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A arbitragem e os contratos internacionais

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18/02/2014 às 11:33
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9 A arbitragem na prática

O instituto da arbitragem está estabelecido no Código de Processo Civil há muitos anos, porém, antes da edição da Lei 9.307/96, vários eram os empecilhos criados para impedir ou minimizar o seu uso, ficando praticamente esquecido.

Mesmo com a vigência da lei, as dúvidas e dificuldades continuavam permeando o instituto, já que alguns dos Ministros do Supremo Tribunal Federal consideravam a cláusula compromissória inconstitucional, uma vez que na visão dos mesmos, essa cláusula infringiria o art. 5º, XXXV da Constituição Federal, ou seja, o princípio de que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Depois de muita discussão, o STF admitiu a constitucionalidade da cláusula compromissória, no final de 2001. Entendeu-se que a arbitragem decorre da vontade das partes, que assim como podem renunciar ao direito, podem renunciar a respectiva tutela, desde que respeitados os bons costumes e a ordem pública. Além disso, há outro entendimento de que o art. 5º, XXXV refira-se ao Legislativo e ao Judiciário, ou seja, de que estes não podem deixar de legislar sobre assuntos em voga e que requeiram legislação específica; e julgar as matérias arguidas pelas partes, respectivamente.

Contenda como essa, demonstra que o instituto vem ganhando respeito e gerando interesse, o que é de extrema importância.

Ao mesmo tempo em que garantiu a constitucionalidade da Lei 9.307, o STF referendou o efeito vinculante da convenção de arbitragem (cláusula compromissória e compromisso) e a eficácia da cláusula arbitral cheia.

A especialista em Direito Arbitral e membro da Comissão Relatora da Lei de Arbitragem, Selma Ferreira Lemes, destaca que o STF reconheceu que, quando as partes fornecem os elementos para dar início à arbitragem, havendo resistência da outra parte e diante de cláusula compromissória que elege uma instituição arbitral para administrar o procedimento, não há a necessidade de recorrer ao Judiciário para instituí-la, pois isso só seria necessário se a cláusula arbitral nada dispusesse a respeito (cláusula arbitral vazia)[81].

Segundo Selma Lemes, os Tribunais de Justiça de São Paulo e de Brasília emitiram entendimentos idênticos, bem como diversos precedentes de primeira instância, destacando que os juízes, ao depararem com a alegação da existência de cláusula compromissória, consideram-se impedidos para analisar a demanda, remetendo as partes à arbitragem. Eventualmente, esse entendimento ainda encontra resistência, “pois alguns juízes aplicam equivocadamente o conceito da lei revogada e negam eficácia à cláusula compromissória, declarando-se competentes para apreciar a matéria. Mas, seguramente, quando essas questões chegarem às instâncias superiores, serão revistas”[82].

Na mesma linha de entendimento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em abril de 2006, extinguiu um processo para atender cláusula de arbitragem (processo 70011879491)[83]. Segundo o TJRS, a existência de cláusula de arbitragem em contrato de negócios internacionais privados representa uma limitação ao alcance da justiça comum. Assim, a 9ª Câmara Cível do Tribunal manteve sentença que extinguiu, sem julgamento de mérito, ação ajuizada por AIB Serviços e Comércio, Alon Brasil Comércio e Distribuição de Calçados, Alon International S.A. contra Converse Inc. No processo, a intenção do grupo de empresas era a manutenção da vigência do contrato de licenciamento assinado com Converse Inc., até que se discutisse, pela via arbitral, os termos da rescisão proposta pela firma estrangeira. As regras para a arbitragem, nesse caso, eram as da AmericanArbitrationAssociation, com sede nos Estados Unidos.

No voto da relatora, Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardes, uma vez que há a concordância quanto à validade da cláusula inscrita no contrato entre as partes, que estipula o juízo arbitral, compete à Justiça brasileira tão somente examinar o caso para admitir o seu próprio limite de atuação. A relatora esclarece: “cabe a cada Estado definir o alcance de sua própria jurisdição, e o Brasil, ao editar a Lei 9.307/96, acabou por instituir uma limitação à intervenção judicial na arbitragem privada”.

