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A previdência social aos imigrantes do Mercosul residentes no Brasil em decorrência do acordo multilateral de seguridade social do bloco

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07/05/2014 às 15:29
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2. A SEGURIDADE SOCIAL NO PLANO INTERNACIONAL E O ACORDO MULTILATERAL DE SEGURIDADE SOCIAL DO MERCOSUL

2.1 CONCEITO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS DE SEGURIDADE SOCIAL E SUAS FINALIDADES

Os tratados internacionais, de acordo com o art. 2º, I, “a” do Estatuto da Convenção de Viena são acordos internacionais celebrados, entre os Estados, por escrito.

Tratados internacionais são acordos elaborados entre entidades de direito internacional público, normalmente de maneira formal, visando produzir determinados efeitos jurídicos em âmbito internacional64.

No caso da previdência social, a matéria encontra-se muito presente em acordos internacionais da seguridade social, que são convênios criados entre as nações, visando proporcionar ao trabalhador imigrante o direito aos benefícios previdenciários conferidos em território nacional65.

Sobre o conceito de tais acordos sobre a previdência social celebrados pelo Brasil, o autor Wladimir Novaes Martinez elucida:

(...) são fontes formais internacionais que regem a previdência social dos trabalhadores migrantes, isto é, tratados bilaterais sobre previdência social, celebrados entre o Brasil e diversos países da América Latina e da Europa66.

Estes acordos podem ser classificados de duas maneiras: os multilaterais, onde há o acordo entre comunidades de países, como no caso do MERCOSUL; e os bilaterais, em que apenas dois países são signatários, como no acordo entre Brasil e Portugal67.

Os acordos internacionais da seguridade social visam atender o trabalhador imigrante e seus dependentes de eventos programados, como a aposentadoria, e de infortunística, como a morte.

Hoje em dia, à nível internacional, tais acordos possuem destacada relevância em decorrência do grande fluxo migratório de trabalhadores, de forma que a previdência social busca amparar tais cidadãos.

Sobre este assunto explana Larissa Martins Lamera:

A forma de corrigir esta ruptura na cobertura da Previdência Social e de evitar o risco da pobreza dos migrantes na velhice é a celebração de acordos internacionais de Previdência entre países cujo contingente populacional tenha sido influenciado por fortes correntes migratórias68.

Desta forma, os acordos internacionais de previdência social visam proteger o cidadão, que reside em país estrangeiro, da pobreza que poderia se encontrar quando perdesse a capacidade para o trabalho. Ou seja, as normas internacionais de seguridade social vêm buscando dar aos imigrantes uma renda apropriada, quando não estiverem mais em condições de exercerem suas atividades laborativas.

Sobre este tema aborda o estudo da Secretaria-Geral da Presidência da República:

Do ponto de vista da previdência social, a migração traz como conseqüência o fato de que muitos trabalhadores, ao contribuírem para sistemas previdenciários em países diferentes, correm o risco de não completar os requisitos para obter aposentadoria ou outros benefícios se contarem apenas o tempo de contribuição em um dos países nos quais residiu. A forma de corrigir essa descontinuidade da previdência social e de evitar risco de pobreza dos migrantes na velhice é a celebração de acordos internacionais de previdência entre os países.69

Evidencia-se a necessidade de tais acordos, visando sempre facilitar o atendimento previdenciário do trabalhador imigrante que, ao contribuir para sistemas previdenciários diversos, pode deixar de cumprir os requisitos para obter os benefícios em ambos os países.

