INTRODUÇÃO
Cuida o presente trabalho em examinar a (in) constitucionalidade da Lei Federal nº 9494/97, que disciplina sobre a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública.
Há posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais favoráveis à aplicação de modo restritivo desta norma, porém, divergem desta posição aqueles que acreditam ser esta Lei um meio de excluir da apreciação do poder judiciário a lesão ou ameaça a direito, conforme esculpido no Artigo 5º, inciso XXXV, da carta magna.
Ao fim, será apresentada a solução mais viável para os casos concretos, à luz da Constituição Federal e do Código de Processo Civil.
2 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL Nº 9494/97
2.1 Tutela Antecipada
Preconiza o Artigo 273, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2012), e seus incisos, que:
“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convençam da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
Para que possa ser deferida, de maneira total ou parcial, a Tutela Antecipada diz que havendo uma prova inequívoca, ela deve ser convincente quanto à verossimilhança de sua alegação juntamente com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, e também nos casos de abuso de direito de defesa ou quando houver de modo expresso, o propósito protelatório do réu.
Alexandre Freitas Câmara (CAMARA, 2010) assim define a Tutela Antecipada:
“... a tutela antecipada é espécie de tutela jurisdicional satisfativa, prestada – em regra – no bojo do módulo processual de conhecimento (independendo, assim, de processo autônomo para sua concessão), e que se concede com base em juízo de probabilidade (razão pela qual foi considerada como espécie de tutela jurisdicional sumária).”
Leonardo José Carneiro da Cunha (CUNHA, 2008), registra que:
"Questiona-se se esses provimentos de urgência podem ser concedidos contra o Poder Público. Muito se discutiu sobre a admissibilidade da antecipação de tutela em ações propostas contra a Fazenda Pública, havendo quem se posicionasse contrário ao seu cabimento [nessa corrente o autor cita Antônio Raphael Silva Salvador e José Joaquim Calmon de Passos], sustentando não ser compatível a antecipação da tutela com a regra do reexame necessário (CPC, art. 475), nem com a sistemática do precatório (CF, art. 100). É que, se a sentença não produz efeitos enquanto não confirmada pelo tribunal, a tutela antecipada, a fortiori, não poderia ser concedida, senão depois de reexaminada pela instância superior. Ademais, as ordens de pagamento devem submeter-se, forçosamente, à disciplina dos precatórios, sendo questionável se a parte autora deva efetivamente obter, de logo, o valor respectivo.
Após acirradas discussões, chegou-se a um consenso: não se sujeitam ao reexame necessário as decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública. Como bem lembrado por Renato Luís Benucci, no processo de mandado de segurança há reexame necessário e, nem por isso, está vedada a concessão da liminar. De igual modo, a simples existência do reexame necessário não é fator necessário e suficiente para impedir a concessão de provimentos antecipatórios contra a Fazenda Pública."
Entretanto, conforme se verá adiante, o objetivo aqui é examinar a constitucionalidade, ou não, da norma infraconstitucional, qual seja a Lei Federal nº 9494/97, nas Ações ora propostas contra a Fazenda Pública, vez que elas restringem, de modo taxativo, as possibilidades da concessão da tutela de urgência.
2.2 A Tutela Antecipada nas Ações propostas contra a Fazenda Pública
Sobre as restrições que incidem sobre a tutela antecipada, cabe asseverar que o Supremo Tribunal Federal, através da Súmula nº 262[1], e a Lei nº 2770/56[2], trataram pela primeira vez sobre o descabimento de medida possessória liminar, nos casos de liberação alfandegária de automóvel.
Em seguida, através do Artigo 5º da Lei nº 4348/64, revogada pela Lei nº 12016/09[3], que trata do Mandado de Segurança, cujo assunto é tratado agora pelo §2º do Artigo 7º, estabeleceu que não fosse possível conceder-se medida liminar que buscasse, através de mandado de segurança, aumentar ou estender vantagens, tal como a reclassificação ou equiparação de servidores públicos.
