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Terceirização e responsabilidade civil do tomador de serviços

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08/04/2014 às 17:17
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Questões trabalhistas

Segundo a análise de Livia Miraglia53, alguns dos ônus percebidos pelos trabalhadores neste contexto seriam: a) o tratamento desigual jurídica, social e economicamente, entre funcionários próprios e terceirizados, e b) dupla subordinação (de poder diretivo, em relação ao seu empregador, e técnica, em relação ao tomador).

Pois bem. A análise a ser feita deve restringir-se a essas e outras questões.

Primeiramente, a desigualdade no tratamento jurídico dispensado aos funcionários terceirizados ocorrerá na medida em que poderá, conforme o enquadramento sindical, haver tais ou quais direitos concedidos a uns e não a outros.

Ora, um trabalhador terceirizado estaria obrigado a ver pessoas que sentem ao seu lado receberem uma cesta básica, por exemplo, ficando à míngua deste direito por ser apenas e tão-somente um funcionário terceirizado.

Por outro lado, como via de regra os contratos de prestação de serviço estão cingidos a horários pré-determinados, enquanto o funcionário terceirizado sairia no horário, os funcionários da tomadora de serviços se veriam obrigados a trabalhar em horas extras.

De quem seria, pois, a responsabilidade pela integridade física desses agentes (os funcionários terceirizados), a tomadora ou a prestadora? Quem estaria obrigado a fornecer equipamentos de proteção individual? Quem zelaria pela adequação aos procedimentos da tomadora?

Sendo o serviço prestado em cidade diversa da celebração do contrato de trabalho, qual seria a competência para contendas trabalhistas?

Além disso, algumas questões como benefícios, seguros, privilégios e outros, de caráter jurídico, poderiam surgir ao longo da relação jurídica.

Socialmente, seriam os terceirizados vistos como estranhos ao corpo funcional da empresa. Isso pode ter como consequência a exclusão destes em festas, confraternizações, happy hours, etc., de forma que os funcionários terceirizados podem ser (ou se sentir) vítimas de descriminação.

Ademais, a desvinculação de um determinado tomador de serviços pode fazer com que o empregado adquira alta rotatividade, passando de empresa a empresa, isto é, tomador a tomador, podendo estar cada dia numa empresa diferente. Isso teria como consequência o prejuízo ao seu convívio familiar, a desregulação de horários, dentre outros.

Financeira e economicamente, pode haver na prática uma substancial diferença entre os salários de uns e de outros.

Tamanha a importância do instituto, que não é possível prever as consequências dele decorrentes, razão pela qual se pretende estabelecer princípios gerais e normas analogicamente aplicáveis ao caso.


A Terceirização sob a Ótica Sindical

Tamanha a importância do instituto, que o Dieese se deteve a analisa-lo minuciosamente, sob a ótica dos Sindicatos54. Fato é que tais entidades não poderiam se marginalizar neste debate.

A análise do órgão revela que 34% das negociações coletivas tratam sobre a Terceirização de alguma forma, no período de 2005 a 2009, sendo que na análise segmentada esse número chega a 73%, na Indústria da Construção e Mobiliário.

Das negociações dos trabalhadores do setor de serviços acompanhadas pelo SACCDIEESE, 27% trataram da terceirização, com destaque para as negociações dos vigilantes, em que todas apresentam o fenômeno e dos trabalhadores em processamento de dados, com incidência em 71% das negociações da categoria55.

A pesquisa identificou quatro temas recorrentes, nos instrumentos coletivos, relativamente à Terceirização: (i) normas para contratação da mão-de-obra terceirizada, (ii) garantias aos trabalhadores terceirizados; (iii) ações preventivas ou corretivas das tomadoras de serviços e (iv) dispositivos da organização sindical acerca da Terceirização.

Portanto, se o processo legislativo com todas as suas idiossincrasias não tem sido capaz de suprir a demanda por regramento da terceirização, ao que parece, os Sindicatos estão se propondo ao debate.


Terceirização na legislação não-Trabalhista

Diante do cenário exposto, vemos a necessidade de se analisar algumas das modalidades contratuais que mais se aproximam da terceirização – isto é, os tipos de contrato mais comuns para se terceirizar tal ou qual atividade incompatível com a atividade-fim da empresa, ou visando à sua otimização.

O Código Civil prevê diversos tipos de contrato, em seus artigos 481 a 853, alguns tratando de acordos comerciais, constituição de pessoas jurídicas, outros tratam de objetos (isto é, compra e venda, locação, empréstimo, etc.) e múltiplas outras finalidades e categorias. Sem falar dos contratos previstos ou regulamentados por legislação esparsa, de que são exemplos a Empreitada, a Franquia e a Representação Comercial.

Portanto, não faremos uma análise aprofundada de cada tipo ou categoria contratual, mas tão-somente aquelas que podem ter influência no objeto de nosso estudo.


