Às vésperas da realização da Copa do Mundo de Futebol, muito se tem comentado sobre as consequências de sua realização para a sociedade brasileira. Dentre todos os pontos que se tem discutido, um chama especial atenção e deveria atrair a indignação pública com maior intensidade: a exploração do trabalho infantil durante o evento.
É sabido que no Brasil a exploração do trabalho infantil é um problema sério e difícil de ser combatido, tanto porque a miséria muitas vezes leva as famílias a colocarem suas crianças para trabalhar, quanto porque a sociedade, de forma geral, aceita essa prática com base na falsa premissa de que “melhor trabalhando que na rua”. A premissa é errada, pois como sociedade democrática que tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e como alguns de seus objetivos erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, a premissa correta é: “melhor na escola que na rua, melhor praticando esporte que na rua, melhor em casa estudando e brincando que na rua”.
A Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXXIII, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos.
A Consolidação das Leis do Trabalho trata do trabalho do menor - do artigo 402 ao 441 -, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990), visando a proteção integral da criança e do adolescente, também limita o trabalho do menor em seu Capítulo V.
Apesar de toda a legislação específica pertinente, somente em 2004 a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), proibiu a atividade de gandula, pessoa responsável por buscar as bolas jogadas para fora do campo durante a partida, a menores de 18 anos nos torneios por ela realizados.
Surpreendentemente, o Conselho Nacional de Justiça expediu a Recomendação nº 13/2013 (DJE/CNJ n° 236, de 13/12/2013, p. 5.), que dispõe sobre a padronização dos procedimentos dos juizados da infância e juventude nas comarcas-sede de jogos da Copa do Mundo de 2014 e a circulação de crianças e adolescentes no território brasileiro. Tal Recomendação autoriza a participação de crianças e adolescentes em atividades promocionais do evento esportivo nos estádios, como acompanhantes de jogadores, porta-bandeiras, gandulas, amigo do mascote ou atividades assemelhadas, e será permitida mediante a autorização dos pais ou responsável legal. A recomendação estipula que para a participação na atividade de gandula deverá ser observada a idade mínima de 12 anos.
Ou seja, em jogos da Copa do Mundo uma criança de 12 anos poderá atuar como gandula. Tal permissão, como já demonstrado, é ilegal e inconstitucional.
Não pode a sociedade brasileira aceitar tal prática sob nenhum argumento, pois a atividade expõe a criança ou o adolescente ao sol forte, frio, chuva, à pressão psicológica da torcida, além do perigo de ser atingido por uma bola que pode alcançar velocidade acima de 100 Km/h, colocando em risco aqueles que deveriam ser protegidos integralmente.