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A controvertida aplicação da Súmula 56, do Supremo Tribunal Federal, em face dos reformados da Polícia Militar do Estado de Alagoas

06/04/2014 às 09:33
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O Enunciado 56 do STF somente se aplica na hipótese de não haver previsão legal expressa acerca da punição disciplinar do militar reformado.

Antes de tudo, importa destacar em que consiste o significado do termo súmula. Na rotina forense, tal expressão é sinônimo de enunciado. Assim, temos que a edição de uma súmula pressupõe a existência de vários acórdãos editados por determinado tribunal versando acerca de uma mesma matéria. Ou seja, é o conjunto de decisões proferidas reiteradamente por um tribunal num mesmo sentido sobre idêntica questão de direito.

A doutrina clássica elegeu a jurisprudência como fonte formal mediata do Direito. Todavia, após o advento da Convenção Americana de Direitos Humanos, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 678, de 06 de novembro de 1992, ocorreu mudança nesse entendimento, fazendo parte, hoje, das fontes formais imediatas.  

Nesta medida, o sistema jurídico brasileiro, segundo entendimento doutrinário, adotou três espécies de súmula, quais sejam: a súmula persuasiva, a súmula impeditiva de recurso e a súmula vinculante.   

Em breve síntese, pois a análise pormenorizada do instituto não se revela o objetivo deste trabalho, inicialmente temos a súmula persuasiva. Esta espécie de súmula foi propugnada pelo Ministro Victor Nunes Leal, do STF. Trata-se de enunciado meramente de convencimento, na medida em que não obriga qualquer órgão a obedecê-la. Serve apenas de norte, orientação.

Doutra vertente, encontra-se a súmula impeditiva de recurso, introduzida pela Lei n° 11.276, de 07 de fevereiro de 2006, que deu nova redação ao artigo 518, § 1°, do Código de Processo Civil. Segundo o dispositivo, o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, cabendo lembrar que o artigo 557, caput e § 1°-A, do próprio CPC, com redação dada pela Lei n° 9.756, de 17 de dezembro de 1998, é quem traz essa novidade, verbis:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

Observa-se que a distinção entre os artigos 518, § 1°, e o artigo 557, é simplesmente de graus de jurisdição.

Por fim, a súmula vinculante, definitivamente espécie de enunciado mais denso editado pelo Poder Judiciário, com esteio na Carta Política. Tanto isso é verdade que a própria Constituição Federal, no seu artigo 103-A, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 45/2008, determina obediência às súmulas vinculantes pelos órgãos do Poder Judiciário e pela Administração Pública, conforme a dicção do artigo 103-A, nos seguintes termos:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos  do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta,  nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder  à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

No entanto, com algum temperamento, tal instituto é visto em espécies normativas subconstitucionais, a exemplo da Lei 9.868/99, cujo artigo 28, parágrafo único, estabelece que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. Não há também que se olvidar da Lei 9.882/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF, pois, consoante o seu artigo 10, § 3°, a decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.

A propósito, com a precisão de sempre, José dos Santos Carvalho Filho, bem expõe os contornos da súmula vinculante, vejamos:

O fundamento das súmulas vinculantes reside na necessidade de definir a posição do STF quanto a controvérsias que coloquem em grave risco a segurança jurídica e que possam gerar expressiva quantidade de processos tendo por alvo a mesma discussão, fato que prejudica inegavelmente o funcionamento do Judiciário. No que tange ao objeto, tem-se que as súmulas visam indicar a orientação do STF sobre validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas [...]”[1] (com destaque no original)

Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes et al arremata:

Outro requisito para a edição de súmula vinculante refere-se à preexistência de reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Exige-se aqui que a matéria a ser versada na súmula tenha sido objeto de debate e discussão no Supremo Tribunal Federal. Busca-se obter a maturação da questão controvertida com a reiteração de decisões. Veda-se, desse modo, a possibilidade de edição de uma súmula vinculante com fundamente em decisão judicial isolada. É necessário que ele reflita uma jurisprudência do Tribunal, ou seja, reiterados julgados no mesmo sentido, é dizer, com a mesma interpretação.[2]

É preciso termos em mente, todavia, que o efeito vinculante de decisões judiciais de envergadura constitucional não é figura inaugurada pela EC 45/04 e pelas disposições infraconstitucionais mencionadas, pois na Constituição já existia disposição que vinculava o Poder Judiciário e o Executivo, como se vê no § 2°, do artigo 102, com redação promovida pela EC n° 3/93, nos seguintes termos:

As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.