Empreitada

Empreitada é uma modalidade contratual que prevê a execução de certa obra pela Contratada, com pessoal próprio, e material próprio ou alheio56.

Diferentemente da Prestação de Serviços, em que pese haver aqui de fato um serviço, o objeto do contrato reside, na verdade, no resultado. Vale dizer: observadas as especificações do próprio Contrato de Empreitada, está o empreiteiro livre para realizar o trabalho, obrigando-se a entregar apenas o resultado.

Essa modalidade pode ser vantajosa para o industrial de área não relacionada à construção civil, por exemplo, mas que queira realizar obras em seu entorno ou expandir suas instalações.

A peculiaridade deste tipo de contrato diz respeito às suas formalidades, previstas na Lei n. 6.496, de 1977, e Resolução n. 1025 do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).

A remuneração pode ser feita tanto de forma global quanto proporcional, ou ainda a cada obra nos contratos “guarda-chuva” (ou seja: contratos celebrados não para uma obra específica, mas para quaisquer obras que a Contratante venha a necessitar, e cujas realizações ocorrerão, por exemplo, quando da emissão de ordens de serviço ou mesmo envio de mensagens eletrônicas).

No âmbito trabalhista, a empreitada e subempreitada estão regulamentadas pelo artigo 455 da CLT, que atribui ao empreiteiro a responsabilidade, em caráter subsidiário, pelas verbas e direitos dos funcionários da subempreiteira, assegurado o direito de regresso.

Em relação à responsabilidade da dona da obra para com os funcionários da empreiteira, o TST lhe assegurou a isenção, salvo se for do ramo da construção ou incorporação. Isto se dá, obviamente, porque estaria delegando uma atividade que poderia, ela mesma e com excelência, realizar57.


Representação, Agência e Distribuição

Em relação ao que foi dito acima, essa é normalmente a modalidade em que ex-funcionários constituem relação jurídica regular com os antigos patrões, principalmente nos ramos de engenharia.

Doutrinariamente, costuma-se agrupar essas modalidades contratuais sob a rubrica Contratos de Colaboração, e a grande divergência trazida à luz sobre elas diz respeito à coexistência de institutos jurídicos similares, porém com nomenclaturas diferentes.

A Representação Comercial foi concebida sob a égide do Código Comercial de 1850 (que diferenciava Direito Civil e Direito Comercial), sendo instituído pela Lei n. 4.886/65.

O advento da Lei 10.406/2002, contudo, derrogou parcialmente o aludido Diploma Comercial, unificando o Direito Privado. Tal Lei, não obstante manter no ordenamento jurídico o instituto da Representação Comercial (que, frise-se, vigia sob o ordenamento mercantil anterior), ainda trouxe à luz um instituto extremamente semelhante, ensejando discussões e teorias divergentes.

O posicionamento doutrinário, entretanto, direciona-se ao entendimento de que o conteúdo dos institutos da representação comercial e da agência é o mesmo. Diverge-se, tão somente, no que tange à nomenclatura adotada e em dois únicos aspectos: o Código Civil de 2002 retira a dualidade de pessoas "jurídica" e "física" dos representantes comerciais, bem como a expressão "mercantil" dos negócios agenciados. Por ora, preferimos adotar a qualificação trazida pelo Código Civil.

Com efeito, preceitua o artigo 710 que:

Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada. (grifos nossos)

Diante da conceituação acima, passemos a analisar os destaques realizados.

O caráter não eventual, quer dizer, contínuo, deste conjunto de relações jurídicas o aproxima da relação empregatícia. Diga-se, aliás, que esse é o único ponto comum entre eles, uma vez que não se encontram a subordinação (“sem vínculos de dependência”), nem a Alteridade (“à conta de outra”).

Quer isto dizer que, via de regra, a agência não possui vínculos de dependência, mas vínculos comerciais, como definição de horário comercial para atuação, necessidade de relatórios, etc., inaptos à caracterização de subordinação.

Além disso, é comum que o Proponente (ou Representado) assuma os riscos da Contratação, fornecendo inclusive seguro ou garantia ao Agente em caso de fracasso comercial em virtude da marca ou do nome Representado.

A retribuição, por sua vez, não é exclusiva de nenhuma relação contratual, estando presente na maioria delas. Portanto, por si só não é suficiente para caracterizar uma relação de emprego, pelas razões já aduzidas.

A Exclusividade costuma estar presente nesta modalidade contratual, mas não é obrigatória, pois a lei faculta que as partes convencionem sobre isso, conforme dispõe o artigo 711 do Código Civil.

Por fim, uma diferenciação importante a se fazer é que os agentes podem ser tanto pessoas físicas como jurídicas, e neste caso restaria completamente rechaçada a configuração de relação trabalhista.

