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O papel do Direito na proteção das minorias

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O presente artigo trata sobre o tema das mazelas sociais que oprimem os grupos hipossuficientes, analisando as consequências sociais desses abusos, bem como a atuação do Direito na solução dessas questões.

Introdução

A opressão a grupos étnicos ou hipossuficientes é uma mazela social que há muito tempo tem existência, em outras épocas de uma forma indiscriminada e latente, hoje mais sutilmente e, muitas vezes, de forma disfarçada. Negros, índios e judeus foram mortos aos milhões, sem falar nos grupos não etnicamente considerados, que sofrem - seja pela agressão direta ou pelo trauma de agressões cometidas tanto no passado como nos dias de hoje contra seus semelhantes - por causa da não aceitação, irracional, e por isso injusta, de um grupo mais poderoso em conviver com outro diferente ou economicamente mais fraco.

Essa agressão, ou até mesmo o trauma deixado por ela, acaba por gerar uma insatisfação nas pessoas que fazem parte ou se identificam com aquele grupo agredido, e até mesmo nos terceiros, expectadores dos abusos cometidos, o que torna tenso o meio social. Tal sentimento de injustiça é um fator anti-social bem como fonte de sofrimento e infelicidade que precisa ser debeleda, conforme idéia de Cintra & Grinover & Dinamarco (2006, p. 26). Tal crise não se resolve somente com o passar do tempo, mas com medidas concretas, capazes de sanar tais atos irracionais e reestabelecer a tranquilidade.

Nesse contexto, o Direito surge como um meio de solucionar os conflitos sociais quando bem aplicado, sendo considerado o mais importante e eficaz, segundo Cintra & Grinover & Dinamarco (2006, p. 25). Ele pode ser definido como uma ciência que objetiva a pacificação social e que, para tanto, utiliza outras ciências como auxílio no intuito de tornar mais eficaz e eficiente tanto o conhecimento das causas dos problemas sociais quanto a solução desses.

Nesse processo de pacificação podem ser observados diversos instrumentos a serviço do Direito: as leis, que determinam como devem ser conduzidas as relações na sociedade, dizendo quais são os direitos e inibindo os atos ilícitos por meio da sanção; a jurisdição, por meio do processo judicial, que soluciona os casos concretos; as soluções extra-judiciais, ou seja, a própria sociedade resolvendo suas insatisfações sem violência, desde que de forma reconhecida pelo Direito; e a fiscalização por parte do Estado, que força a precaução nos particulares e no próprio Estado em não criar situações de risco à paz social.

Além disso, conforme a Constituição Federal, todos são iguais perante a lei. Dessa forma, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da igualdade substancial que ordena um tratamento entre os particulares e entre esses e o Estado de uma maneira que as desigualdades sejam efetivamente suprimidas, ditando ainda tal princípio que os desiguais devem ser tratados desigualmente na medida em que se desigualam.

Assim, todos merecem a proteção do Estado e o respeito a um tratamento diferenciado perante os particulares quando houver razoável necessidade, o que permite a adoção de medidas protetivas especiais para as pessoas que sofrem a constante discriminação por causa de sua cultura, etnia, cor ou credo.

Todavia, por mais que exista uma norma estabelecendo uma conduta, uma cominação de pena para o que a infringir, um órgão estatal que julgue e já tenha julgado diversos casos em que houve a determinação do cumprimento de penas, a sanção pela sociedade por meio de uma recriminação e rejeição à pessoa do infrator, e a consciência por parte de todos que os atos ilícitos correm grande possibilidade de serem descobertos, ainda assim as ilicitudes se repetem excessivamente, em especial as ditas excludentes das minorias.

