2. A gestão dos resíduos sólidos no âmbito das dimensões da sustentabilidade.
Nas ponderações até então externadas nota-se um enfoque na atribuição do Estado, assim entendido como os governos municipais, estaduais e federal, através de atuação articulada, em gerir, de forma escorreita, a questão ambiental, com o objetivo de promover o equilíbrio entre desenvolvimento sócio-econômico e a preservação do meio-ambiente, ou seja, noutra dicção, promover o desenvolvimento sustentável. Tal atribuição, à luz do enfoque do presente trabalho, se consubstancia na adoção de medidas hábeis a viabilizar a gestão escorreita, com a tecnologia e instrumentos ora existente, dos resíduos sólidos, ilidindo maiores danos ao meio-ambiente.
Cumpre firmar breve parêntese acerca possibilidade de se engendrar uma gestão sustentável dos resíduos sólidos. Hodiernamente muito se alude ao termo sustentabilidade, o qual é definido como a qualidade do que é sustentável[12], ou seja, do que se pode sustentar. O verbo sustentar exprime a idéia de conservar, manter, impedir a ruína ou a queda de algo. Pode também expressar, também, os seguintes significados: defender com argumentos ou razões; pelejar a favor de; alimentar física e moralmente[13]. Aspecto interessante é que todos os significados acima externados se aplicam, de alguma maneira, quando o termo em análise é usado no contexto da necessidade de conservação do meio ambiente.
Discorrer sobre sustentabilidade na gestão de resíduos sólidos consiste em, tratada a questão nuclear do tópico, reconhecer a necessidade de adoção de uma nova ética a balizar nossas relações sociais em nossas casas, no sentido micro, nosso lar, nossa cidade e, no aspecto macro, em nosso planeta, ética esta a qual deve permear as diretrizes políticas e econômicas, viabilizando mudanças sociais, para que a sociedade melhor se posicione no trato com os resíduos sólidos, bem como possa enxergar com a lucidez que se exige no alicerce dos pleitos judiciais em face de eventual omissão do Estado em cumprir seus deveres legais e constitucionais.
Tal discussão remete a palavra ecologia, cuja origem grega significa ‘lugar onde se vive’, ‘casa’, ou ‘estudo do indivíduo em sua casa’[14]. No aspecto da militância, adverte o ambientalista português Fernando Pessoa que “ser ecologista, não é apenas ser contra aquilo que se chama Progresso, não é apenas ser anti qualquer coisa ou anti tudo porque está na moda, não é apenas ser por certas manifestações com o seu quê de folclore (que também é, aliás, importante); ser ecologista é, sobretudo, acreditar que a vida pode ser melhor se as mentalidades mudarem e tiverem em consideração os ensinamento que a velha Terra e ainda o velho Universo não cessam de nos transmitir”[15]. Tais considerações se harmonizam a percepção essencial para viabilizar a correta gestão dos resíduos sólidos urbanos, desde o comprometimento necessário para se gerar menos resíduos até a sensibilidade exigida para dar-lhes a correta destinação.
O doutrinador Wladimir Passos de Freitas, citando Leonardo Boff, relata, na dicção deste, que “a sustentabilidade provém do campo da ecologia e da biologia. Ela afirma a inclusão de todos no processo de inter-retrorelação que caracteriza todos os seres do ecossistema. A sustentabilidade afirma o equilíbrio dinâmico que permite a todos participarem e serem incluídos no processo global”[16]. Tal definição guarda singular relação com o processo de gestão sustentável dos resíduos uma vez que, analisando-se o teor da Política Nacional de Resíduos Sólidos, à luz da norma que a alicerça, pode ser claramente visualizada a busca da inclusão, até mesmo social e econômica, de agentes ora a margem do processo de desenvolvimento global. Ademais, aflora da política nacional de resíduos sólidos, o dever e responsabilidade dos agentes econômicos, sociais e políticos no processo.
No aspecto da presença da sustentabilidade em nossos corpos normativos, cumpre ratificar que a Constituição Federal de 1988 alberga garantias hábeis a alicerçar o desenvolvimento econômico nacional, bem como contempla o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, imputando ao Poder Público e à coletividade o dever de defesa e preservação deste bem para as presentes e futuras gerações, conforme o teor do artigo 225. Assim, a lei de resíduos sólidos instrumentaliza e confere eficácia à proteção constitucional. Releva expor, neste contexto, que antes mesmo da Constituição ora vigente, a lei n° 6.938/81, já referendava, como objetivo a ser seguido pela política nacional do meio ambiente, a “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e o do equilíbrio ecológico”, a conciliação dos citados valores já consistia na promoção deste denominado ‘desenvolvimento sustentável’[17].
Todavia, para que o crescimento econômico possa ser qualificado como sustentável, o modo de produção, notadamente no que aduz a destinação do capital e dos resultados do processo produtivo ora vigente, deverão atender a uma distribuição mais equitativa, com o escopo de reduzir as desigualdades sociais, de modo a suprimir as necessidades essenciais de toda a população, posto que estamos a discorrer sobre a necessária implementação de direito de 4ª dimensão, sem, contudo, ignorarmos o fato de vivenciarmos significativas dificuldades para promover o acesso de todos os brasileiros aos direitos de 1ª, 2ª e de 3ª dimensões.
