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Considerações sobre a justa causa da embriaguez

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Será justo despedir por justa causa um trabalhador que sofre de uma doença que ataca o sistema nervoso central, ficando o mesmo impossibilitado para muitas atividades da vida funcional e obter recursos para o seu próprio sustento e de sua família?

RESUMO: Analisando-se as propostas de alteração legislativa acerca do tema demissão sem justa causa do empregado, pela falta grave da embriaguez, reflete-se a condição social do alcoólatra como doente que carece de adequado tratamento jurídico-social.

PALAVRAS-CHAVE: direito do trabalho, justa causa, embriaguez, doença.


1 Introdução

O direito, como instrumento para a efetivação dos anseios sociais, tem se dissociado, de forma constante, das marcas da natureza positivista intransponível, no qual o caminhar normativo não lograva êxito em acompanhar as mudanças na sociedade. Algumas atitudes e interpretações mais aguçadas trazem, da interpretação da norma posta, sob o prisma principiológico, uma série de mudanças de entendimento que, ao poucos, vão se sedimentando e traduzindo em alterações legislativas.

O presente estudo segue com o anseio de observar os aspectos jurídicos-sociais do trabalhador alcoólatra e da aplicação da justa causa com a aplicação de demissão por justa causa. O enfoque doutrinário-jurisprudencial tenta trazer uma nova perspectiva jurídica, enquadrando o dependente como vítima de um processo social, o qual carece de auxílio, necessitando de tratamento.

 Analisando a embriaguez como problema de saúde pública, ocasionando efeitos danosos tanto para o dependente como para sua família, este trabalho explorará a dinâmica legislativa que se aproxima, diante de uma nova concepção fática, sob a observância do princípio da dignidade da pessoa humana.


2.1 A utilização do álcool na história

A consumo de substâncias que alteram os padrões psicológicos, com registros e comprovações históricas, estão presente na existência humana,. As drogas faziam e fazem parte do cotidiano das sociedades, se relacionando a rituais religiosos, culturais, sociais, entre outros.

A forma como o álcool é encarado pela sociedade assumiu diversos contextos. Inicialmente como desregramento moral do indivíduo e, depois, com reconhecimento, pelas ciências médicas, como uma patologia. Assim, analisemos os aspectos que concernem a origem e forma da utilização do álcool pela sociedade no decurso do tempo.

2.1.1 O álcool: da pré- história e idade moderna

Segundo alguns registros arqueológicos, os primeiros indícios do consumo de álcool pelo ser humano datam de mais de oito mil anos. Remonta da Pré-História, mais precisamente durante o período neolítico, com a aparição da agricultura e a invenção da cerâmica, o surgimento de bebidas com o álcool em sua composição.

Piletti (1997, p. 62) afirma que “o consumo das substâncias tinha como fim contribuir para o êxito em caçadas; em atenuações ou, até mesmo, proceder à cura de enfermidades; proteção contra entidades malignas”. Em regiões com baixa temperatura, o álcool propiciava conforto, além de modificar o comportamento comum do usuário.

Na Bíblia, Gn 9, 20:23, consta passagem em que é relatada a embriaguez de Noé após o dilúvio. Na Grécia e em Roma, em razão da riqueza do solo e clima para o cultivo de uva, a produção de vinho era algo bastante destacado. As fermentações do mel e da cevada também estavam incluso como bebidas alcoólicas rotineiramente ingeridas, mas o vinho era a bebida mais difundida nos dois impérios, tendo em vista a importância social, religiosa e medicamentosa. Na antiguidade a embriaguez era considerada perturbação, sendo na época ignorados os fenômenos do alcoolismo crônico.

Durante toda a Idade Média, o álcool esteve intimamente associado à saúde e bem-estar, sendo conhecido pela designação de aqua vitae.  Só no final do  século XVI é que adota a atual terminologia, a qual etimologicamente tem origem na palavra grega alkuhl, que se refere ao espírito que se apodera de todo aquele que se atreve a abusar dos produtos fermentados.

A comercialização do vinho e da cerveja cresce, assim como sua regulamentação. Os árabes foram os primeiros a destilar o álcool, no começo da idade média. A intoxicação alcoólica causada pela embriaguez deixa de ser apenas condenada e passa a ser considerada um pecado para o catolicismo.

2.1.2 O Álcool nos dias atuais

Com o decurso da história há uma radical mudança na finalidade do consumo do álcool. A necessidade humana de buscar o prazer e obter sensações de bem estar e liberdade são estímulos para o consumo desenfreado da bebida, que teria o condão de tornar as pessoas mais comunicativas e entrosadas. A timidez é vencida e o álcool passa a ocupar um espaço cada vez maior para os relacionamentos sociais.