Em seguida, mais precisamente no ano de 1992, durante o governo Collor, foi editada a Lei nº 8437/92[4], que traz em seu Artigo 1º a seguinte informação:
“Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
§ 1° Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.
§ 2° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e de ação civil pública.
§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.”
E, por fim, com o objetivo de regulamentar a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, foi editada a Lei nº 9494/97[5], cujo Artigo 1º diz:
“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992”.
Diante da leitura deste dispositivo, se vê que o Direito Brasileiro, por meio de seu poder legislativo, criou normas que, no mínimo, zera praticamente as possibilidades de êxito perante a Fazenda Pública no que se refere à concessão de tutela antecipada. E, nesse sentido, ao leitor será apresentada as mais diversas posições adotadas pela doutrina e jurisprudência sobre as vedações impostas pela Lei nº 9494/97.
2.3 A posição doutrinária e jurisprudencial sobre a Lei nº 9494/97
A referida Lei foi objeto de uma (ADC) Ação Direta de Constitucionalidade nº4[6], ora ajuizada perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal pela Presidência da República, pela Mesa do Senado e da Câmara dos Deputados, vez que juízes federais de primeira instância, dos estados do Distrito Federal, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Alagoas e Sergipe estavam deferindo a tutela antecipada contra o ente público.
Noutro giro, o Partido Liberal ingressou com a (ADI) Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1576[7], em face da MP nº 1570/97, posteriormente transformada na Lei nº 9494/97, por entender que havia a interferência do Poder Executivo sobre decisões do Poder Judiciário, afrontando o que prevê o Artigo 2º, da Constituição Federal, que diz: “Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (BRASIL, 1988).
Todavia, ocorre que o E. STF deferiu em parte a medida liminar para suspender até a decisão final os efeitos do art. 2º da MP nº 1570/1997, mas, por não aditar a inicial, a ADI restou prejudicado, negando-se seguimento a ela e os efeitos liminares vieram a perder sua eficácia. Neste diapasão, ante a ineficácia da liminar ora revogada, a MP nº 1570/1997 foi convertida na lei 9494/1997, presumindo-se a constitucionalidade da lei que regula a tutela antecipada contra Fazenda Pública.
A partir daí, juízes federais da 1ª e 4ª Região, ao passo que entendiam pela inconstitucionalidade da norma, estabeleceu sob pena de multa ou configuração de responsabilidade criminal a incorporação imediata ao pagamento do servidor, sendo assegurado de forma imediata.
Entretanto, por meio de pedido formulado pela Presidência da República na ADC nº 4, a Corte Suprema decidiu por suspender até o final do julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre a tutela antecipada contra Fazenda Pública, que tenha em seu âmago a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do art. 1º da lei nº. 9494/1997, e ainda suspendendo os efeitos futuros das decisões antecipatórias, cuja decisão final foi prolatada em 10 de setembro de 2008 e julgou procedente a ação declaratória pelo Min. Relator Sidney Sanches[8] nos seguintes termos:
“Está igualmente atendido o requisito do “periculum in mora”, em face da alta conveniência da Administração Pública, pressionada por liminares que determinam incorporação imediata, de acréscimos de vencimentos, nas folhas de pagamento de grandes números de servidores e até o de pagamento imediato da diferença por atraso. E tudo sem precatório e sob as ameaças noticiadas na inicial e demonstradas com os documentos que o instruem.”(BRASIL, 1998)
Todavia, com base nos ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara (CÂMARA, 2010), não se pode “compatibilizar a restrição genérica ao cabimento de tutela antecipada contra a Fazenda Pública sem com isso violar-se a garantia constitucional de inafastabilidade da tutela jurisdicional.”
Não obstante, corroboram de seu entendimento Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (MARINOMI; MITIDIERO, 2008) que assim se posicionam:
“A norma do art. 5º, XXXV, CRFB, ao contrário das normas constitucionais anteriores que garantiam o direito de ação, afirmou que a lei, além de não poder excluir lesão, será proibida de excluir “ameaça de lesão” da apreciação jurisdicional. O objetivo do art. 5º, XXXV, CRFB, neste particular, foi deixar expresso que o direito de ação deve poder propiciar a tutela inibitória e ter a sua disposição técnicas processuais capazes de permitir a antecipação da tutela. [...]
