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Súmula vinculante: análise crítica

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29/03/2014 às 17:33

Resumo:


  • A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 introduziu a possibilidade de adoção de súmula vinculante no Brasil, desde que aprovada por dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal e publicada na imprensa oficial.

  • A súmula vinculante tem efeito obrigatório em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública, buscando agilizar o julgamento de processos e garantir uma prestação jurisdicional mais eficaz e isonômica.

  • Apesar das controvérsias, a adoção da súmula vinculante é vista como uma forma de melhorar a morosidade processual, priorizando a segurança jurídica e credibilidade do sistema judiciário brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. ASPECTOS POLÊMICOS DA SÚMULA VINCULANTE

3.1. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS Á SÚMULA VINCULANTE

3.1.1. SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Considerando que as súmulas vinculantes são enunciados de um entendimento consolidado por parte do Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Lei Suprema – a Constituição Federal -, eventual desrespeito a tais enunciados configura inaceitável violação da própria ordem constitucional, com como bem alude Roger Stiefelmann Leal: “Contrariar a interpretação firmada por tais órgãos é, em última análise, descumprir a Constituição, pois a eles cabe, por indelegável atribuição constitucional, dar a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos demais atos dos poderes públicos em geral. Inverte a lógica constitucional pretender suportar interpretação diversa da conferida pelo intérprete máximo da Constituição.”[54]

Nesse particular, observa Rodolfo Camargo Mancuso:

A jurisprudência assentada no Tribunal ad quem perderia sentido se não exercesse natural ascendência sobre a instância a quo, nada havendo, aí que deslustre a atuação desta última. (...) Pois justamente, o fato de os graus de jurisdição estarem organizados numa estrutura piramidal, tendo à base os órgão singulares, na faixa intermediária os colegiados locais e regionais e na cumeeira os Tribunais Superiores ou da Federação, é que torna viável a pré-fixação de enunciados obrigatórios por estes últimos, porque lhes compete dar a última palavra: Sobre matéria constitucional (STF) ou infraconstitucional, seja em direito federal comum (STJ) ou especial (TST, STM, TSE). De resto, no plano prático, considerando-se que os Tribunais Superiores operam como instância final, revisora ou de cassação, seria inútil à parte sucumbente sustentar junto a eles tese dissonante dos enunciados assentados, assim como, inutilmente, os Tribunais locais/regionais prolatariam acórdãos divergentes de tal jurisprudência sumulada nos órgãos de cúpula, já que tais recursos e tais decisões seriam, respectivamente rejeitados e reformadas. O que, aliás, bem se compreende, porque a instância judiciária ad quem é a maior interessada em prestigiar o seu próprio direito sumular. Todo esse contexto ficou exacerbado com a criação (rectius: ampliação), pela EC 45/2004, da Súmula vinculante, porque a decisão que não a aplicar, ou aplica-la indevidamente, ficará sujeita à reclamação dirigida ao STF que, acolhendo-a, cassará a decisão rebelde, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da Súmula, conforme o caso (§ 3º do art. 103-A).”[55]

Sobre o tema, Gilmar Ferreira Mendes ensina: “Ora, se ao Supremo Tribunal federal compete, privativamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a interpretação do texto constitucional por ele fixada deve ser acompanhada pelos demais tribunais, em decorrência do efeito vinculante outorgado à sua decisão. Não se pode diminuir a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal com a manutenção das decisões divergentes. Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instâncias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da Constituição.”[56]

3.1.2. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA

A súmula vinculante, além de prestigiar o princípio constitucional da isonomia - quando refuta inaceitável que se dê tratamento diferenciado, com base na mesma lei, a pessoas em situações jurídicas idênticas, evitando com isso o risco da contradição prática entre os julgados acerca de um mesmo assunto -, está, ao mesmo tempo, garantindo previsibilidade, segurança jurídica ao jurisdicionados, como bem explica André Ramos Tavares: “Há riscos, é claro. Mas igualmente não há como deixar de assumi-los, na busca de um sistema que se baseie menos na sorte (loteria de pensamentos jurídicos divergentes em relação a temas largamente debatidos) e mais na previsibilidade, própria da finalidade que se atribui ao e que justifica o Direito.[57]

Em linha consonante, pondera José Maria Rosa Tesheiner: “É um escândalo que a vitória ou a sucumbência da parte se determine pela sorte, conforme a distribuição de seu processo se faça a esta ou àquela Câmara. Se todos são iguais perante a lei (CF, art. 5º), não se concebe que o Tribunal trate uns diferentemente dos outros, em identidade de circunstância.”[58]

No ponto, Alexandre de Moraes explica: “As súmulas vinculantes surgem a partir da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, devendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos constitucionais no sentido de conceder às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.”[59] Nesse mesma linha de pensamento, observa Pedro Lenza que a súmula vinculante irá estabelecer segurança jurídica, prestigiando o princípio da isonomia, já que a lei deve ter aplicação e interpretação uniforme”.[60]