O ato de beber se transforma em comportamento costumeiro, de caráter social, praticado na companhia de amigos e pessoas com as quais são mantidas relação de afinidade, com forte apelo comemorativo, sendo indispensável em festividades sociais, tais como, o réveillon, o carnaval, os aniversários, etc.

O álcool passa a ser tolerado por quase todas as culturas, exercendo importância também na economia dos Estados, com a geração de empregos e renda. Entretanto, os males causados por seu uso demasiado, foi determinante para a sua inclusão como patologia, surgindo uma política de desestímulo ao seu consumo, seja no apelo junto aos meios de comunicação, seja através da imposição de uma elevada carga tributária  incidente sobre os seus produtos.

A legislação consolidada traz em seu art. 482, alínea f, a tipificação da embriaguez como falta grave, provocando como consequência, o despedimento por justa  causa. Atualmente, para a Classificação Internacional de Doenças – CID, o alcoolismo é classificado como F 10 – Transtornos Mentais e Comportamentais Devidos ao Uso de Álcool.


2.2 Da tipificação da embriaguez como justa causa prevista na CLT

A CLT, em seu artigo 482, alínea f, estabelece como justa causa para a cessação do contrato de trabalho a embriaguez habitual ou em serviço. À luz do direito do trabalho, justa causa para dissolver a relação contratual de emprego é a conduta praticada por uma das partes – empregado ou empregador – contrária ao que está previsto em lei, ou ainda, seja incompatível com o comportamento social esperado pelo homem padrão.

Segundo José Cairo (2009, p. 501) “a expressão justa causa designa nada mais que um inadimplemento, praticado por um dos contratantes, que autoriza a resolução do contrato de trabalho, sem ônus para a denunciante”.

O alcoolismo, modalidade mais comum quando abordamos a temática, deixou de ser falha moral e foi reconhecido como a severa e altamente incapacitante moléstia. Mesmo diante desta realidade, verifica-se que a CLT aborda, de forma expressa, a embriaguez sem qualquer disposição específica que conceda um tratamento adequado aos alcoolistas.

Diante do exposto, é patente a necessidade de mudança diante de uma realidade jurídica, que não mais condiz com a realidade fática, devidamente embasada em argumentos médico científicos.


2.3 Da embriaguez e a jurisprudência

 O alcoolismo foi incorporado pela OMS à Classificação Internacional das Doenças (CID 10), como transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool, reconhecendo-a como patologia que deve afastar a incidência da justa causa. A jurisprudência, no intuito de acompanhar a dinâmica social, tem se posicionado contra a letra fria do dispositivo legal mencionado:

EMBRIAGUEZ - DOENÇA – FALTA GRAVE NÃO CARACTERIZADA - Não obstante a velha (e boa) CLT ainda mantenha em sua redação – artigo 482, alínea “f”, a anacrônica referência à falta grave da “embriaguez habitual ou em serviço”, tanto a doutrina como a jurisprudência, em face da evolução das pesquisas no campo das ciências médicas, têm entendido que o empregado que sofre da doença do alcoolismo, catalogada no Código Internacional de Doenças com a nomenclatura de “síndrome de dependência do álcool” (Cid – 303), não pode ser sancionado com a despedida por justa causa. (SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Embriaguez – Doença – Falta Grave Não Caracterizada – RO 00095 – (20040671202 – 4ª T. - rel p/o Ac. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DOESP 03.12.2004).

A visão de que a embriaguez é um desvio de conduta também é afastado pela jurisprudência, considerando o alcoolismo como doença, senão vejamos:

JUSTA CAUSA – ALCOOLISMO – AUSÊNCIA DE EXAMES MÉDICOS DEMISSIONAIS – A embriaguez habitual, segundo a jurisprudência mais moderna e consentânea com os anseios que ora se constatam em relação ao alcoolismo, tanto cível como trabalhista, tem afirmado tratar-se de doença como todas as demais enfermidades graves, e não desvio de conduta. Anulação da despedida por justa causa que se declara, sendo devidas as parcelas decorrentes da extinção do ajuste sem motivo, sendo indevida a reintegração postulada. A ausência de exames médicos demissionais, ainda que importe afronta ao art. 168, II da CLT e às disposições da NR-7, itens 7.1 e 7.22, da Portaria nº 3217/78, não autoriza se declare a ineficácia da despedida e, tampouco, se entenda protraída a eficácia da mesma, ressalvada a posição da Relatora. Recurso parcialmente provido (GOIÁS. Tribunal Regional do Trabalho. Justa Causa – Alcoolismo – Ausência de Exame Médicos Demissionais. 18ª Região, Ro 2.012/1991, Ac. nª 1.285/1992, Rel. Juiz Heiler Alves da Rocha, DJGO 27.08.1992).

