange às operações bancárias acessórias, ou seja, os serviços bancários, tais como a custódia de valores e o aluguel de cofres, é pacífico o entendimento de que estas modalidades contratuais estão sujeitas à incidência das normas de proteção ao consumidor.

Defende o setor bancário que não há, nos contratos firmados entre as instituições bancárias e seus clientes, relação de consumo. Argumentam que o crédito, quando contratado, não é utilizado pelo mutuário como destinatário final, uma vez que, a própria natureza do crédito impõe que este seja utilizado como forma de pagamento, destinando-se, portanto, à circulação (WALD, 1991, p. 7-17).

O CDC define, no art. 2º, consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Com base nesta definição legal, aqueles que se posicionam pela inaplicabilidade do CDC às operações de crédito bancárias alegam que, na medida em que o cliente toma o crédito do banco, para posteriormente empregar o capital mutuado em outra atividade, entregando os recursos a terceiros, não estaria o cliente agindo como destinatário final do crédito. O crédito mutuado passaria sempre do cliente para um terceiro, circulando na economia até ser captado por um banco e, assim, encerrando o ciclo da moeda escritural.

Entretanto, dessa vez, os Tribunais se pronunciaram à favor dos consumidores.

Primeiro, através da Súmula 297, publicada no Diário da Justiça em setembro de 2004, estabeleceu de forma clara e precisa: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu no mesmo sentido através do julgamento da ADIn n.º 2.591. A Confederação Nacional do Sistema Financeiro ajuizou a ADIn n.º 2.591 para que fosse declarada a inconstitucionalidade do § 2º, in fine, do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.

O Supremo decidiu pela improcedência do pedido, reconhecendo a constitucionalidade do dispositivo. Neste sentido o voto do Min. Eros Grau

O art. 2º do Código diz que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. E o § 2º do art. 3º define como serviço “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Assim temos que, para os efeitos do Código do Consumidor, é “consumidor”, inquestionavelmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. Isso não apenas me parece, como efetivamente é, inquestionável. Por certo que as instituições financeiras estão, todas elas, sujeitas ao cumprimento das normas estatuídas pelo Código de Defesa do Consumidor (ADIn 2.591-1 – DF. RELATOR : MIN. CARLOS VELLOSO).

Diante dos argumentos, não há como se negar a aplicabilidade das normas protetivas do CDC às atividades bancárias e sua operações, sejam elas típicas ou acessórias, desde que o crédito seja utilizado pelo destinatário final em atividade não lucrativa, caracterizando-o como consumidor final.

4.2.2. Princípios limitadores dos juros

Embora, à exceção do art. 52, § 1º, que limitou em 2%, não tenha sido o Código de Defesa do Consumidor explícito em limitar as taxas de juros, inseriu no ordenamento jurídico uma série de princípios que têm influência direta sobre os juros, dentre os quais, pode-se citar o princípio da boa-fé objetiva, o princípio da função social do contrato, o princípio da transparência, o princípios da vulnerabilidade, entre outros.

Nesse sentido, afirma Martsung F. C. R. Alencar (2006, p. 107):

Tais princípios são absolutamente incompatíveis com a cobrança de taxas de juros exorbitantes, que afrontam, de modo direto, tanto a função social do contrato, que evidentemente não é servir de instrumento de enriquecimento sem causa para os detentores do capital, em detrimento da exploração dos mutuários, assim como a noção de boa-fé contratual, e, mais ainda, o intuito de equilíbrio nas relações, princípio da equivalência material, quando um mesmo agente financeiro remunera cadernetas de poupança ou demais depósitos para aplicação que recebe com 10 ou 12% ao ano, em média, ao mesmo tempo em que cobra taxas de 150 ou até 200% ao ano pelos empréstimos que concede.

Assim, é direito básico do consumidor a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6°, V) no que se enquadram as taxas de juros praticadas no mercado financeiro. É vedado, ainda, ao fornecedor de serviços bancários e creditícios, práticas consideradas abusivas, tais como exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39). Além disso, são consideradas nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas abusivas (art. 51).

4.3.       Código Civil de 2002

Importante modificação trazida pelo Código Civil de 2002 foi a derrogação da Lei de Usura. Esta limitava a taxa de juros ao dobro da taxa legal.

O Código Civil de 2002, por sua vez limitou os juros à taxa legal (art. 591), sem ser dobrada. Além disso, a taxa legal de juros, antes fixada em 6% pelo CC/1916, passa a ser a mesma que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC/2002, art. 406).

Essa taxa é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic. A Selic é aplicada aos tributos e contribuições sociais arrecadados pela Secretaria da Receita Federal por imposição da Lei n.º 9.065/1995.

Além das disposições expressas no que se refere aos juros, o Novo Código Civil (Lei n.º 10.406/2002) adotou os princípios sociais do contrato, antes restritos às relações de consumo, estendendo-os para além das relações consumeristas. Função social do contrato (art. 421), boa-fé objetiva (art. 422) e interpretação mais favorável ao aderente (art. 423).

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OLIVEIRA, Bruno Eduardo Araújo Barros. Limites dos juros remuneratórios nos contratos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3878, 12 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26687. Acesso em: 26 abr. 2024.

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