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Penas alternativas: uma nova alternativa?

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17/04/2014 às 08:23
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3 TEORIAS DA PENA

Para melhor abordarmos e compreendermos o estudo sobre as Penas Alternativas, torna-se fundamental, além de observar a evolução histórica, analisar as diversas explicações teóricas que a Doutrina definiu à Pena. Entendemos, ainda, que a relevância do estudo destas Teorias não paira apenas na classificação do conceito da pena, mas, também, nos auxilia a uma melhor compreensão da eterna indagação frente ao Direito Penal: “Por que punir?”. Nesta linha ideológica, disserta Salo de Carvalho17:

“Tradicionalmente, o estudo das doutrinas da pena principiam com a clássica dicotomia entre as teorias Absoluta (Retributiva) e Relativa (Preventiva), caracterizando, subdividindo e conceituando modelos explicativos previamente aceitos como únicos capazes de responder à indagação considerada como uma das mais importantes não só do direito penal mas também da teoria política: por que punir?”.

A história muda e torna a mudar nas principais essências humanas. Esta mesma mutação ocorre nos paradigmas da pena, que faz com que o Direito Penal busque respostas diferentes à questão de como solucionar o problema da criminalidade. Essas soluções são chamadas de Teorias da Pena, que se caracterizam como opiniões científicas sobre a punição, principal forma de reação ao delito.

Nesse sentido, torna-se importante destacar o ensinamento de Zaffaroni e Pierangeli18, frente às Teorias da Pena:

“Dissemos que, posto que a pena é o que caracteriza o direito penal, cada teoria da pena é uma teoria do direito penal que tem suas próprias raízes filosóficas e políticas. As Teorias da Pena costumam ser tratadas conjuntamente, o que pode ser útil desde que não percamos de vista que cada uma delas é uma concepção do próprio direito penal, circunstância que as vezes, nem sempre os próprios enunciadores de tais teorias se apercebem completamente”.

As Teorias da Pena se constituíram através da Teoria Absoluta, ligada essencialmente à doutrina da retribuição ou da expiação, da Teoria Relativa, que se compõem em dois grupos de doutrinas (as da prevenção geral e as de prevenção especial ou individual) e, por fim, da Teoria Mista ou Unificadora. A seguir, faremos uma síntese sobre tais Teorias.

3.1 Teoria Absoluta (Teoria Retributiva)

A Teoria Absoluta prevê que a pena deve ser aplicada através da retaliação e da expiação, com fins aflitivos e retributivos, ou seja, responde o mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor do fato ilícito.

Kant foi um dos nomes que se destacou como defensor desta Teoria com sua obra “A Metafísica dos Costumes”, assim como Hegel através da composição dos “Princípios da Filosofia do Direito”.

Desse modo, a Teoria Absoluta apoiou-se na filosofia do idealismo alemão, especialmente em Kant e Hegel. Dentro do esquema filosófico Kantiano, a pena deveria somente ser aplicada quando houvesse infringência à lei. Seu objetivo era simplesmente realizar a justiça. Nesse contexto, Kant considerava que o réu deveria ser castigado pela única razão de haver delinqüido, sem nenhuma consideração sobre a utilidade da pena para ele ou para os integrantes da sociedade. Com esse argumento, Kant negava toda e qualquer função preventiva – especial ou geral – da pena. Portanto, para este, a aplicação da pena decorre da simples infringência da lei penal, isto é, da prática do delito. Já para Hegel, a pena é a lesão, ou melhor, a maneira de compensar o delito e recuperar o equilíbrio perdido. A ideologia deste filósofo resume-se em sua conhecida frase: “a pena é a negação da negação do direito”. A fundamentação hegeliana é, ao contrário da Kantiana, mais jurídica, na medida em que, para Hegel, a pena encontra a sua justificação na necessidade de restabelecer a vigência da vontade geral19.

Segundo o esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a justiça. A pena tem como fim fazer a justiça e nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da função estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir ente o justo e o injusto 20.

Em suma, a pena retributiva caracteriza-se sob a ideologia de aplicar ao delinqüente uma modalidade de sanção no caráter da compensação ou de expiação do mal do crime.

Com ideais antagônicos a essa teoria, surgiram outras correntes que visaram fins mais racionais e humanitários da pena, na busca de uma melhor convivência social, assim como a Teoria Relativa, que agora será abordada.