Ao constatar a embriaguez em seu funcionário, é dever do empregador utilizar-se de todas as medidas para o combate da patologia, uma vez que o despedimento por falta grave gera um ato demasiadamente severo, além de inverso as novas tendências legais, com conotação sob o apoio ao dependente químico e não agravar sua situação financeira com o despedimento por justa causa.

Assim, embasado em forte corrente jurisprudencial, não há de se falar em conduta desidiosa do empregado que é acometido pelo alcoolismo, devendo ser consagrado o princípio da continuidade da relação laboral. Assim vem se manifestando o entendimento jurisprudencial, ancorado na preservação do labor ao trabalhador acometido pela patologia, fazendo mister a aplicação de outras medidas que não sejam o sumário despedimento:

JUSTA CAUSA – EMBRIAGUEZ – GRAVIDADE – O passado funcional do reclamante, reputado bom empregado, sem punições disciplinares anteriores, nos termos da testemunha da própria ré, induz ao entendimento de que merecia maior precaução da empresa na aplicação da pena máxima, que não possibilitou sua reabilitação, com advertência ou outras medidas de prevenção, como até mesmo a dispensa simples. (SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. 2ª Região. Justa Causa – Embriaguez – Gravidade. RO 02950340339, Ac. Da 7ª T. Nº 02970028381, Rel. Juiz Gualdo Formica, J. 27.01.1997, DOESP 06.03.1997).

Depreende-se que a embriaguez, como doença reconhecida pela OMS, deve trazer consequências jurídicas condizentes para o trabalhador e sua condição de fragilidade, amparando-o com adequadas medidas que possam propiciar uma justa recuperação e retomada ao seu ambiente de labor.


2.4 Das propostas de alteração.

Mesmo com a forte tendência doutrinária e jurisprudencial apontar para a inclusão de um tratamento jurídico diferenciado ao alcoolista, a norma inserta na CLT permanente com redação peremptória no sentido de imputar ao doente uma sanção que, conforme devidamente salientado, deverá causar a sua demissão sumária, com perdas de verbas rescisórias. Contudo, há no Congresso Nacional alguns projetos de lei em tramitação que buscam alterar este quadro.

Neste norte, analisar-se-á os projetos em movimentação, com a devida abordagem de suas razões, com o fim de reconsiderar, juridicamente, o posicionamento normativo acerca do tratamento do alcoolista e suas implicações na seara trabalhista e previdenciária.

2.4.1 Do projeto de lei n. 206/2003.

O Deputado Federal Roberto Magalhães do DEM/PE foi o autor do Projeto de Lei nº 206/2003, com o fim de alterar os requisitos para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, a denominada “demissão por justa causa”, impondo, como condição para o exercício do direito de rescindir o contrato, na hipótese constante na letra “f” do art. 482 da CLT, a licença prévia para tratamento.

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Segundo o autor da proposta, o projeto de lei tem o objetivo de oferecer uma oportunidade de reinclusão social ao empregado acometido pelo alcoolismo, ameaçado pela demissão por justa causa, mediante uma licença que será concedida a expensas do empregador. Busca-se, segundo o Deputado, abrandar a dureza da norma esculpida no inciso “f” do art. 482 da CLT, vejamos sua justificação:

Nesta matéria de indiscutível caráter humanitário, é necessário que se dê o primeiro passo no sentido de ser dispensado um tratamento compatível ao problema do alcoolismo, começando por abrandar a dureza da norma esculpida no inciso “f” do art. 482 da CLT. Que a luta seja pela inclusão social e não pela exclusão, pela recuperação da capacidade laborativa e da verdadeira cidadania.

Pelas razões ora expostas, é de se esperar que os nobres parlamentares com assento nesta Egrégia Câmara venham a dar acolhida à presente proposição.

Em 02 de dezembro de 2004, foi determinada a anexação do Projeto de Lei n.º 4.518, de 2004, do Deputado Enio Bacci, PDT/RS, que visava alterar a CLT, definindo o alcoolismo como doença em eventual demissão do empregado, ao projeto de lei 206/2003.