Uma lei que proíbe a aferição dos pressupostos necessários à concessão de liminar obviamente nega ao juiz a possibilidade de utilizar instrumentos imprescindíveis ao adequado exercício do seu poder. E, ao mesmo tempo, viola o direito fundamental à viabilidade da obtenção da efetiva tutela do direito material.”
Entretanto, José Joaquim Calmon de Passos (PASSOS, 2006) diverge deste posicionamento e se mostra favorável a aplicação restrita da norma. Vejamos:
“Sempre sustentei que a garantia constitucional disciplinada no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito) diz respeito, apenas, à tutela definitiva, aquela que se institui com a decisão transitada em julgado, sendo a execução provisória e a antecipação da tutela problemas de política processual, que o legislador pode conceder ou negar, sem que isso incida em inconstitucionalidade. Vetar liminares neste ou naquele processo jamais pode importar inconstitucionalidade, pois configura interferência no patrimônio ou na liberdade dos indivíduos, com preterição, mesmo que em parte, das garantias do devido processo legal, de base também constitucional. Daí sempre ter sustentado que a liminar, na cautelar, ou antecipação liminar da tutela em qualquer processo, não é direito das partes constitucionalmente assegurado.
[...]
Assim, nada impedirá, amanhã, que disposições especiais de lei eliminem ou restrinjam a antecipação da tutela em algum tipo de procedimento ou quando em jogo certos interesses.”
O Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Moreira Alves, adotou esta linha em seu voto na ADIN-MC nº 223[9]:
“O proibir-se, em certos casos, por interesse público, a antecipação provisória da satisfação do direito material lesado ou ameaçado não exclui, evidentemente, da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça ao direito, pois ela se obtém normalmente na satisfação definitiva que é proporcionada pela ação principal, que, esta sim, não pode ser vedada para privar-se o lesado ou ameaçado de socorrer-se do Poder Judiciário.”
Teori Albino Zavascki (ZAVASCKI, 2008), neste diapasão, afirma que os direitos e deveres dos litigantes em “determinadas circunstâncias e sob certas condições, podem vir a sofrer restrição, seja pelo juiz que os aplica, seja pelo legislador que regulamente o seu exercício”.
Nota-se que a doutrina não uniformizou sua posição sobre o assunto, entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir pela constitucionalidade do Artigo 1º da Lei nº 9494/97, aplica taxativamente a norma[10]. Veja-se:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. AFRONTA AO DECIDIDO NA ADC 4/DF, REL. MIN. SYDNEY SANCHES. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL. AGRAVO DESPROVIDO. I - Cinco são as hipóteses para o indeferimento da antecipação de tutela no caso em comento: (a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento, total ou parcial, do objeto da ação, desde que refira-se, exclusivamente, a qualquer das matérias acima referidas II - O caso concreto não guarda pertinência com qualquer das hipóteses aventadas, razão pela qual nego provimento ao agravo regimental. III - Agravo desprovido”(grifo nosso)[11]
“SERVIDOR PÚBLICO. Cargo. Concurso público. Candidato aprovado. Nomeação e posse. Antecipação de tutela contra a Fazenda Pública para estes fins. Admissibilidade. Pagamento consequente de vencimentos. Irrelevância. Efeito secundário da decisão. Inaplicabilidade do acórdão da ADC nº 4. Reclamação indeferida liminarmente. Agravo improvido. Precedentes. Não ofende a autoridade do acórdão proferido na ADC nº 4, a decisão que, a título de antecipação de tutela, assegura a candidato aprovado em concurso a nomeação e posse em cargo público”(grifo nosso)[12].
O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade, proposta pelo Presidente da República e pelas Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, para declarar a constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.494/97[13].