Em artigo publicado em junho de 2006 no Jornal Valor Econômico, intitulado “Arbitragem pode ser vinculante”[84], destaca-se decisão inédita do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), estendendo para uma empresa sueca o dever de participar de um processo arbitral da qual fazia parte empresa do mesmo grupo instalada no Brasil, do setor de produtos plásticos. O que se discutiu na esfera judicial é se o fato de a empresa estrangeira não ter assinado o contrato que gerou o conflito - com cláusula compromissória -, a desobrigaria de submeter-se ao procedimento da arbitragem.

Pelo entendimento da 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, apesar de não existir assinatura da empresa estrangeira no compromisso, ela teve participação no negócio que criou a desavença levada à arbitragem. Sendo assim, tanto a empresa brasileira quanto a controladora sueca devem participar do procedimento arbitral. O envolvimento da empresa estrangeira só ocorreu porque ficou caracterizado que ela atuou em todo o negócio que gerou o conflito, ou seja, entendimento semelhante à questão da desconsideração da personalidade jurídica.

A questão foi parar no Judiciário porque no julgamento arbitral a empresa estrangeira, além da brasileira, também foi chamada a fazer parte do procedimento. Mas a estrangeira negou-se a comparecer. A arbitragem foi necessária por causa de um pedido de dissolução de sociedade comercial efetuado por uma empresa brasileira do setor de borrachas que realizou venda de parte de suas ações para o grupo sueco. A brasileira buscava, pelo procedimento arbitral, indenização por perdas, danos e lucros cessantes que teria sido gerada a partir de uma transação efetuada pela estrangeira com uma terceira empresa. 

A reportagem trouxe o depoimento de Adolfo Braga Neto, presidente do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil (Imab), que entende que a decisão do TJSP reconhece o efeito vinculante da cláusula compromissória para um mesmo grupo de empresas. Segundo ele, tem sido comum os tribunais arbitrais incluírem terceiros no procedimento, a chamada "competência/competência". Braga Neto diz que no caso específico isso ocorreu porque ficou demonstrado que em vários momentos a controladora interferiu no negócio entre a brasileira e a empresa do setor de borrachas e em decorrência disso, esse vínculo se transfere e garante a execução da sentença arbitral. Na visão de Braga Neto, "o Judiciário tem dado grande respaldo à arbitragem em relação à cláusula compromissória".

O artigo trouxe também o entendimento da advogada Cecília Vidigal Monteiro de Barros, para quem a decisão foi uma afronta à Lei de Arbitragem: "a empresa não assinou o compromisso, não pode ser compelida a entrar na arbitragem, ainda que envolvida na negociação". De qualquer forma, a advogada afirma que é uma decisão "simpática" ao instituto da arbitragem.

O procedimento arbitral caracteriza-se pelo princípio da atenuação do formalismo processual, o qual, para Selma Lemes tem sido respeitado pelo Judiciário:

O judiciário fluminense, na pena da juíza Márcia de Carvalho da 44º Vara Cível, brilhantemente acentuou que "o princípio da eliminação da controvérsia, que autoriza os árbitros, muito mais livres do que os juízes de direito, a empreenderem várias medidas, entre elas, conferências pessoais com as partes, buscando a melhor solução para o caso, ainda que não jurídica, pois se o que as partes pretendessem fosse uma solução arraigada ao Direito, dentro do formalismo processual, optariam pela jurisdição pública. Exatamente visando atingir o fim estipulado neste princípio, é que foi prolatada a decisão nos termos em que se encontra, pois se não, a controvérsia continuaria a existir. É também esse princípio, que determina que a jurisdição pública seja cautelosa ao declarar a nulidade de sentença arbitral, pois não se trata de uma decisão que colocará fim ao litígio existente entre as partes, mas será, ao contrário, decisão que a restaurará". Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.[85]

A autora critica ainda o fato de não existir entendimento uniforme quanto à aplicação temporal da lei, isto é, para contratos que elegeram a arbitragem antes da vigência da nova lei: “a inteligência predominante é a de aplicar a lei em vigor no momento da instauração da arbitragem. Similar é o entendimento unânime do STF, quanto à homologação e reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras aplicáveis, inclusive, para os processos em curso”[86].