Cabe destacar que, por meio da EC 45/08, o referido parágrafo foi modificado, havendo a inserção da ação direta de inconstitucionalidade. Ademais, com o advento desta emenda, o instituto ficou mais encorpado, mais incisivo, exigindo dos Poderes Judiciário e Executivo que sigam as suas diretivas.

Neste diapasão, vê-se que a súmula vinculante impõe observância obrigatória aos órgãos do Poder Judiciário e do Executivo, ou seja, administração pública, direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, sob pena de ensejar reclamação à Suprema Corte. Trata-se da nova realidade imposta pela ordem jurídica pátria. Neste sentido, é bem de observar que algumas súmulas, em verdade, são materialmente leis, vez que são genéricas e abstratas, características de lei em sentido estrito. É o caso, por exemplo, do enunciado vinculante n° 11, a saber:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Não é diferente, também, a redação da súmula vinculante n° 13, vejamos:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a constituição federal.

Analisando-se os verbetes sumulares acima, pergunta-se: há alguma dúvida de que se cuidam de dispositivos que deveriam estar previstos, respectivamente, no Código de Processo Penal e na Lei 8.112/90? Existe diferença entre um dispositivo legal e os referidos enunciados? É claro que não. A rigor, contêm todos os ingredientes de uma norma legal. Em verdade, o STF, in casu, assumiu a postura de legislador positivo na medida em que produziu, como dito, regras genéricas e abstratas, peculiaridades de espécies normativas oriundas do Poder Legislativo. Vale dizer, houve nítida inovação da ordem jurídica, a despeito não se tratar de lei em sentido estrito.

Nesta ordem de idéias, constata-se que as decisões judiciais reduzidas a enunciados sumulares, em regra, têm caráter vinculativo, seja diretamente dirigida aos órgãos do Poder Judiciário, seja à Administração Pública, na hipótese da súmula vinculante ou por meio de súmula impeditiva de recursos.

Nesta sistemática, indaga-se: e as chamadas súmulas persuasivas? Quais os efeitos impostos por essas figuras jurídicas, eis que se tratam de precedentes não vinculantes, apenas norteadores?

Em razão do que prescrevem os artigos 518, § 1°, e 557, caput e § 1°-A, do Código de Processo Civil, por óbvio, o juiz não receberá a apelação e o relator negará seguimento ao recurso. Entretanto, há súmulas que foram alteradas, canceladas, revogadas, suspensas ou interpretadas de outra forma em virtude de decisões posteriores dos respectivos tribunais.

É o que ocorre, exempli gratia, com o verbete sumular n° 56, do Supremo Tribunal Federal, objeto deste ensaio, editado nos seguintes termos: “militar reformado não está sujeito à pena disciplinar.”

Existe a súmula, entretanto o próprio STF, em julgado posterior, restringiu os seus efeitos, consoante se observa no aresto abaixo, verbis:

EMENTA: Habeas Corpus. Prisão disciplinar. De acordo com o art. 153, § 20, da Constituição, e art. 647, do CPP, não cabe, em princípio, habeas corpus, em caso de transgressão disciplinar. Hipótese, ademais, em que a pena disciplinar foi imposta por autoridade competente, sendo o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Rio de Janeiro, aprovado pelo Decreto n° 6.579/1983, aplicável, também, aos policiais militares na inatividade (art. 8°). Decreto federal n° 83.349/1979. Não cabe invocar, na espécie, a Súmula 56. Recurso desprovido (RHC n° 61.246-6/RJ. STF. Relator Ministro Néri da Silveira. Publicado no D.J. de 25.11.83 – sem destaque no original).

Depreende-se, assim, que o policial militar inativo e, por consequência lógica, o reformado submete-se ao regulamento disciplinar castrense, consoante se vê no aresto acima. 