Entendeu-se, tendo em vista a jurisprudência do STF no sentido da admissibilidade de leis restritivas ao poder geral de cautela do juiz, desde que fundadas no critério da razoabilidade, que a referida norma não viola o princípio do livre acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).
O Min. Menezes Direito, acompanhando o relator, acrescentou aos seus fundamentos que a tutela antecipada é criação legal, que poderia ter vindo ao mundo jurídico com mais exigências do que veio, ou até mesmo poderia ser revogada pelo legislador ordinário.
Asseverou que seria uma contradição afirmar que o instituto criado pela lei oriunda do poder legislativo competente não pudesse ser revogada, substituída ou modificada, haja vista que isto estaria na raiz das sociedades democráticas, não sendo admissível trocar as competências distribuídas pela CF.
Considerou que o Supremo tem o dever maior de interpretar a Constituição, cabendo-lhe dizer se uma lei votada pelo Parlamento está ou não em conformidade com o texto magno, sendo imperativo que, para isso, encontre a viabilidade constitucional de assim proceder.
Concluiu que, no caso, o fato de o Congresso Nacional votar lei, impondo condições para o deferimento da tutela antecipada, instituto processual nascido do processo legislativo, não cria qualquer limitação ao direito do magistrado enquanto manifestação do poder do Estado, presente que as limitações guardam consonância com o sistema positivo.
Frisou que os limites para concessão de antecipação da tutela criados pela lei sob exame não discrepam da disciplina positiva que impõe o duplo grau obrigatório de jurisdição nas sentenças contra a União, os Estados e os Municípios, bem assim as respectivas autarquias e fundações de direito público, alcançando até mesmo os embargos do devedor julgados procedentes, no todo ou em parte, contra a Fazenda Pública, não se podendo dizer que tal regra seja inconstitucional.[14]
Os Ministros Ricardo Lewandowski[15], Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes incorporaram aos seus votos os adendos do Min. Menezes Direito.
Vencido o Min. Março Aurélio, que, reputando ausente o requisito de urgência na medida provisória da qual originou a Lei 9.494/97, julgava o pedido improcedente, e declarava a inconstitucionalidade formal do dispositivo mencionado, por julgar que o vício na medida provisória contaminaria a lei de conversão.
Noutro passo, a jurisprudência, no particular, acaba por admitir a tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Observe-se:
“Processo civil e tributário. Tutela antecipatória. Direitos patrimoniais. Concessão: possibilidade. Inteligência do art. 273 do CPC. Recurso não conhecido.
I – A tutela antecipatória prevista no art. 273 do CPC pode ser concedida em casos envolvendo direitos patrimoniais ou não patrimoniais, pois o aludido dispositivo não restringiu o alcance do novel instituto, pelo que é vedado ao interprete fazê-lo. Nada obsta, por outro lado, que a tutela antecipatória seja concedida nas ações movidas contra as pessoas jurídicas de direito público interno.
II – A exigência da irreversibilidade inserta no §2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina.
III – Recurso especial não conhecido. ”[16]
O STJ posiciona-se de modo mais comedido, ao entender que esta restrição deve observar o estado de necessidade da pessoa, não abrangendo qualquer medida antecipatória ora pleiteada. Corrobora deste raciocínio a Ex Ministra do STJ, Garcia Vieira[17]:
“Lei n° 9.494/97 (artigo 1º) deve ser interpretada de forma restritiva, não cabendo sua aplicação em hipótese especialíssima, na qual resta caracterizado o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, sendo de se impor a antecipação da tutela, no caso, para garantir ao apelado o tratamento necessário à sua sobrevivência. Decisão consonante com precedentes jurisprudenciais do STJ.”
Portanto, após apresentadas as mais diversas posições doutrinárias e jurisprudenciais, ao leitor será mostrado que mesmo com a posição restritiva adotada pelo Supremo Tribunal Federal, qualquer meio que impossibilite a concessão de Tutela Antecipada contra a Fazenda Pública deve ser considerado inconstitucional, ainda que seja feito por lei.
2.4 Razões/Motivos para se declarar inconstitucional a Lei nº 9494/97
Estabelece a Lei nº 9494/97, através do Artigo 1º:
“Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992”[18].
