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Mais uma reflexão sobre atividade econômica e serviço público

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12/02/2014 às 14:35
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IV – Atividade Econômica

Celso Antônio reconhece que a Constituição não define o que seja “atividade econômica” e sustenta que ela é obtida por exclusão, após o legislador ter definido o que seja serviço público[91].

Aduz que, conquanto também seja fluido, seu conceito comporta uma zona de certeza, em que indubitavelmente seja possível afirmar que se trata de atividade econômica[92]. Ocorre que essa zona não é indicada por ele.

A palavra economia, em sua origem, diz respeito à “administração da casa”, ao suprimento das necessidades[93].

As necessidades podem ser melhor traduzidas em desejos, algo pela qual as pessoas se interessem.Os homens agem para satisfazer esses interesses, dos mais nobres aos mais vis.

Vale lembrar que mesmo os atos ilícitos têm relevo para o direito, estando previstos normativamente. Aliás, a renda obtida com atividade ilícita também é sujeita à tributação[94].

Essas atividades, o homem as pratica para si ou para outrem, como meio para satisfazer seus próprios interesses, ou diretamente por meio delas, ou com os recursos que obterá ao trocar o produto de sua atividade no mercado.

Quando emprega recursos em uma atividade dessa natureza, ele forçosamente terá que esperar lucro. Com efeito, se seu objetivo não é essa atividade, já que ela é apenas meio para satisfazer seus interesses, os recursos que serão obtidos com ela necessariamente deverão superar os custos. Caso contrário, o homem empregaria seus recursos diretamente naquilo que desejasse.

As atividades voluntárias e de benemerência normalmente são atividades que poderiam ser oferecidas mediante um preço, mas este é dispensado por quem as presta.

Celso Antônio assevera, todavia, que seria inútil utilizar o lucro como critério distintivo da atividade econômica. São suas palavras:

Seria inútil pretender configurar “atividade econômica” como aquela suscetível de produzir lucro, ou como aquela que é explorada lucrativamente. Qualquer atividade (salvantes as de mera benemerência) e mesmo os serviços públicos mais típicos são suscetíveis de produzir lucro e de exploração lucrativa. Aliás, se não o fossem, não poderia existir a concessão de serviços públicos, pois o que nela buscam os concessionários é precisamente a obtenção de lucros com a exploração do serviço.[95]

Creio que é justamente aqui que se deixou passar a oportunidade de se chegar a um conceito preciso de atividade econômica.

Como visto acima, o homem pratica uma atividade para com ela satisfazer suas necessidades diretamente ou por meio dos recursos por ela propiciados. A atividade econômica ocorre nesse segundo caso, quando o homem emprega recursos na produção de bens ou serviços para serem trocados no mercado.

É justamente o fato de um produto ou serviço ser suscetível de troca no mercado para obtenção de lucro que o torna econômico.

A atividade econômica é aquela destinada a majorar o patrimônio do indivíduo. A majoração só é possível se sua atividade for lucrativa, isto é, se o produto de sua atividade for colocado no mercado por um valor superior aos recursos empregados em sua fabricação.

Mas deve ser notado que o fato de eventualmente haver prejuízo não faz com que a atividade deixe de ser econômica.

Então a caracterização da atividade econômica está na intenção do agente que a pratica e não em seu resultado.

O que pode ser feito no mercado não se mostra passível de predição. Já há quem venda a virgindade[96] ou mesmo quem se ofereça para ter o corpo tatuado com a propaganda de algo em troca de dinheiro[97], sem contar as atividades tidas como ilícitas.

Essa grande margem de possibilidades, ao que tudo indica, fez com que Eros Grau considerasse os serviços públicos como espécie de atividade econômica, como visto acima[98].

E o intuito lucrativo foi o critério utilizado como caracterizador da atividade econômica na Constituição, como demonstram alguns exemplos.

O seu art. 43, §2º, IV, ao tratar de incentivos como forma de reduzir as desigualdades regionais, faz menção ao aproveitamento econômico de rios e de massas de água represadas[99].