O Relatório Brundtland, documento que externa a posição da ONU acerca do Desenvolvimento Sustentável, tem foco em problemas socioeconômicos e ecológicos da sociedade global, estabelecendo uma relação entre esta postura, então definida pelo termo ‘sustentável’ e a economia, a tecnologia, a sociedade e a política, enfatizando a necessidade de adoção de uma nova postura ética na relação entre as civilizações presente e futura com o meio ambiente[18].
A implementação da sustentabilidade, denominação ora encampada pelo termo ‘ecodesenvolvimento’, pressupõe a adoção de novos parâmetros comportamentais em uma série de dimensões, as quais estão relacionadas a questão dos resíduos urbanos, consoante as ponderações delineadas nos tópicos seguintes nessa obra.
2.1 As dimensões social, ambiental (ou ecológica) e econômica da sustentabilidade.
As dimensões social, ambiental e econômica, em razão de suas relevâncias, integram a base da estrutura piramidal da sustentabilidade na medida em que a preservação do meio ambiente urbano e a conservação e o aprimoramento do uso dos recursos naturais se reverterão em resultados positivos a serem usufruídos, ainda que em distintos graus, por todos os segmentos que compõem a sociedade. Desta forma, a dimensão social da sustentabilidade tem o escopo de potencializar o uso racional dos recursos, com foco na redução das desigualdades na distribuição e acesso aos mesmos, objetivando incrementar as oportunidades aos menos favorecidos econômica e socialmente, e impactando, positivamente, a gestão ambiental. Destarte, a busca da eqüidade nas formas de acesso e consumo está fortemente relacionada à perspectiva intrageracional da sustentabilidade, não só no que aduz à presente geração, mas também quanto a persecução da garantia de sustento também para as gerações futuras[19].
A dimensão social também está associada à persecução da evolução da qualidade de vida com foco em novas visões sobre a produção e o consumo alicerçadas sobre inovadoras formas de relacionamento entre a sociedade e o meio-ambiente, as quais sejam integrativas, ambientalmente escorreitas e que encampem o desenvolvimento de atividades econômicas viáveis, duradouras e escorreitas do ponto de vista ecológico.
No âmbito da sustentabilidade social, o senso comum é a idéia de que, nas sociedades ou grupos sócias excluídos do processo de consumo ou desprovidos de condições mínimas de subsistência, resta inócua a lógica da atuação sustentável no trato com o meio ambiente, uma vez que, instintivamente, o foco está na vivência imediata, pois, na dicção de Bertolt Brecht: “Primeiro vem o estômago, depois a moral”. Em aspecto amplo tal premissa é verdadeira, porém no que aduz a questão dos resíduos sólidos, a correta gestão dos resíduos viabiliza seja engendrado processo de inclusão social, com a profissionalização dos ‘catadores de lixo’, ora qualificados como ‘catadores de matérias recicláveis’[20].
Em linhas gerais, apresenta-se a degradação das condições de vida como conseqüência da degradação sócio-ambiental. A inclusão social, propiciando vida com dignidade e acesso às necessidades básicas, superada a procura do mínimo existencial, dará efetividade para a ética comportamental da sustentabilidade, através de mudanças sociopolíticas que viabilizem a adoção de práticas sustentáveis pelas comunidades, sem comprometimento do meio ambiente. Neste contexto, há de ser perseguir uma distribuição mais equitativa da renda, propiciando a inclusão social com seus reflexos na melhora das condições de vida da população, reduzindo, assim, o coeficiente de GINI[21], o qual era,.no ano de 2012, de 51,9 – Tal coeficiente varia entre 0 e 1, sendo que, quanto mais próximo do zero menor é a desigualdade de renda num país - num claro indicativo de que, não obstante os avanços econômicos e até mesmo sociais das últimas décadas, ainda se evidencia, no Brasil, uma alta concentração de renda.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, atenta para a importância da inclusão social enquanto medida a conferir efetividade para a escorreita gestão dos resíduos sólidos, cria instrumentos de inserção social viabilizando que os agentes diretamente envolvidos no trato com os resíduos protagonizem um papel inclusivo no qual se resgata a dignidade dos partícipes. Estimula-se, também, a participação coletiva, através do apoio a cooperativas e associações de catadores, perseguindo a consolidação de um processo duradouro de gestão escorreita dos resíduos sólidos.
Nos termos do Art. 7 , inc. XII, da Lei n° 12.305/2010, são objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, dentre outros: a integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. O art. 8° da referida norma contempla, enquanto instrumento da referida Política, o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Destarte, resta latente o escopo sócio integrativo da referida norma a qual, felizmente, foi sensível à necessidade de atenção às demandas de parcela da população que, diariamente vinculada ao manuseio dos resíduos sólidos urbanos, protagoniza papel de singular importância no processo de solução do problema. Todavia, tais atores eram, até então, ignorados pelo Estado e alijados do processo de consumo.
