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Penas alternativas: uma nova alternativa?

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17/04/2014 às 08:23
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4 PENAS ALTERNATIVAS: UMA NOVA ALTERNATIVA?

As Penas Alternativas, também chamadas de substitutivos penais, caracterizam-se como sanções de natureza criminal diversa da prisão. Elas são meios dos quais se vale a autoridade competente visando impedir que o autor de uma infração, que preencha os requisitos para aplicabilidade destas medidas, venha a cumprir uma pena privativa de liberdade. Além disso, os seus defensores ressaltam que essas penas oferecem ainda uma real perspectiva de  reeducar esse infrator para o convívio social, também propiciando uma reparação à sociedade  principalmente através de suas penas como por exemplo a “prestação de serviços à comunidade”.

Dotti27 descreve e conceitua as penas alternativas ao sistema prisional da seguinte forma:

“Em síntese, é a tomada de posição diante de uma realidade na medida em que implica a busca de novos caminhos para atender os problemas por ela relevados. É também uma atitude alternativa a proscrição das penas cruéis e infamantes ou a consideração da Política Criminal como ciência de meios e de fins que proteja a realidade humana e social no quadro jurídico, arrancando para a revisão como desdobramento da crítica que dirige contra o sistema”.

Estas novas medidas de punição foram implementadas no ordenamento legislativo pátrio, norteadas pelo moderno ideário inserto nas Regras Mínimas da ONU para a Elaboração de Medidas não-privativas de Liberdade, as Regras de Tóquio, na finalidade que possam reduzir a incidência da pena de prisão, reservando esta para os casos em que se configura como absolutamente indispensável. Ou seja, contribuindo para a ressocialização do condenado, evitando-se, desta feita, reincidência criminal.

É de grande importância apresentarmos, neste momento, as diferenças básicas entre Penas Alternativas e Medidas Alternativas, para que assim tenhamos uma melhor compreensão diante da distinção que a Doutrina trouxe quanto a forma de aplicação desses institutos: Medida alternativa é qualquer instituto legal cabível antes ou após a condenação que evite o encarceramento; como exemplos temos a clássica suspensão condicional da pena (sursis), concebida desde o século passado, e a suspensão condicional do processo, que permite a suspensão do processo mesmo antes do início da instrução criminal. Já as Penas Alternativas significam sanções de natureza criminal que não impliquem privação de liberdade, como a multa e a prestação de serviço à comunidade fruto de uma sentença. No vigente Direito Positivo Brasileiro, pode-se aplicar pena alternativa (também chamada restritiva de direitos) nas infrações penais de menor potencial ofensivo, que são referentes à Lei 9.099/95 e se pode punir com existentes em nosso Código Penal. Logo, tanto Medida Alternativa, como Pena Alternativa constituem as alternativas penais à prisão28.

Nesse diapasão, cabe consignar que afora a brevíssima distinção acima, não se abordarão as medidas alternativas neste estudo, tendo em vista a escolha específica do tema Penas Alternativas.

As penas objeto de nosso trabalho constituem toda e qualquer opção sancionatória oferecida pela legislação penal para evitar a imposição da pena privativa de liberdade. Ao contrário das Medidas Alternativas, constituem verdadeiras penas, as quais impedem, no entanto, a privação da liberdade. Compreendem a pena de multa e as penas restritivas de direito.

Para melhor entendermos o contexto em que as Penas Alternativas foram instituídas, bem como sua finalidade, torna-se fundamental ao presente estudo abordar o histórico do direito punitivo brasileiro, a falência da pena prisão (numa abordagem genérica) e o surgimento da Penas Alternativas em nosso país. Pensamos que, desse modo, também poderemos com mais profundidade avaliar e questionar os supostos efeitos positivos que proporcionam à sociedade, conforme se verificará nos próximos tópicos.

1.Breve histórico do Direito Punitivo Brasileiro

Em relação ao surgimento da história da punição no Brasil, observa-se que não há aspectos muitos divergentes dos já citados na evolução da Pena estudada anteriormente, pois, desde o descobrimento até os dias atuais, a legislação pátria é influenciada por estatutos jurídicos de outros países, procurando adaptar as normas internas de direitos às tendências mundiais.

