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Contratação de correspondente no país por instituições financeiras

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02/06/2014 às 11:42
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IV-        JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO: RUMO À CHANCELA DO INSTITUTO?

Ao julgar recurso (TST-RR-103200-21.2006.5.20.0005) em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Publico do Trabalho da 20ª Região, o Tribunal Superior do Trabalho, reformando a decisão de segunda instância, julgou improcedente o pedido de Parquet de equiparação dos funcionários que prestam serviços em casas lotéricas aos bancários, bem como de condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e adaptação das lotéricas às condições que garantam a segurança física dos empregados.

Por revelar uma preocupação da mais alta Corte de Trabalho com questões atinentes à livre iniciativa e à livre gestão da atividade empresarial, transcrevem os fundamentos do citado acórdão, que podem revelar a forma como a questão será pacificada no futuro, verbis:

“O Ministério Público pleiteia a exclusão de cláusula prevista em contrato firmado entre a CEF e as casas lotéricas, bem como a equiparação dos empregados daquelas casas aos bancários e, ainda, a implantação de normas de segurança, já adotadas nos estabelecimentos bancários, nas lotéricas.

Não se pode deixar de considerar que as casas lotéricas não são obrigadas a firmar o contrato com a CEF para a prestação de serviços referentes ao chamado “correspondente bancário”. Aliás, a autonomia das partes é condição essencial para a validade do contrato.

Embora se evidencie, na presente ação, a intenção do Ministério Público em garantir melhores condições de trabalho aos empregados das lotéricas, iniciativa que deve ser louvada, o contrato firmado com a CEF não tem o condão de afastar as obrigações e direitos decorrentes da relação mantida entre os empregados e os donos das lotéricas. Dentro de tal contexto, tais obrigações dizem respeito à segurança dos empregados e as condições de trabalho oferecidas, justamente o objeto da presente ação.

A implantação de normas capazes de propiciar condições mais favoráveis de trabalho aos empregados passa pela opção dos empregadores em arcar com tal ônus, decidindo, portanto, se lhes são favoráveis as condições oferecidas pela CEF por meio do contrato.

Atribuir à CEF a responsabilidade principal pelas obrigações seria retirar o poder diretivo dos donos da lotérica em relação a seus empregados e, consequentemente, restringir-lhes a capacidade de gerenciamento dos seus empreendimentos. Este não é o objetivo do contrato de prestação de serviços proposto pela CEF.

Ainda que se permita a discussão acerca da possibilidade de implantação do sistema de “correspondentes bancários”, diga-se, implantado com inegáveis benefícios à população, a questão não se resolve somente pela responsabilização da CEF pelas condições de trabalho a serem impostas à margem da relação legítima que regula o vínculo de emprego firmado entre os donos das lotéricas e seus funcionários.

Nesse sentido, considerando os pedidos formulados na presente ação, constata-se que a responsabilidade da CEF seria, no máximo, subsidiária em relação aos contratos de trabalho firmados entre os empregados e os donos das lotéricas, sendo que tal discussão somente seria cabível dentro do contexto fático experimentado por cada relação de emprego formalizada e não à luz do contrato de prestação de serviço mantido entre empresas.

Assim, diante da impossibilidade de se atribuir à CEF a titularidade dos direitos e obrigações que regulam a relação de emprego firmada entre os empregados e donos de lotéricas, não há como se deferir os pedidos formulados na inicial por meio da presente Ação Civil Pública.   

Pelo exposto, dou provimento à Revista para excluir da condenação a determinação de afastamento da cláusula que isenta a CEF da responsabilidade decorrente da prestação de serviços pelas lotéricas, o cumprimento das obrigações decorrentes da equiparação dos lotéricos aos bancários, bem como a indenização por danos morais coletivos e a multa pelo descumprimento da obrigação de fazer, julgando, consequentemente, improcedente a ação”.   (destacou-se)

(Processo: RR - 103200-21.2006.5.20.0005 Data de Julgamento: 04/05/2011, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/05/2011).

