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Da imunidade tributária dos consórcios públicos intermunicipais com finalidade de assistência social

28/02/2014 às 11:33
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Qual seria a destinação do Imposto de Renda Retido na Fonte oriundo do pagamento de funcionários de um Consórcio Público Intermunicipal?

I – Breve síntese 

O presente artigo tem por fito estabelecer as premissas essenciais de um tema pouco abordado na literatura justributarista, mas que possui notável relevância, pertinência e aplicabilidade. Trata-se das imunidades tributárias afetas aos consórcios públicos intermunicipais.

Não nos interessa, a princípio, os consórcios públicos no geral, porém apenas aqueles que dizem respeito a intermunicipalidade, de sorte que este fator determinante repercutirá nas questões levantadas no entorno do Direito Constitucional, Tributário e Financeiro.


II – Explicação da imunidade do consórcio intermunicipal com finalidade assistencial

A ideia base a fundamentar as investigações seguintes é a de que a exação fiscal, com respaldo em amplo leque de opções principiológicas, plasmadas em normas constitucionais e na legislação complementar e ordinária, não pode atingir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços vinculados às suas finalidades essenciais.[1]

Bem como, aliás, deve-se dizer que “modernamente se admite interpretação extensiva no sentido de que não somente as atividades essenciais mas também o patrimônio, renda ou serviços com elas relacionados seriam imunes”, [2] avaliado no Recurso Extraordinário n. 257.700 do Supremo Tribunal Federal.

Os consórcios públicos, edificados no âmbito da Lei n.º 11.107 de 2005, mormente se fizerem jus aos requisitos cristalizados pelo artigo 14,  caput e §2º do Código Tributário Nacional, [3] que doravante dizem respeito à configuração formal, gozam do benefício, enquanto entes imunes à tributação, a priori, independentemente do quanto se encontra na Lei n.º 12.101/2009, a qual dispõe acerca da certificação das entidades beneficentes da assistência social e regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social.  Daí o porquê se falar em imunidades não-autoaplicáveis, pelo condicionamento legal alhures.[4]

Neste sentido, outros dispositivos constitucionais reforçam a tônica imunizatória: há a outorga conferida pelo sábio artigo 150, inciso VI, alínea “c” e; o §7º do artigo 195. Cuida de hipótese adstrita à situação de enquadramento do consórcio público como entidade de assistência social, compreendendo-se o conceito em sua vertente ampliada, consoante esposado no Recurso em Mandado de Segurança n. 23.729/2006, do Supremo Tribunal Federal, o qual, nas palavras da então Relatora Min. Ellen Gracie, preconizou que: “Entendem-se por serviços assistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, os princípios e as diretrizes estabelecidos em lei.”

Estamos com o juízo de que quando o artigo 150, VI, “c” da Constituição alude ao atendimento dos requisitos previstos em lei, na verdade o fez, e considerando interpretação sistemática da Carta Magna, indicando a necessidade de lei complementar, por ser temática de limitação constitucional ao poder de tributar (art. 146, II da CRFB/88).

Logo, tendo sido o consórcio público erguido por intermédio de estatuto social mediante o qual fica patente a finalidade assistencialista das atividades oferecidas, faz jus ipso facto et iure et de iure à imunidade. 

E, em análise aprofundada, as operações do Consórcio ultrapassam a finalidade assistencialista, porém, com efeito, acham-se inteiramente incorporadas à natureza do próprio dever Estatal que, deste modo, representa e, deveras, o é absolutamente. A mera atividade assistencialista poderia ser um objetivo como outro qualquer, contudo, neste caso, é mais do que um objetivo, trata-se de um dever do Estado, cuja responsabilidade é atribuída e assumida pelo Consórcio .

O Consórcio é nutrido pelos seus integrantes – coprotagonistas – tal como o Poder Público em si é nutrido pelo espírito dos deveres constitucionais.

Como decorrência, o Consórcio, sobremodo na qualidade intermunicipal ou interestadual, é, mutatis mutandis, a confluência de deveres encartados constitucionalmente que demandam, por sua vez, ações proativas, ininterruptas e universais para tudo o que, como direito ou garantia, favoreça o melhor gozo da dignidade da pessoa humana (CRFB/88, art. 1º, III), o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação (CRFB/88, arts. 3º, II, III e IV).

Os requisitos trazidos pela Lei 12.101/09 não têm o condão de desvirtuar o texto constitucional naqueles dispositivos mencionados, senão regular a constituição de entidades de assistência social – o que nos parece difícil, ante a ingerência automática no campo das imunidades.