Entretanto, tais benefícios são concedidos seguindo determinadas normas, visto que a previdência social, como dito anteriormente, tem um sistema contributivo, onde o direito aos benefícios é adquirido mediante determinadas contribuições periódicas ao órgão competente da previdência em cada país, que no Brasil corresponde ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Ocorre, todavia, que, no âmbito internacional, o direito a tais benefícios possuem diferentes peculiaridades em cada país, de maneira que falta de acordos previdenciários pode levar o trabalhador a ter certas dificuldades em requisitar seu benefício no exterior. Sobre este tema dispõe Heinz-Dietrich Steinmeyer:

Por várias razões, pode haver dificuldades para que isso ocorra. Por um lado, o país de origem pode não estar disposto a pagar os benefícios de uma pessoa que vive em outro país. Por outro, a pessoa pode não preencher os requisitos para ter acesso aos benefícios de seu novo país por não ter passado aí tempo suficiente para qualificar-se como parte de sua força de trabalho70.

Os acordos internacionais de seguridade social visam facilitar a concessão de benefícios previdenciários aos trabalhadores imigrantes.

Exposto o conceito de tais acordos internacionais e suas finalidades perante os trabalhadores imigrantes, analisaremos a seguir a previdência social em nível internacional.

2.2 A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO PLANO INTERNACIONAL

Em nível internacional, a previdência social teve maior destaque através das diversas normas internacionais que a incluíam no rol de direitos de todos os cidadãos.

Um dos primeiros ordenamentos legais a dispor sobre a previdência social foi o alemão, onde o ordenamento editado pelo chanceler Otto Von Bismarck, em 1883, garantiu, em um primeiro momento, o seguro-doença e, posteriormente, demais benefícios, como o seguro contra acidente de trabalho, o seguro invalidez e o seguro velhice71.

Seguindo as idéias alemãs, a Inglaterra promulgou, nos anos seguintes, leis sobre a cobertura nos casos de acidentes de trabalho, invalidez, doença e aposentadorias, tonando-se, na época, o país mais evoluído na matéria previdenciária72.

Apesar das inovações ocorridas na Europa, a Constituição Mexicana de 1917, considerada a primeira constituição social do mundo, foi a Carta Magna pioneira quando se trata de previdência social, visto que foi a primeira a incluí-la em suas normas73.

Acompanhando os ensinamentos da Carta Magna Mexicana, a Constituição de Weinmar, na Alemanha, dava cobertura aos trabalhadores em diversos casos, como invalidez e riscos de saúde74.

Dentre outras normas relevantes, podemos citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), onde o tema foi evidenciado no art. 25, e dispõe que, entre outros casos, todo cidadão terá direito a segurança em casos de velhice e doença75. Nota-se que, no referido artigo, a previdência social vem implicitamente prevista através da segurança à velhice e à doença, onde a segurança se dá, respectivamente, através da aposentadoria e do auxílio-doença.

A previdência social foi reconhecida também como direito de toda pessoa, através do art. 9º do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Salienta-se que referido pacto é também adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU), e veio a ser sancionado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, através do Decreto nº 59176.

Além do citado pacto no art. 9º do Protocolo de San Salvador, no ano de 198877.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi também de extrema importância para a previdência social, visto que, através de convenções, também regulamentou, à nível mundial, diversas normas sobre o tema. Dentre estas, podemos citar a Convenção 102, que normatizou as normas mínimas da seguridade social78, e a Convenção 118, que regulamentou a igualdade de tratamento previdenciário entre nacionais e estrangeiros79, tornando-se um marco para a previdência social.

Dentre outras entidades, há que se destacar também a Associação Internacional de Seguridade Social (AISS) que ampliou e consolidou o amparo aos cidadãos80, e que, atualmente, possui atuação em mais de cento e cinquenta nações81. Assim, esta entidade tem como finalidade o auxílio internacional para a ascensão e o desenvolvimento da seguridade social em várias nações, através de avanços técnicos e administrativos, visando assim a melhoria das condições sociais e econômicas da população82.

Por fim, cabe ainda evidenciar os inúmeros acordos internacionais, que tratam da previdência social, que o Brasil celebrou, como, por exemplo, aqueles contraídos com o bloco econômico do MERCOSUL e com países como Portugal, Itália e Espanha, visando assim garantir igual tratamento previdenciário entre os trabalhadores dos países acordantes.