Sendo assim, há uma falha na aplicação do Direito ou existem casos que fogem ao alcance dessa ciência (quer dizer: o Direito não se destina a resolver todos os problemas socias)? Ora, é da definição da própria ciência jurídica e é unânime entre o meio científico que o Direito é a ciência que tem como objetivo o de estabelecer e manter a paz social, seja lá qual for o probelma e quem o sofre. Dessa forma, há uma falha na operação do Direito quando, insistentemente, um mal se repete no seio de uma sociedade.

Havendo essa falha, mesmo com a utilização de todos aqueles instrumentos de pacificação social, o que tem o Direito a fazer? Talvez utilizar tais instrumentos de outras formas, principalmente quando o problema é cultural e deve ser resolvido por meio de uma revolução no modo de pensar das pessoas.

No contexto das minorias sociais, vê-se frequentemente, e é sensível a todos, a ocorrência de abusos cometidos a grupos sociais hipossuficientes no Brasil, ainda nos dias de hoje e com a vigência de leis específicas, consideradas excelentes por muitos juristas inclusive.

Da identificação das minorias

Minoria pode ser considerada como aquele grupo economicamente mais fraco, identificado por meio de uma característica de qualquer natureza (física, cultural, econômica) em comum entre seus indivíduos.

O poder econômico é relevantemente considerado nesse contexto devido ao fato desse ser preponderante na prática do abuso social, ou seja, um grupo de menor poder fica, na prática, incapacitado de ter seus anseios atendidos.

Então, por mais que um grupo venha a ser numericamente maior, ele pode ser tratado como minoria, em dois sentidos: de forma prática pela sociedade e pelo Direito..

Nesse aspecto, os homossexuais, em muitos casos, podem se enquadrar como minoria quando são discriminados, sofrem violência e assim são prejudicados, apesar de se tratar de uma opção sexual e de não ter ligação direta com o sucesso profissional ou econômico, direta porque as discriminações acabam por afetar as oportunidades e o percurso social natural das pessoas ofendidas.

Diante dos fatos, o que se percebe no Brasil, com maior veemência, é a discriminação contra afrodescendentes e índios.

Em geral, a violência social contra esses grupos toma contornos essencialmente econômicos, quer dizer, as características físicas ou a cultura, consideradas como fator de discriminação em um primeiro plano, são meros meios de identificação e de imposição.

Portanto, pouco importa se um abuso é tratado como racismo, homofobia, xenofobia, etc, pois qualquer um merece ter seus direitos e garantias fundamentais protegidos, o que se torna ainda mais relevante quando se trata de uma coletividade.

Ademais, é relevante observar que o simples fato de ser hipossuficiente já requer um tratamento especial pelo Estado, pelas leis, pela justiça, enfim, pelo Direito, que defenda a vida livre e justa das pessoas assim encontradas antes mesmo da ocorrência de atos danosos, pois o relacionamento entre os particulares demonstra que o mais fraco é sempre lesionado pelo o que detém maior poder.

Das formas de opressão e das consequências delas

À guisa de exemplo, tem-se a aculturação como resultado do relacionamento indiscriminado perante as minorias, a qual pode ser entendida como o processo de contato entre grupos tribais e sociedades civilizadas, estando esse processo hoje numa fase pós-inicial (são raros os grupos absolutamente isolados), e que pode chegar ao caso extremo de desaparecimento de uma cultura, conforme Marconi & Presotto (1986, p.36).

Mais do que isso, em alguns casos, pode ocorrer o genocídio, que é um delito distinto do homicídio, como bem destacado por Maia (2003, p. 63), e que pode ser cometido sem que haja homicídio (impedimento de reprodução e desenvolvimetno do grupo), merecendo justificadamente um tratamento diferenciado, uma vez que tem natureza diferenciada, notadamente uma agressão à humanidade.

O que se percebe atualmente é uma discriminação sutil, porém não menos grave, na maneira de exclusão daqueles economicamente menos favorecidos. Não há controvérsia sobre a magnitude dos danos causados contra os índios e os negros durante o período colonial, mas ainda hoje não só eles como outros grupos continuam sofrendo as mazelas da exclusão social de uma forma menos explícita do que a de antes porém de sérias consequências.

