Parodiando Arquimedes, dê-me um derivativo e um mercado financeiro que colocarei o preço do ativo onde quiser. Foi tentando combater a paródia que o governo editou a Medida Provisória nº 539, de 2011, dando poderes ao Conselho Monetário Nacional, isto é, ao próprio governo, para colocar em prática o que o mundo todo só discute mas não faz. Contudo o ordenamento jurídico do País já prevê formas de intervenção neste mercado, desde que se atente para a natureza da especulação.
Antes de mais nada, precisamos saber que o derivativo é um contrato que tem o seu preço ou resultado definido com base no preço (ou condição) de outro ativo (ou índice, qualidade de crédito, etc.). Por isso, diz-se ser derivativo, dado que o valor “deriva” de algo exógeno (supostamente) à ação das partes. Por outro lado, o que estamos discutindo neste artigo é exatamente o contrário, isto é, quando o preço do ativo deriva da realização de contratos derivativos, isto é, quando o “rabo começa a balançar o cachorro”.
Um determinado contrato derivativo, por exemplo, pode ser firmado para dar o direito a uma das partes de adquirir um ativo por um valor pré-definido. Esta parte pagaria à outra um prêmio (preço do contrato) para que a última lhe vendesse o ativo por aquele valor. Este é um contrato de “opção”.
Outro derivativo tradicional é aquele em que uma das partes trocaria com a outra a variação da taxa de juros pela variação do dólar. A liquidação do contrato se dá com a parte que optou pelo ativo que variou menos pagando a diferença da variação para aquela que optou pelo que variou mais. Trata-se do contrato de “swap”.
A importância dos derivativos é indubitável, tanto quando o agente busca proteção, tanto quando procura especular. Um exportador que tenha um milhão de dólares para receber em um ano, e teme que o dólar caia de preço em relação ao real, terá legitimidade para vender estes dólares hoje e entregá-los “fisicamente” quando os receber (no futuro). Da mesma forma, há o importador, com o objetivo de proteção, e que queria tomar a posição contrária, isto é, comprar os dólares hoje para o pagamento de uma fatura daqui a um ano. Por outro lado, se falta uma dessas partes para que o contrato seja celebrado, um especulador é bem-vindo, pois possibilitará a realização da proteção.
Entretanto, podemos afirmar, desconsiderando o interesse privado e pensando de maneira mais ampla, que a função do especulador termina quando a vontade de proteção se viu satisfeita. Caso contrário, se o especulador se aprofunda na compra ou na venda de alguma posição sem a devida motivação econômica da outra parte, ele exorbita da sua função para tornar-se um Arquimedes dotado de alavanca e de ponto de apoio. Seria aí o ponto a partir do qual a especulação poderia ser igualmente classificada como manipulação.
Embora não estejam em questão os preços de ativos financeiros, alterá-los unilateralmente (ainda que resultante de uma atitude coordenada) é algo que, nas nações com um mínimo de amparo institucional, é crime. O Brasil protege o mercado em geral contra preços artificialmente produzidos com leis no âmbito da defesa da concorrência, dos crimes contra a ordem econômica, da defesa do consumidor e, finalmente, dos crimes contra a economia popular (Lei nº 1.521/51, Art. 3º, VI: é crime “provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício”).
A própria lei 6.385/76 também coíbe a manipulação do mercado, em seu artigo 27-C, que resultarem de operações simuladas ou fraudulentas. Todavia, poderiam os advogados defender que o valor das moedas e de grande parte dos ativos objeto de operações com derivativos não são valores mobiliários e escapariam desta restrição (vide o inciso V do art. 4º da Lei). Mas o espírito não seria o mesmo? Ademais, um contrato derivativo não seria uma operação simulada ou fraudulenta quando realizadas com determinado animus?
Finalmente, mas não menos importante na regulação do mercado de derivativos, há o conceito da função social, presente na Constituição Federal, e aplicado aos contratos pelo art. 421 do Código Civil de 2002. A medida protetiva visa assegurar que as ações privadas estejam restritas ao âmbito em que são travadas e, mais ainda, que respeitem conceitos que o País resolveu adotar por meio de sua Lei Maior. Seria uma forma de evitar a externalidade negativa dos contratos, se pudéssemos trazer o conceito jurídico para o âmbito econômico.
A função social do contrato é, portanto, o soldado de reserva para fazer frente a atividades indesejadas sob o ponto de vista da maioria absoluta dos agentes econômicos. O que nos resta é torcer para que o judiciário tenha os elementos adequados, ao julgar se o contrato cumpre função social, para avaliar se o interesse protegido é ou não da maioria.