Ao cuidar dos princípios gerais da ordem tributária, o art. 145, §1º, menciona “atividades econômicas do contribuinte” para se referir à aquilo que a pessoa pratica para auferir renda[100].

O art. 149, quando trata das contribuições de competência da União, cita “categorias profissionais ou econômicas” para respectivamente fazer alusão a trabalhadores e empresas[101].

A propósito, empresário, no art. 966 do Código Civil, é “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Já quando define associações, esse Código diz em seu art. 53 que elas se constituem “pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.” Fim não econômico é fim não lucrativo.

No capítulo dos princípios gerais da ordem econômica, a Constituição diz em seu art. 170: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]”.

Tudo leva a crer que se quis fazer um contraponto entre trabalho e capital, trabalho humano e livre iniciativa, trabalho subordinado e trabalho autônomo ou empreendedorismo[102].

Para que seria livre a iniciativa? Para que o homem escolhesse a forma como pretende sobreviver.

É certo, todavia, que não se trata de total liberdade.

De um lado, ela deve cumprir sua função social, como já apontado acima e mencionado no seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do artigo 170 da Constituição Federal, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada[103].

Calixto Salomão Filho, na mesma linha, afirma que “livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta”[104].

Contudo, essa limitação também encontra barreiras. Não se pode limitar esse direito a ponto de anulá-lo[105].

Assim, colocados os traços da atividade econômica e os contornos do serviço público, cabe a tentativa de conciliá-los na solução dos problemas colocados no início.


V – A teoria e a prática

Em primeiro lugar, um particular que recebe a concessão de um serviço público faz uso dela como exercício de atividade econômica, já que possui intuito lucrativo. Em razão das disposições legais que regem essa atividade, a liberdade do particular é restringida, o que é admitido pela própria Constituição.

Com relação ao caso dos serviços postais, também se trata de atividade econômica, pelo menos em sentido amplo. Se prestada pelo Estado, contudo, será serviço público. Em razão de sua relevância, o Estado, por meio da Lei n.º 6.538, de 1978, garantiu-lhe direito de exclusividade na sua prestação.

Isso se justifica, na medida em que, pelas dimensões do Brasil e por sua diversidade, o resultado econômica da atividade não será o mesmo em todos os locais. Assim, os locais lucrativos compensam os deficitários[106].

Liberado à iniciativa privada, ocorreria sua concentração nos locais lucrativos, reduzindo o resultado do Estado e podendo prejudicar a prestação do serviço.

O problema, todavia, consiste no fato de haver na prática diversas empresas realizando transporte de pequenos volumes, com insegurança jurídica quanto ao enquadramento dessa atividade no privilégio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e, por conseguinte, quanto a eventual subsunção no tipo penal do art. 42 da Lei nº 6.358, de 1978, já citada acima.

Quanto à questão relativa à possibilidade de o Estado exercer qualquer atividade econômica em sentido estrito em caso de interesse coletivo e imperativos da segurança nacional, não parece haver grandes problemas. A Constituição não fez qualquer restrição quanto aos tipos de atividade, mas apenas quanto aos motivos que justificam a atuação estatal.

A restrição à livre iniciativa, por seu turno, será o contraponto da atuação estatal, do interesse coletivo. Sempre que o Estado atuar, necessariamente estará de alguma forma atingindo o interesse individual.

Na prática, a lei definirá o que é serviço público e ficará sujeita ao controle do Poder Judiciário.

Com relação ao serviço de táxi, trata-sede atividade econômica, mas, como visto, não é tão livre. Aliás, é muito limitada. Uma total liberdade, em tese, poderia aumentar a oferta do serviço e fazer a renda dos profissionais diminuir. Isso poderia refletir de forma negativa na qualidade do serviço. Por outro lado, um intervenção estatal pode gerar um mercado paralelo de transporte clandestino, bem como a venda do direito de operar. Enfim, em qualquer relação bilateral com interesses contrários, como essa, em que há clientes e prestadores de serviço, toda intervenção necessariamente acarretará o risco de favorecimento de uma parte em detrimento da outra ou de outrem[107].