Durante a colonização, o Brasil submeteu-se, inicialmente, às legislações oriundas de Portugal, denominadas ordenações Afonsinas, seguindo-se as Manuelinas (1514) e, por fim, as Felipinas (1603). Neste período, as penas de prisão eram tidas somente como medida cautelar e não como sanção autônoma, exacerbando-se as sanções corporais e infamantes, notadamente a pena de morte.

As Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil por mais de dois séculos (1603 até 1824). Estas ordenações eram originárias do Reinado de D. Felipe II e previam sanções muito severas, chegando a ser consideradas como um instrumento de terror. Neste sentido, Marques29 analisa-as:

“Sobre o corpo e o espírito dos acusados e dos condenados se lançavam as expressões mais cruentas da violência dos homens e da ira dos deuses. As Ordenações Filipinas – assim como as anteriores – desvendaram durante dois séculos a face negra do direito penal. Contra os hereges, apóstatas, feiticeiros, blasfemos, benzedores de cães e outros bichos sem autorização do rei, e muito outros tipos pitoresco de autores, eram impostas as mais variadas espécies de suplícios com a execução da pena de morte, de mutilação e da perda de liberdade, além de medidas infamantes”.

Quanto a estas modalidades de penas repugnantes que estiveram inseridas em nossa história pátria, torna-se importante relembrar a forma do suplício em que eram propagadas as penas através das Ordenações, como foi o caso das condenações dos mártires da Inconfidência Mineira no ano de 1792, tendo à frente Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes. Na sentença promulgada a este, lhe foi imputada a sua condução pelas ruas públicas até a forca e, nesta, a sua morte, com posterior decapitação e esquartejamento de seu corpo.

Devido à proclamação de Independência, em 1822, revogaram-se as Ordenações Felipinas e alguns juristas brasileiros, inspirados pela filosofia iluminista e pelas Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, agregaram à legislação os princípios da igualdade de todos os homens perante a lei, personalidade da pena e utilidade pública da lei penal. Em 1824, foi outorgada a primeira Constituição Federal, que reagiu às tenebrosas ordenações portuguesas, abolindo os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas de caráter cruel.

Na Constituição Imperial de 1824, estava prevista a elaboração de um código criminal sob as bases de justiça e equidade, mas somente em 16.12.1830 é que foi sancionado pelo Imperador D. Pedro I O Código Criminal do Império do Brasil. Observa Dotti30 as classes de penas que este Código Criminal previa:

“O Código Imperial previu onze classe de penas: 1.ª) Morte (arts.38 a 43); 2.ª) galés (arts. 44 e 45, §§ 1.° e 2.°); 3.ª) prisão com trabalho (art. 46); 4.ª) prisão simples (art. 47); 5.ª) banimento (art. 50); 6.ª) degredo (art. 51); 7.ª) desterro (art. 52); 8.ª) multa (art. 55); 9.ª) suspensão do emprego (art. 58); 10.ª) perda do emprego (art. 59); 11.ª) açoites (art. 60). Esta última espécie de sanção foi abolida pela Lei de 15.10.1886”.

Podemos destacar que o Código Criminal de 1830 elencava, entre a suas classes de penas, duas modalidades que hoje se encontram inseridas nas Penas Alternativas, sendo estas a pena de multa e suspensão do emprego, previstas no art. 43 incisos I e II do atual Código Penal.

A República Federativa do Brasil, por sua vez, foi proclamada em 15.11.1889, por decreto do Governo Provisório. Nesse mesmo ato, foi outorgada a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que previa a elaboração de um Novo Código Penal, pois com a abolição da escravidão, no ano de 1888, acarretou modificações na grande parte dos dispositivos penais, originando, desta forma, a necessidade de alterações no Estatuto Penal, que, após novo projeto comandado por Baptista Pereira, passou a ter vigência em 11.10.1890. Dentre as grandes alterações que o Código Penal de 1890 previu, vale citar o art. 41, que caracterizava de forma expressa em seu texto que não mais haveria penas infamantes e que a privação de liberdade não poderia exceder o limite de 30 anos.