O julgado acima transcrito, apesar de dizer respeito somente à atuação das lotéricas como correspondentes bancários, e não de outros estabelecimentos, é interessante por mostrar o reconhecimento dos benefícios trazidos à sociedade por essas entidades e por mostrar, também, a preocupação do julgador especialista no direito do trabalho com questões afetas ao desenvolvimento econômico do país e à garantia da livre iniciativa.

Vale anotar que, por se tratar de um recurso em uma ação desvinculada de um caso concreto (ACP), que visava a conceder melhores condições de trabalho aos empregados das lotéricas em geral, a decisão do TST pôde tomar contornos mais genéricos e, por isso, pode ser encarada como prenúncio do como será pacificada a relação dos correspondentes bancários no futuro, sinalizando para a chancela do instituto.  

No julgado, o TST, claramente, afirma que “o contrato firmado com a CEF não tem o condão de afastar as obrigações e direitos decorrentes da relação mantida entre os empregados e os donos das lotéricas”. Dessa afirmação, pode-se concluir que, para a mais alta corte trabalhista, a contratação de correspondentes bancários não representa, por si só, um instrumento de fraude a direitos trabalhista.

Contudo, é importante salientar que há várias decisões, também do TST, que julgam nulos os contratos de trabalho firmados entre os correspondentes bancários e seus empregados, reconhecendo o vínculo de emprego diretamente com a instituição financeira.

Na maioria das vezes, vale dizer, a relação desenvolvida, nos casos concretos levados à análise da justiça, possui singularidades que tornam difícil o não reconhecimento da nulidade da contratação, como: i) o fato de o contratado estar atuando exclusivamente como correspondente bancário, sem ter outra atividade principal, o que na maioria das vezes é vedado pelo Banco Central; e ii)  a subordinação do empregado à instituição financeira.

Leiam-se, a esse respeito, os seguintes trechos de uma decisão de Tribunal Regional, confirmada pelo Tribunal Superior do Trabalho:

 “Lado outro, o fato de a reclamante não ter realizado todas as atividades inerentes à atividade bancária não afasta o seu enquadramento nesta categoria, pois o que importa é que a atividade de autenticação de documentos oriundos dos caixas expressos do Unibanco, tais como contas de luz, água, telefone, guias DARF, é tipicamente bancária e era feita exclusivamente em favor do Banco reclamado.

Há, neste processo, evidente demonstração de fraude à legislação trabalhista, caracterizada pela contratação de empregado por empresa interposta, no intuito de se obter mão de obra menos onerosa, o que não encontra respaldo na norma legal trabalhista e, por conseguinte, não pode merecer o amparo do Poder Judiciário.

Porque, reitera-se, não se admite a terceirização de serviços em atividades essenciais do empreendimento econômico, o que implica mera intermediação ilícita de mão de obra, atraindo a aplicação do artigo 9° da CLT e do disposto no item I da Súmula 331 do TST.

Visando a baixar seus custos e reduzir despesas com pessoal, a primeira reclamada logrou o seu objetivo por meio do enxugamento de seu quadro de empregados, quebrando o princípio isonômico e o de solidariedade que graçam as relações de trabalho e que são o elemento motriz de toda a formatação do associativismo e sindicalismo, pedra de toque do enquadramento das categorias econômica e profissional (artigo 511 da CLT).

A atitude do primeiro reclamado, nesse sentido, atuou de forma exatamente contrária a este primado, na medida em que, retalhando suas várias etapas de atuação, desmobilizou a categoria profissional, numa reprovável busca de mais-valia. Basta ver-se que a reclamante, ao não ser contratada como bancária, deixou de auferir direitos conquistados por esta categoria profissional. Ao final de um ano, a economia com despesas de pessoal, observando o expediente utilizado pela segunda ré, salta aos olhos, e tudo, como dito, em detrimento do trabalhador.

Sob o rótulo da legalidade, o que se está a fazer é a pulverização dos direitos dos trabalhadores, através da contratação de pessoal por meio de empresa interposta, homenageando-se o capital em detrimento do trabalho. Isto porque quem ganha, inexoravelmente, é o empregador, seja o terceirizante, seja o terceirizado; quem perde, também inexoravelmente, é o empregado, como no caso dos autos.