3.1.3. DESCONGESTIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

As súmulas vinculantes, segundo a Ministra Ellen Gracie Northfleet, acabariam com ações repetitivas, onde, embora diversas as partes e seus patronos, a lide jurídica é sempre a mesma. São causas que se contam aos milhares em todo o país e que dizem respeito a matérias exclusivamente discutidas e de há muito pacificadas pela jurisprudência[61]. Afirma ainda que: “é fato inconteste que a Administração, em suas diversas esferas (...) tantas vezes insiste em ignorar interpretação reiterada do Supremo Tribunal Federal, e com tal proceder obriga o cidadão a intentar mais uma das milhares de causas idênticas que congestionam os serviços forenses, retirando-lhes a agilidade necessária para o enfrentamento de questões novas e urgentes”.[62]

A propósito, o ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, afirmou que "efetivamente, a melhor solução para a questão da sobrecarga de trabalho repetitivo nas Cortes Superiores parece residir na adoção de mecanismos de extensão de efeitos das decisões consolidadas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, desde que se estabeleçam normas claras para revisão do entendimento eventualmente fixado. Ao contrário do que se afirma, o efeito vinculante pode se constituir em grande instrumento de democratização de Justiça à medida que permite a equalização de situações jurídicas independentemente da qualidade de defesa ou da situação peculiar de um outro litigante. Basta pensar na recente extensão dos 28% de reajuste a todo o funcionalismo federal, feita pelo Governo com base em decisão do Supremo Tribunal Federal. Quantos teriam que aguardar anos a fio para receber a vantagem, sujeitos a inúmeros percalços que poderiam inclusive comprometer o sucesso da demanda, e, com o efeito vinculante, já conseguem uma justiça pronta! Por isso, o Governo apóia a Proposta de Emenda Constitucional que está atualmente sendo apreciada pela Câmara dos Deputados, que atribui efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional.”[63]

Afirma o ministro Celso de Mello que as súmulas vinculantes irão reduzir o grande volume processual que afeta o movimento dos tribunais, especialmente o STF. Aliás, como bem ressalta: “O excessivo volume processual gera uma crise de funcionalidade, e uma crise de funcionalidade culmina por afetar a própria credibilidade das instituições da República”.[64]

Lênio Luiz Streck relata que “a enorme quantidade de processos versando sobre matéria idêntica no STF e nos Tribunais Superiores, conforme dados estatísticos, gera insatisfação e perda de legitimidade do Poder Judiciário. Diante de tal situação, é bastante razoável a criação da súmula com efeito vinculante (...).”[65]

Segundo Marcelo Dias Aguiar: “A principal tese dos defensores da súmula vinculante, e com muita robustez, é a da lentidão devido ao congestionamento do poder judiciário. Como se sabe, diariamente a justiça fica mais abarrotada de processos, tendo essa quantidade aumentada, a cada dia que passa, consideravelmente. Como denota-se, essa lentidão é um infortúnio na vida do cidadão que busca sua paz social através do judiciário. Muitas vezes, devido ao excesso de recursos nos nossos ordenamentos processuais, muitas vezes um processo dura uma eternidade, exemplo claro disso é um recente julgamento de uma ação popular contra o ex-prefeito Paulo Maluf, ação esta proposta ainda no início da década de 70, sendo que só transitou em julgado 36 (trinta e seis) anos depois, ou seja, em 03 de abril de 2006”.[66]

Aliás, sobre esse aspecto, observa Pedro Lenza que a súmula vinculante vai contribuir para, ao lado de tantas outras técnicas, concretizar a garantia constitucional da razoável duração do processo, insculpido no art. 5º, LXXVIII, da CF, que também foi introduzido pela Reforma do Poder Judiciário.[67]

Por fim, aduz Leonardo Vizeu Figueredo que o instituto da súmula vinculante é um instrumento de importante inovação que tem como finalidade garantir o respeito à segurança jurídica e a celeridade processual, e como corolário a missão de resgatar a credibilidade do poder Judiciário perante a sociedade.[68]

3.2. CRÍTICAS ÀS SÚMULAS VINCULANTES

3.2.1. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCIPIO DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

A súmula vinculante atritaria com o princípio da separação dos poderes insculpidos nos arts. 2º e 60, § 4º, da Constituição Federal, por possuir característica de norma geral e abstrata, o que configuraria verdadeira usurpação da função típica de legislar, própria do Poder Legislativo, gerando indevida concentração de poder na cúpula do Poder Judiciário, o que acarretaria uma verdadeira “ditadura judiciária”. Ademais, na medida em que a súmula aprovada é produto final de interpretação e aplicação a respeito de lei promulgada, se investiria de características de “superlei”, configurando uma verdadeira sobreposição de poderes, na qual o STF ostentaria posição superior até mesmo em relação ao Poder Legislativo.[69]

