INTRODUÇÃO
Inicialmente, importante tecer alguns esclarecimentos sobre a utilização do termo previdência rural.
Não se desconhece que a Constituição Federal de 1988, determinou expressamente a uniformização[1] dos benefícios às populações urbanas e rurais, em seu artigo 194, inciso II, abaixo transcrito:
Art. 194. [...]
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
[...]
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
Mas, ainda assim, a previdência social do trabalhador rural, embora inserida dentro do contexto do Regime Geral de Previdência Social, pode ser estudada como um sub-sistema, uma vez que conta com algumas regras próprias.
A própria Constituição Federal de 1988 traz as algumas peculiaridades desse sub-sistema previdenciário. Um primeiro exemplo seria o artigo 201, §7º, inciso II, que reduz em 05 (cinco) anos a idade mínima para aposentadoria do trabalhador rural, abaixo transcrito:
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
[...]
II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
Ainda no mesmo sentido, nota-se que própria Constituição Federal de 1988 traz regramento específico em seu art.195, §8º, que trata dos trabalhadores rurais que exercerem suas atividades em regime de economia familiar.
O referido dispositivo, num claro exemplo de isonomia material – nas palavras de Rui Barbosa, dar tratamento desigual, aos desiguais – favorece os pequenos produtores rurais, possibilitando que suas contribuições sejam vertidas diretamente sobre a produção, sendo que tais contribuições se aproveitam a todos os membros do núcleo familiar[2].
Assim, justifica-se a utilização da expressão previdência rural, não como uma previdência distinta, mas como um segmento da previdência brasileira, que merece análise apartada, em virtude de princípios e peculiaridades próprios.
Tal ramo foi tratado pela Lei 8.213/91, que, em seu artigo 39, inciso I e seu artigo 143, dá eficácia aos citados dispositivos constitucionais, concedendo benefícios de 01 (um) salário-mínimo a algumas espécies de trabalhadores rurais, independente da comprovação do recolhimento de contribuições.
Entretanto, as diferenças entre as espécies de trabalhadores rurais geram diferentes enquadramentos previdenciários, e, por isso, diferentes requisitos para obtenção dos benefícios previdenciários.
Nesse contexto surge a figura do trabalhador rural comumente conhecido como boia-fria, mas que também recebe diversas outras denominações, como volante e diarista, entre outras.
O termo “boia-fria”[3] originou-se da rotina de alimentação destes trabalhadores, que deixam suas casas em direção ao campo antes mesmo de amanhecer, levando consigo sua refeição em marmitas, refeições estas que não são aquecidas antes de serem ingeridas.
Essa espécie de trabalhadores presta serviços a diversos proprietários rurais, recebendo sua remuneração por tarefa executada ou dia de trabalho, sendo comumente contratada por intermediários, responsáveis pelo transporte desses trabalhadores até as propriedades rurais.
São trabalhadores sazonais, normalmente contratados para trabalhar em períodos de safras e colheitas, e que normalmente residem em áreas urbanas, diferente dos empregados rurais, que normalmente residente na zona rural, na própria propriedade onde trabalham.
Por fim, conforme se verá adiante, dependendo de onde for enquadrada juridicamente a figura do “boia-fria”, este será obrigado (ou não) a comprovar o recolhimento de contribuições para ter acesso aos benefícios previdenciários.
Tal enquadramento jurídico é tormentoso, e demanda aprofundamento, conforme se verá adiante.
1 Evolução histórica do tratamento previdenciário ao trabalhador rural
Conforme ensina Fábio Zambitte Ibrahim[4], foi pela Lei nº 4.214 de 02/03/1963, com a criação do FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural, que se iniciou a proteção previdenciária do trabalhador rural no Brasil. Tal fundo era custeado pelo recolhimento pelos produtores de 1% sobre o valor da comercialização de seus produtos.
Em 1969, pelo Decreto-Lei nº 564/69, a proteção previdenciária estendeu-se aos trabalhadores rurais do setor da agroindústria canavieira e assemelhadas. Neste mesmo ano, o Decreto-Lei nº 704/69 incluiu ainda os trabalhadores rurais que trabalhassem na produção e fornecimento de produto agrícola in natura.
Todavia, a proteção previdenciária passou a ser mais abrangente somente a partir da vigência da Lei Complementar nº 11, de 25/05/1971, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 16, de 30 de outubro de 1973, que instituiu a aposentadoria por velhice aos 65 anos de idade e a pensão por morte aos dependentes, porém, ambas com valor de somente 50% do salário mínimo.
A referida lei, que instituiu o PRORURAL – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, trazia em seu art. 3º, §1º a definição deste:
Art 3º [...] §1º Considera-se trabalhador rural, para os efeitos desta Lei Complementar:
a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie.
b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mutua dependência e colaboração.