No mesmo diapasão se manifesta o Superior Tribunal de Justiça. Eis o acórdão:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO ESPECIAL. ALEGAÇAO DE OFENSA AO ART. 535, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÂO NAO CONFIGURADA. MILITAR REFORMADO. PRÁTICA DE CONDUTAS TIPIFICADAS COMO CRIME APÓS A REFORMA. SUBMISSAO A CONSELHO DE DISCIPLINA. EXCLUSAO DAS FILEIRAS DAS FORÇAS ARMADAS. POSSIBILIDADE.

1. A via especial, destinada à uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, não se presta à análise de possível violação a dispositivos da Constituição da República. 2. O acórdão hostilizado solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, apresentando todas as razões que firmaram o seu convencimento. 3. Havendo expressa previsão na legislação quanto à possibilidade de aplicação de sanção disciplinar aos militares reformados, é de ser afastada a incidência da Súmula n.º 56 do Supremo Tribunal Federal. 4. A prática de condutas que afetem o dever, o pundonor e o decoro militar é passível de acarretar, para o militar, a declaração de incapacidade quanto à permanência nas fileiras das Forças Armadas, inclusive quando já tenha sido reformado. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp 1.121.791/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 14/10/2011 – sem destaque no original).

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Como se verifica, o Enunciado 56 do STF somente se aplica na hipótese de não haver previsão legal, pois, caso contrário, deve ser afastada.

O entendimento em testilha, já assente nos tribunais superiores, inclusive, em decisão recentíssima, publicada em 31 de maio de 2013, o mesmo STJ, no agravo regimental em recurso em mandado de segurança, assim julgou:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. EXCLUSÃO DAS FILEIRAS DA CORPORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. 1. No que diz respeito à alegação de ausência de provas contundentes sobre a autoria e a materialidade do ilícito, descabe ao Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrativo, circunscrevendo-se seu exame apenas aos aspectos da legalidade do ato. Nesse sentido, destaco que o agravante, em suas razões recursais, não apontou nenhum vício no processo administrativo que tenha resultado em sua exclusão das fileiras da corporação, insurgindo-se apenas quanto às questões de mérito do ato impugnado. 2. Ademais, não prospera a pretensão de que o processo administrativo disciplinar devesse aguardar o trânsito em julgado da Ação Penal que apura o mesmo fato. As esferas penal e administrativa são independentes e a única vinculação admitida dá-se quando o acusado é inocentado na Ação Penal em face da negativa da existência do fato ou quando não reconhecida a autoria do crime, o que não é o caso dos autos, mormente ao se considerar a pendência de julgamento da Ação Penal. 3. Quanto à matéria referente à aplicabilidade da Súmula 56/STF, a jurisprudência do STJ firmou que, havendo lei que determine sanção disciplinar aos militares da reforma, deve ser afastado o disposto no referido enunciado sumular. 4. Agravo Regimental não provido (STJ. AgRg no Recurso em Mandado de Segurança nº 38.072/PE. Relator Ministro Herman Benjamin. Data de publicação: 31/05/2013 – sem destaque no original). 

Nesta linha de pensamento, não resta a menor dúvida quanto à não aplicação da referida súmula, mesmo porque o Pretório Excelso igualmente já decidiu, afastando o enunciado nos casos em que existe previsão legal de submissão do reformado ao regime disciplinar.

No mesmo sentido também trilha o TJMSP, senão vejamos:

EMENTA: 1. Vistos. 2. Trata-se de Habeas Corpus impetrado pela Dra. Maria Leda Cruz Santos e Silva – OAB/SP 95.723, em favor de Luiz Roberto Moreira da Silva, 2º Tenente da reserva da Polícia Militar, em busca da imediata liberação do paciente, que, na data de 15/01/11, às 7h, iniciou o cumprimento de 2 dias de permanência disciplinar, com término previsto para as 7h do dia 17/01/11. 3. A impetrante relata que, por fatos apurados no Procedimento Disciplinar 050/324/08, o paciente foi ilegalmente sancionado pelo Comandante Geral da Polícia Militar, e que, nos autos do Habeas Corpus nº 3943/11, impetrado junto à 2ª Auditoria Cível, foi indeferida a liminar pleiteada. 4. Alega a impetrante, em síntese, inexistir justa causa para a punição, tendo em vista que não há provas da transgressão imputada ao paciente, e que o autor da parte inicial é pessoa inidônea. Sustenta, ainda, que nos termos da Súmula 56 do Supremo Tribunal Federal, o paciente, policial militar reformado, não está mais sujeito a punição disciplinar. 5. Em primeiro grau, o Excelentíssimo Juiz de Direito Substituto Dr. Dalton Abranches Safi indeferiu a liminar em decisão muito bem fundamentada, na qual apontou de forma minuciosa as razões pelas quais entendeu ausente o “fumus boni iuris”. Constou da decisão ora combatida: XVIII. Ao menos como entendimento primeiro, não há de se falar em falta de justa causa para a instauração do PD telado. XIX. O termo acusatório é claro o suficiente a ponto demonstrar a pertinência da apuração dos fatos por meio da seara ético-disciplinar, nele constando, inclusive, as palavras de baixo calão ditas pelo ora paciente (v. doc. 02). XX. No que tange ao punitivo em si, também não verifico, prefacialmente, nada de írrito. XXI. Tal assertiva se faz, uma vez que a autoridade impetrada (Exmo. Sr. Comandante Geral da PMESP) atendeu ao princípio da motivação, vindo a demonstrar a ocorrência das transgressões disciplinares perpetradas pelo ora paciente, tendo afastado, ainda, o ilícito dizente com o nº 100 do parágrafo único do artigo 13 da Lei Complementar Estadual nº 893/2001. XXII. E, “in casu”, quando este magistrado se refere a decisão punitiva, não está apenas a dizer da motivação proferida pela ora autoridade impetrada (doc. 45), pois deve se somar a esta o Relatório do Ilmo. Sr. Presidente do PD (docs. 34/36), haja vista ter sido acolhido, em parte, pelo Exmo. Sr. Comandante Geral da PMESP. XXIII. Avanço. XXIV. No que respeita ao graduado que confeccionou a PARTE (Nº 2BPM/M166/3.3/07, doc. 14), saliente-se que a narrativa constante na petição inicial concernente a sobredito miliciano em nada se relaciona com os fatos apurados no PD ora atacado. XXV. Significa dizer o seguinte: a conduta do elaborador da PARTE no referente a episódios outros não desnatura a valia de sua comunicação sobre os ilícitos disciplinares praticados pelo ora paciente (os fatos são sobejamente independentes). 6. No tocante às alegações relativas à condição pessoal do autor da parte inicial e à insuficiência probatória, além da própria natureza da via eleita não permitir sua análise, os documentos que instruem o presente não permitem tal verificação. 7. No que se refere ao teor da Súmula 56 do Supremo Tribunal Federal, saliento que não se trata de súmula vinculante, e que não prevalece em relação ao disposto no art. 2º, “caput”, da Lei Complementar Estadual nº 893/01, que determina expressamente a sujeição, ao Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, dos militares do Estado “da reserva remunerada, reformados e agregados”, de modo que suas disposições são aplicáveis ao paciente. 8. Assim, em que pese a combatividade da impetrante, não se vislumbram, a partir da documentação apresentada, o fumus boni iuris indispensável à excepcional concessão da ordem em sede de liminar. 9. Neste cenário, NEGO A LIMINAR (TJMSP. Habeas corpus nº 008/11. Relator Desembargador Clovis Santinon. DJMe: 15.01.2011 – sem destaque no original).

Com excepcional fundamento, observa-se a decisão em habeas corpus em que o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo nega o pedido de liminar, confirmando a decisão do juízo de primeiro grau. Para isso, determina que deve ser aplicado o artigo 2° do Regulamento Disciplinar da PMSP, afastando a Súmula 56 do STF. Ou seja, a contrário senso, o Tribunal afirma que, existindo previsão na legislação, esta deve ser aplicada, afastando-se o enunciado da Corte Maior.