Pontualmente explica Mancuso: “Quando a jurisprudência assente nos Tribunais vem a operar como precedente genérico para a solução dos casos assemelhados, não há como negar que ela passa a atuar, na prática, como fonte criadora de direito ou como uma de suas formas de expressão, já que dotada dos quesitos de abstração, generalidade e impessoalidade, assim oponível aos jurisdicionados como ao próprio Estado.”[70]

Nesse sentido, a lição de Luiz Flávio Gomes:

“As súmulas vinculantes conflitam com o princípio da separação dos Poderes (art. 2º e art. 60, § 4º, inc. III), visto que o Judiciário não pode ditar regras gerais e abstratas, com validade universal (non exemplis sed legibus judicatum est), falta-lhe legitimação democrática para isso.”[71]

 Sobre a matéria, afirma a Presidente da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Maria Helena Mallmann Sulzbach, que o efeito vinculante "...significa alterar o princípio constitucional que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, inc. II, da CF/88), cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder constituinte derivado. Materializando a interpretação obrigatória que deve ser dada à lei, a súmula com efeito vinculante gera efeito que nem a lei provinda do Parlamento tem capacidade de produzir. Torna-se uma superlei, concentrando no Judiciário poderes jamais concedidos sequer ao poder constituinte originário, o qual não pode impor interpretação obrigatória às normas que disciplinam as relações sociais. A possibilidade de edição de súmula com efeito vinculante pelos tribunais de cúpula significa atribuir a esses competência de cassação e afirmação das normas, com evidente fragilização do Poder Legislativo e, acima de tudo, subtração de sua prerrogativa formal de legislar." (Matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997).[72]

Por fim, Incisivamente afirma Ricardo Carvalho Fraga: "A súmula vinculante aparece com novidades nunca antes vistas tais como: 'cassará a decisão judicial' e 'determinará que outra seja proferida'. Adiante prossegue: “Na verdade, revela-se com nitidez impecável que o objetivo é exatamente a concentração de poderes nas cúpulas do Poder Judiciário".[73]

3.2.2. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E SUA INDEPENDÊNCIA

Alexandre Sormani e Nelson Luis Santander anotam, a respeito: “alguns entendem que a adoção da súmula vinculante atingiria um dos valores mais caros ao Estado Democrático de Direito: a independência dos juízes. Para eles, os limites do exercício da função jurisdicional deveriam ser, somente, a lei e a consciência jurídica da cada julgador, a qual é formada a partir da atividade interpretativa, que é de natureza irrenunciável. A súmula vinculante, neste contexto, pelo seu caráter de obrigatoriedade, tripudiaria sobre este valor.”[74]

Aduz Sílvio Nazareno Costa: “Amplos setores do Judiciário e da doutrina levantam-se contra a supressão da liberdade de entendimento do juiz, em face da necessária adesão ao enunciante vinculante. A independência é garantia constitucional de que o Magistrado não sofrerá ingerências, de qualquer origem e natureza, sobre sua atividade judicante. Vale dizer: é a garanta de que decidirá sozinho. Qualquer que seja sua origem ou natureza, a interferência sobre o livre convencimento não encontra amparo na Constituição. Não há imparcialidade sem independência e não pode se conceber um Judiciário hierarquizado como exército.”[75]

No ponto, pondera Urbano Ruiz que "....nos termos do artigo 10 das Declarações da ONU, uma nação é tida como democrática na medida em que tem juízes livres, independentes. Isso não mais ocorreria a partir das súmulas, porque o magistrado não mais teria a liberdade de decidir. Os tribunais superiores já teriam feito isso por ele. Estaria suprimido, ainda, o duplo grau de jurisdição, porque as decisões se concentrariam nas cúpulas, que com antecedência tenham definido a solução do conflito."[76]

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3.2.3. POSSVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ

As súmulas vinculantes violariam o princípio do livre convencimento do juiz, na medida em que lhes impõem sujeição as suas diretrizes, ferindo a norma que lhes garante a livre formação do seu convencimento, devendo, apenas, obediência à lei e à observância dos ditames de sua consciência e convicção, pois, do contrário, restaria suprimida garantia do livre convencimento do juiz.[77]

Nesse sentido, observa Zuenir de Oliveira Neves: “Notória a insubordinação da Súmula de efeito vinculante a tal princípio, haja vista a possibilidade de se chegar a uma decisão sem análise adequada das provas, vez que cabível a simples indicação de súmula de determinado Tribunal no sentido da decisão recorrida, ou um mero despacho indeferindo a inicial. Essa possibilidade de escassa fundamentação, ao violar o princípio em comento, fere, em verdade, norma constitucional originária, pois entra em conflito com a garantia do Devido Processo Legal.[78]

Pertinente também o argumento de Enéas Castilho Chiarini Júnior: “Nota-se, facilmente, que a garantia ao livre convencimento do juiz é impraticável em face ao efeito vinculante, uma vez que, caso seja adotado este efeito vinculativo das súmulas dos tribunais, o juiz mesmo que convencido do contrário, deverá decidir a lide da forma que foi previamente estabelecido pelos Tribunais Superiores, estando vinculado à decisão sumulada.”[79]