Analisado a previdência no âmbito internacional, a seguir passaremos a análise dos Acordos Internacionais sobre o tema que o Brasil é signatário.


2.3 OS ACORDOS INTERNACIONAIS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL QUE O BRASIL É SIGNATÁRIO

De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, o Brasil, atualmente, conta com dez acordos internacionais no âmbito da previdência social, como, por exemplo, com Cabo Verde, Grécia e Japão. Há ainda alguns acordos que esperam ratificação do Congresso Nacional para produzirem efeitos, como é o caso dos acordos bilaterais com França e Canadá83.

Sobre estes acordos a serem ratificados pelo Congresso Nacional podemos citar o exemplo do acordo brasileiro com a Alemanha, que veio a ser concretizado no dia seis de março de 2013 e, a partir de primeiro de maio de 2013, trará benefícios previdenciários a 90 mil brasileiros residentes no país germânico, além da própria colônia alemã residente no Brasil. Com o acordo, os imigrantes poderão requerer os benefícios de pensão por morte, auxílio doença e aposentadoria84.

O Brasil reconhece a importância dos acordos internacionais como um meio para garantir os direitos inerentes a seguridade social, entretanto frisa-se que tais acordos buscam ainda influenciar os investimentos externos, garantir relações com países estrangeiros, dar acolhimento ao fluxo migratório e dar suporte ao elevado volume de comércio exterior85.

Sublinha-se ainda que o estabelecimento de tais acordos não modificam as leis previdenciárias de cada país. Neste sentido expõe os autores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:

Os Acordos Internacionais de Previdência Social estabelecem uma relação de prestação de benefícios previdenciários, não implicando na modificação da legislação vigente no país, cumprindo a cada Estado contratante analisar os pedidos de benefícios apresentados e decidir quanto ao direito e condições, conforme sua própria legislação aplicável, e o respectivo Acordo.86

Como exposto pelos autores, o Brasil ser signatário de Acordos Internacionais em nada influencia nas leis previdenciárias já vigentes em solo brasileiro, de forma que cada país deve averiguar os pedidos e decidir sobre a concessão dos benefícios.

Assim, o segurado que migrar para determinado país que possua Acordo a respeito da matéria previdenciária deve observar os requisitos lá existentes.

Elucidado os Acordos Internacionais em que o Brasil é signatário, veremos como discorrer os princípios norteadores dos Acordos Internacionais de Seguridade Social.

2.4 PRINCÍPIOS QUE REGEM OS ACORDOS INTERNACIONAIS DA SEGURIDADE SOCIAL

Os Acordos Internacionais possuem os mesmo princípios norteadores que regem a previdência social no âmbito nacional. Contudo, face ao princípio da territorialidade das leis, há limites entre as estipulações convencionadas entre os países celebrantes87, de forma que elucidaremos brevemente alguns princípios importantes para a efetiva aplicação de tais acordos.

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2.4.1 Princípio da solidariedade internacional

A solidariedade internacional tem o intuito de haver uma contagem de contribuições recíprocas entre as nações, de maneira que o trabalhador possa contribuir para a previdência social em determinado país e se beneficiar de tais contribuições em outro88.

Sobre este princípio esclarece a autor Priscila Gonçalves de Castro:

(...) o alcance da solidariedade internacional é limitado, uma vez que ele se restringe apenas ao convencionado em cada Acordo internacional, em que acabam sendo analisados e estudados juntamente com as regras previdenciárias do ordenamento jurídico interno de cada país89.

Neste sentido, tendo sido as contribuições pagas em um país e o requerimento do benefício em outro, os requisitos para a concessão deste serão as do país em que o trabalhador requisitou, independente do local das contribuições.

2.4.2 Princípio da igualdade de tratamento

A igualdade de tratamento busca tratar de maneira uniforme os trabalhadores nacionais e estrangeiros, de maneira a cumprir ainda o exposto na Convenção 118 da Organização Internacional do Trabalho, que visa dar igualdade à tais cidadãos no âmbito previdenciário90.