A partir de tal data, o FUNRURAL, responsável pela administração do PRORURAL, adquiriu natureza de autarquia subordinada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, sendo somente extinto e absorvido com a criação do INPS em 1977, que por sua vez, foi substituído pelo atual INSS – Instituto Nacional do Seguro Social - em 1990 (Lei nº 8.026/90).
A Lei n. 7.604/87, em seu artigo 4º, determinou a aplicação retroativa da Lei Complementar n. 11/71, concedendo pensão por morte para os óbitos de trabalhadores rurais ocorridos anteriormente à sua edição.
Somente com a Lei 8213/91 é que o trabalhador rural, passou a ter tratamento um pouco mais unificado com o dispensado ao trabalhador urbano, com amplo acesso aos mais diversos benefícios previdenciários, ainda assim guardando algumas particularidades.
A referida norma passou por diversas alterações legislativas, sendo que recentemente a Lei nº 11.718/08 alterou diversos de seus artigos, com reflexos na previdência rural, em especial no tocante ao segurado especial, conforme se verá adiante.
2 Espécies de segurado rural
Para opinar-se pelo correto enquadramento jurídico do trabalhador rural boia-fria, preliminarmente se mostra necessária uma breve incursão pelas espécies de segurados rurais.
2.1 Segurado Especial
Quanto ao segurado especial[5], na esteira do já citado artigo 195, § 8º da Carta Magna, o mesmo pode ser singelamente conceituado como aquele que explore atividade rural em regime de economia familiar.
O conceito de regime de economia familiar é dado pelo artigo 11, VII, da Lei nº 8.213/91, que recentemente sofreu alterações, a qual merece transcrição:
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
[...]
§ 6o Para serem considerados segurados especiais, o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou os a estes equiparados deverão ter participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 7o O grupo familiar poderá utilizar-se de empregados contratados por prazo determinado ou de trabalhador de que trata a alínea g do inciso V do caput deste artigo, em épocas de safra, à razão de, no máximo, 120 (cento e vinte) pessoas/dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 8o Não descaracteriza a condição de segurado especial: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
I – a outorga, por meio de contrato escrito de parceria, meação ou comodato, de até 50% (cinqüenta por cento) de imóvel rural cuja área total não seja superior a 4 (quatro) módulos fiscais, desde que outorgante e outorgado continuem a exercer a respectiva atividade, individualmente ou em regime de economia familiar; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
II – a exploração da atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
III – a participação em plano de previdência complementar instituído por entidade classista a que seja associado em razão da condição de trabalhador rural ou de produtor rural em regime de economia familiar; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
IV – ser beneficiário ou fazer parte de grupo familiar que tem algum componente que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
V – a utilização pelo próprio grupo familiar, na exploração da atividade, de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, na forma do § 11 do art. 25 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VI – a associação em cooperativa agropecuária. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 9o Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
I – benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, cujo valor não supere o do menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
II – benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar instituído nos termos do inciso IV do § 8o deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
III – exercício de atividade remunerada em período de entressafra ou do defeso, não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 julho de 1991; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
IV – exercício de mandato eletivo de dirigente sindical de organização da categoria de trabalhadores rurais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
V – exercício de mandato de vereador do Município em que desenvolve a atividade rural ou de dirigente de cooperativa rural constituída, exclusivamente, por segurados especiais, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VI – parceria ou meação outorgada na forma e condições estabelecidas no inciso I do § 8o deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VII – atividade artesanal desenvolvida com matéria-prima produzida pelo respectivo grupo familiar, podendo ser utilizada matéria-prima de outra origem, desde que a renda mensal obtida na atividade não exceda ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VIII – atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 10. O segurado especial fica excluído dessa categoria: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
I – a contar do primeiro dia do mês em que: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) deixar de satisfazer as condições estabelecidas no inciso VII do caput deste artigo, sem prejuízo do disposto no art. 15 desta Lei, ou exceder qualquer dos limites estabelecidos no inciso I do § 8o deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
b) se enquadrar em qualquer outra categoria de segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto nos incisos III, V, VII e VIII do § 9o deste artigo, sem prejuízo do disposto no art. 15 desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) tornar-se segurado obrigatório de outro regime previdenciário; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
II – a contar do primeiro dia do mês subseqüente ao da ocorrência, quando o grupo familiar a que pertence exceder o limite de: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) utilização de terceiros na exploração da atividade a que se refere o § 7o deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
b) dias em atividade remunerada estabelecidos no inciso III do § 9o deste artigo; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) dias de hospedagem a que se refere o inciso II do § 8o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 11. Aplica-se o disposto na alínea a do inciso V do caput deste artigo ao cônjuge ou companheiro do produtor que participe da atividade rural por este explorada. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
Assim, percebe-se que o conceito de segurado especial sofreu minuciosa conceituação legal, da qual se podem extrair alguns pontos principais.