Portanto, pode-se verificar que é possível utilizar-se a Representação Comercial, Agência ou Distribuição para disfarçar verdadeiro vínculo empregatício, o que reduz a carga tributária do empregador, de um lado, e as garantias individuais celetistas do trabalhador, por outro.

Não raro empresas de engenharia contratam pessoas físicas ou empresários individuais a título de representação comercial, quando na verdade se tratam de vendedores, com o conhecimento técnico suficiente para apresentar e vender seus produtos ou serviços de engenharia, mas sem trazer ônus excessivos à Contratante.

Neste diapasão, também há vantagens para o trabalhador (isto é, agente), uma vez que, isento de descontos previdenciários, de FGTS, etc., recebe um valor bruto, ao contrário do salário, que sofre muitos descontos e cujo valor líquido acaba reduzido.

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As formalidades desta modalidade contratual encontram-se dispostas na Lei n. 4886, de 1965, e artigos 710 e seguintes do Código Civil.


Franquia

De forma parecida se desenvolveu a modalidade de Franquia. Ela teve sua gênese no ímpeto empreendedor norte-americano, uma vez que “os industriais do Norte, para expandir seus negócios, celebravam contratos com os comerciantes das regiões Sul e Oeste, para que passassem a distribuir, através da venda, produtos ou marcas que possuíam” 58.

Sua disseminação massiva, pois, teve lugar no pós-Guerra, quando os veteranos retornavam ao país sem meios de sustento, e viram na Franquia uma oportunidade de ganhar dinheiro sem necessidade de altos investimentos59.

No Brasil, de forma incipiente, a modalidade começou a ser utilizada ainda em 1910, por um fabricante de calçados chamado Arthur de Almeida Sampaio60, embora sem o conhecimento da tipicidade da modalidade. A adoção do método de franquia teve condensação apenas na década de 1970, com marcas como Boticário e Água de Cheiro61, até hoje presentes no ranking de 25 maiores franquias do país62.

Todavia, apenas em 1994 o legislador se atentou a esta tendência comercial, vindo a elaborar a Lei da Franquia, de nº 8.955, de 15 de dezembro daquele ano. O artigo 2º da Lei delineia bem seus contornos:

Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.

Aqui, segundo Caio Mário, identificam-se dois elementos distintivos da Franquia: a licença de uso acerca de marca, nome e/ou insígnia, e a prestação de serviços63.

Nessa modalidade, a lei é omissa quanto à necessidade de ser a Franqueada pessoa física ou jurídica. Todavia, conforme o entendimento acerca da Agência, pode ser tanto uma quanto outra.

Conforme dito, a Franquia é adotada por empresas e marcas já sedimentadas no mercado, que passam a ter disseminação ainda maior sem dispender recursos financeiros, tecnológicos e humanos próprios, mas de empresas terceiras que passam a se chamar Franqueadas.

Percebe-se, pois, em que pese a operação ser autônoma e própria da Franqueada, a identificação do consumidor não se dá com esta, mas sim com a Franqueadora.

Essa característica pode gerar, em certos casos, a dúvida acerca do limite de responsabilização da Franqueadora (isto é, dona do modelo de negócios). Em matéria trabalhista, tal contenda já chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, que consolidou o seguinte entendimento:

“RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA/SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE FRANQUIA. ECT. Não há como reconhecer a responsabilidade subsidiária, porquanto registrado no v. acórdão regional que havia um contrato de franquia entre as empresas reclamadas. É que, ao contrário do que entendeu o Tribunal Regional, contrato de franquia e responsabilidade subsidiária não se compatibilizam. Isso porque, por definição, a relação jurídica formada entre franqueador e franqueado é meramente comercial, decorrendo das peculiaridades inerentes ao próprio contrato de franquia, que não admite a interferência direta do franqueador sobre as atividades da empresa franqueada. Dessa forma, não havendo no contrato de franquia sub judice registro de interferência de uma empresa na atividade da outra, como ocorre de praxe, não há como cogitar de terceirização dos serviços e, em consequência, de responsabilidade subsidiária. Recurso de revista conhecido e provido.”

(Processo RR - 144040-58.2008.5.03.0108, Julgamento 03/08/2011, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, Publicação DEJT 12/08/2011).

Portanto, a responsabilidade pelas verbas trabalhistas e quaisquer outras obrigações que decorram do contrato de trabalho, se restringem à Franqueada, tal qual a executora da obra em relação a seus funcionários, no Contrato de Empreitada.

As formalidades deste tipo contratual se encontram na mesma Lei, de número 8.955, de 1994.

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Sobre o autor
Leonardo de Oliveira Manzini

Estudante concluinte da graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; estagiário no Lucon Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANZINI, Leonardo Oliveira. Terceirização e responsabilidade civil do tomador de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3933, 8 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27524. Acesso em: 5 nov. 2024.

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