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Banco da Extorsão Pública S.A.

Governo usa dois pesos e duas medidas para extorquir o bolso do cidadão

24/06/2014 às 13:30
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Este artigo aborda os pagamentos e recebimentos dos débitos judiciais e a diferença do método de cálculo usado pelo Judiciário, nos dois casos. Pagamos altos valores e recebemos quantia que sequer é corrigida integralmente pela taxa referencial de juros.

Vivemos, desde tempos imemoriais uma situação de confronto nas relações entre o Governo e os interesses dos cidadãos que deveriam representar. São confrontos bastante acirrados, em que vemos o Governo impondo sua vontade e ponto de vista ao cidadão, em vez de representá-los e tornar legítimos os anseios populares. Um Governo de boa fé e com compromisso, agiria assim. Mas aqui a situação é outra. Somos massacrados pelo que nos é imposto, contrariando, em sua essência, a palavra Democracia, que em sua origem grega vem da somatória de outras duas palavras: demo=povo + kracia=governo. Essa definição nos levaria à já tão conhecida expressão: "O governo do povo e para o povo".

Um assunto muito discutido atualmente é a questão dos débitos judiciais, em que a Fazenda Pública (União; Estados; Municípios e Autarquias), é parte em processo judicial, tendo débitos para com o cidadão, ou somas a receber do mesmo cidadão.

Desde a criação do Plano Real fomos iludidos com o anúncio de que a correção monetária não existiria mais no Brasil. No entanto, ela continuou ativa e plenamente praticada até os dias de hoje, conforme a Lei 6899/81, que assim ditava:

"Art. 1º. A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios. § 1º. Nas execuções de títulos de dívida líquida e certa, a correção será calculada a contar do respectivo vencimento. § 2º. Nos demais casos, o cálculo far-se-á a partir do ajuizamento da ação.

Art. 2º. O Poder Executivo, no prazo de 60 (sessenta) dias, regulamentará a forma pela qual será efetuado o cálculo da correção monetária.

O fato de existir esse art. 2º já é uma pegadinha, pois dá ao Poder Executivo a chance de uma regulamentação, através da qual sempre encontram um jeito de não perder ou até mesmo ganhar obrigações do cidadão. Nesse caso específico, o Decreto 86.649/81 regulamentou o parágrafo 2º da Lei supra citada através de seu Artigo 4º que assim dispôs:

Art. 4º- "Nos débitos para com a Fazenda Pública objeto de cobrança executiva ou decorrente de decisão judicial, a correção monetária continuará a ser calculada em obediência à legislação especial pertinente".

Vejam que esse artigo é inócuo, inútil, uma vez que a Lei 6899/81, já preconizava:

“A correção monetária incide sobre qualquer débito resultante de decisão judicial, inclusive sobre custas e honorários advocatícios".

Ou seja, editou-se um Decreto para deixar “tudo como dantes, na casa de Abranches” e assim enganar aos menos avisados... Choveram no molhado.

Entendemos então que sobre os débitos da Fazenda Pública para com o cidadão, incidia correção monetária e juros moratórios à razão de 1% ao mês. A isso se aplica o princípio de isonomia a todos os cidadãos brasileiros, pois de acordo com o Art. 5º. Da Constituição da Republica, que reza: "Todos são iguais perante à Lei, sem distinção de qualquer natureza".

Agora atentemos para outro ponto: o de que a correção monetária representa a reposição das perdas em razão da inflação existente, quer ela seja alta ou baixa.

Pois bem, o artigo 1º.-F, da Lei 9494/97, alterou o que enunciava a Lei 6899/81 passando a exibir o seguinte enunciado:

"Art. 1º-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano".

Ou seja: quando a Fazenda Pública é condenada a pagar, paga metade do que é cobrado de nós, enquanto devedores. Onde está a aplicação do princípio de isonomia constitucional que afirma sermos todos iguais perante a Lei?

Eis aí o pulo do gato, só possível a leis que trazem em seu bojo uma previsão de regulamentação posterior que sempre tendem a voltar ao que antes vigorava, ou a prejudicar o cidadão. Nesse caso, os juros moratórios até então, à razão de 1%, perfaziam o montante total de 12% ao ano. A alteração promovida pelo Art. 1º-F da Lei 9494/97 estabeleceu que a partir de então, os juros morátorios seriam de 0,5% ao mês, perfazendo 6% ao ano... Ou seja: receberíamos a metade apenas do que aqueles que teriam que pagar.