Neste sentido entende a autora Priscila Gonçalves de Castro:

No que tange à igualdade de tratamento deve-se ter em mente que os países que possuem acordos firmados entre si, devem garantir que os direitos de um trabalhador imigrante, sejam exatamente iguais aos direitos do trabalhador deste país. (...)

Dessa forma, verifica-se que Seguro Social não se preocupa com a nacionalidade da pessoa, mas sim em face de seu trabalho e as condições que o mesmo é desempenhado91.

Assim, este princípio da igualdade de tratamento visa garantir aos imigrantes um tratamento idêntico ao concedido aos trabalhadores oriundos deste país.

2.4.3 Princípio da equivalência dos órgãos gestores

O ora mencionado princípio norteador dos acordos internacionais da seguridade social pretende garantir ao segurado a prática de atos perante o sistema previdenciário, de maneira que, residindo em país diverso do seu, o trabalhador poderá praticar tais atos através do órgão competente do país estrangeiro92.

2.4.4 Princípio da divisão dos encargos

A divisão dos encargos corresponde à distribuição dos pagamentos entre os países acordantes.

Normalmente estabelece-se um pagamento proporcional, onde cada país desembolsa o valor correspondente ao tempo contribuído no seu território. Entretanto, para não fragmentar o pagamento, o país encarregado do benefício recebe, posteriormente, o reembolso do valor despendido93.

2.4.5 Princípio da adaptação das legislações nacionais

Este princípio estabelece que os países signatários não necessitem modificar suas legislações previdenciárias em decorrência do Acordo Internacional, de maneira que cabe ao Estado analisar os pedidos previdenciários e concedê-los de acordo com sua própria legislação94.

2.4.6 Princípio da reciprocidade

A reciprocidade visa garantir o direito do segurado, de forma que ele não seja prejudicado por exercer atividade laboral em país diverso do seu. Assim, os Acordos sobre a matéria buscam conciliar as normas de cada país, visto que cada um possui legislação distinta95.

Analisado tais princípios, veremos no decorrer o deslocamento temporário do trabalhador imigrante.

2.5 O DESLOCAMENTO TEMPORÁRIO DO TRABALHADOR

Os acordos internacionais de previdência social preveem em suas normas o deslocamento temporário entre os trabalhadores das nações. Neste curto período de tempo em que o segurado se encontrar em país diverso, permite-se que haja apenas contribuições para o regime previdenciário de seu país. Tal disposição simplifica o requerimento de benefícios, visto que o deslocamento se estabelece por um curto lapso temporal, de forma que não é necessária a contribuição neste novo país96.

Sobre este tema esclarece o Ministério da Previdência Social:

Ao empregado/autônomo será fornecido Certificado de Deslocamento Temporário, visando dispensa de filiação à Previdência Social do País Acordante onde irá prestar serviço, permanecendo vinculado à Previdência Social brasileira. A solicitação deverá ser feita pelo empregador/autônomo, conforme o caso, na Agência da Previdência Social  de preferência do interessado97.

Assim, o trabalhador que receber o Certificado de Descolamento Temporário continuará vinculado à previdência social brasileira, e não precisará filiar-se à previdência social estrangeira.

Sobre este tema elucida o art. 478 da Instrução Normativa n. 45 do Instituto Nacional do Seguro Social:

Art. 478. O empregado de empresa com sede em um dos Estados contratantes que for enviado ao território do outro, por um período limitado, continuará sujeito à legislação previdenciária do primeiro Estado, sempre que o tempo de trabalho no território de outro Estado não exceda ao período estabelecido no respectivo Acordo (...)98.

Portanto, segurado que for enviado à país diverso por um tempo limitado de tempo, continuará coberto pela legislação previdenciária de seu país, desde que o período no outro Estado não ultrapasse o período determinado no Acordo.

Após analisarmos o deslocamento temporário, veremos a transferência do benefício para o exterior.