Entretanto, ainda há vozes que ecoam insistindo em inadmitir sanção disciplinar aos inativos reformados, notadamente em virtude da Súmula 56. Joilson Fernandes de Gouveia, por exemplo, discorda, afirmando que o reformado, em hipótese alguma, pode ser sancionado disciplinarmente. Acrescenta, ainda, o inativo reserva, aduzindo o seguinte:

Logo, como já afirmáramos em 2000, reiteramos em 2003, e aditamos à isenção também o inativo da reserva (I - quando transferido para reserva remunerada, permanecem percebendo remuneração do Estado, porém sujeitos à prestação de serviço ativo, mediante convocação, aceitação e designação) é de se concluir que, da situação de inatividade, há de se excluir o PM Inativo da reserva e/ou reformado de sujeição ou submissão aos preceitos do RDPMAL, i.e., ele está isento da incidência não só dos artigos 9º e 10, mas, sobretudo, do próprio Art. 11, que define a competência de aplicação do RDPMAL [...][3] (com destaque no original).

Certamente, esta não é a melhor interpretação a ser dada ao precedente sumular, pois, quanto à sujeição do reformado e do reserva, o Regulamento Disciplinar da PMAL é expresso, nos termos do artigo 9°, pelo qual “estão sujeitos a este Regulamento, os policiais militares na ativa e os na inatividade.” Além disso, prescreve o artigo 5°: “A hierarquia e a disciplina constituem a base institucional da Polícia Militar, devendo ser mantidas, permanentemente, pelos policiais militares na ativa e na inatividade.”

No respeitante à competência para infligir sanção disciplinar a este inativo, o artigo 11, inciso I, combinado com o artigo 59, deixa bem evidente que são competentes para tal o Governador do Estado e o Comandante Geral, não havendo qualquer dificuldade neste exercício exegético.

Neste diapasão, quando o nobre Oficial Superior afirma que tanto o reserva quanto o reformado não são alvos de aplicação do RDPMAL, em verdade, está ignorando jurisprudência firme dos tribunais superiores, num equívoco desmedido.

Ora, como visto alhures, se o STF e o STJ afirmam que o policial militar reformado submete-se ao regime disciplinar castrense é porque deve-lhe igualmente observância o policial militar da reserva, numa simples operação lógica, para não dizer matemática. Vale dizer: se o reformado, que não mais pode ser convocado nem designado para a ativa na forma do artigo 3°, b, II, da Lei 5.346/92, se curva ante o regulamento, o que dizer do reserva, que pode ser convocado ou designado, nos termos do inciso I, do mesmo artigo? Daí,toma relevo a máxima “quem pode o mais, pode o menos.”

Outro ponto destacado pelo ilustríssimo Coronel consiste no fato de que eventual sanção disciplinar estaria condicionada ao provimento de cargo pelo inativo, o que parece forçar em demasia na medida em que não é necessário o inativo ocupar qualquer cargo e, portanto, está suscetível à reprimenda disciplinar sem óbice algum.

Interessante é que o autor, ao afirmar que o policial militar da reserva também não pode ser punido disciplinarmente, não observa a Súmula 55, do Pretório Excelso, pela qual “Militar da reserva está sujeito à pena disciplinar”. Ou seja, quando se fala na aplicação da Súmula 56, de pronto, logo a defende. No entanto, no que toca ao Enunciado 55, sequer o menciona, olvidando-se de que o policial militar pode sofrer sanção disciplinar. Indubitavelmente, trata-se posicionamento, no mínimo, contraditório.

Definitivamente, não nos parece ser a melhor interpretação e, por óbvio, discordamos do preclaro Coronel da Briosa Polícia Militar do Estado de Alagoas, não podendo prosperar tal entendimento pelos seguintes motivos. A uma: o reformado jamais perderá a condição de policial militar, pois, se quiser manter os seus direitos e prerrogativas, também não lhe assiste o direito de não cumprir com os deveres que a caserna lhe impõe. É dizer, se o PM deseja ter a condição de mero civil, deve abdicar, por exemplo, da arma que usa por autorização da Administração Pública Militar, eis que, caso contrário, teria tratamento diverso, mais gravoso, para adquirir a posse e o porte; da identidade de policial militar que não raras vezes é utilizada para auferir certas vantagens, que, se não é ilegal, também não é moral, a exemplo de obter passagem gratuita nos coletivos urbanos; praticar atividade extra de segurança de estabelecimentos comerciais ou templos religiosos, utilizando-se da condição de policial militar, inclusive com a arma autorizada pela Corporação, ou mesmo ao passar numa blitz apresentando a cédula de identidade. A duas: não é o fato de o reformado não mais retornar à atividade que o faz perder a condição de militar, pois continua militar, ainda que na inatividade. A três: partindo da percepção de que o policial militar deve ocupar cargo para sofrer reprimenda disciplinar, não estaria o servidor público civil da União sujeito à cassação da aposentadoria na hipótese do artigo 127, IV, da Lei 8112/90, ou do artigo 129, da Lei 5.247/91. A quatro: conquanto tenha sido editada a Súmula 56/STF, a própria Corte Constitucional já asseverou que está afastado o verbete em alusão quando prevista na legislação prática de transgressão disciplinar por esta espécie de inativo, estando na mesma toada o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo.