Há aqueles que se coadunam com a vedação absoluta da concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, ao fundamento de que as sentenças contrárias à Fazenda ficam sujeitas a reexame, conforme preleciona o Artigo 475, do CPC.
Entretanto, nada obsta que no processo de mandado de segurança, por exemplo, sejam concedidas liminares, ainda que se tenha previsão de reexame necessário, afinal, se discute um direito líquido e certo.
A posição ora adotada por Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade (NERY; ANDRADE, 2003) vai de encontro com o fim a ser alcançado pela Tutela Antecipada, e retrata, de modo claro e simples que, a ela não se aplica o instituto do Reexame Necessário ora previsto no Artigo 475, do CPC, e pode ser concedida a tutela antecipada contra Fazenda Pública, desde que consagrados os limites impostos pela Constituição Federal, no tocante a execução do ente público (art. 100 da CF).
Sobre o reexame necessário, previsto no art. 475 do CPC, não se aplica à tutela antecipada, pois trata-se de decisão interlocutória, provisória e revogável, pois o mencionado artigo é somente aplicável a sentença e não a liminares.
Posiciona Francesco Conte (CONTE, 1995), que tanto o art. 475 do CPC é inviável para conceder a tutela antecipada, como também o art. 100 da Carta Magna, tendo em vista que o provimento antecipatório não produzirá seus efeitos antes de confirmada pelo Tribunal e, no que preceitua o regime de precatórios, nas obrigações de pagar a quantia certa, o particular ficaria prejudicado, vez que é necessária uma sentença definitiva, o que inexiste no caso da antecipação de tutela, observando-se ainda que os bens públicos sejam impenhoráveis.
Diante desta constatação, é necessário invocar a inconstitucionalidade provocada pela Lei nº 9494/97, ao restringir a concessão de tutela antecipada, até porque a Constituição Federal assegura ao cidadão o direito à tutela jurisdicional nos casos em que há ameaça a seu direito.
A inafastabilidade do controle jurisdicional, esculpida pelo Artigo 5º, inciso XXXV, da carta magna, é o direito do cidadão em ter acesso ao Poder Judiciário quando se sentir ameaçado no seu direito. Logo, é dever do Estado prestar o seu papel de assegurar a efetividade ao direito material.
O leitor precisa compreender que normas com o condão de proibir indiscriminadamente a concessão de tutela antecipada são inconstitucionais, afinal, é medida excepcional que visa assegurar, de modo antecipado, o direito da pessoa que necessita de solução imediata no seu caso.
Conforme bem destaca Nelson Nery Junior citado por Alexandre de Moraes (apud NERY JR; MORAES, 2007), “podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação.”
Portanto, é possível constatar que a Lei nº9494/97 impossibilita ao cidadão que seja analisada as circunstâncias do seu direito antecipatório, qual seja demonstrar a prova inequívoca onde fique constatada a verossimilhança das alegações, estando esta emparelhada com qualquer uma das circunstâncias previstas nos incisos I e II do Artigo 273, do CPC. Pode-se concluir, portanto, com base no que dispõe o Artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que esta norma não pode impedir o Judiciário de tutelar o direito lesado ou ameaçado que se busca proteger.
Vejamos, a título de exemplo, o impedimento para a concessão de medida liminar para quem busca aumentar ou estender vantagens, tal como a reclassificação ou equiparação de servidores públicos.
Preconiza o Artigo 7º, §2º, da Lei nº12. 016/09 sobre Mandado de Segurança, que:
“Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
§ 2o Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.”
Ora, o Mandado de Segurança visa proteger um direito líquido e certo onde se inadmite pensar que é natural a restrição do dispositivo supra, até porque o §8º do Artigo 40 (BRASIL, 1988), da Constituição Federal, assegura ao servidor o reajuste do benefício, senão vejamos:
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
[...]
8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.”