Filiamo-nos, neste artigo, por obséquio, à tese de que uma vez consolidados os rudimentos configuradores da espécie jurídica entidade social ou de assistência social, no âmbito da legislação complementar (Código Tributário Nacional), não cumpre à lei ordinária restringir-lhe a segurança adquirida quando do outrora preenchimento de elementos de estatura constitucional (art. 146, II da CRFB  c/c art. 14 do CTN).[5]

Diga-se, enfim, que os consórcios intermunicipais mantidos pelos Poderes Públicos municipais, ostentam natureza híbrida, porquanto, nas hipóteses aqui ventiladas, se cumpridores dos requisitos do artigo 14 do CTN serão, para todos os efeitos, entidades de assistência social; por outro lado ao realizarem serviços públicos essenciais, nomeadamente ligados à assistência social e à saúde, como sucedâneo do Poder Público em si, deterão índole autárquica, donde haverá de incidir o disposto no artigo 150, §2º da Carta Política.

Porque, no teor do artigo 5º, I, do Decreto-lei n. 200 de 25 de fevereiro de 1967, considera-se autarquia o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

Ora, uma vez que os consórcios públicos intermunicipais, in casu, dependem de aprovação do chamado Protocolo de Intenções por intermédio das respectiva Câmaras Municipais, servem à finalidade pública evidente, dotados de personalidade jurídica e receita próprias, executando atividades típicas da Administração, representando mais um braço componente do Poder Indireto, nada mais razoável do que o designativo.


III – Da possibilidade de retenção pelo Consórcio Intermunicipal do produto da arrecadação do Imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título – o surgimento do Ente Subnacional por Arrastamento 

 Dispõe o artigo 158, I da CRFB que pertencem aos municípios:

I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem. (grifo nosso).

O que mais nos importa, neste caso, é o fato de que o consórcio público intermunicipal exsurge com natureza jurídica híbrida, haja vista constituir-se sob a forma de uma autarquia de assistência social, por conseguinte, reunindo em si, na espécie, características autárquicas e de proveniência de entidade beneficente ou de assistência social.

Além disto, existe uma importante peculiaridade – jamais explorada – no sentido de que os consórcios intermunicipais, por serem compostos por municípios unicamente, isto é, Pessoas Jurídicas de Direito Público Interno, acabam atuando como um sucedâneo de um Ente Público da Administração Direta, na medida em que podem, portanto, lograr a designação de Ente Subnacional por Arrastamento.

Que, portanto, como Ente Subnacional por Arrastamento, é-lhe de direito a retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), pois que o princípio do federalismo fiscal, na hipótese, não encontra mácula, tendo em vista que a retenção revela-se apropriada tanto do ponto de vista operacional-financeiro, quanto do ponto de vista da destinação do produto de arrecadação, doravante consectário lógico das próprias operações realizadas pelo consórcio.

Vejam que o preceptivo constitucional supra

estabelece as regras de discriminação de receitas tributárias para os Municípios [...] trata-se de um artigo que está intimamente relacionado com o federalismo fiscal, em que uma entidade da federação arrecada determinado tributo de acordo com sua competência constitucional tributária, e tem o dever constitucional de repassar uma parcela deste tributo à outra entidade da federação, no caso do art. 158, os Municípios.[6]           

Deste modo, o inciso I retrocitado prevê hipótese de retenção idêntica àquela operada no âmbito do artigo 157 referente aos Estados, guardando identidade de razões e fundamentos jurídicos.

Assim é que os valores retidos não devem ser repassados à União, mas permanecer, quando relativos a pagamentos efetuados pelos Municípios, com os próprios Municípios.

Neste sentido, é o magistério de Leandro Paulsen:

[...] os Estados, o DF e os Municípios são destinatários do produto da arrecadação do imposto que incide na fonte sobre a renda e proventos pagos por eles. Nesses casos, aliás, os Estado, DF e Municípios figuram enquanto substitutos tributários (obrigados à retenção e ao recolhimento do IR na qualidade de empregadores como qualquer outra pessoa jurídica), mas, em seguida à retenção, em vez de recolherem em favor da União, farão o recolhimento em seu próprio favor em face de serem destinatários constitucionais da respectiva receita.[7]

Em outro trecho, complementa o nosso raciocínio:

Destinação legal do produto de tributo. Beneficiários. Pessoas jurídicas que exerçam atividade do interesse público, sem finalidade de lucro (entes políticos, autarquias e fundações e outras pessoas jurídicas, ainda que de direito privado, desde que sem fins lucrativos). A posição de destinatário legal do produto da arrecadação de tributo, ou seja, de receptor de recursos tributários para aplicação nas atividades de interesse público que justificam a respectiva tributação, pode ser conferida, por lei, a qualquer pessoa jurídica que desenvolva a atividade, sem finalidade de lucro. Poderão ser destinatários legais do produto de tributo, pois, os próprios entes políticos (o que se presume) ou, quando a lei expressamente determinar, outras pessoas jurídicas de direito público ou mesmo de direito privado, desde que sem fins lucrativos, que exerçam a respectiva atividade de interesse público. [8]

Observemos, pois, a situação que nos está para debate. Qual seria a destinação do Imposto de Renda Retido na Fonte oriundo do pagamento de funcionários de um Consórcio Público Intermunicipal? Evidente que, pela regra, o produto da arrecadação sequer irá para os cofres municipais componentes do consórcio, no entanto permanecerá em seus cofres.