Sobreveio o golpe de Estado de 1937 e o Presidente Getúlio Vargas, pretendendo fazer reformas legislativas, mandou que o Ministro da Justiça,Francisco Campos, designasse Alcântara Machado para elaborar o novo Código. Foi editado, então, o Decreto de n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que começou a vigorar somente em 1 de janeiro de 1942, a fim de que pudesse tornar-se conhecido. Doti31 destaca as modalidades de penas que estão previstas no Código Penal de 1940:

“A reclusão (cominada o máximo em 30 anos) e a detenção (cominada o máximo em 3 anos) constituem as espécies da pena privativa de liberdade instituídas no Código Penal de 1940, reservada a prisão simples para a Lei de Contravenções Penais (Decs.-Lei 2.848, de 07.12.1940, e 3.688, de 03.10.1941. A multa completa o elenco das sanções principais (arts.28 e 6.°). As penas acessórias previstas no Código Penal eram: a) Perda de função pública; b) interdição de direitos; c) publicação da sentença, enquanto que para as contravenções as penas acessórias são: a) publicação da sentença; b) interdição de direitos (arts. 67 e 12)”.

No período de 1930 a 1945, algumas inovações foram somadas à legislação penal brasileira, como a prisão simples para apenar as contravenções penais, a aplicação de pena de multa, a criação das penas “acessórias”, a perda de função pública e a interdição de direitos. Além disso, o Código Penal de 1940 instituiu o sistema duplo binário, prevendo a medida de segurança.

Em seguida, foram editados o Código de Processo Penal (decreto n. 3.689, de 03/10/41), a Lei de Introdução ao Código Penal (09/12/41), o Código Eleitoral (Lei 1.164/50) e o Código Penal Militar (Decreto n. 6.227, de 24/01/1944).

Em 1962, Nelson Hungria ficou encarregado de elaborar um novo projeto de Código. Este Código entrou em vigor em 1970, mas foi modificado em 1973 e revogado em 1978.

No ano de 1984, foi criada a Lei 7.209 que alterou a parte geral do Código Penal, adotando, entre outras inovações, as modalidades de penas conhecidas como alternativas, por não privarem a liberdade do condenado, assim como teve outras importantes modificações, como a figura do arrependimento posterior, a criação de um artigo próprio para a reabilitação e o desaparecimento das penas acessórias.

A pena de prisão, como se sabe, continuou sendo prevista, mas, principalmente nos últimos anos, vem sofrendo sérias e duras críticas, as quais não podemos deixar de abordar no próximo item.

2.Falência da Pena de Prisão

O confinamento espacial, desde sua origem, tem sido um método de lidar com setores considerados problemáticos em cada época, ou seja, ao longo dos séculos, buscou-se segregar da sociedade as anomalias indesejadas frente ao senso comunitário. Isolavam-se os leprosos, colocavam-se os escravos em senzalas, e até mesmo os monges ficavam presos em mosteiros, rezando como forma de se redimirem de seus pecados. Pode-se dizer que essas foram a origem da pena de prisão como instituição. Todavia, isolar do seio social um problema (indivíduo infrator), sem buscar formas de reabilitá-lo, pode ser uma alternativa equivocada de agir, pois este “problema”, quando retornar ao meio comunitário, pode encontrar-se mais degenerado do que quando fora confinado. Nesse sentido, observa Bauman32:

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“A rejeição/exclusão praticada através do sistema penal é parte integrante da produção social do crime e que sua influência não pode ser claramente separada das estatísticas gerais de incidência criminal. Também significa dizer que as prisões foram identificadas como vertedouros sobretudo para elementos de classe baixa ou “desclassificados” – naturalmente se espera que nas camadas “inferiores” da sociedade sejam mais os efeitos autoperpetuantes e confirmadores e assim “mais evidentes” a criminalidade”.

Destarte, com o surgimento da pena de prisão como instituição, nos primórdios do século XIX, visou-se o cárcere como um meio de pena, mas também a reforma do condenado em sua preparação ao retorno da vida em sociedade. O objetivo de ressocialização através do cumprimento da pena privativa de liberdade tem sua origem inspirada no Período Humanitário e nas ideologias preventivas da pena. Contudo, com o passar do tempo e sob diversos enfoques, o objetivo de reeducar o condenado através da prisão desmoronou-se.

