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Publicidade no regime diferenciado de contratação.

O orçamento sigiloso

16/07/2014 às 10:10
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A criação de um regime diferenciado das licitações e contratações públicas relacionadas à Copa do Mundo em 2014 e aos Jogos Olímpicos em 2016 suscita o debate no tema da possibilidade constitucional de mitigação do princípio de publicidade.

A Carta Magna de 1988 estampa em vários dispositivos a venustidade do princípio da publicidade, seja como vetor da atuação da administração pública ou direito fundamental do cidadão.

No texto constitucional, observa-se que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (art. 5º, XIV)? “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (XXIII)?

E ainda: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas”, o “direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” e “a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal” (XXXIV)? “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (LX).

Todavia a Constituição Federal restringiu o alcance da publicidade se chocar com a defesa da intimidade ou do interesse social, nas hipóteses de atos processuais e, quanto às informações prestadas pelo Poder Público, em situações “cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Ressalta-se na legislação infraconstitucional a lei 12.527/11, que também estabelece restrições de acesso à informação.

Após breve explanação a respeito da publicidade no ordenamento constitucional e infraconstitucional, passaremos a análise da observância deste princípio na Lei 12.462/11.


1.1 O ORÇAMENTO SIGILOSO

O artigo 6° da Lei 12.462/11 traz a baila uma polêmica: o orçamento sigiloso. O mencionado artigo explica que o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público somente e de imediato após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das informações necessárias para a elaboração das propostas, observado que se não constar do instrumento convocatório, a informação para elaboração das propostas possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.

Conclui-se que orçamento não será divulgado no trâmite da licitação. Há uma brecha para a vedação se a divulgação do orçamento ocorrer juntamente com o edital de abertura do certame, não sendo este caso apenas os órgãos de controle externo e interno terão acesso até o fim do procedimento licitatório.

Os juristas Benjamin Zymler e Laureano C. Dios[1]ao debaterem sobre a Lei do RDC controvertem sobre a obrigatoriedade do orçamento ser sigiloso:

Em princípio, a obrigatoriedade de sigilo do orçamento seria questionável. Melhor seria que, como na modalidade pregão, coubesse ao gestor levar em conta as peculiaridades de cada contratação para definir como ocorreria a divulgação do orçamento. Entretanto, as inconveniências dessa obrigatoriedade ficam mitigadas, senão eliminadas, ao se verificar que o gestor sempre pode substituir o critério do menor preço pelo de maior desconto. Isso porque, abstraindo a questão do orçamento, esses dois métodos somente diferem na forma de apresentação das propostas. Um explicita o valor em termos absolutos e o outro em porcentual sobre o valor orçado.

Não tornar público o orçamento evita que as propostas/lances girem em torno do orçamento fixado pela Administração. O sigilo será eficaz se existirem lances fechados, tendo em vista que sem os limites dos outros licitantes e do orçamento da Administração, o competidor deve, já nessa etapa, ofertar um preço efetivamente competitivo e delimitado de sua capacidade de executar o ajuste com uma lucratividade adequada. Se assim não proceder, esse competidor poderá ser desclassificado sem chance de fazer outra proposta mais competitiva, consoante os critérios que regem a apresentação de lances fechados. Dessa forma, expande-se a competitividade do certame a partir de melhores propostas para a Administração[2].


1.2 A COLISÃO COM O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E COM A LEI 8.666/93.

A polêmica do orçamento sigiloso tem por fundamento a colisão com o princípio da publicidade e com preceitos da Lei 8.666/93.

Antes de partir para a análise hipotética de violação ao princípio da publicidade, cumpre observar que os princípios constitucionais não são absolutos. Se houver confronto entre eles, será aplicado o juízo de ponderação, em que o intérprete verificará no caso concreto o princípio preponderante.

Não haverá anulação de um princípio em face de outro, o que ocorre é uma concessão mútua com a preservação da importância de cada um. Entretanto, um princípio terá peso maior que o outro.

Nesse sentido, Benjamin Zymler e Laureano C. Dios expõem que:

Em relação à eventual violação do princípio da publicidade rememoramos o entendimento de que nenhum princípio constitucional é absoluto, de forma que na hipótese de eventual antagonismo entre dois princípios — no caso o da publicidade em contraposição aos da eficiência e/ou da economicidade —, deve-se buscar harmonizá-los.

As principais razões do princípio da publicidade estariam atendidas, pois, como explanado, o controle social permaneceria hígido e seria garantida a transparência do procedimento licitatório. Nesse contexto de ponderação de princípios, entende-se estar justificada a ausência temporária da divulgação do orçamento, pois amparada no princípio da busca da melhor proposta pela Administração. Ademais, pouco ou nada estaria afetado o princípio da publicidade, pois, ao final, o orçamento será divulgado. De se destacar que a própria Lei nº 8.666/93, no art. 43, §1º, mitiga o princípio da publicidade em seu procedimento ao estabelecer o caráter sigiloso das propostas até sua divulgação pela comissão de licitação.

Dessa forma, a norma que exige o sigilo no orçamento, embora toque no principio da publicidade, encontra arrimo no princípio da busca da melhor proposta pela Administração. Este princípio é o que prepondera na aplicação da Lei 12.462/11, uma vez que a própria Lei de Licitações menciona a possibilidade de mitigação do princípio da publicidade nas contratações públicas.

Outro aparente conflito que borbulha a discussão sobre orçamento sigiloso do RDC, é teor dos artigos 3°, § 3°, artigo 40 § 2°, II e artigo 44, §1°, da lei 8.666/93. Referidos artigos estabelecem que a  licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, com exceção ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura; que o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários deve ser  anexo do edital, dele sendo parte.