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Hoje a mídia, a sociedade civil organizada, as ONGs, e até mesmo as leis combatem e educam sobre o racismo e a discriminação, dessa forma, cria-se um conceito generalizado de que tais formas de exclusão além de ilícitas são imorais, todavia, contraditoriamente, esse conceito não reside no íntimo da maioria das pessoas, que acham injustas ações como a tutela dos indígenas pelo Estado, a promoção social dos afrodescendentes por meio de atos também estatais como a cota em universidades públicas, dentre outros.

Dessa forma, o índio, o pobre e o afrodescendente vão à universidade mas não recebem o mesmo tratamento e, portanto, as mesmas oportunidades dadas aos mais favorecidos socialmente. Eles vão aos restaurantes e ouvem qualquer desculpa sobre não poderem entrar devido às suas roupas, e assim por diante em diversas situações de uma vida em sociedade.

As consequências desse destrato social se refletem não apenas no plano moral ou material dos indivíduos vítimas da injustiça social, mas no patrimônio humano em geral.

Da solução eficaz

Conforme esclarece Maia (2003, p. 69), está amplamente arraigada uma cultura de ignorância aos valores das minorias em nossa sociedade, a qual subsiste em grupos de variadas classes e desde os particulares até os detentores dos mais elevados cargos públicos.

Dessa forma, é imprescindível uma educação também ampla, para a sociedade em geral, e abrangente sobre o tema, v.g. a história dos povos, as culturas, os valores, os abusos históricos, a realidade atual, etc.

Tal educação também se dá por meio de atos estatais de órgãos de função atípica, ou seja, de órgãos cuja função não é a de educar precipuamente. Como por exemplo: as ações afirmativas, as próprias leis, ou atos do Poder Judiciário por meio do processo, que tem, além do jurídico, um escopo social e político, quer dizer, o de educar a sociedade por meio da forma em que se procede e dos resultados das ações judiciais (ensinando como e de quem são os direitos), bem como o de permitir a participação do povo nos destinos da nação (CINTRA & GRINOVER & DINAMARCO, 2006).

Assim, a falha perceptível que ora ocorre na solução desses conflitos se tornaria, pelo menos, mais apta a ser sanada, uma vez que normas e medidas impostas não têm a mesma eficácia quando esclarecidas para aqueles sobre os quais incidem.

Considerações finais

O mundo saiu recentemente de uma fase ideológica em que se primava o individualismo e o positivismo para outra atual em que se evidenciam valores superiores a todo um ordenamento jurídico, valores esses que se respeitados não deixam margem à prática de abusos sob o pretexto de vontades pessoais e a maquiagem da falta de culpa dos responsáveis.

REFERÊNCIAS

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006.

MAIA, Luciano Mariz; ROCHA, Carmem Lucia Antunes. A proteção das minorias no direito brasileiro. Seminário Internacional: as minorias e o direito, CJF, 2003. (Série Cadernos do CEJ; v. 24). Artigo 3. Disponível em: www.cjf.jus.br/revista/seriecadernos/vol24/artigo03.pdf Acesso em: 10/01/2011.

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 1ª edição. 2ª tiragem. São Paulo: Atlas, 1986.

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Sobre os autores
Guilherme Nunes

Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Bahia – UNEB – Campus VIII – Paulo Afonso.

Naire Leandro Tenório de Oliveira Júnior

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Estadual da Bahia – UNEB – Campus VIII – Paulo Afonso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Guilherme ; OLIVEIRA, Naire Leandro Tenório Júnior. O papel do Direito na proteção das minorias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3996, 10 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28289. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Artigo cientifico elaborado para ser apresentado à Professora Cleonice, como requisito parcial de avaliação da disciplina de Antropologia Jurídica do III período do curso de Direito – UNEB – Paulo Afonso – BA.

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