Responsabilidade Civil
Conteúdo e Natureza
Topologicamente falando, mister se faz a distinção, dentro dos atos volitivos, da origem do que, posteriormente, seria chamado de responsabilidade civil.
Segundo Caio Mário, “a conduta humana pode ser obediente ou contraveniente à ordem jurídica. O indivíduo pode conformar-se com as prescrições legais ou proceder em desobediência a elas”78.
Como ato jurídico que é, a conduta humana estaria, dessa forma, enveredando-se por dois caminhos: o dos negócios jurídicos, no primeiro caso; e o dos atos ilícitos, no segundo.
Ilícito, aqui, não está necessariamente atrelado a contrariedades à letra fria da lei, mas tão somente ao conteúdo da ação que, de certa forma, atinge determinado bem jurídico resguardado pelo ordenamento jurídico como um todo. “A iliceidade da conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente”79.
Nessa esteira, continua Caio Mário ponderando que “o ato ilícito, pela sua própria natureza, não traz a possibilidade de gerar uma situação em benefício do agente” 80.
Ademais, o próprio Código se encarregou de definir o conteúdo do ato ilícito, o que acarreta a necessidade de diversos esforços argumentativos para delimitar a responsabilidade civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Do ato ilícito surge, no mundo jurídico, a obrigação de reparar os danos, tanto os que emergem em virtude do ilícito (danos emergentes), quanto os lucros que deixam de ser auferidos (lucros cessantes). Afinal, não há estímulo ao cumprimento das obrigações, se à sua infringência não coubesse o dever de repará-lo. Seria uma atuação meramente moral, à qual não se destina o ordenamento jurídico.
A esse liame obrigacional dá-se o nome de Responsabilidade Civil, composto essencialmente de três elementos: a) conduta antijurídica, b) dano e c) nexo de causalidade81.
Teoria da Responsabilidade Objetiva
Neste caso, como se vê, impõe-se a obrigação de indenizar independentemente de haver intenção do agente ao causar o dano, com base em premissas que a Doutrina chega a chamar de culpa presumida ou mesmo obrigação geral de não prejudicar82. É a chamada teoria do risco83.
Neste sentido, desnecessário fazer alusões, de tal sorte que se mostra mais eficaz a citação direta de Caio Mário:
“Foi sob a inspiração de idéias (sic) que têm seguido esta linha de orientação que nasceu a chamada teoria da responsabilidade objetiva. Em verdade, a culpa, como fundamento da responsabilidade civil, é insuficiente, pois deixa sem reparação danos sofridos por pessoas que não conseguem provar a falta do agente. O que importa é a causalidade entre o mal sofrido e o fato causador, por influxo do princípio segundo o qual toda pessoa que cause a outra um dano está sujeita à sua reparação, sem necessidade de se cogitar do problema da imputabilidade do evento à culpa do agente.”84 (grifos do autor).
Conforme se lê acima, nosso atual ordenamento jurídico civil abrange a responsabilidade subjetiva, isto é, com a verificação da culpa (ação ou omissão voluntária).
Contudo, não é novidade a adoção de técnicas legislativas que acolhem a teoria da responsabilidade objetiva, com vistas a diminuir desigualdades técnicas, sociais e econômico-financeiras. A começar pela CLT, que em seu artigo 2º já incluía a adoção de risco do negócio na própria conceituação de empregador.
Mais tarde, a Lei 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em seu artigo 12, também atribuiu aos fabricantes, produtores, construtores e importadores a responsabilidade objetiva, isto é, que trata apenas do objeto delito.
Dentre outros fundamentos, pode-se entender que tal responsabilização se deve à vulnerabilidade e presunção de boa-fé do consumidor 85, e esse entendimento é perfeitamente aplicável ao Direito do Trabalho, por analogia.
Portanto, pode-se inferir que a responsabilidade civil, seja objetiva ou subjetiva, é abrangida em nosso ordenamento de forma harmoniosa e condizente com as especificidades do caso concreto, levando-se em conta os sujeitos envolvidos e o conteúdo do dano.