Lado outro, é interessante consignar, outrossim, decisão de mérito, prolatada pela 13ª Vara Criminal da Capital/Auditoria da Justiça Militar de Alagoas (Autos n° 0039097-90.2011.8.02.001), com competência cível, nos termos do artigo 125, § 4°, da Constituição Federal, senão vejamos:     

O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência consolidada no sentido da não possibilidade de militar reformado se sujeitar à pena disciplinar, eis o seu teor: Súmula n° 56: “Militar reformado não está sujeito à pena disciplinar”.

Diante de clara afronta à lei e à súmula do Supremo Tribunal Federal e de tudo o que consta destes autos, com fulcro na legislação suso citada, JULGO PROCEDENTE a presente ação, para o fim de declarar a nulidade do Processo Administrativo Disciplinar na modalidade Conselho de Disciplina, instaurado contra o autor [...]

Com a devida máxima vênia, ousamos discordar de tal entendimento, não se revelando assente com as decisões dos Tribunais, pois contrário à própria jurisprudência do STF e do STJ. Como dito, somente se aplica a Súmula na hipótese de a legislação disciplinar não prever sujeição do policial militar às suas regras e princípios, situação esta que ocorre com a minoria dos regulamentos disciplinares.   

Aliás, nesta linha de percepção, cabe aduzir que das vinte e sete espécies normativas disciplinares das unidades federativas e do Distrito Federal vinte e dois contêm dispositivos que submetem o policial militar reformado ao regime disciplinar castrense. São eles: Regulamento Disciplinar da PMAC, Regulamento Disciplinar da PMAL, Regulamento Disciplinar da PMAP, Regulamento Disciplinar da PMAM, Regulamento Disciplinar da PMBA, Regulamento Disciplinar da PMES, Regulamento Disciplinar da PMGO, Regulamento Disciplinar da PMMA, Regulamento Disciplinar da PMMT, Regulamento Disciplinar da PMMS, Regulamento Disciplinar da PMPR, Regulamento Disciplinar da PMPB, Código de Ética e Disciplina da PMPA, Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco, Regulamento Disciplinar da PMPI, Regulamento Disciplinar da PMRN, Regulamento Disciplinar da PMRO, Regulamento Disciplinar da PMRR, Regulamento Disciplinar da PMSC, Regulamento Disciplinar da PMSE, Regulamento Disciplinar da PMSP, Regulamento Disciplinar da PMDF.

Em contrapartida, quatro polícias militares não preveem sanções disciplinares para os inativos reformados. São eles: Código Disciplinar da PMCE, Código de Ética e Disciplinar dos Militares do Estado de Minas Gerais, Regulamento Disciplinar da PMERJ e Regulamento Disciplinar da PMTO.

É importante lembrar que o RDPMTO, no seu artigo 6°, prescreve que “a disciplina e o respeito à hierarquia devem ser permanentemente mantidos pelos policiais-militares na ativa e na inatividade.” No entanto, no artigo 11, o legislador faz uma ressalva assaz interessante, litteris:

Art. 11 - As disposições deste Regulamento Disciplinar aplicam-se aos policiais militares inativados, exceto os reformados (Súmula 56 S.T.F.), quando, no meio civil, se conduzam,inclusive por manifestações através dos meios de comunicação, de modo a prejudicar os princípios da hierarquia, da disciplina, do respeito e do decoro policial-militar. (Sem destaque no original).                

Vale dizer, o dispositivo, para espancar quaisquer dúvidas porventura existentes, faz questão de destacar a Súmula 56, do STF, numa prova inequívoca de que, em hipótese alguma, o policial militar reformado pode ser punido disciplinarmente. Mas isso – diga-se de passagem – a lei o faz de modo claro, expresso.