E ainda, que é vedado lançar mão de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente ferir o princípio da igualdade entre os licitantes.

Para estudiosos sobre o tema, como Renato Monteiro de Rezende[3], o artigo 6° da Lei do RDC apresenta inconstitucionalidade formal, tendo em vista que peca na inobservância, pela legislação especial, de normas gerais expedidas no exercício de competência constitucionalmente fixada para tanto.

A presidente Dilma Roussef pronunciou-se à imprensa para minimizar a polêmica, alegando que houve "má interpretação" sobre o sigilo dos orçamentos, haja vista ser uma prática para consecução do menor preço para as obras. De acordo com a Chefa do Poder Executivo, o sistema de ocultar o orçamento é empregado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pela União Européia no intuito de impedir que o licitante, que oferta, eleve os preços e forme cartel.

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Afirmar que o sigilo do orçamento irá, definitivamente, impedir a formação de cartel, é dubitativo. Isto porque, a corrupção encontra frestas imperceptíveis aos olhos da Lei, seja pela contaminação de um servidor público ou pela criatividade de licitantes mal intencionados.

Depara-se também com a urgência na realização dos procedimentos. A pressa para atender os restringidos prazos podem induzir o agente estatal a alterar orçamentos já elaborados, após a inauguração da licitação, se não houver proposta menor que o valor máximo estipulado.

O estudioso sobre o tema Renato Monteiro de Rezende[5]indicou soluções para a problemática:

(A solução) seria, como preconizado pela OCDE, manter uma via do orçamento, lacrada, sob custódia de uma autoridade pública não vinculada ao órgão ou ente promotor da licitação (o Tribunal de Contas, por exemplo). Outra alternativa seria tornar público o orçamento após a entrega das propostas, mas antes da abertura dos invólucros que as contêm. De qualquer modo, a simples previsão de acesso irrestrito aos dados do orçamento pelos órgãos de controle interno e externo já constitui um mecanismo importante para mitigar os riscos de práticas como a anteriormente descrita. 


1.3 OUTRAS MITIGAÇÕES AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ENCONTRADAS NA LEI DO RDC 

O legislador delineou duas hipóteses em que a publicidade de atos administrativos é atenuada. O embasamento para tais hipóteses é questionado por alguns estudiosos do tema.

A mitigação encontra-se no artigo 15 da Lei nº 12.462/11. O primeiro parágrafo, inciso I, deste artigo, aduz que o conhecimento público dos procedimentos licitatórios e de pré-qualificação será através de publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, sem descarte da possibilidade de publicação de extrato em jornal diário de circulação considerável.

O segundo parágrafo explicita ainda que no caso de licitações cujo valor não ultrapasse R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para obras ou R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para bens e serviços, inclusive de engenharia, a publicação em Diário Oficial é dispensada.

Na opinião de Roberto Dias e João Paulo Ferreira[6], minimizar o princípio da publicidade nas licitações sob regime diferenciado não é plausível, nem está plenamente justificado na Lei do RDC, tendo em vista que a publicidade é um direito fundamental:

 Ora, a publicidade dos atos administrativos não se revela como uma faculdade ou mero adorno, mas condição sine qua non de consolidação do exercício do poder democrático. A prática transparente se relaciona intimamente com a democracia, pois os atos dos Estados democráticos são a expressão daqueles que legitimam seu poder. Dessa forma, tais atos devem orientar-se por normas que possibilitem a constante interação entre povo e Estado, quer seja através da divulgação de informações, prestação de contas ou mesmo da participação direta da população na Administração Pública.

Entretanto, para dirimir a controvérsia invoca-se, novamente, o juízo de ponderação, para um princípio preceder outro. Assim, a balança que avaliará a necessidade da ampla publicidade nas licitações e contratações sob regime diferenciado e a indispensabilidade da eficiência e a economicidade nos mesmos procedimentos, inclinar-se-á para o lado que melhor atende o interesse público.


Notas

[1]ZYMLER, Benjamin? CANABARRO DIOS, Laureano. O Regime Diferenciado de Contratação (RDC) aplicável às contratações necessárias à realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 11, n. 125, maio 2012. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=79102>. Acesso em: 4 fev. 2013.

[2]ZYMLER, Benjamin? CANABARRO DIOS, Laureano. O Regime Diferenciado de Contratação (RDC) aplicável às contratações necessárias à realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 11, n. 125, maio 2012. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=79102>. Acesso em: 4 fev. 2013.

[3]REZENDE, Renato Monteiro de. O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS: Comentários à Lei nº 12.462, de 2011. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Texto para Discussão nº 100. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm. Acesso em 02.02.2013

[4]SILVA, Edson. DILMA DIZ QUE SIGILO DE ORÇAMENTOS DA COPA FOI MAL INTERPRETADO. Folha de São Paulo. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/931459-dilma-diz-que-sigilo-de-orcamentos-da-copa-foi-mal-interpretado.shtml. Acesso em 04.02.2013

[5]REZENDE, Renato Monteiro de. O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS: Comentários à Lei nº 12.462, de 2011. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Texto para Discussão nº 100. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm. Acesso em 02.02.2013

[6] DIAS, Roberto? FERREIRA, João Paulo. A publicidade no Regime Diferenciado de Contratações Públicas: algumas considerações críticas. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 11, n. 124, p. 5359, abr. 2012.

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Sobre a autora
Cássia Molina S. Henriques

Advogada, com escritório atuante no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.<br>Experiência na área civil, tributária, trabalhista e direito de trânsito<br>advocacia eclesiástica e 3° setor (ONGs)<br>[email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, Cássia S. Henriques. Publicidade no regime diferenciado de contratação.: O orçamento sigiloso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4032, 16 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28822. Acesso em: 21 nov. 2024.

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