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“The right to be let alone”: considerações sobre o direito ao esquecimento

15/06/2014 às 13:40
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O direito ao esquecimento também é chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”. Nos Estados Unidos, o direito ao esquecimento é conhecido como “the right to be let alone” e está relacionado intimamente ao direito à privacidade.

Inicialmente, cumpre destacar que o direito ao esquecimento é o direito que um determinado indivíduo possui de não permitir que um fato, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos. Além disso, é oportuno mencionar que o direito ao esquecimento também é chamado de “direito de ser deixado em paz” ou o “direito de estar só”. Nos Estados Unidos, o direito ao esquecimento é conhecido como “the right to be let alone” e está relacionado intimamente ao direito à privacidade “right to privacy”.  [1], [2]

Não há a menor dúvida que o direito ao esquecimento é um dos temas mais intrigantes da atualidade, pois envolve o debate sobre os limites do direito à informação, liberdades de imprensa e expressão, em face dos direitos constitucionais relacionados à privacidade, honra e personalidade (art. 5º da CF/88). O direito ao esquecimento voltou a ser tema de inegável importância em razão da rede mundial de computadores. Isso porque as informações e imagens armazenadas na internet tendem a se perpetuar para sempre.[3]

Nos Estados Unidos, por exemplo, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa possuem uma dimensão poucas vezes vista em outros países, o que pode ser identificado nos casos New York Times v. Sullivan (permissão de publicação de quaisquer manifestações, até informações inverídicas), New York Times v. United States (a liberdade de imprensa não pode ser restringida com a alegação genérica de defesa da segurança nacional) e Miami Herald Publishing v. Tornillo (o direito de resposta é inconstitucional).[4], [5]

No que tange ao direito ao esquecimento, é interessante mencionar o caso Lebach ocorrido na Alemanha. O caso teve início no ano de 1969, quando houve homicídios de soldados alemães na cidade de Lebach/ Alemanha. Após o processo, um dos condenados cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa especial sobre o crime no qual seriam mostradas fotos dos condenados e a insinuação de que eram homossexuais. Diante disso, o condenado ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do programa (evitar o dano). Posteriormente, o caso chegou ao conhecimento do Tribunal Constitucional Alemão. Discutia-se, em síntese, se deveria prevalecer a liberdade de imprensa ou a proteção constitucional do direito de personalidade e privacidade. [6]

Ao decidir o mérito do caso Lebach, o Tribunal Constitucional Alemão asseverou que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada. Dessa maneira, firmou-se o entendimento de que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer, nesse caso, em relação à liberdade de informação e a liberdade de imprensa. Assim, decidiu-se que a divulgação da reportagem iria causar grandes prejuízos ao condenado e a emissora foi proibida de exibir o documentário.[7]

No Brasil, há de se ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça tem se deparado com situações que envolvem o direito ao esquecimento. Por exemplo, no julgamento do RESP 1.335.153-RJ, o famoso caso AIDA CURI, firmou-se o seguinte entendimento: [8]

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.

1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.

2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958.

Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas passadas.

3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ), as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim desejarem -, direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram.

4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado - deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido.

5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi.

6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera.

Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos.

7. Não fosse por isso, o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar. Em matéria de responsabilidade civil, a violação de direitos encontra-se na seara da ilicitude, cuja existência não dispensa também a ocorrência de dano, com nexo causal, para chegar-se, finalmente, ao dever de indenizar. No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um "direito ao esquecimento", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes.

8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.

9. Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ. As instâncias ordinárias reconheceram que a imagem da falecida não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa. Ademais, segundo a moldura fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os próprios recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem da falecida, com os contornos que tem dado a jurisprudência para franquear a via da indenização.

10. Recurso especial não provido.

Além disso, o STJ, no julgamento do RE no Recurso Especial nº 1.334.097-RJ, no caso que envolveu a Chacina da Candelária, o STJ firmou outro importante precedente relacionado ao direito ao esquecimento: [9]

1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou

rejeição de ponto situado no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.

2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado.

3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva, porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que desafia soluções de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a soberania dos Estados-nações.

