O crime de lavagem de dinheiro e o afastamento do sigilo bancário

15/05/2014 às 08:06
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O artigo trata da questão do afastamento do sigilo bancário por Ministério Público e Autoridade Policial nos crimes de lavagem de dinheiro e como a questão é tratada no Brasil.

O Crime de Lavagem de Dinheiro e o Afastamento do Sigilo Bancário

Talytha Ferrari Buonodono

Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário brasileiro transformou em ação judicial, no ano de 2012, 1.763 denúncias contra acusados de corrupção e lavagem de dinheiro e 3.742 procedimentos judiciais relacionados à prática de improbidade administrativa. Neste mesmo ano, a Justiça realizou 1.637 julgamentos, que resultaram na condenação definitiva de 205 réus. Com esses números, a quantidade de processos em tramitação sobre corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade chegou a 25.799, no final de 2012[1].

Os números, levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) junto aos tribunais também mostram que, de 1º janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011, foi declarada a prescrição de 2.918 ações e procedimentos penais relativos a tais ilegalidades.

Diante dos números, o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), avaliou de forma desfavorável as ações do Brasil para o combate a esses crimes, especialmente em decorrência da falta de estatísticas processuais.

O quadro atual, relativo ao crime de lavagem de dinheiro, mostra que o trânsito em julgado tem demorado muitos anos. Há diversos processos iniciados, tais como aqueles que envolveram investigações contra doleiros, instituições financeiras, funcionários públicos e outros que ainda tramitam no Poder Judiciário, sem qualquer perspectiva de terem uma decisão final. Como exemplo, tem-se o processo envolvendo pessoas ligadas ao Banco Santos, o qual iniciou no ano de 2005 e até hoje está tramitando sem perspectiva de decisão final.

A demora é prejudicial para a cooperação jurídica internacional, especialmente quando envolve o bloqueio de bens no exterior. Os países demandados (aqueles em que os recursos foram bloqueados a pedido de autoridades brasileiras) pedem uma decisão transitada em julgado para repatriar ao Brasil o dinheiro. Em muitas oportunidades, esses países demandados, percebendo a inércia do processo no Brasil, determinam o desbloqueio dos recursos.

Os números não parecem satisfatórios, e demonstram que o Judiciário não tem enfrentado o problema com a prioridade exigida, já que é elevado o número de processos prescritos. Desta forma, não estão sendo eficazes os procedimentos adotados pelo Brasil, não havendo o comprometimento necessário, exigido pelas recomendações internacionais.

É evidente os prejuízos devastadores causados pelo crime de lavagem de dinheiro. O crime em questão, pode resultar em instabilidade, perda do controle e distorção econômica, tornando mais difícil a implementação das políticas econômicas dos Estados. Dentre eles podem ser listados quatro fatores[2]:

a) Risco à integridade e à reputação do sistema financeiro: problemas de liquidez e de corrida aos bancos podem ocorrer quando grandes somas de dinheiro ‘lavado’ chegam às instituições financeiras ou delas rapidamente desaparecem. Em realidade, a lavagem de dinheiro pode provocar a quebra de bancos ou de outras instituições, além de crises financeiras;

b) Distorções econômicas: em geral, quem 'lava' dinheiro não visa, primordialmente, ao lucro. Quando realiza algum investimento, seu interesse é o de proteger os rendimentos da atividade criminosa e disfarçar sua origem ilícita. Por isso, os fundos podem ser colocados em atividades ineficientes, o que prejudica o crescimento da economia como um todo;

c) Diminuição dos recursos governamentais: a normal fonte de recursos governamentais é a arrecadação de impostos - a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal estão intimamente relacionadas, embora seus processos são diferentes;

d) Repercussões socioeconômicas: se não for satisfatoriamente enfrentada, a lavagem de dinheiro possibilita o crescimento do crime em geral, o que traz maiores problemas sociais e aumenta os custos implícitos e explícitos do sistema penal como um todo (abrangendo, inclusive, os órgãos de polícia e de segurança pública).

Em face ao prejuízo, torna-se necessário a adoção de medidas que asseguram um efetivo combate aos inúmeros prejuízos causados. A legislação brasileira deve apresentar não só normatização, mas também eficácia em seus mecanismos normatizados.