Portanto, quanto ao sistema prisional, inúmeras são as críticas a este, desde seu surgimento. E, atualmente, a doutrina e o senso comum concluem pela ineficácia deste sistema em ressocializar seus apenados, ou seja, já é quase que unânime o entendimento de que a prisão não reabilita e, pior do que isso, produz efeitos nefastos. Observe-se o entendimento de Fragoso33 a respeito:

“A experiência de dois séculos veio demonstrar a falência completa da filosofia correcional. Países desenvolvidos inverteram grandes somas em seus programas correcionais, construindo prisões que supunham capazes de ressocializar ou emendar o condenado, sem qualquer êxito. As taxas de reincidência se mantêm, qualquer que seja a prisão. Demonstrou-se o efeito devastador do confinamento sobre a personalidade humana e a contradição insolúvel entre as funções de custódia e de reabilitação. Como instituição total, a prisão deforma a personalidade, ajustando-a à subcultura prisional (prisionalização). Reunião coercitiva de pessoas do mesmo sexo num ambiente fechado, autoritário, opressivo, e violento corrompe e avilta. O homossexualismo, por sua vez brutal, é inevitável. A delação é punida com a morte. Conclui-se, assim, que o problema da prisão é a própria prisão, que apresenta um custo social demasiado e elevado. Aos defeitos comuns de todas as prisões somam-se os que são comuns nas nossas: Superpopulação, ociosidade e promiscuidade”.

Para melhor compreendermos a realidade do sistema prisional brasileiro e sua suposta falência, torna-se relevante observar os fatores materiais, psicológicos e sociais, que estão inseridos na vida carcerária, e que tornam a prisão um meio criminógeno, pela ótica de Bitencourt34:

“a) Fatores Materiais: Nas prisões clássicas existem condições que podem exercer efeitos nefastos sobre a saúde dos internos. As deficiências de alojamentos e alimentação facilitam o desenvolvimento da tuberculose, enfermidade por excelência das prisões. Contribuem igualmente para deteriorar a saúde dos reclusos as más condições de higiene dos locais, originadas na falta de ar, na umidade e nos odores nauseabundos. Mesmo as prisões mais modernas, onde as instalações estão em níveis mais aceitável e onde não se produzem graves prejuízos à saúde dos presos, podem, no entanto, produzir algum dano na condição físico-psíquica do interno já que, muitas vezes, não há distribuição adequada do tempo dedicado ao ócio, ao trabalho, ao lazer e ao exercício físico.

“b) Fatores Psicológicos: Um dos problemas mais graves que a reclusão produz é que a prisão, por sua própria natureza, é um lugar onde se dissimula e se mente. O costume de mentir cria um automatismo de astúcia e de dissimulação que origina os delitos penitenciários, os quais, em sua maioria, são praticados com artimanhas (furtos, jogos, estelionatos, tráfico de drogas etc.). A prisão, com sua disciplina necessária, mas sempre bem empregada, cria uma delinqüência capaz de aprofundar no recluso suas tendências criminosas. Sob o ponto de vista social, a vida que se desenvolve em uma instituição total facilita a aparição de uma consciência coletiva que, no caso da prisão, supõem a estruturação definitiva do amadurecimento criminoso. A aprendizagem do crime, a formação de associações delitivas, são tristes conseqüências do ambiente penitenciário.

“c) Fatores Sociais: A segregação de uma pessoa de seu meio social ocasiona uma desadaptação tão profunda que resulta difícil conseguir a reinserção social do delinqüente, especialmente no caso de pena superior de dois anos. O isolamento sofrido, bem como a chantagem que poderiam fazer os antigos companheiros de sela, podem ser fatores decisivos na definitiva incorporação ao mundo criminal”.

É extremamente sério e preocupante o atual quadro do sistema prisional, que é criminalizante e que atua no contexto de um conjunto arcaico, onde subsiste uma escola para  a reprodução  do crime.  Na prática, apenas segrega, temporariamente o condenado, pela visão exclusiva da repressão.  As conflitantes metas, prevenir e regenerar, parecem não alcançar os fins a que se propõem.

E no que tange à tão sonhada ressocialização, o condenado, sob o efeito do atual sistema, que lhe dificulta cada vez mais a sua reinserção social, dificilmente fugirá de comportamentos considerados ilícitos como estratégia de sobrevivência, majorando desta forma o círculo perverso da reincidência criminal. O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), com dados obtidos em fevereiro de 2006, declarou que, no Brasil, a taxa de reincidência, pessoas que voltaram a cometer novas infrações, após a condenação de penas privativas de liberdade é, de 85%35. Assim, frente a este quadro e dos recursos indisponíveis ao sistema carcerário, surgem idéias na busca de sanar ou até mesmo amenizar a falência do sistema prisional, assim como descreve o doutrinador Reale Junior36:

“A política criminal deve ter um realismo humanista, que vê a pena como reprimenda, que busca humanizar o direito penal, recorrendo a novas medidas que não o encarceramento, pretendendo fazer da execução da pena a oportunidade para sugerir e suscitar valores”.