Enfim, a reclamante foi inserida no processo produtivo do primeiro reclamado (o que denota uma subordinação jurídica objetiva) e trabalhou lado a lado com os empregados deste, desempenhando tarefas afetas à sua atividade-fim, sem, entretanto, ter sido beneficiária das vantagens conquistadas pela categoria profissional daqueles que exerciam atividades igualmente bancárias.

Não bastasse isso, deflui nítida da prova oral produzida a subordinação da reclamante ao primeiro reclamado em sua forma clássica, eis que percebia ordens de prepostos do primeiro réu, a eles se reportando, ainda, em caso de dúvidas ou extrapolação de um determinado limite para as autenticações.

Demonstrada, pois, a subordinação direta da autora ao primeiro reclamado, é de se reconhecer a formação do vínculo de emprego diretamente com este e, consequentemente, a sua condição de bancária, sendo-lhe devidos todos os direitos previstos nas convenções coletivas da categoria.

(...)

Acrescento apenas que a Resolução 3.110/2003, que dispõe sobre a contratação de correspondente bancário, em nada altera o entendimento perfilhado no v. acórdão impugnado, pois seu artigo 2° veda expressamente às instituições financeiras contratar como correspondente uma empresa cuja atividade única ou principal seja a prestarão dos mesmos serviços autorizados, como ocorre no caso em exame (artigo 4°, inciso IV, do Estatuto Social da ATP S.A. - f . 124-125)”.

(Processo: RR - 101100-08.2009.5.03.0023, Data de Julgamento: 03/08/2011, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/08/2011).

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V-           CONSIDERAÇÔES FINAIS

A contratação de correspondentes bancários não é, por si só, instrumento de violação a direitos trabalhistas, muito embora, concretamente, possa ser utilizada para fins inadequados, como no caso relatado no segundo acórdão acima transcrito.

Esse, a propósito, parece ser o entendimento que será firmado no âmbito do TST, sugerindo uma possível reanálise da vedação pura e simples da terceirização da atividade-fim, ao menos nos casos envolvendo correspondentes bancários.

Uma interpretação jurídica que vise a abolir o instituto do ordenamento jurídico ou mesmo restringir por demasiado a sua abrangência não se coaduna com fundamentos e fins da ordem econômica, constantes do art. 170 da Constituição Federal, que também valorizam o desenvolvimento econômico, verbis:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. (destacou-se)

Assim, entendo que a jurisprudência do TST caminha no sentido que melhor se adéqua aos princípios constitucionais da ordem econômica, já que parte da ideia de que os direitos trabalhistas devem ser garantidos sem prejuízo do desenvolvimento econômico, essencial para a concretização do princípio da busca do pleno emprego.


REFERÊNCIAS

ALVES, Sérgio Darcy da Silva; SOARES, Marden M. (2004). Democratização Crédito

no Brasil: atuação do Banco Central. Brasília: Banco Central do Brasil.

ALVES, Sérgio Darcy da Silva; SOARES, Marden M. (2006). Microfinanças: democratização do crédito no Brasil e atuação do Banco Central. Brasília: Banco Central do Brasil.

DINIZ, Eduardo Henrique. (2006).  Correspondentes Bancários e Microcrédito no Brasil: Tecnologia Bancária e Ampliação dos Serviços Financeiros para a População de Baixa Renda.

GRAU, Eros Roberto (2006). A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11ª ed.. São Paulo: Malheiros.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed.. São Paulo: Saraiva.

MOURA, Ivan Santos; SAYEG, Solly Nissim. (2009) Projeto conexão local. Correspondentes bancários.

POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as Origens da Nossa Época. 3ª ed.. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Terceirização: Tendências em doutrina e Jurisprudência

SOARES, Marden M; SOBRINHO, Abelardo D. de Melo. (2008). Microfinanças: O Papel do Banco Central do Brasil e a Importância do Cooperativismo de Crédito.


Notas

[1] Dados atualizados até 2008.

[2] Ou demais autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

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Sobre a autora
Júlia Wanderley Vale Cadete

Procuradora do Banco Central do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CADETE, Júlia Wanderley Vale. Contratação de correspondente no país por instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3988, 2 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29103. Acesso em: 29 mar. 2024.

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