No projeto de lei do Deputado Gaúcho buscava-se asseverar que, se não houvesse o liame da embriaguez, com prejuízo ao serviço, não haveria razão para justificar a demissão por justa causa. Assim, para o parlamentar, considerava-se a embriaguez como justa causa somente na hipótese de prejudicar o serviço.

Com a propositura de Bacci, abrir-se-ia uma possibilidade de o empregador ter que tolerar um empregado, visivelmente embriagado, no ambiente de trabalho, até que algum dano se produza. Tal alternativa foi prontamente rechaçada pelas Comissões da Câmara, uma vez que a embriaguez é um estado de elevado risco para o espaço laboral, e o prejuízo poderá ser um acidente com vítimas, gerado em razão de atos praticados pelo empregado doente.

Com o projeto anexado, assim ficaram definidos os pontos pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (BRASIL,  Projeto de Lei  n. 206/2003):

No sentido de aprimorar o Projeto, sugerimos algumas alterações que atendem aos seguintes pontos:

a) deixar claro que a licença será remunerada pelo empregador, já que o trabalhador tem no salário meio de sustento e não terá como se manter e à família durante o período de tratamento;

b) garantir o direito à dispensa sem justa causa no caso de reincidência, para dar maior segurança ao empregador;

c) reduzir o período de sessenta dias para trinta dias, de forma a manter o trabalhador afastado o menor tempo possível e não onerar demasiadamente a empresa com uma tarefa que cabe ao conjunto da sociedade;

d) deixar claro que a regra se estende também à dependência de todas as drogas psicoativas, que provocam dependência física ou psíquica. "

2.4.2 Do projeto de lei do senado nº 48/2010.

Outro Projeto de Lei cuja tramitação se iniciou no Senado Federal é o  PLS n.º 48/2010, de autoria do Senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). A proposta altera artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, do Regime Jurídico dos Servidores Públicos (Lei n.º 8.112/90) e do Plano de Benefícios da Previdência Social para criar novos parâmetros de demissão do trabalhador em situação de dependência do álcool.

A presente propositura, segundo o autor, tem o objetivo de remediar a situação que envolve o dependente de bebidas alcoólicas, inserindo, nesses três diplomas, disposições para conferir uma proteção legal necessária, uma vez que o alcoolismo crônico não deveria ensejar a demissão por justa causa, ante ao reconhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença relacionada  ao Código Internacional de Doenças (CID) como síndrome de dependência do álcool, e o alcoolismo não se aplicaria o artigo 482 da CLT, que tem em seu dispositivo a inclusão de embriaguez habitual ou em serviço entre os motivos para demissão  sumária por justa causa. Sobre o alcoolismo, vaticina o autor no projeto (PLS n. 48/2010):

O alcoolismo é uma situação de saúde pública. A legislação deve, portanto, estabelecer condições para facilitar a recuperação do alcoolista. Para tanto, na CLT, propomos a modificação do art. 482 para excluir das hipóteses de justa causa a embriaguez habitual, mantendo a embriaguez em serviço naquelas hipóteses. O proposto parágrafo único esclarece, no entanto que, ao alcoolista diagnosticado, a justa causa somente será aplicável se o trabalhador deixar de se submeter a tratamento.

Ainda no referido projeto de lei, consta que tal dispositivo deve ser inserido como parágrafo único do art. 132 da Lei 8.112/90. Como o referenciado diploma normativo não possui em seu rol a embriaguez como causa de demissão do servidor público, deveria ser introduzida proteção ao alcoolista que apresente dois dos mais notáveis sintomas de dependência, quais sejam: o absenteísmo e o comportamento incontinente e insubordinado, que são causas para a demissão do servidor, conforme estabelecidos nos incisos III e V do caput do art. 132.

No que concerne ao Plano de Benefícios da Previdência Social, a proposta concede ao alcoolista, que tenha recebido o auxílio-doença em razão de sua dependência, a garantia provisória de emprego nos doze meses seguintes ao término do recebimento do benefício, com a equiparação do alcoolista ao acidentado, para fins de proteção de seu emprego, como forma de ampará-lo em sua recuperação e reinserção social.

Assim, o projeto exclui do art. 482 da CLT a referência à embriaguez habitual como motivadora da justa causa, mantendo no texto da Lei somente a hipótese de embriaguez em serviço. Ressalta, entretanto, no § 2º que, ao alcoolista clinicamente diagnosticado, somente será aplicável a justa causa caso ele deixe de se submeter ao tratamento.