Ninguém está sujeito a sofrer constrição ou limitações em seus direitos, salvo se estas forem indispensáveis para a satisfação do interesse público. Este interesse, pois, deve ser cabalmente demonstrado e motivado.

Alguns doutrinadores defendem ainda que o afastamento o sigilo bancário só pode ser realizado mediante autorização judicial, argumentando que se fosse feito por qualquer autoridade, seja Receita Federal, Ministério Público, autoridade policial, estaria ferindo os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.

Os direitos constitucionais assegurados não são absolutos, devendo ceder diante do interesse público, social e da Justiça Porém essa flexibilização deve ser feita na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade.

Com relação a inafastabilidade da jurisdição, o fato do sigilo bancário ser afastado pelo Ministério Público e autoridades policiais nos crimes de lavagem de dinheiro não implica violação de qualquer direito ou garantia individual, pois qualquer violação aos limites legalmente impostos às requisições do Parquet ou autoridade policial, ou a qualquer abuso verificado na utilização das informações bancárias recebidas, poderá e deverá ser sempre controlado pelo Poder Judiciário, mediante provocação do interessado, como dispõe o artigo 5º,inciso XXXV, da Constituição Federal.

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Ainda, entre as garantias que compõe o devido processo legal estão o contraditório e ampla defesa, que pressupõe regras previamente definidas. Em particular ao afastamento do sigilo bancário e fiscal, o contraditório e ampla defesa inegavelmente estão inseridos na regulamentação da Lei Complementar 105/2001, uma vez que o art. 4º §2º do Decreto nº 3.724/01 estabelece que a Requisição de informações sobre Movimentação Financeira - RMF será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre a movimentação financeira, termo em que se constará a motivação da expedição.

Desta forma, pode-se perfeitamente aplicar a redução proporcional aos princípios constitucionais do sigilo de dados e da vida privada, em face do interesse público, possibilitando meios de flexibilização do sigilo bancário no curso da investigação criminal. Facilitaria assim a investigação, aumentando a possibilidade de chegar-se ao lavador e aos ativos ilícitos bem como seria mais célere o oferecimento da denúncia e a instauração do devido processo penal.

Com relação à investigação criminal o art. 17-B da Lei 9.613/1998, incluído pela lei 12683/2012, conferiu ao Ministério Público e à autoridade policial a atribuição para requisição direta, sem intermediação judicial, de dados cadastrais do investigado mantidos em bases da Justiça Eleitoral, companhias telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartões de crédito.  Obviamente, não deve ser confundido com o afastamento do sigilo bancário, mas demonstra uma tendência de facilitação da investigação no crime de lavagem de dinheiro.

A questão da flexibilização do sigilo bancário, e seu afastamento por órgãos como Ministério Público e autoridades policiais, contribuiria não só com os crimes cometidos em território nacional, mas também com os crimes extraterritoriais, que cresce diante das facilidades atuais, e se torna uma preocupação mundial.

REFERÊNCIAS:

BARBEITAS, ANDRÉ TERRIGNO. O sigilo bancário : e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003.

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro. Brasília: CJF, 2002.

BARROS, MARCO ANTONIO DE. Lavagem de dinheiro: e obrigações civis correlatas com comentários, artigo por artigo à lei 9613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3 ed. 2012.

CERVINI, Raúl; TERRA DE OLIVEIRA, William; GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/24270-justica-condena-205-por-corrupcao-lavagem-e-improbidade-em-2012. Acesso em 27.03.2014 Às 16:48. 

Ministério Público Federal. Disponível em http://gtld.pgr.mpf.mp.br/lavagem-de-dinheiro/danos/ Acesso em 26.03.2014 às 20:59 


[1] CNJ. Disponivel em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/24270-justica-condena-205-por-corrupcao-lavagem-e-improbidade-em-2012. Acesso em 27.03.2014 Às 16:48. 

[2] Ministério Público Federal. Disponível em http://gtld.pgr.mpf.mp.br/lavagem-de-dinheiro/danos/ Acesso em 26.03.2014 às 20:59  

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