CONCLUSÃO
Conforme demonstrado, apesar da farta legislação internacional e brasileira tratando da proteção a criança e ao adolescente e proibindo o trabalho infantil, assim considerado aquele prestado por menores de 14 anos, sem a respectiva autorização judicial, há no país um contingente considerável de pessoas que estão à margem da fiscalização e, portanto, privadas de direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e dos direitos à seguridade social, notadamente os previdenciários.
A norma criada com caráter protetivo tem servido como fundamento para o indeferimento do reconhecimento do tempo trabalhado na infância fora dos limites legais estabelecidos, privando ou postergando indevidamente a concessão de benefícios previdenciários.
O INSS, autarquia previdenciária criada por lei com a finalidade de prestar o serviço público de seguridade social tem se valido das limitações impostas na lei e em atos administrativos para indeferir os pedidos de reconhecimento do tempo de serviço prestados na infância, sob a alegação de que se estaria reconhecendo e legitimando uma ilegalidade, sem amparo legal.
Ao nosso pensar, tal posição administrativa não se sustenta ante a um cotejo com as normas internacionais e com uma análise doutrinária acerca do tema. A doutrina, acertadamente a nosso ver, considera que as normas que limitaram a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho tem caráter protetivo da pessoa humana e não podem servir de fundamento para o indeferimento de benefícios previdenciários ou outros direitos sociais fundamentais, sob pena de se estar legitimando a dupla punição do beneficiário. A primeira pela privação da infância em razão do exercício do trabalho infantil, muitas vezes como única forma de manter o sustento do grupo familiar. A segunda, deixando de se reconhecer o trabalho efetivamente exercido pelo segurado que ingressou no mercado precocemente por falta de alternativa para o grupo familiar.
Entendemos, conforme também se demonstrou com o presente trabalho, que a jurisprudência tem corrigido sistemática e reiteradamente essa falha no posicionamento administrativo da autarquia previdenciária determinando o reconhecimento do tempo laborado na infância, de acordo com a legislação em vigor à época da prestação do serviço, e determinando expressamente que os órgãos de seguridade social reconheçam o caráter protetivo da norma, abstendo-se de utilizá-la como fundamento para o indeferimento de direitos sociais a duras penas conquistados pela sociedade brasileira.
Ainda assim, esperamos é que não haja essa dicotomia de posicionamento nos poderes do Estado. Que o cidadão que ingressou precocemente no mercado de trabalho possa ter seus direitos reconhecidos diretamente no Executivo, sem a necessidade de recorrer ao Judiciário para fazer valer um direito que há muito está reconhecido no plano internacional.
Entendemos que o caráter protetivo da norma é incontestável. No plano internacional com fundamento na Resolução nº 182 e na Recomendação nº 190, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada pelo Brasil através do Decreto nº 3.597, de 12 de setembro de 2000. No plano interno, pelas disposições contidas na CR/88, na Lei º 8.069/90, na CLT, na Lei nº 8.212/91 e na Lei nº 8.213/90 e na própria natureza jurídica da filiação e ou inscrição previdenciária que reconhece o exercício da atividade econômica que enquadre o cidadão como segurado obrigatório do RGPS, como fonte de direitos previdenciários.
Não há justificativa sustentável juridicamente para a negativa, pelo INSS, do reconhecimento do tempo trabalhado na infância e ou adolescência em idade inferior àquela regulamentada pela autarquia. Como demonstrado, a relação entre o Estado brasileiro e o segurado, seja ele de que idade for, é jurídico-tributária e o exercício de atividade laborativa, ainda que a serviço da família ou em prol do grupo familiar, caracteriza-se como fato gerador da obrigação tributária e gera para o sujeito ativo e passivo dessa relação, as consequências jurídicas previstas na lei.
Essa assertiva se comprova quando há flagrância da exploração do trabalho infantil, casos em que os órgãos de fiscalização das normas do trabalho adotam as providências para que o sujeito ativo da relação tributária busque o ressarcimento dos tributos devidos pelo sujeito passivo.
A regra não pode ser outra para aqueles casos onde não há flagrância. Apesar de não localizados pelo Estado, o fato gerador existiu e, por consequência, a obrigação do INSS em reconhecer o tempo laborado na infância e adolescência afigura-se, no nosso entendimento, como direito do cidadão, sendo injustificável a recusa da autarquia em negar tal reconhecimento, obrigando o segurado a recorrer ao Poder Judiciário para ver reparada mais essa injustiça previdenciária lastreada em uma posição administrativa sem amparo constitucional ou legal.
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