Preliminarmente, definiu-se o regime de economia familiar como a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, sendo exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Note-se que como segurado especial pode residir tanto no imóvel rural quanto na área urbana, por expressa permissão legal.
A atividade rural pode ser realizada tanto individualmente como em regime de economia familiar, o que a principio nos parece um contra senso, colidindo com o próprio conceito de regime de economia familiar acima exposto.
É permitido, por expressa previsão legal, o auxílio eventual de terceiros, ainda que mediante contratação de empregados, desde que não sejam permanentes.
Tais empregados somente poderão ser contratados por prazo determinado, em épocas de safra, por períodos máximos de 120 (cento e vinte) pessoas/dia no ano civil, em períodos corridos ou intercalados ou, ainda, por tempo equivalente em horas de trabalho.
O segurado especial pode ser proprietário, mas a titularidade do imóvel não é imprescindível, podendo ser usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais.
A propriedade rural explorada deve necessariamente ser inferior a 4 (quatro) módulos fiscais, sob pena de automático enquadramento como contribuinte individual, mesmo que não hajam empregados permanentes, conforme visto no tópico anterior.
Os familiares, quais sejam, o cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, que efetivamente trabalhem com o grupo familiar, participando ativamente do labor rural, também são considerados segurados especiais.
O segurado especial pode outorgar até 50% de seu imóvel para exploração por parceria, comodato, ou meação, a outro segurado especial, sem descaracterizar tal condição.
Do mesmo modo, poderá explorar atividade turística na propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano.
Também não há óbice a sua participação em plano de previdência complementar instituído por sindicato rural, nem que seja beneficiário de programa assistencial oficial de governo, como exemplo o programa “bolsa-família”.
Eventual utilização de processo de beneficiamento ou industrialização artesanal, também não descaracteriza a qualidade de segurado especial.
É expressamente permitida a associação em cooperativa agropecuária.
O segurado especial, e seu grupo familiar, não podem possuir outra fonte de rendimento, exceto algum benefício de pensão por morte, auxílio-acidente ou auxílio-reclusão, de valor mínimo, ou ainda benefício previdenciário pela participação em plano de previdência complementar.
Do mesmo modo, o exercício de outra atividade remunerada durante a entressafra não descaracteriza a qualidade de segurado especial, desde que por período não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil.
Pode o mesmo, inclusive, exercer artesanato, atividade artística, mandato de dirigente sindical, mandato de vereador do Município, ou de dirigente de cooperativa rural de segurados especiais.
Por fim, a principal conseqüência do enquadramento como segurado especial, é que o mesmo contribui apenas sobre sua produção, ou seja, não necessita comprovar recolhimento de contribuições para ter acesso aos benefícios previdenciários, por expressa previsão na regra permanente do artigo 39, I da Lei 8.213/91.
Tal permissivo legal leva a uma enorme busca pelo enquadramento como segurado especial por parte de todos aqueles que sempre trabalharam na informalidade sem recolhimento de contribuições, sendo grande fonte de fraudes e de ações judiciais contra o INSS.
2.2 Empregado Rural
Nos exatos termos do artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.213/91, o empregado rural é aquele que presta serviço de natureza rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração.
Como bem esclarece Fábio Zambitte Ibrahim[6], apesar da Lei nº 8.213/91 trazer algumas diferenças nas outras espécies de segurados urbanos e rurais, quando se trata da figura do trabalhador empregado, inexiste maiores diferenças entre o empregado urbano e o empregado rural.
Em uma análise preliminar, a expressão “caráter não eventual” parece afastar a figura objeto do presente estudo, o trabalhador “boia-fria”, do enquadramento como empregado, justamente pelo fato da eventualidade ser a principal característica deste trabalhador.
Todavia, dificuldade maior surge no tocante ao empregado temporário[7], popularmente conhecido no meio rural como “safrista”, que presta serviço por período certo de tempo, contratado apenas pela duração da safra.
Tal figura teve recentemente desburocratizada sua contratação, com a Lei nº 11.718/08, que alterou a Lei nº 5.889/73.
Conforme ensina Fábio Zambitte Ibrahim[8], a referida norma passou a permitir que os mesmos fossem contratados por empregadores rurais pessoas físicas sem que fosse necessária a assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) desde que o contrato de trabalho ocorra por pequeno prazo, qual seja, entre 02 (dois) meses e 01 (um) ano.
Em tais hipóteses, o registro em CTPS deverá ser substituído por contrato de trabalhado escrito, acompanhado de todos os recolhimentos previdenciários e consectários legais
Tal medida, com provável intuito de diminuir a informalidade no campo, acabou por gerar certa insegurança jurídica, pois gera a falsa idéia de que este trabalhador não seria empregado, quando na verdade também é, sendo que os recolhimentos previdenciários igualmente continuam sob responsabilidade do empregador.