2.5 Da adequação jurídica ao tema

O dramático quadro social que advém do vício do álcool impõe que se dê uma solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, “f”, da CLT.  A despedida sumária tem como consequência um forte agravamento na situação do trabalhador, que comumente é o chefe da família e, de seu salário, provém o sustento de todos. Caberia ao empregador encaminhá-lo para tratamento médico ambulatorial junto ao INSS, provocando o afastamento desse empregado do serviço e, por conseguinte, a suspensão do contrato de trabalho.  Neste ponto a alteração da legislação previdenciária se faz mister.

O que se observa no quadro atual é que alcoolismo crônico está incluso, de acordo com o anexo II, CID 10, Grupo V, item VII, doença F10.2, do Decreto 3.048/99, combinado com o art. 20 da Lei n.º 8.213/91, como doença do trabalho denominada de “transtorno mental e comportamental devido ao uso do álcool”, isto é, o alcoolismo crônico, desde que decorrentes ou relacionados ao trabalho. Desta feita, para que haja a concessão, é preciso que a patologia esteja relacionada ao trabalho e, ainda assim, que o paciente de forma espontânea queira se submeter ao tratamento. Assim, resta insuficiente tal concessão.

Reconhecendo o alcoolismo como doença, caberá ao órgão previdenciário a concessão do auxílio, separando o dependente alcoólico do simples usuário ocasional ou consumidor regular que não apresenta padrão de dependência, para fins de evitar a aplicação indiscriminada para indivíduos que não demandem proteção legal específica da Lei.

 Assim, se faz necessária a alteração do art. 118 do Plano de Benefícios da Previdência Social, introduzindo em sua redação o direito ao alcoolista que tenha recebido auxílio-doença, em razão de sua dependência, a concessão de garantia provisória de emprego nos doze meses subsequentes ao término do recebimento do benefício.

Ademais, pela legislação atual, o empregado só receberá auxílio-doença, por ser alcoólatra ou viciado, se estiver internado para se tratar e a internação depende da vontade do paciente e da recomendação médica. Se o paciente não quiser se tratar, através da necessária internação, a Previdência não o recebe como doente e, por isso, não paga o benefício previdenciário. Desta forma, a legislação nacional só paga o benefício quando o empregado se interna espontaneamente, seja por doença seja por vício.

Deve-se inserir dispositivo legal que determine a concessão do auxílio-doença, na necessidade de internação compulsória, para tratamento em decorrência de eminente risco à vida do doente. Ademais, sob o apoio do Código Civil, em seu art. 3º, inciso III, os que por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, são considerados relativamente incapazes o que, segundo nossa posição, pode ser enquadrado na hipótese de um estado avançado de dependência ao álcool, que possa culminar na incapacidade de gerir seus atos, sendo necessário, com o intuito de velar pela vida do dependente, a intervenção, até mesmo judicial, para o tratamento do alcoólatra.  

Através da modificação, defendida pelo Projeto de Lei do Senado Federal n. 48/2010, haverá o reconhecimento da equiparação do alcoolista ao acidentado, para fins de proteção de seu emprego, como forma de ampará-lo em sua recuperação e reinserção social. O mais condizente com a realidade social é a da aplicação do despedimento sumário, apenas na ocorrência da justa causa da embriaguez em serviço, quando esta ocorrer em reincidência do empregado, comprovada por advertência anterior, desde que não reste configurada a constatação do alcoolismo crônico.

Com tal alteração, caberá ao órgão previdenciário a concessão do auxílio-doença para o dependente químico, mesmo em se tratando de internação compulsória requisitada pela família do doente, e garantia de estabilidade provisória, que deverá ser concedida na ocorrência do alcoolismo patológico, com a necessidade de tratamento, ou internação, voluntário ou não do empregado.

Diante do exposto, com o reconhecimento legal do alcoolismo como doença, tanto a nível da seara trabalhista e previdenciária, acreditamos que alcançaremos a plenitude dos anseios, que já vêm sido desencadeados pelos reiterados entendimentos dos tribunais, traduzindo em segurança jurídica ao empregador e ao empregado, como também a toda a sociedade em geral.

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Sobre o autor
Mackson Leandro Marinho de Almeida

Bacharel em Direto pela Universidade Estadual da Paraíba. Pós graduado em Advocacia Geral pela Universidade Cidade de São Paulo. Pós graduando em Prática Judiciária pela Universidade Estadual da Paraíba/Escola Superior da Magistratura (ESMA/PB). Servidor do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Mackson Leandro Marinho. Considerações sobre a justa causa da embriaguez. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3893, 27 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26805. Acesso em: 29 mar. 2024.

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