3.2.4. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Parcela da doutrina, considerando a previsão na Constituição Federal em vigor, no rol dos direitos e garantias fundamentais, de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inciso II), cláusula pétrea não passível de alteração pelo poder constituinte derivado, aliado à adoção do sistema jurídico civil law pelo ordenamento pátrio, que concebe ser a lei a única fonte de direito, atribuindo a jurisprudência um papel secundário, entende que as súmulas vinculantes violam o princípio da legalidade insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, na medida em que os juízes apenas têm o dever de obediência à lei, não podendo se submeter às diretrizes oriundas do comando contido na súmula vinculante.”[80]

A Associação dos Magistrados Brasileiros em apoio ao “Ato Público contra a súmula vinculante”, realizado em São Paulo, enviou nota expondo que a partir do momento em que se exige a obediência às súmulas vinculante, estas teriam caráter de lei e, por via de conseqüência, a sociedade passaria a ser regida não somente pelas leis, mas também pela jurisprudência sumulada, ferindo diretamente o princípio insculpido no art. 5º da Constituição Federal segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”[81]

3.2.5. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Considerando que o duplo grau de jurisdição consiste num princípio que garante à parte integrante do processo o direito de revisão do julgado que lhe foi desfavorável, sendo efetivo instrumento de controle da justiça e da legalidade da decisão a quo, é evidente a desarmonia entre a súmula vinculante e o princípio do duplo grau de jurisdição, já que, estando o juiz de primeiro grau vinculado a enunciado vinculante, a sentença estará, obrigatoriamente, de acordo com a decisão do tribunal superior, implicando verdadeira supressão do primeiro grau de jurisdição e, por via de conseqüência, inviabilizando às partes o direito de revisão por órgão jurisdicional superior.[82]

No entendimento de Evandro Lins e Silva: “A segunda garantia institucional afrontada pelas súmulas vinculantes é a liberdade-poder de todos os magistrados de decidir os litígios segundo a lei, conforme o seu convencimento pessoal. Essa independência da magistratura não pode ser suprimida nem mesmo reduzida, não só, como é óbvio, pelos demais Poderes, mas também pelos tribunais superiores ou órgãos dirigentes do Poder Judiciário. Os tribunais inferiores e os juízes de primeira instância ficariam proibidos de julgar livremente os casos abrangidos pelo pronunciamento prévio dos tribunais superiores, com a supressão do princípio do duplo grau de jurisdição.”[83]

3.2.6. POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO “CIVIL LAW

Parcela da doutrina concebe a súmula vinculante como uma importação da doutrina stare decisis, implicando transposição de uma categoria típica do sistema commow law, para um modelo que segue a tradição do sistema romano-germânico (civil law), como é o caso do Brasil, isto é, as súmulas vinculantes trariam como conseqüência a perda da centralidade da lei em nosso ordenamento jurídico. Sobre o assunto, Glauco Salomão Leite observa: “alguns têm encarado as súmulas vinculantes como um mecanismo, através do qual se introduziu, no Brasil, a doutrina do stare decisis do Direito norte-americano, cujas raízes, diferentemente das nossas, se encontram na commow law. Portanto, considerando uma oposição quase que radical entre o sistema da commow law e o de civil law, as súmulas vinculantes seria inadequadas ao nosso país”.[84]

Nesse sentido, pondera Zuenir de Oliveira Neves: “introjetar num sistema jurídico de “civil law”, a súmula de efeito vinculante, por sua vez característica do sistema de “commow law”, atropelando os princípios processuais e constitucionais do Estado, é trair o ideal de justiça do Estado Democrático de Direito”.[85]

Dayse Coelho de Almeida obsreva: “O direito judicial induzido pela adoção da súmula vinculante é incompatível com o direito processual próprio do sistema romano. No sistema romano ou civil law o juiz julga conforme as leis, orientado pelo brocardo secundum leges non de legibus, ou seja, julga-se cada caso de acordo com as leis vigentes e não de acordo com os precedentes, isto fica ainda mais claro na observância do segundo brocardo non exemplis sed legibus iudicandum sit, a norma no sistema romano é sempre anterior ao decisum e não o inverso. Subverter esta ordem é misturar os dois sistemas, cujas conseqüências, ainda desconhecidas, podem nos conduzir a um descrédito no Judiciário ainda maior por parte da população.”[86]

3.3. ENGESSAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

A adoção da súmula vinculante provocaria um verdadeiro engessamento do pensamento jurídico e nacional, na medida em que obstaria a capacidade natural de formação do direito por meio da jurisprudência, ou seja, a jurisprudência assentada em uma súmula, e por ela representada, restará estagnada e se tornará obsoleta com o tempo, deixando assim, de acompanhar as transformações que frequentemente ocorrem no corpo social.