2.6 A TRANSFERÊNCIA DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PARA O EXTERIOR

No que diz respeito ao envio do benefício previdenciário ao exterior, este se dá nos casos em que o segurado muda de residência ou realiza uma viagem prolongada à outro país acordante, de maneira que necessita transferir o benefício este determinado país.

O segurado, neste caso deverá comunicar antecipadamente a agência da previdência social, para que esta efetue a transferência. Ao retornar, o trabalhador deverá informar sua volta, sob pena de suspensão do benefício. Todavia, atualmente, somente os acordos previdenciários com Portugal, Espanha e Grécia preveem tal modalidade de transferência, de forma que nos demais casos o segurado deverá nomear um procurador para receber o seu benefício em território nacional99.

Dentre as peculiaridades que abordam o tema, sublinha-se ainda que o benefício somente será pago na moeda corrente do país em que for concedido, de forma que o estrangeiro residente no Brasil, sendo este o país concedente do benefício, e que retorne ao seu país de origem, receberá o benefício em reais, mesmo estando em país diverso do Brasil100.

Outra particularidade refere-se ao fato de que os benefícios concedidos de acordo com o regime de um Estado Parte, não podem sofrer redução, suspensão ou extinção, simplesmente pelo fato de que o segurado e seus dependentes redidam em país diverso101.

Visto isto, veremos a seguir o Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL.

2.7 O ACORDO MULTILATERAL DE SEGURIDADE SOCIAL DO MERCOSUL

O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) é originado, através do Tratado de Assunção, em 26 de março do anos de 1991, e foi subscrito por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A criação do grupo visava estabelecer um bloco econômico, com o objetivo de criar-se um Mercado Comum entre os países-membros, estimulando ainda as importações e exportações, bem como a livre circulação de trabalhadores102.

Destaca-se ainda que o Acordo em questão somente protege os trabalhadores que prestam serviço regularmente em um Estado Parte, de forma que o trabalhador informal, sem filiação previdenciária, não poderá assim usufruir deste proteção103.

A partir de sua criação, os países fundadores do bloco criaram, em 1997, o Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL, de maneira a dar reciprocidade ao tratamento previdenciário entre seus trabalhadores.

Posteriormente, e conforme prevê o art. 1º, “a”, e no art. 19 do referido Acordo, este encontra-se aberto para eventuais adesões de demais Estado que vierem a aderir ao Trata de Assunção, criador do bloco. Assim, após o ingresso no MERCOSUL, a Venezuela, em novembro de 2006, durante a reunião da Comissão Multilateral Permanente dos Estados do bloco, aderiu ao referido Acordo104, comprometendo-se a harmonizar a legislação nacional securitária com a das demais nações105.

Desta forma, as nações demostraram enorme preocupação social com os cidadãos imigrantes, visto que a partir do acordo, os procedimentos previdenciários seriam mais rápidos e seguros entre os países106.

Sobre este ponto expôs o estudo da Secretaria-Geral da Presidência da República:

O Acordo de Seguridade Social do Mercosul representa um avanço significativo para a extensão dos direitos previdenciários para trabalhadores migrantes formais, de modo que vários tipos de benefícios podem ser combinados para proporcionar uma cobertura adequada para as populações do Bloco.107

Resta-se indiscutível o avanço social que ocorreu com a efetivação do Acordo, visto que o imigrante pôde então combinar períodos de contribuição e requerer benefícios nos demais países do bloco.

Este é o sentido apresentado pelo art. 2º, 1 do Acordo Multilateral de Seguridade Social destas nações:

Os direitos à Seguridade Social serão reconhecidos aos trabalhadores que prestem ou tenham prestado serviços em quaisquer dos Estados Partes, sendo-lhes reconhecidos, assim como a seus familiares e assemelhados, os mesmos direitos e estando sujeitos às mesmas obrigações que os nacionais de tais Estados Partes com respeito aos especificamente mencionados no presente Acordo108.

