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Por que não regulamentar a terceirização?

10/05/2014 às 15:15
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É preciso encarar o fato de que a terceirização de serviços é prática consolidada no mercado de trabalho. O número de trabalhadores terceirizados só aumenta e a indefinição legal da matéria tem suscitado um crescente número de demandas judiciais.

A regulamentação da contratação de mão de obra terceirizada vem sendo debatida no Congresso Nacional há mais de 15 anos. De lá para cá, foram inúmeras as audiências públicas realizadas no Congresso Nacional sobre o tema, uma inclusive no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, as quais contaram com a participação de entidades sindicais dos trabalhadores e do setor produtivo. Também foram ouvidos representantes do Poder Judiciário, do Poder Executivo e da sociedade civil.

O Projeto de Lei nº 4.330 de 2004 (PL 4.330/2004), com os diversos aprimoramentos promovidos em seu texto, representa o amadurecimento da discussão ao longo desses anos. A proposta, que foi aprovada em duas Comissões da Câmara dos Deputados, em meio a debates acalorados, aguarda, no momento, votação na Comissão de Justiça e no Plenário da Câmara, antes de ser remetida ao exame do Senado.

O que impede a regulamentação da matéria?


Terceirização X Precarização

O principal argumentado divulgado contra a regulamentação da terceirização é levantado pelas centrais sindicais, que afirmam ser a terceirização sinônimo de precarização.

Conforme aludem os defensores do PL 4.330/2004, a regulamentação da matéria tem justamente o objetivo de evitar prejuízo a trabalhadores que prestam serviços de forma terceirizada, além de conferir segurança jurídica a essa nova modalidade de contrato de trabalho, o que, por consequência, melhoraria a competitividade das empresas.

O curioso é que as declarações das partes envolvidas no processo de regulamentação do tema, tanto dos opositores como dos defensores do PL 4.330/2004, limitam-se a discursos vagos e repetitivos, sem explorar o conteúdo da proposta.

Deixando de lado as falações de “precarização do trabalho terceirizado” e de “competitividade das empresas”, uma análise acurada do que propõe o PL 4.330/2004 é, o mínimo, a se fazer antes de se posicionar sobre o tema.


O que propõe o PL 4.330/2004?

O texto original do PL 4.330/2004 já sofreu algumas alterações com a evolução dos debates. A redação que estava pronta para votação na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, em agosto deste ano, e não foi votada por resistência das centrais sindicais, regulamenta a matéria da seguinte forma:

Verbas trabalhistas e saúde e segurança do trabalhador

As verbas trabalhistas e a segurança e saúde do trabalhador terceirizado são asseguradas por duas empresas – a empresa contratante do serviço e a empresa contratada, que presta o serviço especializado. Caso a contratada não cumpra com suas obrigações, quem responde é a contratante. Isso está expresso no artigo 10 da proposta, que estabelece a responsabilidade subsidiária da empresa contratante por garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos empregados da empresa contratada. A contratante também responde subsidiariamente pelo inadimplemento da contratada quanto às obrigações trabalhistas e previdenciárias (artigo 11).

A responsabilidade subsidiária da contratante poderá, ainda, transmudar-se para responsabilidade solidária (a contratante passa a ser a responsável direta) se não cumprir com seu dever de fiscalizar a contratada no cumprimento dessas obrigações (artigo 11).

O trabalhador terceirizado passa a ter, assim, uma espécie de fiador de seus direitos, uma garantia que o empregado comum não tem.

Solidez da empresa contratada

Outro ponto do texto que merece destaque é a fixação de uma série de requisitos para a constituição de uma empresa que presta serviços terceirizados (artigos 3º e 5º). A intenção é impedir que empresas sem saúde financeira se beneficiem dessa modalidade de contrato e depois fechem suas portas, deixando em prejuízo os trabalhadores e a empresa contratante dos serviços.

Entre os requisitos impostos para o funcionamento de uma empresa de serviços terceirizados, destacam-se: (i) a prestação de serviços determinados e específicos; (ii) capital social mínimo compatível com o número de trabalhadores; (iii) 30 dias, da constituição da empresa, para integralização do capital social; (iv) prestação de garantia correspondente a 4% do valor do contrato firmado com a contratante, mediante caução em dinheiro, seguro-garantia ou fiança bancária.

Igualdade de benefícios

O PL 4.330/2004 assegura aos trabalhadores terceirizados os mesmos benefícios garantidos aos empregados da contratante relativos à alimentação oferecida em refeitórios, utilização de serviços de transporte e de atendimento médico ou ambulatorial existentes nas dependências da contratante ou em local por ela designado (artigo 9º).