A doutrina nacional constantemente sustenta pontos desfavoráveis à adoção da súmula vinculante, todos fundamentados na necessidade de se respeitar os princípios constitucionais ao se promover qualquer inovação na sistemática processual. Neste sentido são os válidos ensinamentos de Zuenir de Oliveira Neves: “Tem-se, assim, que não há como se construir ou se promover qualquer inovação na sistemática processual que não se paute no respeito aos Princípios Constitucionais, haja vista ser a Constituição a expressão máxima do Paradigma do Estado Democrático de Direito. Muito embora, in concreto, ou por ocasião da lide, seja possível a superveniência de Princípios conflitantes entre si, por vezes, um predominando sobre o outro – porém não se eliminando - este Paradigma pugna pela conveniência de todos os Princípios nela previstos, a qual, in abstracto (fora da lide), deve ser harmônica.”[87]

3.3.1. DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Ensina Alexandre de Moraes: “O art. 5º, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. Conforme salientam Celso Bastos e Ives Gandra Martins, no fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei, pois como já afirmava Aristóteles, “a paixão perverte os Magistrados e os melhores homens, a inteligência sem paixão – eis a lei”.[88]

3.3.2. DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Discorrendo sobre o tema, Gilmar Ferreira Mendes ensina: “Na Constituição do Brasil, esse princípio, que está estampado no seu art. 2º, onde se declara que são Poderes as União – independentes e harmônicos – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, é de tamanha importância que possui o status de cláusula pétrea, imune, portanto, a emendas, reformas ou revisões que tente aboli-lo da Lei fundamental”. Todavia, adverte: “O princípio da separação dos poderes, nos dias atuais, para ser compreendido de modo constitucionalmente adequado, exige temperamentos e ajustes à luz das diferentes realidades constitucionais, num círculo hermenêutico em que a teoria da constituição e a experiência constitucional mutuamente se completam, se esclarecem e se fecundam.”[89]

Sobre a origem do postulado, explica José Afonso da Silva que a separação de poderes, definida e divulgada por Montesquieu, consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes – com especialização funcional e independência orgânica -, evitando com isso a indesejável concentração de poderes.[90] Conforme observa Lenza: “tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como as revoluções americana e francesa, consagrando-se na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 16.”[91]

3.3.3. DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Ensina Fredie Didier Jr. que: “Uma das principais garantias decorrentes da cláusula do devido processo legal é a do direito fundamental ao juiz natural”. Cita Luigi Ferrajoli: “Trata-se de garantia fundamental não prevista expressamente, mas que resulta da conjugação de dois dispositivos constitucionais: o que proíbe juízo ou tribunal de exceção e o que determina que ninguém será processado senão pela autoridade competente (incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF/88). Trata-se essa garantia de uma conquista moderna”. Adiante prossegue: “Juiz natural é o juiz devido. À semelhança do que acontece com o devido processo legal e o contraditório, o exame do direito fundamental ao juiz natural tem um aspecto objetivo, formal, e um aspecto substantivo, material. Formalmente, juiz natural é o juiz competente de acordo com as regras gerais e abstratas previamente estabelecidas. Não é possível a determinação de um juiz post facto ou ad personam. A determinação do juízo competente para a causa deve ser feita por critérios impessoais, objetivos e pré-estabelecido. Tribunal de exceção é aquele designado ou criado, por deliberação legislativa ou não, para julgar determinado caso. Os juízes de exceção são juízes ad hoc e estão vedados. Substancialmente, a garantia do juiz natural consiste na exigência da imparcialidade e da independência dos magistrados. Não basta o juiz competente, objetivamente capaz, é necessário que seja imparcial, subjetivamente capaz.”[92]

3.3.4. DO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL

Segundo Rui Portanova, o princípio da legalidade significa que “a jurisdição não pode sofrer interferência de fatores externos a ela, nem mesmo de outros órgãos superiores do próprio Poder Judiciário”. Adiante prossegue: “O Judiciário como um todo e cada juiz em particular é independente não só em relação aos outros poderes, como diante do próprio poder e da opinião pública. É direito do cidadão que a jurisdição seja isenta de pressões externas, e como tal a parte deve exigir do julgador que exerça esta independência.” Por fim, esclarece: o princípio da independência da jurisdição se impõe também sobre as decisões anteriormente proferidas e conhecidas sob a forma de jurisprudência (mesmo dominante) e de súmulas[93].