Portanto, os direitos à Seguridade Social foram reconhecidos aos trabalhadores que laboraram nos países do MERCOSUL, de forma que, o tempo exercido nestes países serão computados nos demais, a fim de conseguir a concessão de determinados benefícios a si ou a seus familiares.

Ainda sobre o referido Acordo Multilateral expõe o autor Hugo Roberto Mansueti:

Ello fue advertido en forma temprana, con la aprobación del Acuerdo Multilateral de Seguridad Social del Mercosul y el respectivo reglamento administrativo, suscritos en Montevideo, el 15 de diciembre de 1997. (...) A través de estos instrumentos se implementa un sistema de reconocimiento recíproco, entre los Estados parte, de las cotizaciones efectuadas por los trabajadores nacionales o extranjeros habitantes, de manera que las prestaciones puedan ser outorgadas por el Estado donde es trabajador o beneficiario se encuentre.109

Este acordo em questão é o instrumento pelo qual estes países encontraram para assegurar a proteção social de seus trabalhadores, que exercem atividades sob os diferentes sistemas previdenciários existentes entre os países acordantes do tratado.

Apesar de sua criação no ano de 1997, tal acordo só veio a ter vigência no ano de 2005, e a partir desta data, substituíram-se os acordos bilaterais sobre a matéria previdenciária que existiam entre as nações, pelo Acordo Multilateral de Seguridade Social, conforme expõe o art. 17, 4 do Decreto Legislativo 451/01, que assim elucida:

A partir da entrada em vigor do presente Acordo, ficarão derrogados os Acordos Bilaterais de Seguridade Social ou de Previdência Social celebrados entre os Estados Partes. A entrada em vigor do presente Acordo não significará em nenhum caso a perda de direitos adquiridos ao amparo dos mencionados Acordos Bilaterais110.

Logo, como exposto no mencionado artigo, a substituição dos acordos bilaterais não implica na perda do direito adquirido por parte do cidadão. Ainda sobre o Acordo, este tornou-se o primeiro, em matéria previdenciária, a beneficiar também funcionários públicos pertencentes a regimes próprios111.

Analisado o Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL, passa-se a seguir a uma noção dos sistemas previdenciários das nações signatárias do acordo.

2.8 NOÇÃO SOBRE OS SISTEMAS PREVIDENCIÁRIOS DOS PAÍSES COBERTOS PELO ACORDO MULTILATERAL DE SEGURIDADE SOCIAL DO MERCOSUL

Apesar de os países acordantes do bloco econômico do MERCOSUL possuírem acordo internacional que versa sobre a matéria previdenciária é evidente que tais nações possuem legislações próprias sobre o tema, de forma que os acordos buscam harmonizar tais normas.

Portando, analisaremos a seguir o sistema previdenciário dos demais países cobertos pelo Acordo Multilateral se Seguridade Social do MERCOSUL, isto é, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.

2.8.1 Argentina

Na Argentina, a previdência social possui como entidade a Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES), que é regida por um modelo misto, ou seja, um modelo que mistura o sistema público com o privado, de caráter irrenunciável, que visa dar amparo aos trabalhadores necessitados112. Ademais, a Constituição Nacional Argentina, através do art. 14, bis, estabelece a obrigação do Estado, de caráter integral e irrenunciável, em outorgar os benefícios da seguridade social113.

Sobre o modelo argentino, citamos o art. 14, bis da Constituição Argentina:

El Estado otorgará los beneficios de la seguridad social, que tendrá carácter de integral e irrenunciable. En especial, la ley establecerá: el seguro social obligatorio, que estará a cargo de entidades nacionales o provinciales con autonomía financiera y económica, administradas por los interesados con participación del Estado, sin que pueda existir superposición de aportes; jubilaciones y pensiones móviles; la protección integral de la familia; la defensa del bien de familia; la compensación económica familiar y el acceso a una vivienda digna114.

