Às 09h18 do último dia 25 de abril a cidade japonesa de Amagasaki, na província de Hyogo, parou para lembrar e homenagear os mortos no segundo maior desastre ferroviário da história do país. Exatamente naquele horário no dia 25/04/2005, o trem de alta velocidade da West Japan Railway Company (JR West), que fazia a linha de Fukuchiyama, descarrilou e invadiu o estacionamento de um prédio residencial.
Dias após os intensos trabalhos de resgate foram confirmados os números da tragédia: 107 mortos e 562 feridos. Dentre os 99 mortos no primeiro vagão estava Ryujiro Takami, condutor do trem.
Chocada, a sociedade buscou explicações para o acidente e a primeira teoria levantada foi a do excesso de velocidade da composição, aliada à inexperiência do operador de trem. Parecia a resposta mais óbvia, já que Takami tinha 23 anos e estava na função há apenas 11 meses. As investigações, no entanto, acabariam por revelar outra realidade.
À época do acidente, o sistema de trens do Japão transportava anualmente mais de 21 bilhões de passageiros pelos mais de 27 mil quilômetros de linhas. Os japoneses se orgulhavam da pontualidade do sistema: a média de atraso dos trens-bala era de apenas 60 segundos, mesmo nos casos de tufões e terremotos, desastres naturais não tão incomuns na região. A sociedade encarava o rigor na pontualidade dos trens como algo cultural.
A JR West foi uma das seis empresas regionais criadas após a privatização do sistema ferroviário japonês, em 1987. Para sobreviver naquele mercado altamente competitivo e satisfazer às exigências dos usuários por pontualidade e velocidade, a empresa cortou custos, reduziu o peso dos vagões, aumentou sua velocidade e impôs enorme pressão em seus funcionários. Além de não atrasarem, os condutores deviam parar as composições nas marcações exatas das plataformas, para o desembarque e embarque dos passageiros. Qualquer deslize sujeitava os funcionários ao Nikkin Kyoiku.
Visto pela empresa como um sistema de “reeducação”, o Nikkin Kyoiku consistia em afastar do trabalho o empregado que havia cometido alguma falta para submetê-lo a um “treinamento”. Durante esse período, o trabalhador sofria corte de salários, agressão verbal, humilhação e xingamentos constantes proferidos aos gritos e ao pé do ouvido. Fazia parte do treinamento limpar as fezes de pombos dos vagões e escovar, de joelhos, os trilhos de trem. Os empregados tinham que escrever intermináveis relatórios, repetidas vezes, detalhando os erros que os haviam levado à reeducação. A duração desse show de horrores era decidida pela empresa, que não informava ao empregado quando a punição terminaria e ele voltaria a receber seu salário.
Um dos vários erros que obrigavam o trabalhador a passar pelas tais sessões de tortura era errar o ponto de parada nas estações em mais de 5 metros.
No fatídico dia do acidente, a composição seguia para a estação de Itami quando soou na cabine o alarme de excesso de velocidade. Takami acelerava o trem a 120 Km/h quando, ao aproximar-se da plataforma, acionou os freios de forma brusca, o que fez com que errasse o ponto de parada em 30 metros. Para os passageiros descerem, o condutor teve que retroceder os vagões para alinhá-los à plataforma.
Dois funcionários trabalhavam em conjunto, cada um numa extremidade da composição, que se alternavam na condução. Vendo o que havia acontecido, o condutor que viajava no último vagão telefonou para Takami e disse que ele seria obrigado a reportar imediatamente o erro aos superiores, como exigia a política da empresa. Takami implorou para que o colega mentisse, dizendo que o erro havia sido menor, pois temia ser submetido novamente ao Nikkin Kyoiku. Em sua terceira semana de trabalho, Takami passou 13 dias na reeducação por haver errado uma parada em 100 metros.
A manobra de reversão dos vagões acabou atrasando o itinerário da composição em 80 segundos e, para recuperar o tempo até a próxima parada, em Amagasaki, o condutor excedeu novamente a velocidade. Próximo à estação, a composição vinha a 116 Km/h quando não conseguiu realizar uma curva. Quatro segundos antes de descarrilar, o condutor acionou os freios comuns, que não foram suficientes para diminuir a velocidade. Os freios de emergência poderiam ser capazes de evitar a tragédia, mas Takami não os utilizou. Pelas regras da companhia, o condutor que acionasse os freios de emergência era obrigado a reportar tal ocorrência aos superiores e precisaria passar pela reeducação.
Concluída, a investigação oficial identificou duas principais causas para o acidente. A primeira foi a cultura de pontualidade e excessivo rigor da JR West no trato com os funcionários, em detrimento da segurança. A segunda foi a sucessão de erros cometidos pelo condutor, que temia ser submetido novamente às sessões de tortura.
Em dezembro de 2005 o presidente da companhia renunciou ao cargo. Seu sucessor foi levado a julgamento em 2009 juntamente com dois executivos, acusados de negligência, e também renunciaram. Os tribunais inocentaram os acusados em 2012, e desde o acidente não houve grandes mudanças no sistema de trabalho da JR West.
A história detalhada do maior acidente ferroviário causado por assédio moral pode ser vista no episódio “Descarrilamento em Amagasaki”, do programa Segundos Fatais do canal National Geographic.