3.3.5. DO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO JUDICIAL

Segundo Rui Portanova, o princípio do livre significa que “o juiz forma o seu convencimento livremente”. Adiante prossegue: “O mesmo sistema jurídico que dá ao juiz o poder de livremente convencer-se, dando às normas a interpretação que entender mais adequada, atribuindo  valor às provas dos autos, enfim, concedendo direito e impondo deveres conforme seu sentimento, o mesmo sistema, repetimos, impõe ao juiz o dever de motivar sua convicção, justificando as razões que determinaram o julgamento”[94]

3.3.6. DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Guilherme Marinoni nos ensina que: “a idéia que subjaz à noção de duplo grau de jurisdição impõe que qualquer decisão judicial, da qual possa resultar algum prejuízo jurídico para alguém, admita revisão judicial por outro órgão pertencente também ao poder Judiciário (não necessariamente por órgão de maior hierarquia em relação àquele que proferiu, inicialmente, a decisão). Obviamente, esse princípio se presta como cláusula genérica, da qual, porém derivam inúmeras exceções, especificamente disciplinadas pela lei processual.”[95]

3.4. SÚMULA VINCULANTE E O PODER JUDICIÁRIO

A partir da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, o Brasil passou a prever a possibilidade de adoção da chamada súmula vinculante, e, desde então, instaurou-se grande polêmica na comunidade jurídica nacional, carreando discussões e questionamentos no que diz respeito  a inserção destas na vida prática dos magistrados e jurisdicionados. Porém, a principal crítica contra a adoção da súmula vinculante reside no efeito que ela provocaria: o engessamento do Direito. Por tais razões, importante se faz a análise dos argumentos para uma posteriori conclusão.

Respeitáveis integrantes do Poder Judiciário têm apresentado severas críticas à proposta das súmulas com efeito vinculante, especialmente os membros da Associação dos Magistrados Brasileiros. A propósito, o Presidente Associação dos Magistrados Brasileiros, CLÁUDIO BALDINO MACIEL, em defesa ao “Ato Público contra a súmula vinculante” realizado em São Paulo, no dia 11 de agosto de 2004, refere em nota: “A instituição da súmula com efeito vinculante constitui-se em mecanismo de controle ideológico e de engessamento do processo criador do direito, que afronta os princípios e regramentos constitucionais”.[96]

Em linha consonante, afirma o desembargador Arnaldo Boson Paes em seu artigo “SÚMULA VINCULANTE, O CAMINHO DO ENGESSAMENTO DO DIREITO”: “A adoção da súmula vinculante, com julgamentos padronizados, robotizados, como numa linha de montagem, impede que o juiz atue eficazmente para aperfeiçoar e atualizar o direito, levando a um sistema jurídico rígido, inflexível, imutável, que termina oprimindo a sociedade. Sem a súmula vinculante, na medida em que se assegura a evolução criadora da jurisprudência, muito mais a lei estará próxima do direito vivo, fluente, flexível, que não se cristaliza e não se aparta da autêntica vida jurídica. O ato de julgar é sempre um ato criativo e para que a criativa judicial possa ser exercida deve-se recusar o juiz que se limita a reproduzir os caprichos da lei ou as decisões preconcebidas pelas cúpulas dos tribunais. Como faz a reforma do Judiciário, instituindo força vinculante às decisões do STF, torna-se o juiz um autômato, mecânico, sujeito coercitivamente à observância estrita de certa interpretação do texto da lei, elaborada por órgão de instância superior, além do que essa solução faz tábula rasa da independência judicial, aniquila a criatividade dos juízes, produzindo o engessamento do sistema jurídico, podando a capacidade natural de formação do direito através da jurisprudência. Além de centralizar a produção na cúpula dos tribunais, provoca "o estancamento da atividade judicial, sua robotização, seu garroteamento, sua esterilização, fossilização ou coisa que o valha".[97]

Discorrendo sobre o tema, explica Félix Soibelman, que ”Nos parece, portanto, correta a afirmação de que a súmula vinculante viabiliza o engessamento da justiça, uma mumificação dos entendimentos, uma avalização da ausência de esforço intelectual dos julgadores. Não se concebe a petrificação jurisprudencial; isto equivaleria a negar ao direito a sua forja nas circunstâncias incessantemente renovadas que a mutação social oferece. Além de tudo, quantas vezes não sucede que um grande advogado venha, por força de seus dotes e maior visão, demolir um entendimento faz muito sedimentado? Receamos que a limitação da legitimidade para provocar a sua revisão ou cancelamento (os mesmos que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade) represente na verdade um gargalo político para o amadurecimento jurisprudencial”[98].

Para o Ministro Marco Aurélio Melo, "a súmula vinculante apresenta mais aspectos negativos do que positivos. Cada processo é um processo e, ao apreciar o conflito de interesses nele estampado, o detentor do ofício judicante há de atuar com a maior independência possível. O homem tende à acomodação; o homem tende à generalização, especialmente quando se defronta com volume de trabalho invencível. Receio que a súmula vinculante acabe por engessar o próprio Direito..." (Em entrevista à Revista Consulex nº 10 de 13/10/1997).[99]

Frisa-se que dentre os maiores opositores da súmula vinculante estão: o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto Busato, o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso. Sustentam que a implantação da súmula vinculante no ordenamento jurídico irá engessar a Justiça, pois “os juizes serão estimulados a não pensar e podem ser transformados em uma coletividade burocrática, homogênea e acrítica".[100]