Assim, em território argentino, a seguridade social, incluindo a previdência social, possui caráter irrenunciável, e cobrem eventuais necessidades dos segurados, como a invalidez temporária e definitiva, o desemprego e os acidentes.

Em território argentino, o seguro social disponibiliza diversos benefícios aos seguros, tais como, pré-natal e por ajuda escolar para a educação fundamental. Tais auxílios são pagos de acordo com parâmetros de renda e tipo de auxílio, fixados pelo Estado115.

Uma das relativas diferenças entre os sistemas brasileiro e o argentino é no fato de que eventual invalidez temporária, que no Brasil, após determinado tempo, é pago pela autarquia previdenciária, na Argentina o pagamento é feito pelo empregador116.

2.8.2 Paraguai

O sistema previdenciário paraguaio é chamado de “previsión social” e tem como entidade principal o Instituto de Previsión Social (IPS)117, que é uma instituição, englobada pela seguridade social, que visa o benefício dos trabalhadores privados e de alguns públicos, além de seus dependentes118.

Os benefícios, assim como no Brasil, visam proteger o trabalhador de eventos que o prejudiquem de exercer sua atividade laborativa, mediante contribuições.

Sobre a proteção previdência social paraguaia dispõe Jorge Dario Cristaldo M.:

(...) con el objeto de garantizar y reparar las contingencias o necesidades de orden natural, profissional o social, que afectan a los beneficiarios, suscetibles de privarles, parcial o totalmente, de su capacidad de trabajo, de ingreso suficiente y de bienestar, mediante prestaciones diversas previstas en ley.119

De maneira geral, a previdência social do Paraguai se parece com a brasileira no que se refere à organização, visto que está inserida dentro da seguridade social e possui um caráter obrigatório e contributivo, que busca dar uma proteção, aos trabalhadores, de eventos prejudiciais à atividade laboral.

No que diz respeito as diferenças entre os sistemas previdenciários brasileiros e paraguaios podemos citar a existência, no Paraguai, da chamada “Caja Fiscal”, que nada mais é que um fundo usado para financiar as prestações dos funcionários públicos, não incluídos pelo IPS120.

Outra relativa diferença entre os sistemas refere-se ao financiamento totalmente privado existente no Paraguai, de maneira que a previdência social do país é financiada totalmente com recursos de trabalhadores e empregadores, e o Estado somente interfere para cobrir eventuais déficits na “Caja Fiscal”121.

No Brasil, o tema vem articulado no parágrafo único do art. 16 da Lei 8.212/91, que assim elucida:

A União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual.122

Logo, a União cobrirá eventuais déficits da seguridade social se advindas do pagamento de benefícios de prestação continuada da previdência social. Por benefícios de prestação continuada, o Ministério da Previdência Social dispõe que estes são benefícios mensais contínuos, até que determinado fato provoque sua cessação, de forma que são enquadrados nesta categoria as aposentadoria, pensões por morte, salário-família, entre outros123.

No que tange aos benefícios concedidos, o Paraguai possui menos benefícios que o Brasil. Dentre os principais benefícios concedidos estão:

a) aposentadoria ordinária: é a aposentadoria concedida aos trabalhadores que preencham os requisitos de sessenta anos de idade e vinte e cinco anos de serviço, ou aos seguros que, partir dos cinquenta anos de idade, completarem trinta anos de trabalho124;

b) aposentadoria por invalidez decorrente de acidente ou doença advinda do trabalho: é concedida ao trabalhador que for declarado inválido e possua, pelo menos, cento e cinquenta semanas de contribuição, além de ter menos que cinquenta e cinco anos de idade125;

c) pensão por morte: é cedida aos dependentes do segurado que vier falecer e possuir, no mínimo, setecentos e cinquenta semanas contribuições, de forma que estes receberão sessenta por cento do salário do falecido126;

d) riscos profissionais: este benefício é muito semelhante ao auxílio-doença concedido pelo Brasil, entretanto, no Paraguai, o benefício é concedido ao segurado que ficar incapacitado por mais de três dias127;

2.8.3 Uruguai

O Uruguai foi um dos primeiros países da América Latina que, através da entidade previdenciária do Banco de Prévisión Social (BPS), dispôs sobre a proteção social, principalmente no que concerne a invalidez e velhice, de forma que atualmente possuem uma grande cobertura128.