A retenção aqui é automática e, deveras, ao dizê-la e proclamá-la nada mais estamos a realizar do que a vontade mesma do federalismo fiscal consciente de que a tipicidade com que são tratados os entes subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios) nos artigos 157, 158 e seguintes, é apenas aparentemente fechada e que, sob o influxo da legalidade substantiva – que deve merecer respaldo no neoconstitucionalismo financeiro e tributário contemporâneos – não há que se duvidar da fórmula aqui proposta.

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O Ente Subnacional por Arrastamento, para efeitos de Direito Financeiro, o é quando, portanto, as pessoas jurídicas de direito público interno que o integram são as mesmas que, constitucionalmente, devem reter o produto de arrecadação de imposto a si destinado.

Afinal, o Consórcio Público Intermunicipal perfaz atividades típicas, de cujas envergaduras a Carta Úbere encontra-se repleta, seja no artigo 5º, seja no artigo 6º, dentre outros. O Ente Subnacional por Arrastamento é fruto de mecanismo posto em razão de um interesses social legítimo, que, por sua vez, tenciona toda a principiológica e normatividade positiva financeira, tributária e administrativista, para que uma ou outra disposição de direito posto não prejudique ou obstaculize a performance da nobre tarefa da coprotagonização de entes para a promoção dos bens sociais.


IV – Conclusão

Do estudado, segue que:

a)      Os Consórcios Públicos Intermunicipais são imunes a impostos e contribuições para a seguridade social, respectivamente, por força dos artigo 150, VI, “c” e 195, §7º, todos da Constituição da República, quando reúnem características de autarquia e entidade de assistência social;

b)      Os requisitos que devem preencher para fazerem jus à imunidade das contribuições à seguridade social são os do artigo 14 do Código Tributário Nacional, e assim, serem designados como entes de assistência social;

c)      De per si, ostentam natureza de autarquia, fazendo jus à imunidade de impostos do artigo 150, VI, “c”, da Constituição;

d)     Tem direito à retenção quando constituídos unicamente por Municípios ou Estados, do produto de arrecadação de Imposto de Renda Retido na Fonte, por operações em que hajam realizado pagamento, por força da interpretação sistemática da Constituição, sobremaneira dos artigos 157, I e 158, I;

e)      O nome que se dá, nesta hipótese, é de Ente Subnacional por Arrastamento;

f)       O princípio do federalismo fiscal não é abalado, porém reconformado às necessidades do neoconstitucionalismo financeiro e tributário;

g)      A retenção guarda relação de intimidade com o emprego dos recursos respectivos nas atividades direcionadas ao interesse público, praticadas no âmbito do Consórcio;

h)      A criação dos Consórcios é justificada pela necessidade de se conferir melhor cumprimento, em diversos aspectos, aos deveres inerentes do Estado. 


Referências 

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Vol. 6. São Paulo: Saraiva, 1993.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 16ª ed.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentário à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

PAROLIN, Marcos Cesar Pavani. Curso de Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SCAFF, Fernando Facury; SCAFF, Luma Cavaleiro de Macedo. Comentários ao artigo 158 da CRFB/88. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK , Lênio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. Almedina/ Saraiva: São Paulo, 2013, p. 1738.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. v. III. Rio de Janeiro: Renovar 2005. 


Notas

[1] Cf. PAROLIN, Marcos Cesar Pavani. Curso de Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p. 196.

[2] Idem, ibidem, p. 197.

[3] Recepcionado como Lei Complementar, por força do artigo 146, II, da Constituição da República.

[4] Cf. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 343 e ss.

[5] Acompanhamos, portanto, CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 16ª ed, p. 183; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. v. III. Rio de Janeiro: Renovar 2005, p. 261; SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 357; BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Vol. 6. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 185; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentário à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 7ª ed. p. 352.

[6] SCAFF, Fernando Facury; SCAFF, Luma Cavaleiro de Macedo. Comentários ao artigo 158 da CRFB/88. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK , Lênio Luiz. Comentários à Constituição do Brasil. Almedina/ Saraiva: São Paulo, 2013, p. 1738.

[7] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 446.

[8] Idem, ibidem, p. 659, grifamos

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Sobre o autor
Luiz Felipe Nobre Braga

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; Advogado; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Constitucional e Lógica Jurídica na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim-SP; Professor convidado da pós-graduação em Direito Processual Civil e no MBA em Gestão Pública, da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas/MG. Autor dos livros: "Ser e Princípio - ontologia fundamental e hermenêutica para a reconstrução do pensamento do Direito", Ed. Lumen Júris, 2018; "Direito Existencial das Famílias", Ed. Lumen Juris-RJ, 2014; "Educar, Viver e Sonhar - Dimensões Jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna", Ed. Publit, 2011; e "Metapoesia", Ed. Protexto, 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luiz Felipe Nobre. Da imunidade tributária dos consórcios públicos intermunicipais com finalidade de assistência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3894, 28 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26811. Acesso em: 21 nov. 2024.

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