Segundo o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato a adoção da súmula vinculante causará completo engessamento no julgamento e nas decisões dos juízes de primeiro grau já que estes ficarão obrigados a julgar conforme decisões cristalizadas (ou sumuladas) pelo Supremo Tribunal Federal. Na sua opinião, o Direito brasileiro é moderno e deve continuar podendo ser modificado a qualquer tempo. Por tais razões é contrário ao instrumento da súmula vinculante e a favor da adoção da súmula impeditiva de recursos. Com ela, segundo Busato, o juiz natural (de primeira instância) poderá continuar a decidir livremente.[101]

Nessa mesma linha, o presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, e o presidente da Comissão de Reforma do Judiciário da Seccional, Ricardo Tosto, no dia 18.03.2004, em nota oficial, criticaram a adoção da súmula vinculante por se um instrumento que  não permite mudanças ou modernização na jurisprudência e no Direito, constituindo verdadeiro instrumento petrificador da interpretação do Direito, como in verbis:

“As súmulas decorrem da reiteração de julgamentos de situações similares, no mesmo sentido, realizados pelos tribunais. Os entendimentos das cortes, consignados nas súmulas, são alterados com o decorrer do tempo, quer pelo fato de as partes apresentarem novos argumentos, quer pelo próprio desenvolvimento doutrinário do Direito, como ainda pelas mudanças sociais ou pela alteração da composição dos tribunais. É fácil, portanto, perceber o caráter dinâmico do Direto e da jurisprudência. A pressão pela modificação das súmulas se faz sentir, principalmente, a partir das decisões dos juízes de primeiro grau de jurisdição, que são aqueles que apreendem a realidade jurídica de maneira imediata, dado seu contato direto com as partes. Assim, essas decisões vão como que pressionando, minando, o entendimento esposado nas súmulas, até que o Tribunal resolva alterá-la, ou simplesmente cancelá-la. Pretender que as súmulas se tornem vinculantes para os juízes é querer engessar o que era fluído e dinâmico. É querer fechar as portas dos tribunais aos anseios de modernidade e das mudanças exigidos pela sociedade. Os juízes apreendem a realidade diuturnamente. O cidadão comum, o despossuído, a eles se dirige, clamando por justiça e mudanças e isto em todos os cantos deste imenso país. Assim, mais do que engessar, a súmula vinculante fossiliza a interpretação do Direito.Não se deve esquecer, ainda, que em épocas de crise, como a contemporânea, onde os fatos superam as pautas normativas e, inclusive, todos os prognósticos e previsões, o desenvolvimento judicial do Direito é que responde aos anseios da justiça e modernidade da sociedade. Dado o engessamento próprio da lei para responder a esses anseios, que Portalis ressaltava que as disposições da lei deveriam ser consideradas, sobretudo, como princípios e máximas; feconds en conséquences, para desenvolverem-se e serem aplicados por parte do juiz e dos demais juristas. Ora, a súmula vinculante vai na contra-mão desse entendimento, engessando a interpretação do Direito e, com ela, o juiz e o Judiciário.Por todas essas razões, somos de entendimento contrário à adoção da súmula vinculante.”[102]

Em sentido oposto, um dos maiores defensores da súmula vinculante, o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala, considera uma falácia afirmar-se que a adoção da súmula vinculante nos tribunais superiores provocaria o engessamento do Poder Judiciário ou perda da autonomia de juízes de primeira instância, considerando que o Supremo Tribunal Federal somente editará súmula vinculante em questões excepcionais, que implicam grande número de processos repetidos e de grande repercussão nacional. Aliás, defende a adoção do instrumento da súmula vinculante para os tribunais superiores. Refere ainda, a adoção pela Justiça do Trabalho por 20 anos do instituto do pré-julgado que se mostrou um instrumentos de grande valia para a Justiça do Trabalho e nenhum juiz reclamava de engessamento.[103]

No ponto, esclarecem Alexandre Sormani e Nelson Luis Satander: “A preocupação quanto ao risco de estagnação da jurisprudência pátria, a princípio, não merece guarida. O legislador constituinte reformador teve a preocupação de deixar uma válvula de escape a fim de evitar-se a petrificação da jurisprudência, no próprio art. 103-A, que estabelece a possibilidade da revisão ou cancelamento da súmula, pelo Supremo Tribunal Federal, na forma em que dispuser a lei.”[104]

Conclui Pedro Lenza que: “a súmula vinculante introduzida pela Reforma do Poder Judiciário mostra-se totalmente constitucional. Não há falar em engessamento do judiciário, na medida em que está prevista a revisão dos enunciados editados”. Prossegue afirmando que “no choque entre dois grandes valores fundamentais de igual hierarquia (“colisão de direitos fundamentais”), parece ser mais condizente, diante da realidade forense pátria, a garantia da segurança jurídica e do princípio da igualdade substancial ou material, em vez da liberdade irrestrita do magistrado nas causas já decididas e pacificadas no STF, “desafogando”, por conseqüência, o Poder Judiciário das milhares de causas repetidas. Conforme apontado no relatório da CCJ do SF, “parece-nos que a súmula vinculante tende a promover os princípios da igualdade e da segurança jurídica, pois padronizará a interpretação das normas, evitando-se as situações propiciadas pelo sistema vigente, em que pessoas em situações fáticas e jurídicas absolutamente idênticas se submetem a decisões judiciais diametralmente opostas, o que prejudica em maior medida aqueles que não têm recursos financeiros para arcar com as despesas processuais de fazer o processo chegar ao Supremo Tribunal Federal, onde a tese que lhe beneficiaria fatalmente seria acolhida”.[105]