Por fim, independentemente da suposta falência da pena de prisão, é sabido que a sua aplicabilidade é indispensável a muitas modalidades de crime, assim como para muitos condenados de alta periculosidade. E, neste sentido,quando se fala em alternativas à falência da pena de prisão, não se está propondo a extinção desta, mas, sim, uma saída para reduzir os malefícios da cultura prisional. E, nesse contexto, as Penas Alternativas surgem na perspectiva de  reeducar o condenado para o convívio social, além de supostamente propiciar uma reparação à sociedade  principalmente através de suas penas. Mas será que esta nova modalidade de punição realmente está sendo uma alternativa?

4.3 O surgimento das Penas Alternativas

Visando a implementação de soluções alternativas à prisão, coube ao Instituto da Ásia e do Extremo Oriente para a Prevenção dos Delitos e Tratamento do Delinqüente, formular os primeiros estudos relacionados com o tem. Preparado o projeto das Regras Mínimas, foi então levado à apreciação da ONU, durante o 8º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, sendo prontamente recomendada a sua adoção; em 14/12/90, pela Resolução 45/110 da Assembléia Geral, adotou-se as Regras Mínimas das Nações Unidas sobre as Medidas Não-privativas de Liberdade, e decidiu-se por denominá-las Regras de Tóquio.

As Penas Alternativas derivaram das Regras de Tóquio, que se constituem num instrumento internacional importante, que estabeleceu regras sobre as medidas não-privativas de liberdade, tendo por fim superar a ultrapassada visão clássica que transferia à pena de prisão o falso papel de protagonista na luta pela regeneração e pela justa punição aos condenados. Portanto, as Penas Alternativas foram introduzidas no ordenamento legislativo pátrio, norteadas pelo moderno ideário inserto nas Regras Mínimas da ONU para a Elaboração de Medidas não-privativas de Liberdade, as Regras de Tóquio, na finalidade que esta possa reduzir a incidência da pena de prisão, reservando-a para os casos em que se configura como absolutamente indispensável, e contribuindo para a ressocialização do condenado, evitando-se, desta feita, reincidência delitiva.

No Brasil, somente com a reforma de 1984 é que começaram a surgir as penas alternativas à prisão, como a prestação de serviços à comunidade, a pena de multa, a limitação de finais de semana, a proibição de exercício de cargo ou função, a proibição do exercício de profissão e suspensão da habilitação para dirigir veículos.

Deve-se salientar que estas medidas alternativas de punição, que estavam descritas no Código Penal de 1984, permaneceram praticamente esquecidas, pois somente em 1995, após participar do IX Congresso das Nações Unidas de Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, realizado no Cairo, onde mais uma vez abordou-se a aplicação de penas alternativas à prisão, é que o Brasil revigorou estes ideais em sua legislação. Na delegação brasileira, encontrava-se o doutrinador Damásio Evangelista de Jesus e o então Ministro de Justiça, Nélson Jobim, além do embaixador brasileiro no Cairo, Ministro Márcio Dias. Damásio37 descreve os motivos que fizeram com que a delegação brasileira que participou deste congresso, renovasse o entusiasmo frente às Penas Alternativas:

“Coube-nos acompanhar alguns dos relatórios de mil e quinhentos delegados dos Estados-membros a respeito de seus sistemas criminais. Ficamos entusiasmados com o sucesso das penas alternativas, insistentemente recomendadas pela ONU. De acordo com as informações dos delegados, somente 17% dos condenados na Alemanha sofrem penas detentivas; os restantes, penas alternativas, encontrando-se o País em fase de descriminação das contravenções. Em Cuba, 85 % das sentença condenatórias aplicam penas restritivas de direitos. E o resultado, quanto à reincidência, é surpreendente, De modo geral, quando aplicada pena alternativa, somente 25 % dos condenados voltaram a delinqüir contra 85 % dos que cumprem pena de prisão. Nosso entusiasmo contagiou o Ministro Nélson Jobim, que iniciou uma campanha em favor das penas alternativas com tele-conferências, congressos, seminários artigos etc., tendendo à recomendação da ONU. Do esforço do Ministro Nélson Jobim e do Governo resultou a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/95), que, em seu art. 76, permite a aplicação de penas alternativas”.