Por fim, importante ressaltar que alguns trabalhadores que exercem suas atividades em pequenas propriedades rurais podem ainda vir a serem enquadrados como Empregados Domésticos[9](artigo 11, II da Lei nº 8.213/91), quando tais propriedades não tenham intuito de lucro, como nas chácaras de lazer, por exemplo.
2.3 Trabalhador Autônomo Rural (Contribuinte Individual)
O conceito legal de trabalhador autônomo rural[10], que se enquadra como contribuinte individual, é dado pela Lei nº 8.213/91:
g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;
Assim, nota-se que a principal característica que distingue o trabalhador autônomo do trabalhador empregado é a eventualidade da prestação dos serviços.
O ponto crucial do enquadramento como contribuinte individual é que este, apesar de segurado obrigatório da previdência social, é o único responsável pelo recolhimento de suas próprias contribuições.[11]
Isso significa que, caso não venha a contribuir, não fará jus aos benefícios previdenciários, não cabendo aproveitar-se de sua própria torpeza, sob a alegação de que caberia a previdência fiscaliza-lo.
A propósito, vale a pena colher a lição do acórdão proferido na Apelação Cível nº 1051661[12], pela Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO. PENSÃO POR MORTE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. NÃO CARACTERIZADO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS". APLICAÇÃO DO ARTIGO 102 DA LEI Nº 8.213/91. TERMO INICIAL. VALOR DO BENEFÍCIO. VERBAS ACESSÓRIAS.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
[...]
III - Diante da dimensão da propriedade rural, restou descaracterizado o regime de economia familiar.
IV - Enquadrando-se o falecido no conceito de contribuinte individual, a teor do art. 11, V, "a", da Lei n. 8.213/91, eram de sua responsabilidade os recolhimentos das contribuições previdenciárias.[...]
(GRIFO NOSSO)
Excepcionalmente, o contribuinte individual rural também fará jus à aposentadoria rural por idade no valor de 01 (um) salário-mínimo independente da comprovação do recolhimento de contribuições.
Isso porque a Lei Nº 11.718/08 expressamente prorrogou, para os contribuintes individuais rurais, a vigência do artigo 143 da Lei 8.213/91 até 31/12/2010, nos seguintes termos:
Art. 2o Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a 1 (uma) ou mais empresas, sem relação de emprego. (GRIFO NOSSO)
Todavia, quanto a todos os demais benefícios previdenciários, o trabalhador que for enquadrado como contribuinte individual deverá comprovar ter recolhido suas contribuições tempestivamente, sendo que sem tais recolhimentos, não fará jus aos benefícios previstos na Lei nº 8.213/91.
2 .4 Empregador Rural
O empregador rural desempenha, em regra, o papel de patrão dos trabalhadores rurais em geral. Ainda assim, pelo fato de exercer atividade econômica, o mesmo também recebe proteção previdenciária, se enquadrando como segurado obrigatório.
O artigo 11, V, da Lei nº 8.213/91, expressamente prevê que o enquadramento do empregador rural:
V - como contribuinte individual: (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§ 9o e 10 deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
Assim, percebe-se que a redução atual do citado dispositivo legal, enquadra o empregador rural como contribuinte individual, e por esse motivo, cabe ao mesmo a responsabilidade pelo recolhimento de suas próprias contribuições, para fazer jus aos benefícios previdenciários, conforme acima explanado.
Por fim, note-se que o citado dispositivo legal se aplica também ao produtor rural que, mesmo sem empregados, explora grandes áreas, iguais ou superiores a 04 módulos fiscais, pois se presume que em tais casos a atividade não se destina à subsistência familiar, e sim ao aferimento de lucro.
2.5 Trabalhador Avulso Rural
A figura do trabalhador avulso[13]aparece nas hipóteses em que, não havendo configuração de relação empregatícia, o trabalhador presta serviços com a intermediação obrigatória de sindicato, ou órgão gestor de mão de obra.
Conforme ensina Fábio Zambitte Ibrahim[14], é justamente a existência de tal intermediação que distingue o trabalhador avulso do contribuinte individual.
Nada obsta existência de um trabalhador avulso rural, uma vez que, inclusive, o conceito legal previsto no artigo 9º, VI, do Regulamento Da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, expressamente prevê que o trabalhador avulso pode ser considerado aquele que presta serviço de natureza rural:
VI - como trabalhador avulso - aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra, nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou do sindicato da categoria, assim considerados:
Todavia, tal espécie de segurado não é muito comum na área rural, uma vez que, em regra, os sindicatos dos trabalhadores rurais não realizam costumeiramente a referida intermediação.