Referente à natureza dos serviços prestados pelo Estado, isto é, se todos eles seriam serviços públicos, é certo que a Constituição faz menção no art.173 à exploração da atividade econômica por entes criados pelo Poder Público.

Chega a afirmar que, nesses casos, esses entes não poderão ter tratamento diverso daquele conferido aos particulares. Essa norma objetiva garantir uma concorrência justa, para que não haja prejuízo aos particulares[108].

Mas como imaginar que o Estado explore atividade econômica disfarçado de agente privado? Por trás do seu ente com personalidade jurídica de direito privado, haverá um forte vínculo com o regime de direito público para consecução das finalidades coletivas.

Não se deve olvidar que, ainda que a Constituição se refira a exercício de atividade econômica, isso não quer dizer que tal atividade, quando prestada pelo Estado, não sejaserviço público.

Essa afirmação, obviamente, reclama uma definição de serviço público, que a torne compatível com o texto constitucional.

Em princípio, o Estado não pode agir sem prestar serviço público, ainda que num sentido amplo.

Mesmo quando exerce um ato instrumental, como no poder de polícia, ainda que se possa sustentar que esse exercício não represente um serviço público em sentido estrito para o particular que sofre a fiscalização, inegavelmente se trata de um serviço público em favor da sociedade, normalmente realizado para buscar sua segurança.

Pode ser levantado o fato de as empresas estatais buscarem o lucro. Mas o lucro, que é para a iniciativa privada um fim, para os entes estatais é um meio para consecução de um fim maior, um fim coletivo.

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É certo que o Estado pode doar um bem público para um particular, quando o interesse coletivo assim determine na lei. Pode ser citado como exemplo um pequeno Município que tenha doado um imóvel a um munícipe para que ele instale uma academia, como reconhecimento pelo fato de ter vencido uma competição esportiva internacional.Com base nesse exemplo e nessa linha de raciocínio, poderia ser inferido que haveria possibilidade de outorgar total liberdade a uma empresa estatal agir, já que “quem pode o mais, pode o menos”.

Ocorre que, enquanto o bem doado tem seu fim exaurido com a doação, o ente estatal privado continua existindo e deve continuar existindo para alcançar sua finalidade, que não se exaure na sua constituição.Seu lucro não poderá ser simplesmente apropriado por particulares[109]. Sua atividade não poderá ser totalmente livre e com fins tão somente especulativos.

Tanto é verdade que esses entes estão sujeitos a uma série de normas que afastam a autonomia da vontade do administrador, obrigando-o a licitar e a contratar por concurso público.

Aqui é interessante notar um certo paradoxo: Os entes estatais, que, segundo a doutrina, exploram atividade econômica em regime privado, estão sujeitos a uma série de restrições de ordem pública[110]. Os serviços públicos, que teriam como característica citada pela doutrina o “regime de direito público”, são concedidos a particulares que podem contratar quem bem entenderem, sejam empresas, sejam as pessoas de seu quadro...

Enfim, aquilo que a Constituição Federal chama de atividade econômica explorada pelo Estado é para ele uma espécie de serviço público, com regime próprio, seja para proteger o particular, principalmente quanto ao aspecto concorrencial, seja para proteger o erário, evitando desvio de recursos públicos.

Voltando ao lado extremo do serviço público, não se pode negar que o Poder Judiciário preste serviço público. E um serviço remunerado por taxas inclusive.

Por que não considerar esse serviço um serviço público? Não há um bem material entregue mediante a tutela jurisdicional? Essa prestação não tem um valor e na maioria das vezes econômico?