Dessa forma, os legisladores pátrios retomaram o entusiasmo no que diz respeito à aplicação de punições alternativas à prisão. No mesmo ano do referido Congresso, o Ministro Nélson Jobim conseguiu fazer aprovar a Lei 9.099/95, elencando alternativas para evitar o cárcere e até mesmo inibir o prosseguimento do processo para delitos com menor potencial ofensivo, desde que os condenados fossem primários e de bons antecedentes.

Com a nova legislação, o ideal de punir, sem necessariamente privar a liberdade do condenado, começou amadurecer e ganhar fundamentos jurídicos na legislação.

Conforme Damásio Evangelista de Jesus38, uns dos principais motivos na exposição deste projeto ao Presidente da República, foram os seguintes:

“Necessidade de repensar as formas de punição do cidadão infrator. Pelo fato da prisão não vir cumprindo o principal objetivo da pena, que é reintegrar o condenado ao convívio social, de modo que não volte a delinqüir. E que pelo fato de nós não termos, ainda, condições de suprimir por inteiro a pena privativa de liberdade, caminhamos por passos cada vez mais largos para o entendimento de que a prisão deve ser reservadas para os agentes de crimes graves e cuja periculosidade recomende seu isolamento do seio social. Para os crimes de menor gravidade, a melhor solução consiste em impor restrições aos direitos do condenado, mas sem retirá-los do convívio social. Sua conduta criminosa não ficará impune, cumprindo, assim, os desígnios da prevenção especial e da prevenção geral. Mas a execução da pena não o estigmatizará de forma tão brutal como a prisão, antes permitirá, de forma bem mais rápida e efetiva, sua integração social. Nesta linha de pensamento é que se propõem, no projeto, a ampliação das alternativas à prisão”.

Os motivos apresentados por Damásio, no parágrafo antes citado, foram um dos argumentos expostos por Nelson Jobim ao Presidente da República para que fosse aprovada esta lei de medidas alternativas à prisão.

Na Lei 9.099/95 vige a suspensão condicional do processo (sursis), previstas nos artigos 77 a 82 do Código Penal Brasileiro, subordinando o encerramento do processo ao cumprimento de determinadas condições que são impostas ao réu, em geral, exigindo que ele tenha uma vida reta e idônea para assim reintegrar-se a sociedade.

Impulsionado pelos resultados positivos da Lei 9.099/95 e buscando sanar as deficiências da pena de prisão, em 24 de dezembro de 1996, o Presidente da República, através da mensagem n. 1.445, encaminhou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.684/96, que visava alterar o artigo 43 e seguintes do Código Penal, incrementando a aplicação das penas não-privativas de liberdade. No mês de março de 1997, o projeto foi aprovado naquela Casa Legislativa e remetido ao Senado Federal, onde em 27 de outubro de 98, foi definitivamente aprovado. Assim, em 26/11/98, foi publicada e entrou em vigor a Lei 9.714/98, que definitivamente, passou a incentivar e disciplinar a aplicação das penas alternativas à prisão.

O artigo 43 do CP especifica as Penas Alternativas, apesar desta expressão não constar no Código e ser uma construção doutrinária. Devido a sua alteração em 26.11.98 passou a ter o seguinte teor:

“CP, Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

“I – prestação pecuniária;

“II – perda de bens e valores;

“III – (vetado);

“IV – prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas;

“V – interdição temporária de direitos;

“VI – limitação de fim de semana”.

Quanto às espécies de Penas Alternativas, essas subdividem-se em:

a) Prestação pecuniária: Consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz da condenação. Por disposição expressa, não pode ser ela inferior a um salário mínimo nem superior a 360 vezes esse salário (art.45, § 1°, do CP). Assim, de forma sumária, deve o juiz fixar o quantum da reprimenda com base apenas dados disponíveis no processo, uma vez que não existe previsão legal de processo para calcular-se o prejuízo resultante da prática da infração. Não obstante a invasão na esfera civil, com a instituição desta pena, como, aliás, ocorre em outros países, não há inconstitucionalidade no dispositivo. A Carta Magna permite não só a pena de multa, como também a perda de bens (art. 5°, XLVI), e a sanção criada é, indiscutivelmente, um misto de ambas39.

Vale destacar que o CP adotou o critério do dia-multa, revogando os dispositivos que fixavam a pena de multa em valores expressos em cruzeiros.