Vínculo empregatício

Quanto ao vínculo empregatício, o projeto deixa claro que o trabalhador terceirizado é empregado da empresa contratada, podendo se formar o vínculo com a empresa contratante se ficarem configurados os requisitos de subordinação e de pessoalidade na relação entre o trabalhador terceirizado e a contratante (artigo 4º). Ou seja, o vínculo empregatício existe, ao contrário do que afirmam os opositores à proposta. Na terceirização regular, o vínculo de emprego se forma com a empresa contratada. No caso de terceirização irregular ou fraudulenta, o trabalhador será considerado empregado da contratante.

Representatividade sindical

Nos termos do PL 4.330/2004, os trabalhadores terceirizados passam a ser vinculados aos sindicatos profissionais referentes à atividade econômica da empresa contratada (artigo 8º). O projeto de lei estabelece a vinculação da categoria profissional dos trabalhadores terceirizados com a atividade econômica da empresa terceirizada porque o vínculo de emprego se forma entre essas categorias.

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Como não há pessoalidade na relação entre a contratante dos serviços e o trabalhador terceirizado, podendo este ser substituído por outro em suas ausências ou prestar serviços para outra empresa, não há como aplicar as convenções e acordos coletivos de trabalho firmados pela contratante aos trabalhadores da contratada. A eles serão aplicadas as convenções e acordos coletivos firmados com a empresa terceirizada, que é a empregadora a qual estão vinculados.


Por que, então, as centrais sindicais são contrárias à regulamentação da matéria?

A resposta parece estar no último item – representatividade sindical dos trabalhadores. A Lei nº 11.648 de 2008, que tratou do reconhecimento das centrais sindicais, exige – para o exercício de suas atribuições e para o repasse de 10% de toda a contribuição sindical compulsória recolhida dos trabalhadores – que as entidades comprovem filiação mínima de sindicatos distribuídos nas cinco regiões do país, envolvendo, pelo menos, cinco setores de atividade econômica, e os sindicatos filiados devem representar, no mínimo, 7% dos empregados sindicalizados em âmbito nacional.

Com a regulamentação da terceirização, haverá um realojamento das categorias profissionais, podendo dispersar a filiação sindical e, por consequência, afetar a representatividade das centrais sindicais. A perda da representatividade das centrais acarreta a perda de receita, pois o repasse da parcela da contribuição sindical está atrelado ao número de empregados sindicalizados e de sindicatos filiados.

Dessa forma, o dispositivo do PL 4.330/2004 sobre a representatividade sindical dos trabalhadores terceirizados, ao que tudo indica, parece ser o verdadeiro motivo pelo qual as centrais sindicais se opõem, veementemente, à regulamentação da terceirização.


Conclusão

A sociedade e os trabalhadores precisam ser esclarecidos sobre as garantias trazidas pelo PL 4.330/2004 e sobre as motivações das partes envolvidas no processo de regulamentação da matéria. Não é aceitável que entidades, que se consagraram após décadas de luta em defesa dos direitos, da saúde e da segurança dos trabalhadores, primem pelo interesse econômico próprio, em detrimento da proteção legal de milhões de seus representados.

Afora isso, é preciso encarar o fato de que a terceirização de serviços é prática consolidada no mercado de trabalho. O número de trabalhadores terceirizados só aumenta e a indefinição legal da matéria tem suscitado um crescente número de demandas judiciais, visto que a relação contratual é hoje disciplinada unicamente por uma Súmula do Tribunal Superior do Trabalho1.

Permanecer no discurso vazio de que a terceirização é sinônimo de precarização é não enfrentar a indiscutível necessidade de regulamentação dessa nova modalidade de contrato de trabalho, que a exemplo do que ocorreu com o teletrabalho, deve ser disciplinada para acompanhar a evolução e as novas exigências do mercado. A terceirização praticada sem qualquer tipo de regulamentação, esta sim pode, facilmente, desviar-se para uma precarização das relações de trabalho.


Notas

1 Súmula 331: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).   

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).  

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.   

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.   

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.   

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

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Sobre a autora
Jomara Cadó Bessa

Advogada, especialista em Direito Público e em Direito Material e Processual do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BESSA, Jomara Cadó. Por que não regulamentar a terceirização?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3965, 10 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28105. Acesso em: 23 abr. 2024.

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