E para os que defendiam a indelegabilidade do serviço prestado pelo Poder Judiciário, não há como negar que o advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, trouxe uma revolução ao permitir a arbitragem na solução de litígios. Não se trata, sequer, de serviço público delegado. Essa lei admite que o particular, qualquer pessoa capaz, julgue litígios, se assim concordarem as partes, e não faz nenhuma exigência para autorizar a prestação desse serviço.

A apreciação da decisão do árbitro pelo Judiciário é cabível apenas em casos excepcionais, uma vez que a regra, segundo os termos do art. 18 dessa Lei, é a seguinte: “Art.18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”

Quanto ao serviço de segurança pública, previsto no art. 144 da Constituição[111], sem dúvida é de natureza pública. Mas o que será dito acerca dos serviços de segurança privada? Será serviço privado quando explorado pela iniciativa privada, assim como saúde e educação, estando entre aqueles que o particular pode exercer concomitantemente com o Poder Público?

Como distinguir os casos em que um serviço só pode ser prestado pelo particular mediante concessão ou permissão dos demais, em que ele pode exercer livremente ou dependendo de mera autorização?

Em princípio, além dos casos citados expressamente na Constituição, será necessário conceder ou permitir sempre que o exercício da atividade depender da utilização de bens públicos, como as vias públicas e os rios[112].

E haverá casos em que nem se deverá conceder ou permitir, como lembrado por Calixto Salomão Filho[113]. Para ele, serviços que possam gerar externalidades não teriam condições de serem prestados adequadamente, do ponto de vista coletivo, por particulares. “É inútil tentar mudar sua natureza através de regimes jurídicos específicos”[114].

Um exemplo que colocaria em debate seria a administração de planos ou seguros de saúde. Trata-se de um ramo em que, quanto maior o número de participantes, melhor a condição para consumidores e prestadores de serviço. Aqueles teriam que pagar menos e esses poderiam receber mais. Além disso, uma grande quantidade de participantes poderia, em tese[115], tornar o sistema mais sólido.

Esses administradores prestam um serviço relevante, inclusive tendo mais possibilidades de negociar melhores condições de preços e serviços com os prestadores. Por outro lado, o seu legítimo intuito lucrativo, talvez não seja compatível com a natureza do serviço. Isso porque, a relação bilateral básica entre paciente e prestador de serviço de saúde já possui sua própria tensão natural para fixação do preço, em que o primeiro pretende pagar o menor preço e o segundo cobrar o maior preço. O ingresso do intermediário pode aumentar essa tensão, já que parte do que o consumidor paga e do que prestador recebe será apropriada por ele, que também, naturalmente, terá o intuito de cobrar o máximo dos primeiros e pagar o mínimo aos prestadores.

Para completar esse quadro, decisões judiciais e normas da agência reguladora às vezes contrariam a lógica do mercado[116]. O problema não está no fato de todos os agentes econômicos envolvidos na relação almejarem reduzir seus custos e maximizar seus ganhos. Está sim na questão acerca do cabimento ou não da prestação desse tipo de serviço por ente privado, bem como na adequação das normas que lhe são impostas[117].

Como se vê, em cada caso concreto, é necessário perquirir a forma como o serviço seria melhor prestado para a sociedade. Se há uma concessão ou permissão, não é justo não pagar o preço ao concessionário ou permissionário. Tampouco é justo que ele permaneça no serviço além do tempo necessário a amortizar seus investimentos. Mas como, na prática, medir o preço justo?

Em princípio, seria melhor não haver concessão nem permissão. Essa assertiva parte do pressuposto de que, uma vez delegado o serviço, o usuário terá que arcar com seu custo, bem como com o lucro do delegatário. Se o serviço fosse prestado diretamente pelo Estado, ainda que com lucro, este poderia ser revertido em benefício coletivo.

Enfim, em todos os casos, a decisão quanto à atuação estatal ou não e sua forma deve ser tomada democraticamente e respeitando as diretrizes constitucionais.

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Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAI, Leandro. Mais uma reflexão sobre atividade econômica e serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3878, 12 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26688. Acesso em: 2 nov. 2024.

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