Isso permaneceu em vigência até o ano de 2009, quando foi editada a Lei 11960/2009, que alterou novamente a vigência do art. 1º-F da Lei 9494/97, atribuindo-lhe os seguintes termos:

"Art. 5º O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4º da Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:

" Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. "

Preste atenção! Isso foi um assalto ao bolso do cidadão que passou a ter grandes perdas, uma vez que a caderneta de poupança é um investimento onde o aplicador recebe uma remuneração pelo capital aplicado, composta por 0,5% de juros mais a atualização pela Taxa Referencial de Juros (TR). O cálculo da TR é constituído pelas trinta (30) maiores instituições financeiras do país, assim consideradas em função do volume de captação de Certificado e Recibo de Depósito Bancário (CDB/RDB), dentre os bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimento, bancos comerciais e de investimentos e caixas econômicas. Elimina-se as duas menores e as duas maiores taxas médias. A base do cálculo da TR é o dia de referência, sendo calculada no dia útil posterior. Sobre a média apurada das taxas de CDBs é aplicado um redutor que varia mensalmente. Isso não representa a reposição da inflação medida no período, fazendo com que a atualização pela TR seja sempre menor que os índices inflacionários.

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Temos então que o cidadão está sendo roubado, enganado por essa legislação vigente, pois quando tem valores a receber da Fazenda Pública, recebe com 0,5% de juro mais atualização da TR. Mas se deve pagar débitos a essa mesma Fazenda Pública, paga correção monetária cheia, multa que pode variar de 20% a 150%, acrescidos de juros moratórios à razão de 1% ao mês. Aqui o que houve foi uma confusão dos legisladores. Confundiram juros moratórios com juros remuneratórios. Uma lástima! Esperamos que o que tenha ocorrido tenha sido isso e não má fé.

A Lei 11960/09 que trata da correção dos débitos judiciais, nos leva ao cálculo da poupança, e bem sabemos que cálculo de poupança trata de juros remuneratórios (quantia correspondente a um capital aplicado); enquanto que juros moratórios representam a correção monetária de dívidas, qual seja: pena imposta a quem não paga corretamente e em dia.

Descobrimos aqui então que as Fazendas viraram grandes bancos públicos que visam “spread” sobre seus clientes, o povo. Seriam esses “spreads” necessários ao financiamento dos empréstimos públicos abaixo do custo de capital? Afinal esse é o preço que o povo paga pela ingerência pública... Vejam os anúncios da CEF e do Banco do Brasil: é o povo que banca o baixo juro cobrado por eles.

Estamos, na verdade, numa sinuca de bico: quando temos que receber, recebemos um valor defasado, à base de 0,5% de juro + TR. E quando temos que pagar ao Poder Público, pagamos verdadeiras fortunas, com juros de 1%, correção monetária cheia e multas exorbitantes. Aqui só um lembretezinho: essa maravilha de situação e de acharque ao bolso do cidadão foi devidamente aprovada por deputados e senadores que elegemos... Lamentável, não é? Em vez de defender o cidadão que os colocou lá, ingressam num esquema de mensalão e aprovam tudo o que o Governo quer, prejudique a quem prejudicar! É um salve-se quem puder! Vivemos uma crise legislativa sem precedentes em todos os âmbitos: é mensalão prá ca,corrupção prá lá, lavagem descarada de dinheiro em todas as esferas e por aí afora.

Os brasileiros não suportam mais a situação dúbia que lhes é enfiada garganta abaixo! E por isso precisam esfriar a cabeça, precisam de diversão que os leve a esquecer. É o velho “pão e circo”! Bom, ver futebol (e para o Governo a Copa do Mundo é um santo remédio), assistir novela, fazer crochet, jogar video game, xadrez ou tênis, não são atitudes erradas. O errado no comportamento do brasileiro é não exercer sua cidadania! É ser mais uma “vaquinha de presépio” e não lutar pelos seus direitos. Aí o mais triste é nos deixarmos extorquir calados por fazendas que se tornaram verdadeiros bancos, lucrando, e muito, com isso. Às nossas custas!

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Sobre a autora
Maria Luísa Duarte Simões

Formada em jornalismo pela Universidade Metodista do Estado de São Paulo, onde também cursei Publicidade e Propaganda e Teologia. Mais tarde, depois de ganhar 3 Prêmios Esso, 1 Prêmio Telesp, 1 Prêmio Remington e 1 Prêmio Status de contos, resolvi me dedicar à carreira jurídica. Para tanto fiz a Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, onde me formei em 1985. Fiz pós graduação em Direito Penal na Faculdade do Largo São Francisco, sob a supervisão do prof. Dr. Miguel Reale Júnior. Hoje dedico-me a criticar as coisas erradas, elogiar as certas e ironizar aquelas que se travestem de corretas, mesmo sendo corruptas. Sou sua vigilante diária das traquinagens governamentais e da sociedade em geral. Sou comprometida com a verdade, o que muitas vezes vai me fazer dizer aquilo que você não que ouvir.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Maria Luísa Duarte. Banco da Extorsão Pública S.A.: Governo usa dois pesos e duas medidas para extorquir o bolso do cidadão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4010, 24 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28831. Acesso em: 20 abr. 2024.

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