No ano de 1995, devido a crise financeira, o país sofreu uma grande mudança na previdência social, onde o sistema único, de caráter público e repartido foi deixado para trás. Em seu lugar veio um sistema misto, semelhante ao modelo argentino, onde combina-se o pilar da seguridade social, com componentes de capitalização e economias individuais e da administração privada, de forma que veio a contrariar diversos princípios da previdência social lá aplicados129.

O novo sistema uruguaio estabelece que as contribuições pagas pelos trabalhadores ativos sejam destinadas ao financiamento das prestações pagas aos trabalhadores passivos. Outra novidade do sistema foi a combinação das economias públicas com as privadas, de forma que esta última tem o objetivo de complementar as prestações provenientes das economias públicas130.

Outra diferença entre os países é a relacionada aos benefícios, visto que o Brasil possui diversos benefícios inexistentes no Uruguai. Dentre os benefícios estão:

a) aposentadoria comum: para ter acesso a esta aposentadoria, o segurado necessita ter sessenta anos de idade, quando homem, e cinquenta e seis anos de idade, quando mulher, além de trinta e cinco anos de contribuição131;

b) aposentadoria por incapacidade total: esta aposentadoria é configurada pela incapacidade total e permanente do segurado, de forma que este receberá o valor correspondente a sessenta e cinco por cento da média das contribuições dos últimos dez ou vinte anos, dependendo do caso132;

c) aposentadoria por idade avançada: neste caso, é necessário o requisito de setenta anos de idade cumulado com quinze anos de serviço efetivo, sem necessariamente ter tido contribuição por todo o período133;

d) remuneração transitória em decorrência de incapacidade parcial: é um benefício em que o trabalhador, em decorrência de uma enfermidade, torna-se temporariamente impossibilidade de voltar ao trabalho134;

e) pensão de sobrevivência: a figura deste benefício é muito semelhante ao do benefício de pensão por morte concedida em solo brasileiro, onde os dependentes do segurado têm direito a receber determinada quantia visando sua subsistência135;

Percebe-se que o sistema previdenciário presente no Uruguai é em muitos aspectos diferentes do aplicado no Brasil, todavia, nota-se que os benefícios em muito se assemelham com os brasileiros.

2.8.4 Venezuela

A previdência social venezuelana, através da entidade gestora do Instituto Venezoelano de los Seguros Sociales (IVSS), fundada em 1944, possui cobertura para diversos riscos sociais, tais como maternidade, acidentes e invalidez136.

Assim, conforme o Decreto n. 6.266/08, a previdência social presente no país latino possui um sistema contributivo e somente é obrigatório em determinados casos, e está sob a responsabilidade do Ministério del poder Popular para el Trabajo y Seguridad Social. O mencionado decreto prevê ainda diversos casos de cobertura da previdência, como incapacidade parcial e velhice.

Atualmente, o governo venezuelano busca, através de diversas ações, aumentar a cobertura da previdência social aos mais necessitados, isto é, que possuem uma renda inferior ao salário mínimo, pessoas com deficiências físicas e adolescentes grávidas137.

Visto os sistemas previdenciários aplicados nos países do bloco, passaremos a analisar a aplicação do Acordo Multilateral da Seguridade Social do MERCOSUL aos imigrantes das nações do bloco residentes no Brasil.

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Sobre o autor
João Pedro Fahrion Nüske

Acadêmico do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÜSKE, João Pedro Fahrion. A previdência social aos imigrantes do Mercosul residentes no Brasil em decorrência do acordo multilateral de seguridade social do bloco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3962, 7 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28039. Acesso em: 24 abr. 2024.

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