3.2 Teoria Relativa (Teoria Preventiva)

A Teoria Relativa nasceu no período do Iluminismo, trazendo em seu contexto o ideal de atribuir à pena a capacidade e a missão de evitar que no futuro se cometam delitos. Ela se distingue da Teoria Absoluta na medida em que visa fins preventivos e não retributivos ao fato delituoso cometido. Subdivide-se em Teoria Preventiva Especial e Teoria Preventiva Geral, conforme, será analisado.

3.2.1 Teoria Preventiva Geral

Esta Teoria considera que a pena deva agir como uma forma de intimidação, direcionada à população, na espera de que a ameaça de uma pena, e sua imposição à execução, possa servir como meio de intimidar os delinqüentes potenciais; além disso, também prevê a pena como uma tendência capaz de fortalecer a consciência jurídica da sociedade, devido à força que esta terá que possuir através da severidade da pena.

Dentre os defensores desta Teoria destacaram-se, entre outros, Beccaria, Bentham, Filangierie e Anselm Fueurbach que formulou a expressão jurídico-científica da preservação geral, através de sua obra “Teoria da Coação Psicológica”.

Fuerbach foi o grande idealizador do Princípio da Legalidade, através da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege. Este tão consagrado princípio prevê que, a partir da tipificação penal, ficam os aplicadores do direito limitados à norma previamente descrita formando as bases do Estado Democrático de Direito. Bitencourt21 já se manifestou sobre a importância do princípio da legalidade para a formação de uma sociedade mais justa:

O principio da legalidade ou da reserva legal constitui efetiva limitação ao poder punitivo estatal. Feuerbach, no inicio do século XIX, consagrou o principio da reserva legal por meio da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege. O principio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça; somente os regimes totalitários o têm negado.

Greco22 citando o doutrinador Paulo Bonavides, traz a tona a ingerência e a importância do princípio da legalidade para a sociedade democrática:

O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obra da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitraria e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranqüilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.

A prevenção geral fundamentou-se em duas idéias básicas: da intimidação ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem.

A ameaça através da pena constitui-se como um modelo de sanção discrepante à forma do Estado Democrático de Direito, afrontando diretamente os princípios fundamentais, como o da Dignidade Humana. Ou seja, castigar amedrontando, desmedidamente, caracteriza o direito Penal como um instrumento de Terror.

Em análise ao caráter da Teoria Preventiva Legal, torna-se importante observar as sábias palavras de Carnelutti23:

“Dizem, facilmente, que a pena não serve somente para a redenção do culpado, mas também de alerta aos outros, que poderiam ser tentados a delinqüir e, por isso, os deve intimidar; e não é este um discurso de se fazer pouco caso; mas pelo menos dele não deriva a habitual contradição entre a função repressiva e a função preventiva da pena: aquilo que a pena deveria ser para beneficiar o culpado não é aquilo que deveria ser para beneficiar os outros; não há entre esses dois aspectos da instituição possibilidade de conciliação. O menos que se pode concluir é que o condenado que, por achar-se redimido antes do término fixado pela condenação, permanece na prisão porque deve servir de exemplo aos outros, sendo submetido a um sacrifício por interesse dos outros, está na mesma situação do inocente, sujeito a uma condenação por um daqueles erros judiciários, que nenhum esforço humano poderá eliminar.

“Todavia, também se a pena deve servir de intimidação aos outros. Deveria junto servir para redimir o condenado; e redimi-lo quer dizer curá-lo da sua enfermidade”.

Frente a esta teoria muitas críticas se formaram, pois a intimidação como forma de coagir novos crimes causa temor, podendo ser assemelhada a forma dos suplícios. Por isso, ideologicamente antagônica a esta, possuindo uma visão voltada à busca da ressocialização do delinqüente, surgiu a Teoria Preventiva Especial.

3.2.2 Teoria Preventiva Especial

Esta teoria nasceu postulada sobre uma moderna política criminal, prevendo a pena como um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinqüente, objetivando a ressocialização deste.

Portanto, a Teoria Preventiva Especial não almejou apenas retribuir ao fato passado uma sanção, mas em justificar a pena com o fim de prevenir novos delitos do indivíduo. Porém, diferencia-se da Geral em virtude de que o fato não se dirige à coletividade e, sim, a uma determinada pessoa: o delinqüente, com a finalidade especial da prevenção da reincidência.

