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Da (im)possibilidade de concessão de tutela antecipada nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento

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4 DA (IM)POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO

 Parece evidente que as garantias com que a se cerca a Lei 8.245/91 para permitir a antecipação de tutela não têm mais sentido no direito atual. O regime francamente mais simples do CPC (arts. 273 e 461) merece ser aplicado também ao regime do despejo, não havendo o que justifique sua exclusão (MARINONI, 2012).

E complementa ao dispor o festejado jurista (MARINONI,2012) que outros interesses bem menos nobres do locador podem ser tutelados noutras vias ordinárias que admitem antecipação de tutela, o que se diria da ação de despejo? Assim, para o referido doutrinador, não há se oferecer tratamento menos adequado a estas ações.

Por isso, parece que a inserção, no regime geral do CPC (de antecipação de tutela) merece ser aplicado à ação de despejo.

A medida cautelar tem a sua necessidade justificada pela possibilidade de ocorrerem situações em que a ordem jurídica se vê posta em perigo iminente, de tal sorte que o emprego de outras formas de atividade jurisdicional provavelmente não se mostraria eficaz, seja para impedir a consumação da ofensa, seja mesmo para repará-la de modo satisfatório.

O poder geral de acautelamento[4] é inerente ao exercício da função jurisdicional e tem por fonte a soberania popular expressa na Constituição Federal de 1988, a proclamar o direito fundamental de acesso à jurisdição e o princípio da separação dos Poderes da República.

O poder cautelar do juiz, nos casos que lhe são submetidos a julgamento, é indicado nas normas de patamar inferior à Lei Maior, mas por elas não pode ser suprimido ou limitado, em atenção ao princípio da supremacia da Constituição.

Ainda que não prevista a antecipação de tutela expressamente na Lei nº 8.245/91, que regula o inquilinato urbano, tal providência é perfeitamente cabível nas ações locatícias, como assentaram os precedentes do Superior Tribunal de Justiça e o entendimento da doutrina.

Vale dizer que os casos enumerados no art. 59, § 1º, da Lei de Locações a concessão de antecipação de tutela não sujeitar-se-á aos requisitos gerais previstos no art. 273 do CPC (MARINONI, 2012).

Ora, primeiramente, percebe-se claramente a confusão em que o festejado doutrinador incorre, pois ora dispõe quanto a liminar, ora quanto à tutela antecipada.

Em segundo lugar, com a devida vênia, há de se discordar quanto ao entendimento esposado pelo mesmo, porquanto, consoante exposta alhures, o locatário e seus fiadores possuem o direito potestativo para elidir o despejo mediante a purga da mora (art. 62, da Lei 8.245/91), ainda que a ação não seja cumulada à cobrança, permanecendo no imóvel locado.

Assim, em tese, não se deve admitir antecipação dos efeitos da tutela numa ação de despejo por falta de pagamento, principalmente se do contrato de locação constar quaisquer das garantias previstas no art. 37 da Lei de Locações (caução, fiança, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento), não se admitindo, mais de uma modalidade no mesmo contrato (p. único, do citado art. 37).

Quanto ao tema, o posicionamento do Eg. Tribunal de Justiça corrobora ao entendimento de que não há possibilidade de se conceder antecipação de tutela exatamente em virtude da possibilidade de realizar-se a purga da mora, senão vejamos:

“AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. TUTELA ANTECIPADA – IMPOSSIBILIDADE.

Em ação de despejo por falta de pagamento, não há como, em antecipação de tutela, determinar o despejo do imóvel, pois isto implicaria em impedir o inquilino e seus fiadores de exercer o seu direito de purgar a mora, evitando, por consequência, a rescisão da locação.

(AI nº 1.0313.13.010.500-7/001. Relator: Des. Newton Teixeira Carvalho. Dt. Julg.: 05.09.2013. Dt. Pub.: 13.09.2013)

(sem destaque no original)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DESPEJO – TUTELA ANTECIPADA  - INAPLICABILIDADE - LEI 8245/91, ART. 59, § 1º - REQUISITOS - INEXISTÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. Embora a figura prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, em tese, possa ser aplicada a todo processo de conhecimento, deve-se considerar que a Lei do Inquilinato é especial e, como tal, deve ser tratada. somente deve ser deferida a liminar para desocupação do imóvel objeto da ação de despejo por falta de pagamento quando o locador cumprir os requisitos do artigo 59, § 1º, da Lei 8.245/91. Não prestada caução no valor equivalente a três meses de aluguel, não há como ser mantida a liminar de desocupação.”

(AI nº 1.0024.09.761.390-5/001. Relator: Des. José Affonso da Costa Côrtes. Dt. Julg.: 24.05.2012. Dt. Pub.: 31.05.2012)

(sem destaque no original)

Entretanto, há divergência no próprio Tribunal:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO. TUTELA ANTECIPADA. ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REQUISITOS AUSENTES. INDEFERIMENTO. DECISÃO MANTIDA.

I – A tutela antecipada é possível em qualquer ação, inclusive na de despejo.

II - Para o deferimento da tutela antecipada, revela-se imperiosa a existência de prova inequívoca, suficiente para convencer o magistrado da verossimilhança das alegações apresentadas, bem como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Ausente os requisitos, o indeferimento do pedido é medida que se impõe.”