No que se refere a sustentabilidade econômica, o atual padrão de desenvolvimento, alicerçado na dinâmica de exploração e produção que desconsidera os limites dos recursos naturais e utiliza métodos de produção que promovem a poluição ambiental em suas diversas modalidades é impulsionado pelo modo de produção capitalista, centrado na busca do lucro. A citada dinâmica poluidora é alavancada pelo desequilibrado padrão de consumo, notadamente nos países ricos. O desenvolvimento sustentável pressupõe a alteração da atual proposta do que se entende por desenvolvimento, produção e consumo. O atual grau de evolução tecnológica já propicia a introdução de métodos de produção menos poluidores, que produzam de forma mais eficiente, com menos materiais, com menor custo de energia, que gerem menos resíduos e que e utilizem resíduos como insumos, medidas estas que reduzem a pressão sobre os aterros sanitários.
Todavia, a introdução de novas tecnologias implica em elevação dos custos de produção e redução da margem de lucro, o que gera relutância do setor produtivo, barreira a ser superada através da conscientização do setor produtivo acerca dos benefícios na relação entre a certificação ecológica e a marca. Neste contexto, relevante é a atuação do Estado no fomento de atividades não poluidoras e na concessão de incentivos fiscais a empresas que atuem através de métodos que consideram os aspectos ecológicos. Cabe aqui, aludir ao teor dos artigos 42, 43 e 44 da lei n° 12.305/2010, os quais contemplam a possibilidade de adoção, pelo poder público, de medidas indutoras, linhas de financiamento, práticas de fomento e concessões de incentivos fiscais e creditícios para atividades afetas a melhor gestão dos resíduos sólidos, desde processos de prevenção, desenvolvimento de produtos menos poluentes e sistemas de gestão ambiental. Faz-se relevante citar, in adendo, outros instrumentos, insertos na lei federal referendada alhures, voltados para se conferir sustentabilidade econômica a Política de Gestão dos Resíduos Sólidos, quais sejam: a logística reversa, a responsabilidade compartilhada, bem como os consórcios para viabilizar ganhos de escala e a redução de custos. Importa ratificar, por ser medida essencial, que a alteração dos padrões de consumo até então adotados nos moldes da prática dos países ricos, está inserta no processo de educação ambiental.
Destarte, as dimensões associadas ao conceito de gestão sustentável dos resíduos sólidos contemplam, portanto, os aspectos econômico, biofísico, social e político, caracterizando-se como uma verdadeira estratégia ou modelo multifacetado para a sociedade, rompendo com o padrão até então engendrado na relação entre a sociedade humana e a natureza[22]. A sustentabilidade ambiental pressupõe a atuação com prudência ecológica, notadamente nos aspectos políticos e econômicos, associada à efetivação de políticas sociais. Neste contexto, a Lei n° 12.305/2010, atenta às mudanças exigidas para se impingir efetividade a Política Nacional de Resíduos Sólidos, contempla o instituto da coleta seletiva, trata da disposição ambientalmente adequada, bem como estimula a criação de novos produtos, métodos e processos ecologicamente eficientes. É importante registrar que as disposições insertas na Política Nacional de Resíduos Sólidos buscam, através de uma visão holística dos problemas e da ação conjunta dos agentes que integram tal sistema, contemplar as dimensões acima referendadas em suas respectivas cotas de envolvimento na promoção de uma gestão sustentável dos resíduos sólidos[23]
2.2 As dimensões política, cultural e ética da sustentabilidade.
A construção do desenvolvimento sustentável no contexto de um Estado democrático exige uma atuação Estatal que estimule a participação popular e promova a educação ambiental e a consciência ecológica, edificando uma postura cívica acerca gestão escorreita dos resíduos sólidos, viabilizando a participação dos setores produtivos, através de políticas de fomento, e propiciando a inclusão social à luz das necessidades da sociedade afetada.
A sustentabilidade cultural e espacial pressupõe a promoção da educação ambiental, com o escopo de promoter a formação de nova mentalidade ética no trato como meio ambiente, em adequação a critérios culturais e à diversidade, através de processo educativo articulado, participativo e integrador, com ênfase no direito de acesso a informação, através de forte participação institucional do Estado, notadamente nas políticas públicas de educação, buscando conscientizar a população acerca da importância da correta gestão dos resíduos sólidos, estimulando e viabilizando coletas seletivas, bem como enfatizando os danos diários causados à sociedade decorrentes de má gestão dos resíduos domésticos e industriais. A idéia de co-responsabilidade nas questões ambientais viabiliza a otimização das ações positivas, a coletivização de condutas e a efetiva alteração do meio ambiente físico e cultural.
No contexto da Política Nacional de Resíduos Sólidos a persecução da efetivação da dimensão política da sustentabilidade foi instrumentalizada através, por exemplo, da cooperação entre setores, órgãos gestores colegiados e dos planos participativos. No que aduz a efetivação da dimensão cultural, a nova legislação busca implementar a educação ambiental, estimular o consumo sustentável e reduzir a geração de resíduos.