4. Um dos danos colaterais da "modernidade líquida" tem sido a progressiva eliminação da "divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do 'privado' e do 'público' no que se refere à vida humana", de modo que, na atual sociedade da hiperinformação, parecem evidentes os "riscos terminais à privacidade e à autonomia individual, emanados da ampla abertura da arena pública aos interesses privados [e também o inverso], e sua gradual mas incessante transformação numa espécie de teatro de variedades dedicado à diversão ligeira" (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 111-113). Diante dessas preocupantes constatações, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos direitos revisitados.

5. Há um estreito e indissolúvel vínculo entre a liberdade de imprensa e todo e qualquer Estado de Direito que pretenda se autoafirmar como Democrático. Uma imprensa livre galvaniza contínua e diariamente os pilares da democracia, que, em boa verdade, é projeto para sempre inacabado e que nunca atingirá um ápice de otimização a partir do qual nada se terá a agregar. Esse processo interminável, do qual não se pode descurar - nem o povo, nem as instituições democráticas -, encontra na imprensa livre um vital combustível para sua sobrevivência, e bem por isso que a mínima cogitação em torno de alguma limitação da imprensa traz naturalmente consigo reminiscências de um passado sombrio de descontinuidade democrática.

6. Não obstante o cenário de perseguição e tolhimento pelo qual passou a imprensa brasileira em décadas pretéritas, e a par de sua inegável virtude histórica, a mídia do século XXI deve fincar a legitimação de sua liberdade em valores atuais, próprios e decorrentes diretamente da importância e nobreza da atividade. Os antigos fantasmas da liberdade de imprensa, embora deles não se possa esquecer jamais, atualmente, não autorizam a atuação informativa desprendida de regras e princípios a todos impostos.

7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores.

8. Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, § 1º, art. 221 e no § 3º do art. 222 da Carta de 1988, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de a informação livre de censura ter sido inserida no seleto grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, inciso IX), a Constituição Federal mostrou sua vocação antropocêntrica no momento em que gravou, já na porta de entrada (art. 1º, inciso III), a dignidade da pessoa humana como - mais que um direito - um fundamento da República, uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriormente reconhecidos.

Exegese dos arts. 11, 20 e 21 do Código Civil de 2002. Aplicação da filosofia kantiana, base da teoria da dignidade da pessoa humana, segundo a qual o ser humano tem um valor em si que supera o das "coisas humanas".

9. Não há dúvida de que a história da sociedade é patrimônio imaterial do povo e nela se inserem os mais variados acontecimentos e personagens capazes de revelar, para o futuro, os traços políticos, sociais ou culturais de determinada época. Todavia, a historicidade da notícia jornalística, em se tratando de jornalismo policial, há de ser vista com cautela. Há, de fato, crimes históricos e criminosos famosos; mas também há crimes e criminosos que se tornaram artificialmente históricos e famosos, obra da exploração midiática exacerbada e de um populismo penal satisfativo dos prazeres primários das multidões, que simplifica o fenômeno criminal às estigmatizadas figuras do "bandido" vs. "cidadão de bem".

10. É que a historicidade de determinados crimes por vezes é edificada à custa de vários desvios de legalidade, por isso não deve constituir óbice em si intransponível ao reconhecimento de direitos como o vindicado nos presentes autos. Na verdade, a permissão ampla e irrestrita a que um crime e as pessoas nele envolvidas sejam retratados indefinidamente no tempo a pretexto da historicidade do fato pode significar permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já fora cometido no passado. Por isso, nesses casos, o reconhecimento do "direito ao esquecimento" pode significar um corretivo  tardio, mas possível  das vicissitudes do passado, seja de inquéritos policiais ou processos judiciais pirotécnicos e injustos, seja da exploração populista da mídia.

11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal. Não obstante, é imperioso também ressaltar que o interesse público além de ser conceito de significação fluida não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança continuada.

12. Assim como é acolhido no direito estrangeiro, é imperiosa a aplicabilidade do direito ao esquecimento no cenário interno, com base não só na principiologia decorrente dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente do direito positivo infraconstitucional. A assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo Direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, mostrando-se ilícito sim reagitar o que a lei pretende sepultar. Precedentes de direito comparado.

13. Nesse passo, o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por institutos bem conhecidos de todos: prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada, prazo máximo para que o nome de inadimplentes figure em cadastros restritivos de crédito, reabilitação penal e o direito ao sigilo quanto à folha de antecedentes daqueles que já cumpriram pena (art. 93 do Código Penal, art. 748 do Código de Processo Penal e art. 202 da Lei de Execuções Penais). Doutrina e precedentes.

14. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos.

15. Ao crime, por si só, subjaz um natural interesse público, caso contrário nem seria crime, e eventuais violações de direito resolver-se-iam nos domínios da responsabilidade civil. E esse interesse público, que é, em alguma medida, satisfeito pela publicidade do processo penal, finca raízes essencialmente na fiscalização social da resposta estatal que será dada ao fato. Se é assim, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas consumadas irreversivelmente. E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Após essa vida útil da informação seu uso só pode ambicionar, ou um interesse histórico, ou uma pretensão subalterna, estigmatizante, tendente a perpetuar no tempo as misérias humanas.

16. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória que é a conexão do presente com o passado e a esperança que é o vínculo do futuro com o presente, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.

17. Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos - historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável.

18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado com muita razão um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito.

19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado. No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida "vergonha" nacional à parte.

20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante.

21. Recurso especial não provido.

Argumenta, a parte recorrente, além da existência de repercussão geral, ofensa ao art. 5º, IV, V, IX, X e XIV, 220 e 221 da Constituição Federal. Foram apresentadas contrarrazões (fls. 620/631).

Decido. Inicialmente, verifica-se que os arts. 220 e 221 da Constituição Federal não foram devidamente prequestionados. Nessa hipótese, há que incidir os enunciados das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. (...)

Ante o exposto, não admito o recurso extraordinário.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 25 de outubro de 2013.

MINISTRO GILSON DIPP

Vice-Presidente

(Ministro GILSON DIPP, 04/11/2013)”

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Merece, ainda, destaque a correlação entre o direito à memória e o direito ao esquecimento. O direito à memória pode ser conceituado como o direito que possuem os lesados e toda a sociedade brasileira de esclarecer os fatos e as circunstâncias que geraram graves violações de direitos humanos durante o período de ditadura militar, tais como os casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres etc. O direito à memória está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao compromisso da República Federativa do Brasil de assegurar o respeito aos direitos humanos (art. 4º, II, da CF/88 c/c lei 12.528/2011).

Por todo o exposto, entende-se, salvo melhor juízo, que há uma tendência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido do acolhimento do direito ao esquecimento, levando-se em conta, principalmente, que as liberdades de expressão e de imprensa não são direitos ilimitados, encontrando-se restrições nos casos de proteção da intimidade, da dignidade da pessoa humana e dos direitos de privacidade e personalidade. No entanto, o direito ao esquecimento encontra um importante desafio relacionado ao excesso de informações veiculadas e armazenadas indefinidamente pela internet.


NOTAS:

[1] LOPES, Marcelo Frullani. Direito ao esquecimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n 3656, 5 jul. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24865>. Acesso em: 07 mai 2014.

[2] CABRAL, Bruno Fontenele. "Paparazzi": considerações sobre o direito à privacidade das celebridades ("right to privacy") nos Estados Unidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2759, 20 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18312>. Acesso em: 07 maio 2014.

[3] LOPES, Marcelo Frullani. Direito ao esquecimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n 3656, 5 jul. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24865>. Acesso em: 07 mai 2014.

[4] CABRAL, Bruno Fontenele. "Freedom of the press". Precedentes sobre a liberdade de imprensa no direito norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2748, 9 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18230>. Acesso em: 09 mai 2014.

[5] CABRAL, Bruno Fontenele. Freedom of speech. Considerações sobre a liberdade de expressão e de imprensa no direito norte-americano. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2640, 23 set. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17476>. Acesso em: 08 mai 2014.

[6] ROBERTSON, David. The judge as political theorist. Princeton University Press, 2010.

[7] ROBERTSON, David. The judge as political theorist. Princeton University Press, 2010.

[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1335153/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1335153&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#>. Acesso em: 09 mai 2014.

[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RE no Resp 1334097. Rel. Ministro Gilson Dipp. Quarta Turma. Julgado em 04/11/2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=1334097&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO#DOC2>. Acesso em: 09 mai 2014.

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Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. “The right to be let alone”: considerações sobre o direito ao esquecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4001, 15 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28362. Acesso em: 22 nov. 2024.

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