Prevê o art. 44, § 4º, do Código Penal, que, diante do descumprimento injustificado da restrição, esta se converterá na pena privativa de liberdade, incidindo a detração penal, ou seja, descontando-se o período efetivamente cumprido e respeitando-se o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.

b) Perda de Bens e valores: Conforme o art. 45, § 3°, do CP, a perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto o que for maior, o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática da infração.

Diante desta modalidade de pena alternativa, assim descreve Damásio de Jesus40:

“Cuida-se de perda de bens e valores pertencentes ao condenado, encontrando-se prevista como pena criminal na Constituição Federal (art. 5, XLVI, b). Os bens desatinam-se ao Fundo Penitenciário Nacional. A lei excepciona a ‘legislação especial”, de modo que o produto da perda de bens e valores, em regra, destina-se ao Fundo Penitenciário Nacional e, excepcionalmente, de acordo com a legislação especial, a outras entidades e fins. Ex.: o art. 243 da Constituição Federal, prevê expropriação de glebas destinadas a cultivo de drogas, que devem ser revertidas no assentamento de colonos, para cultivo de produtos alimentícios, ou destinadas a entidades assistências.

“No cálculo, considera-se o prejuízo causado pela infração penal ou o aproveitamento obtido pelo autor do fato ou terceiro. E se houver diferença entre o prejuízo da vítima e o montante do proveito obtido pelo sujeito? EX.: crime de estelionato. Considera-se o maior”.

Os bens e valores serão destinados ao Fundo Penitenciário Nacional, mas preferencialmente, serão primeiro destinados à composição do dano ao lesado ou a terceiro de boa-fé, conforme dispõem o art. 91, II, CP.

c) Prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas: Consiste na aplicação de tarefas ao condenado, junto a entidades assistenciais, hospitais, orfanatos e outros estabelecimentos do mesmo gênero, em programas comunitários ou estatais, ou em benefícios de entidades públicas.

Segundo Bomfim e Capez41 esta modalidade de Pena Alternativa tem como características:

“1) a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável as condenações superiores a 6 meses de privação de liberdade;

“2) as tarefas não serão remuneradas, uma vez que se trata do cumprimento da pena principal (LEP, art. 30), e não existe pena remunerada;

“3) as tarefas são atribuídas conforme as aptidões do condenado;

“4) a carga horária do trabalho consiste em uma hora por dia de condenação, fixada de modo a não prejudicar a jornada de trabalho (CP, art. 46, § 3°);

“5) cabe ao juiz da execução designar a entidade credenciada junto à qual o condenado deverá trabalhar (LEP, art. 149, I);

“6) a entidade comunicará mensalmente ao juiz da execução, mediante relatório circunstanciado, sobre as atividades e o aproveitamento do condenado (LEP, art. 150);

“7) se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em tempo inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.”

É facultado ao condenado a prestação de serviços à comunidade superior a um ano e até quatro, cumpri-la em menor tempo, nunca inferior à metade da quantidade da pena substituída (art. 46, ,§ 4°).

d) Interdição temporária de direitos.: Conforme o art. 47 do CP, São interdições temporárias de direitos:

“I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;

II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;

IV – proibição de freqüentar determinados lugares”.

A aplicação dessa pena restritiva de direitos justifica-se nos casos de infração relativa ao dever funcional praticada quando do cometimento do ilícito penal. A infidelidade, o abuso de poder, a violação do dever funcional indicam a necessidade de aplicação da referida Pena Alternativa quando não for indicada a pena privativa de liberdade. Pode ser ela aplicada, pois, nos crimes de peculato culposo, prevaricação, advocacia administrativa, violência arbitrária, abandono de função etc., cuja pena privativa é inferior a quatro anos. A interdição temporária para o exercício de função pública não se confunde nem implica perda de cargo exercido pelo condenado. Esta é efeito da condenação, só ocorre quando a pena aplicada for superior a quatro anos e deve ser motivadamente declarada na sentença (art. 92, inc.I, “b”, e § único) 42.

Já as infrações culposas de trânsito, cometidos na direção de veículos, passaram a ser tipificadas no Código Nacional de Trânsito (Lei n°. 9.503/97), estabelecendo-se para eles, além das penas privativas de liberdade e multa, a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

e) Limitação de final de semana: Esta consiste na obrigação do condenado de permanecer aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, na casa do albergado (LEP, art. 93) ou outro estabelecimento adequado. O estabelecimento deverá encaminhar mensalmente ao juiz da execução relatório sobre o aproveitamento do condenado.