A jurisprudência arbitral não se origina somente nos Tribunais Estatais, mas também dos Tribunais Arbitrais, coligida em compêndios e revistas, especialmente no exterior, representando norte orientador para os profissionais da área. Selma Lemes salienta a importância dos precedentes da Corte de Arbitragem Internacional - CCI, em Paris, “que frequentemente são invocados nas sentenças arbitrais, citados por seus números, haja vista que a identidade das partes é mantida em sigilo”[87].


10 Considerações finais

A arbitragem é forma de solução de controvérsias que ocorre independentemente da Jurisdição estatal. As grandes companhias internacionais preferem resolver seus problemas jurídicos pela via arbitral, por apresentar diversas vantagens: sigilo, celeridade,  qualificação profissional e técnica do árbitro, custos menores, ambiente favorável à conciliação entre as partes, a confiança no árbitro, possibilidade de decisão por equidade, tratamento equânime e autonomia das partes.

Os comerciantes dos países em desenvolvimento normalmente se sujeitam à cláusula arbitral, pois assim desejam seus clientes ou fornecedores. Mas é preciso que pesquisem e evoluam no assunto, sendo que somente assim verificarão que a alternativa poderá ser de grande importância na solução de futuros litígios comerciais.

A opção pela arbitragem não impede a escolha de uma legislação estatal aplicável ao contrato, já que o árbitro sempre deverá decidir dentro dos limites impostos pelos contratantes.

A existência da cláusula arbitral em contratos internacionais é fato cada vez mais comum e sua importância na solução de controvérsias dessa natureza é inegável, especialmente pela falta de orientação dos juízes togados nesse tema, em virtude da ausência de leis. A adoção de um instituto como a arbitragem para solução de conflitos demonstra o aprimoramento das relações comerciais internacionais.

Todos os Estados Membros do Mercosul admitem a solução de controvérsias através da arbitragem e, com a instituição do Protocolo de Olivos, tendem a resolver cada vez mais seus litígios por essa via. O novo sistema não preenche todas as expectativas, no que se refere à sua estabilidade, mas constitui avanço, sob o prisma da clareza das regras procedimentais. Além disso, trouxe em seu bojo importante inovação: o Tribunal Permanente de Recursos na cidade de Assunção, no Paraguai, que se trata da garantia do duplo grau de arbitragem nas controvérsias que envolvem o Mercosul. O avanço do Mercosul na matéria é importante, mas ainda não conseguiu dinamizar e fornecer a segurança que os contratantes almejam. Para tal, uma maior harmonização legislativa seria oportuna.

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No Brasil, a lei da arbitragem data do ano de 1996. A eliminação da necessidade de dupla homologação da sentença arbitral estrangeira foi um grande passo, dado com a criação da lei. Desde sua edição até hoje, muitas foram as polêmicas a respeito, o que é extremamente positivo. Pois, considerando o interesse que tem despertado nos órgãos do Poder Judiciário, especialmente as discussões no STF, apontam para sua evolução e importância para a administração de conflitos no Brasil. O caos do Judiciário estatal deve ser o motivador para os juristas prestarem cada vez mais atenção ao instituto, até porque as entidades especializadas no assunto, criadas no Brasil e região, nada ficam devendo a uma grande instituição, como é o caso da CCI.


11 Referências

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Sobre a autora
Cirlene Luiza Zimmermann

Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professora de Direito na Universidade de Caxias do Sul - UCS. Coordenadora da Revista Juris Plenum Previdenciária. Procuradora Federal - AGU. Autora do Livro “A Ação Regressiva Acidentária como Instrumento de Tutela do Meio Ambiente de Trabalho”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A arbitragem e os contratos internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3884, 18 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26730. Acesso em: 19 abr. 2024.

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