Solidariedade e subsidiariedade
Estabelecido o conteúdo da responsabilidade civil, necessária é, também, a definição de como a obrigação de indenizar atinge a esfera dos agentes e partícipes do dano, ou seja, quem são autores dos atos que, de forma mais ou menos direta, deram origem ao dano, na responsabilidade objetiva.
Ou, ainda, quem concorreu com maior ou menos dolo ou culpa para a ocorrência do ato que originou o dano.
Neste diapasão, o Código Civil regulou amplamente a relação de solidariedade nos artigos 264 a 285, sendo imprescindível a citação direta de dois desses dispositivos:
“Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado à divida toda.
(...)
“Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.”
É o que Orlando Gomes chama de responsabilidade coletiva86, que consiste no compartilhamento igualitário do ônus indenizatório. Vale dizer: um é o credor e vários os devedores, podendo aquele exigir o adimplemento de qualquer um ou todos estes.
Outrossim, viu-se aqui e alhures referência a uma responsabilidade de caráter subsidiário, isto é, “relativo ao que supre uma carência, ao que vem em complemento ou auxílio”87. Do conceito, extrai-se a noção de segurança, garantia ao credor, acerca do adimplemento das obrigações.
A Doutrina civilista entende existirem dois tipos de garantia, apenas88: a) a real, considerada mais segura, pois vincula ao pagamento um determinado bem do devedor, e b) pessoal ou fidejussória, que consiste na responsabilização, pelo pagamento da dívida, de pessoa alheia à relação obrigacional garantida. Interessa-nos esta última.
Existem duas principais modalidades de garantia pessoal, quais sejam a fiança e o aval, ambas previstas no Código Civil em seus artigos 818 e 897, respectivamente.
O avalista, conforme preceitua o artigo 899 do mesmo Diploma, responde solidariamente com o devedor relativamente à dívida: “O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de indicação, ao emitente ou devedor final” (grifos nossos).
A fiança, por sua vez, tem o seguinte preceito: “Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra” (grifos nossos). Essa característica recebe o nomen iuris de benefício de ordem, também chamada de subsidiariedade.
Sendo assim, pode-se dizer que qualquer responsável subsidiário por dívida de outrem é uma espécie de fiador, seja por disposição contratual ou legal.
O legislador brasileiro previu, por exemplo, a responsabilização subsidiária do tomador de serviços, nos contratos administrativos (vide Lei n. 8.666, de 1993).
Orlando Gomes chama esse fenômeno de responsabilidade sem culpa89: “Na verdade, porém, o dever de indenizar o dano produzido sem culpa é antes uma garantia do que propriamente responsabilidade” (grifos do autor).
Responsabilidade Civil do Tomador de Serviços
Até o momento, pudemos analisar o que é Terceirização, quais as suas modalidades, suas consequências jurídicas, etc. Posteriormente, passamos pelo estudo da responsabilidade civil, sob a égide do Direito Civil.
Passemos, pois, a analisar as implicações práticas da responsabilidade civil no contexto do direito trabalhista, relativamente ao tomador de serviços, notadamente nos aspectos mais recorrentes.
Obrigações trabalhistas
A verba trabalhista, também chamada pela Doutrina de remuneração, “é o conjunto de prestações recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidades, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer as suas necessidades vitais básicas e de sua família”90 (grifos nossos).
Como se vê, a remuneração decorre diretamente do contrato de trabalho, isto é, da relação havida entre o empregado e o intermediário contratado para execução do serviço (prestador). Pouco importa, para configuração dessa relação, que esta seja feita para proveito próprio do empregador ou para disponibilização da mão-de-obra a empresa terceira, nesse caso denominada Contratante.
Exclui-se da remuneração a indenização, de forma a ser possível dizer que a tomadora de serviços não está obrigada às indenizações a que não tiver dado causa.
Todavia, para se discutir a responsabilidade subsidiária de outrem, faz-se necessário seu envolvimento direto no labor do empregado. Noutras palavras, é necessário que a relação de emprego entre o funcionário e o empregador se dê no contexto da prestação de serviços ao tomador, proporcionando benefícios diretos ao tomador.