A forma pela qual esta modalidade punitiva fora introduzida em nosso ordenamento jurídico, recebeu inúmeras críticas, pois ela consiste numa verdadeira “prisão de final de semana”, porque o condenado fica privado de sua liberdade em períodos da execução, não sendo este os meios que as Penas Alternativas deveriam cominar43.

Portanto, cabe ao juiz da execução criminal determinar a intimação do condenado, cientificando-o do local, dias e horário que deverá cumprir a pena, que terá início a partir da data do primeiro comparecimento (art.151 da LEP). O estabelecimento designado encaminhará, mensalmente, ao juiz da execução o relatório, a qualquer tempo, a ausência ou falta disciplinar do condenado (art.153, LEP)

Do art. 43 ao art. 48 do Código Penal Brasileiro, encontra-se a natureza e disciplina de aplicação das Penas Alternativas.

Vale destacar a recente inovação na nova Lei de Drogas (11.343/06), que trouxe inúmeras modificações relacionadas à forma punitiva ao usuário, cuja conduta está tipificada em seu art 28 caput e parágrafo 1º. Foi uma verdadeira mudança de paradigma, pois extinguiu a previsão da pena privativa de liberdade para o usuário de drogas e passou a prever as penas de advertência (esta como grande novidade), prestação de serviços à comunidade e medida educativa, disciplinadas nos incisos do art. 28 desta Lei. Quanto a prestação de serviços à comunidade, essa será aplicada pelo prazo de 05 meses, se primário; 10 meses se reincidente (§§ 3º e 4º, do art. 28). Será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas (§5º). Mencione-se que não se aplica aqui a regra do art. 46 do CP.

Acerca das Penas Alternativas cabe observar o posicionamento de Eduardo Lins e Silva44, advogado e ex-Ministro do STF que assevera:

“Não sou partidário do crime, mas as prisões não vão acabar com a criminalidade, pois ela perverte, corrompe avilta, emburrece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade as avessas, onde se diploma o profissional do crime. Se não a pudemos eliminar de uma vez, só poderemos conservá-la para os delitos em que ela é indispensável. A sociedade ganha com as penas alternativas”.

É importante aqui registrar que o constituinte originário, ao instituir as Penas Alternativas, buscou consonância entre estas e os princípios fundamentais da CF/88, demonstrando uma predileção aos seguintes princípios: a) o da humanidade das sanções, contemplando no artigo 1°, inciso III, (dignidade da pessoa humana), artigo 5°, III, XLVII, VLVIII, XLIX e L; b) o da personalidade da pena, previsto no artigo 5°, XLV; c) o da individualização da pena, artigo 5°, XLVI; d) o da proporcionalidade da pena, contendo nele a noção de retribuição justa, artigo 5°, V e; e) o da intervenção mínima, artigo 5°, § 2°, e art. 8°, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 1789). Somam-se a todos estes princípios ainda os da necessidade, utilidade e suficiência da pena, contemplados em vários dispositivos, tais como no artigo 8°, da Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão, segundo o qual “a lei deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias”, além dos artigos 44, 59, 121, § 5°, 129, § 8°, todos do Código Penal Brasileiro45.

Face aos consagrados princípios constitucionais, que norteiam o sistema punitivo, devendo imperar a dignidade da pena, precisamos nos perguntar: há humanismo na forma em que a pena de prisão se apresenta ao condenado?

Diante do surgimento das Penas Alternativas, deduz-se que essas modalidades punitivas sejam melhores e mais dignas do que a prisão, e que demonstram ser um instrumento capaz de contribuir para a atenuação do grave problema carcerário brasileiro, diminuindo também a reincidência criminal, além de oferecer ao condenado uma aplicação da pena mais humanista.

Dessa forma, frente aos tão propagados benefícios que as Penas Alternativas podem oferecer ao âmbito social, analisaremos no capítulo a seguir, através da pesquisa realizada por este trabalho, quais são as características do grupo de condenados que foram contemplados com essa modalidade punitiva em Lajeado e se houve resultado positivo no sentido de não terem reincidido em novas infrações.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDINI, Rafael Santin. Penas alternativas: uma nova alternativa?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3942, 17 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27757. Acesso em: 11 mai. 2024.

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