Partindo da premissa de que o legislador não traz palavras inúteis, inócuas, é de se louvar a redação do artigo 11, do RDPMTO, que andou muito bem ao deixar expressa a aplicação do verbete sumular da Corte Máxima.

Isso nos obriga, efetivamente, a entender que, não havendo qualquer disposição normativa a considerar a súmula em comento, não há se falar na sua aplicação sob pena de lesar o princípio da legalidade. E mais: caso o Judiciário a aplique sem previsão legal, estará, certamente, atuando como legislador positivo, o que não é possível, conforme firme jurisprudência da Suprema Corte[4] infra:

EMENTA: Trabalhista e Constitucional. Adicional de insalubridade. Art. 192 da Consolidação das Leis do Trabalho. Impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legislador positivo. Ausência de contrariedade à Súmula Vinculante n° 4 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental ao qual se nega provimento (AgReg no Agravo de Instrumento n° 702.601/RS. STF. 2ª Turma. Rel. Min. Carmén Lúcia. Julgamento: 02.04.2013. Publicação: 18.04.2013 – sem destaque no original)

EMENTA: Tributário. Supressão da correção monetária pela Lei nº 9.249 /1995. Suposto desvirtuamento do conceito de lucro para fins de tributação. Controvérsia que repousa na esfera da legalidade. Impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legislador positivo. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte reconhece que não têm ressonância constitucional as alegações de suposta deformação do critério material de incidência do Imposto sobre a Renda em virtude da supressão da correção monetária implementada pela Lei nº 9.249 /95. 2. Não cabe ao Poder Judiciário, na ausência de previsão legal nesse sentido, autorizar a correção monetária da tabela progressiva do Imposto de Renda. 3. Agravo regimental não provido (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 473.216/MG. STF. 1ª Turma. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgamento: 05.02.2013. Publicação: 20.03.2013 – sem destaque no original)

Deste modo, o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Alagoas (RDPMAL), como pontuado antes, reza, nos artigos 5° e 9°, que os policiais militares da reserva e os reformados estão sob a sua égide, não fazendo qualquer restrição quantos aos últimos, ao contrário do que estabelece o RDPMTO. Nesta medida, não podemos nos esquecer de que, apesar de vozes contrárias com supedâneo na Súmula 56, o reformado pode, sim, ser punido no âmbito administrativo, notadamente em razão da jurisprudência pacificada nos tribunais. E qualquer decisão que afaste este entendimento pode ser fulminada, em grau de recurso, por contrariar jurisprudência dominante seja do Superior Tribunal de Justiça, seja do Supremo Tribunal Federal, encontrando óbice nas chamadas súmulas impeditivas de recursos, cabendo reforçar que existe uma distância abismal entre súmula persuasiva e súmula vinculante, sendo esta imposta, aquela proposta.     


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

GOUVEIA, Joilson Fernandes de. Inativo castrense (da reserva ou reformado) é isento de sanção administrativa disciplinar castrense. Jus Navigandi. Teresina. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25334>. Acesso em: 12 out. 2013, 16h03min.

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Notas

[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1101.

[2] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 1010 e 1011.

[3] GOUVEIA, Joilson Fernandes de. Inativo castrense (da reserva ou reformado) estadual é isento de sanção administrativa disciplinar castrense. Jus Navigandi, Teresina, n. 3747, 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25334.

[4] Neste sentido: Ag. Reg. RE n° 551.956/RS-STF; Ag.Reg. RE 698.851 MG-STF; Ag.Reg. RE 606.179/SP-STF.

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Sobre o autor
Moab Valfrido da Silva

Major do Quadro de Oficiais Combatentes da Polícia Militar do Estado de Alagoas. Graduado em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar Senador Arnon de Mello - CFO (APMSAM - 1991 a 1993). Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais - CAO (APMSAM - 2003). Curso Superior de Polícia - CSP (APMSAM - 2011). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (2001 a 2005). Pertencente à Corregedoria Geral da PMAL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Moab Valfrido. A controvertida aplicação da Súmula 56, do Supremo Tribunal Federal, em face dos reformados da Polícia Militar do Estado de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3931, 6 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27443. Acesso em: 15 nov. 2024.

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