Em havendo tal envolvimento, a Súmula 331 do TST atribui ao Tomador a responsabilidade subsidiária pelo adimplemento das obrigações trabalhistas: “IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.
Portanto, a partir do texto, além da inserção da Tomadora na relação contratual, torna-se mister sua inclusão na relação processual que pretenda discutir as obrigações trabalhistas, desde o ajuizamento até a execução.
Importante destacar que o texto sumular prevê obrigações, não distinguindo entre as principais e as acessórias91. Na prática, quer isto dizer que, tendo o Reclamante juntado comprovantes válidos de seus direitos (normas coletivas, contrato individual de trabalho, etc.), e restando inadimplida a obrigação, cabe à tomadora o pagamento.
Ressalvas se fazem, contudo, em relação às formalidades da demissão, conquanto obrigações personalíssimas do empregador: a CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) deve ser anotada pelo empregador92, na maioria dos casos, além do INSS ou do Sindicato correspondente; portanto, não poderá a tomadora de serviços efetuar qualquer anotação. Além disso, são personalíssimas do empregador as obrigações relativas ao FGTS e seguro-desemprego, notadamente a emissão de guias para levantamento93.
Os tributos e verbas previdenciárias, como decorrência lógica do próprio contrato de trabalho, acabam abarcadas pela responsabilidade subsidiária.
Condições de Higiene e Segurança, Acidente do Trabalho e equivalentes.
Compete ao empresário dono do estabelecimento (aqui entendido como tomador dos serviços) a adoção de medidas de caráter preventivo em relação à segurança de quem ali estiver94, sejam clientes, fornecedores, funcionários, prestadores de serviço, fiscais, etc..
Vale dizer: o responsável por essas questões, na prevenção e, por conseguinte, na correção e reparação, é o dono do estabelecimento, apenas em relação ao estabelecimento.
A prevenção de acidentes, no âmbito do estabelecimento, compete ao empregador, através da observância às Normas Regulamentadoras emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e o dever geral de cautela. O encaminhamento, contudo, para realização de exames médicos é atribuição do empregador95, não do dono do estabelecimento.
O fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) também é responsabilidade do dono do estabelecimento; todavia, este não possui poder diretivo necessário à imposição de quaisquer penalidades relativas ao artigo 15896 da CLT. Seria prudente, desta maneira, que se convencionasse a respeito no ato de contratação da prestadora de serviços, empreiteira, etc.
Em relação aos prestadores de serviço (erroneamente também chamados de funcionários terceirizados), apesar de se tratar de relação eminentemente de cunho laboral, e por isso mesmo resolvida no âmbito da Justiça do Trabalho, para a reparação do dano se aplica a regra da responsabilidade civil subjetiva do Código Civil, consubstanciada nos artigos 186 e 927 daquele Diploma, isto é: passa-se pela análise de dolo ou culpa.
O tratamento jurídico, neste caso, é análogo ao relativo a clientes e fornecedores presentes no estabelecimento, de forma temporária ou não, para reuniões e afins. O fato de o acidente estar cingido a uma Terceirização de Serviços certamente será considerado na quantificação da indenização.
A questão dos entes públicos.
Emana da Constituição Federal a previsão de que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei” 97.
Dito isso, rechaça-se desde logo a discussão sobre a aplicação do Princípio do contrato-realidade nos casos em que a pessoa jurídica contratante compõe a Administração Pública, direta ou indiretamente, sob pena de se configurar nulidade da contratação, conforme o parágrafo 2º do artigo 37 da Constituição.
Perfeitamente possível, no entanto, a equiparação em termos econômico-financeiros, conforme a Súmula 383 da SDI-I do TST:
OJ-SDI1-383 TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI N.º 6.019, DE 03.01.1974 (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010)
A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei n.º 6.019, de 03.01.1974.
Desta forma, tem-se por resolvida a questão, responsabilizando-se a Administração Pública sem, contudo, com ela se formar vínculo.