(AI nº 1.0027.12.023.503-4/001. Relator: Des. Alberto Henrique. Dt. Julg.: 27.02.2014. Dt. Pub.: 12.03.2014)

              

“AGRAVO DE INSTRUMENTO –AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO  - IMÓVEL RESIDENCIAL - LIMINAR DEDESPEJO CONTRATO DE LOCAÇÃO COM GARANTIA –IMPOSSIBILIDADE - ANÁLISE DO PEDIDO DE DESPEJO COMO ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - POSSIBILIDADE - PRESENTE A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES DA PARTE AUTORA ALIADA AO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO - RECURSO PROVIDO.

- Para que seja concedida a liminar de despejo nas ações que têm por fundamento a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, é imprescindível que o contrato não possua qualquer das garantias previstas no art. 37 dessa lei, e, lado outro, deverá ser prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, pelo locador

- Devido à existência de uma das garantias previstas no citado art. 37 da Lei das Locações, não é possível a concessão da liminar de despejo

- Segundo orientação jurisprudencial do STJ, é possível deferir a antecipação de tutela em ação de despejo, ainda que não se trate das hipóteses previstas no artigo 59, § 1º, da Lei nº 8.245/91

- Para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, mister se faz que estejam demonstrados os pressupostos elencados no art. 273, do CPC, quais sejam: verossimilhança das alegações da parte autora, fundada em prova inequívoca, aliada ao receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou à caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu - Se presente a verossimilhança das alegações da parte autora aliada ao receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o deferimento do despejo como antecipação de tutela é medida que se impõe.”

(AI nº 1.0024.12.167.729-8/001. Relator: Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira. Dt. Julg.: 21.11.2013. Dt. Pub.: 03.12.2013)

Ressalte-se que a faculdade de purgar a mora poderá ser utilizada uma vez a cada 24 (vinte e quatro) meses.

Assim, há se falar que se o autor de uma ação de despejo por falta de pagamento comprovar que o locatário ou seus fiadores utilizaram-se deste instituto jurídico neste interregno, há a possibilidade de se pleitear a concessão de antecipação de tutela, porquanto, não haverá possibilidade de se elidir o despejo, devendo, por certo, ser concedida a medida antecipatória.

Ora, embora simples, a questão gera inúmeras controvérsias, pois, como demonstrado, há posicionamentos divergentes, inclusive nos próprios Tribunais, devendo ser analisado caso a caso, sob pena de se incorrer em um dos piores males que possa advir no meio jurídico, qual seja, a injustiça.

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REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 168p.

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BRASIL. Lei nº 12.112/09. Altera a Lei no 8.245, de 18 de outubro de 1991, para aperfeiçoar as regras e procedimentos sobre locação de imóvel urbano. In: ANGHER, Anne Joyce. Vade mecum universitário de direito RIDEEL. 14. ed. São Paulo. RIDEEL, 2012. p.1389-1390.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 268 STJ. “O fiador que não ingressou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado” Imprensa Nacional, 22/05/2002 - DJ 29.05.2002

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BERMUDES, Sérgio. A reforma do código de processo civil. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 40º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. 806 p.


Notas

[1] De acordo com Nelson Nery Júnior:"Tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito é providência que tem natureza jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução lato sensu, com o objetivo de entregar ao autor, ou ao réu, nas ações dúplices ou na reconvenção, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento (NERY JÚNIOR, 2006)

[2] “A tutela cautelar não se confunde com a tutela antecipatória. A primeira visa garantir a eficácia do provimento jurisdicional a ser proferido no processo principal, sem implicar satisfatividade; a segunda tem por escopo adiantar o provimento final objeto do processo principal, apreciando-se initio litis o mérito do pedido e antecipando seus efeitos. Verifica-se assim que, enquanto a primeira tem caráter assecuratório a segunda é de cunho exauriente, embora reversível...”(BRASIL, 2003).

[3] Súmula nº 268 / STJ: “o fiador que não ingressou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado”.

[4] "Há um poder geral de acautelamento inerente ao próprio exercício da função jurisdicional e nenhum juiz deve proferir uma sentença ou ser compelido a fazê-lo ciente de que esta não deva produzir seus efeitos, ou dificilmente venha a produzi-los. Daí esse poder acautelador e geral, que é inerente ao próprio exercício da função, um dos tipos fundamentais de tutela jurídica, como a execução, como o processo de conhecimento" (THEODORO JÚNIOR, 2006)

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Sobre os autores
Andre Vicente Leite de Freitas

Advogado em MG. Professor da Universidade Católica de Minas Gerais ( PUCMINAS). Professor de Direito em curso de Graduação e Pós Graduação. Prof. de Graduação em Sistemas de Informação. Relator da Comissão de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/MG); Pós-graduado lato sensu em Direito Processual pela Universidade Gama Filho - UGF; Mestre em Direitos Humanos, Processos de Integração e Constitucionalização do Direito Internacional pela Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Andre Vicente Leite ; PAIVA, Guilherme Rebello. Da (im)possibilidade de concessão de tutela antecipada nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3997, 11 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28190. Acesso em: 28 mar. 2024.

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