A prevenção especial, assim, não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas que aquele indivíduo que já delinqüiu não volte a transgredir as normas jurídico-penais; ou seja, ao mesmo tempo em que, com a execução da pena cumpre os objetivos de prevenção geral, isto é, de intimidação, busca-se com o cumprimento da pena a ressocialização do apenado.

Traçando um paralelo desta teoria com as penas alternativas, destaca-se em comum entre elas a busca pela ressocialização do delinqüente. Dessa forma, torna-se relevante observar o comentário de Bitencourt 24:

“A prevenção especial, ao concentrar seus efeitos na concreta personalidade do delinqüente, permite conhecer as circunstâncias pessoais que levam o indivíduo a cometer o fato delitivo, facilitando assim, uma melhor consideração sobre as possibilidades de aplicar-lhe um substutivo penal, evitando, dentro do possível, o encarceramento”.

Portanto, essa Teoria advoga por uma pena dirigida ao tratamento do próprio delinqüente, com o propósito de incidir em sua personalidade, buscando evitar a sua reincidência.

Frente às Teorias Absoluta e Relativa surge a Teoria Mista e Unificadora, a qual, reunindo as principais idéias destas, formaram um conceito único para caracterizar os fins da pena, como adiante se verá.

3.3 Teoria Mista e Unificadora

Importante destacar que, através da análise das Teorias da Pena, observa-se que a Doutrina Brasileira aderiu esta teoria, praticamente padronizando-se no sentido da adoção de uma teoria mista aditiva, não existindo a prevalência de um determinado fator; a retribuição e a prevenção coexistem, sem que haja uma determinada hierarquia.

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Inicialmente, essas teorias unificadoras limitaram-se a justapor os fins preventivos, especiais e gerais da pena, reproduzindo, assim, as insuficiências das concepções monistas da pena. Posteriormente, numa segunda etapa, a atenção da doutrina jurídico-penal fixou-se na procura de outras construções que permitam unificar os fins preventivos gerais e especiais a partir dos diversos estágios da norma (cominação, aplicação e execução).

Em suma, esta Teoria acolhe a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena, partindo da crítica às soluções monistas, ou seja, às teses sustentadas pelas teorias absolutas ou relativas da pena.

Zaffaroni e Pierangeli25 descrevem a Teoria Mista, através da seguinte ótica:

As Teorias Mistas quase sempre partem das Teorias absolutas, e tratam de cobrir suas falhas acudindo a Teoria Relativa. São as mais usualmente difundidas na atualidade e, por outro lado, pensam que a retribuição é impraticável em todas as conseqüências e, de outro, não se animam a aderir à prevenção especial. Uma de suas manifestações é o lema seguido pela jurisprudência alemã: “prevenção geral mediante retribuição justa”.

Torna-se também oportuno trazer o ensinamento de Salo de Carvalho26 quanto ao caráter político que a pena deve atingir:

“Ao assumir o caráter político da pena, o jurista pode conceber a minimização dos poderes arbitrários igualmente como atitude política, direcionando esforços nos critérios de sua cominação (proporcionalidade e razoabilidade), aplicação (objetivação dos fundamentos e requisitos judiciais) e execução (jurisdicionalização absoluta). Mais, advogar o modelo garantista capacita o direito, e principalmente o processo penal, a regular a estrutura executiva, território isento de garantias pois moldado por práticas administrativas desregulamentadas (direito penitenciário e criminologia clínica).

“Permite, finalmente ao operador da execução, atuar ciente da institucionalização deteriorante do cárcere, voltando a sua ação a neutralizar ao máximo o efeito da prisionalização e a vulnerabilidade do indivíduo ao sistema executivo”.

Portanto, os fins da pena justificam-se ao satisfazerem conjuntamente o caráter retributivo e preventivo, adotado por nossa Doutrina. Mas críticas se formam diante da suposta ineficácia da prevenção da pena, baseadas em índices de reincidência criminal, que são alarmantes. Nesse sentido, o legislador, institui as Penas Alternativas no sistema jurídico brasileiro, na esperança de ver nascer nessa nova modalidade punitiva um instrumento tendente a trazer resultados significativos, no que diz respeito à finalidade da prevenção que a pena deva atingir. Esse assunto será comentado no capítulo a seguir.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDINI, Rafael Santin. Penas alternativas: uma nova alternativa?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3942, 17 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27757. Acesso em: 28 abr. 2024.

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