Em posição consonante, observa André Ramos Tavares: “o certo é que a suposta “amarração” que uma súmula editada pelo STF provocará é, como qualquer outra vinculação, vertida em comando escrito, limitada, na medida em que a própria súmula será passível de interpretação e, assim, não irá escapar de uma leitura “subjetiva” ou diversificada (Reynold, 1967:28).”[106]

Aliás, sobre o risco de haver estagnação da jurisprudência, Sergio Bermudes explica: “De certo, a reiteração de pronunciamentos judiciais e recursos contrários a determinado entendimento pode levar à modificação dele. A história da jurisprudência brasileira mostra isso, como no caso em que os constantes desafios – liderados pelo trabalho insistente do processualista e advogado Galeno Lacerda – à súmula 267 do STF, impeditiva de mandado de segurança contra ato judicial, terminaram por alterar o entendimento daquela Corte. Sempre existem meios de alcançar a revogação da súmula, como demonstram as mutações da jurisprudência de tribunais de países de precedente obrigatório (a Corte Suprema dos estados Unidos mostra isso de modo muito significativo).”

Em seu livro “Curso de Direito Constitucional”, Gilmar Ferreira Mendes expôs seu posicionamento relativamente ao suposto efeito da súmula vinculante - engessamento do Direito: “À evidência, não procede ao argumento de que a súmula vinculante impede mudanças que ocorrem por demanda da sociedade e do próprio sistema jurídico, uma vez que há previsão constitucional da revisão e revogação dos seus enunciados. Ademais, a revisão da súmula propicia ao eventual requerente maiores oportunidades de superação do entendimento consolidado do que o sistema de recursos em massa, que são respondidos, também, pelas fórmulas massificadas existentes hoje nos tribunais.” Cita o autor o pronunciamento do Ministro Sepúlveda Pertence perante a Câmara de Deputados: ‘É muito mais fácil prestar atenção a um argumento novo, num mecanismo de revisão de súmula, do que num dos 5 ou 6 mil processos a respeito que subam num determinado ano ao Supremo Tribunal Federal, até porque a sentença que contém o argumento novo tem de ser sorteada, porque não dá para conferir mais do que por amostragem.”[107] E em nota, argumentou que “as súmulas vinculante não causarão ‘engessamento’ do Poder Judiciário”. Corroborando tal entendimento, lembrou da experiência da Corte com as súmulas do STF não vinculantes, que não levaram a esse engessamento. Prosseguiu: “O Tribunal soube fazer as distinções quando elas foram necessárias, os juízes suscitaram problemas quando eles existiam, de modo que acredito que esse é um modelo bastante dinâmico”.[108]

Por fim, na defesa das súmulas vinculantes, afirma Alexandre de Moraes: “Não concordamos com esse posicionamento, nem tampouco nos parece que a edição de súmulas vinculantes poderá acarretar o engessamento e conseqüente paralisia na evolução e interpretação do Direito. A própria história do stare decisis afasta essas alegações, pois entre todos os tribunais, nenhum se notabilizou tanto pela defesa intransigente, polêmica, construtiva e evolutiva dos direitos fundamentais como a Suprema Corte americana, mesmo adotando o mecanismo de vinculação, não podendo, porém, ser acusada de imutabilidade interpretativa.” Prossegue o autor: “Reforçando a possibilidade de mutação e evolução interpretativa do direito sumular, a Lei 11.417/06 estabeleceu que, revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso. Além disso, é importante ressaltar que competirá a cada um dos magistrados, ao analisar o caso concreto, a conclusão pela aplicação de determinada súmula ou não, ou mesmo a possibilidade de apontar novos pontos característicos que não se encontram analisados na Súmula, ou ainda, a necessidade de alteração da súmula em virtude da evolução do Direito, de maneira semelhante ao que ocorre no direito-norte-americano, quando o juiz utiliza-se do mecanismo processual do distinguishing (distinção entre o caso concreto e o precedente judicial) para demonstrar que não é o caso de aplicação de determinado precedente a hipótese em julgamento.”[109]

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Sobre a autora
Vanessa Lilian da Luz

Juíza de Direito no Rio Grande do Sul. Especialista em Direito Público pela ESMAFE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, Vanessa Lilian. Súmula vinculante: análise crítica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3923, 29 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27223. Acesso em: 18 dez. 2024.

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