Determinadas situações fáticas não admitem esperar pela utilização da cognição plena e exauriente que prevê o §6º do Artigo 273, do CPC, típica do procedimento comum, porquanto requerem uma tutela sumária urgente, no menor lapso temporal possível. E no caso, o reajustamento pode ser feito perfeitamente por meio de tutela antecipatória, pois, pode ficar demonstrado na forma do Artigo 273, do CPC que o benefício previdenciário possui caráter alimentar, e em muitos casos a quantia ora recebida pode ser considerada como insuficiente até mesmo nos casos em que a pessoa seja dependente de medicamentos e possua idade avançada.
E, com base nestas alegações, foi que a Justiça Federal de São Paulo, a juíza Federal Taís Bargas Ferracini de Campos Gurgel, da 4ª vara cível Federal de São Paulo concedeu liminar atendendo a pleito conjunto da OAB-SP, AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) e IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), que ajuizaram Ação Coletiva com pedido de antecipação urgente de tutela contra o IPESP (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo) para que este órgão promovesse o reajuste das contribuições e dos benefícios concedidos aos segurados e dependentes da Carteira de Previdência dos advogados de São Paulo.
Extrai-se do julgado que:
“ (...) há perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação, diante do caráter alimentar dos benefícios em questão, por ser a maior parte de poucos salários-mínimos e os beneficiários ou dependentes de avançada ou tenra idade, ou ainda acometidos por doenças graves, além do aumento da inflação observado ultimamente, em especial nos preços de itens de primeira necessidade, como os alimentos.”[19]
Veja-se que a questão abrange não apenas a questão processual, mas o atendimento aos pressupostos para a concessão da tutela antecipada assegurando um direito constitucional, qual seja, o de reajustar o seu benefício que se vincula a uma necessidade básica, qual seja a do direito fundamental à saúde.
E foi nesse sentido, da necessidade de se proteger um direito fundamental a saúde, que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 902.473[20], de Relatoria do Min. Teori Albino Zavascki, decisão publicada no DJE dia 16.8.2007, decidiu pela proteção do direito à saúde em face do interesse financeiro estatal. Vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. POSSIBILIDADE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. PRECEDENTES. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, §3º E 461, §5º). BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. CONFLITO ENTRE A URGÊNCIA NO TRATAMENTO E O SISTEMA DE PAGAMENTO DAS CONDENAÇÕES JUDICIAIS PELA FAZENDA. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”
Ao proferir esta decisão, há de se observar o estado de necessidade, prevalecendo o direito do cidadão sobre o interesse financeiro do Estado, e principalmente que naturalmente pode o Estado exercer o seu contraditório e a ampla defesa, mesmo que ao final tenha perdido a Ação.
A tutela antecipada, independentemente de ser concedida pelo juiz, não obsta o regular prosseguimento do processo até o seu julgamento, ou seja, a qualquer momento poderá ser modificada ou revogada. Assim como as partes são obrigadas a preencher os requisitos necessários para a antecipação dos efeitos, o juiz, obrigatoriamente, tem que decidir de forma motivada e convincente os motivos que levaram a deferir ou a indeferir o pleito.
Desta forma, quando o juiz analisar e antecipar a tutela, deverá indicar o seu convencimento de maneira clara e precisa, e o cumprimento da decisão, de acordo com a sua natureza, deverá observar o disposto nos seguintes Artigos do Código de Processo Civil: 461, §§4º e 5º, 461-A e 475-J.
Portanto, diante do que foi exposto, pode-se dizer que mesmo o nobre magistrado venha a indeferir o pedido de tutela antecipada, parece-nos mais justo e racional que se faça de modo motivado e fundamentado, considerando a prova inequívoca a verossimilhança da alegação juntamente com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, e também nos casos de abuso de direito de defesa ou quando houver de modo expresso, o propósito protelatório do réu, se for o caso.
Não pode o legislador excluir do Poder Judiciário o direito de apreciar a lesão ou ameaça de lesão, até porque a análise de um caso, em regra, deve se fazer de modo isolado, principalmente quando se trata de tutela antecipada, uma medida de urgência e caráter excepcional.