I – INTRODUÇÃO
Independentemente de boa-fé no recebimento, se a concessão do benefício previdenciário decorreu da antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, cabe o ressarcimento ao erário, conforme novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça exposto no recurso especial 1.384.418/SC, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, publicado em 30/08/2013, tema abordado no presente artigo.
II – NOVO ENTENDIMENTO DO STJ
O STJ adotou novo posicionamento quanto à possibilidade de devolução de valores de benefício previdenciário auferidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada, conforme se vê do julgado no recurso especial 1.384.418/SC, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, publicado em 30/08/2013.
As medidas antecipatórias, tal como é o caso da antecipação dos efeitos da tutela, são provisórias, precárias e revogáveis a qualquer tempo, antes do trânsito em julgado da ação.
As partes têm ciência dessa precariedade e, nas hipóteses em que ocorre a revogação de tais medidas, devem retornar ao estado econômico anterior, consoante a aplicação dos artigos 273, parágrafo 3.,° e 811, I e III, do Código de Processo Civil, bem como em observância à vedação de enriquecimento ilícito prevista nos artigos 884 e 885 do Código Civil e ao propugnado pelo artigo 3º da Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro.
A jurisprudência até então era no sentido de que o princípio da irrepetibilidade dos alimentos e a propalada percepção de boa-fé impediam a cobrança de valores de ressarcimento decorrentes da revogação de tutela antecipada ou mesmo do julgamento favorável à Fazenda Pública em ação rescisória.
Recentemente, contudo, o Superior Tribunal de Justiça reviu seu posicionamento e, assim, incitou os demais tribunais a adequarem seu posicionamento. É do referido julgado do STJ, in litteris:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidorpúblico." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991).12. Recurso Especial provido.(STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.384.418 - SC, MINISTRO HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, DJe: 30/08/2013) (g.n.)
Quanto à presente temática, aplicável a lição de Nelson Nery Júnior, verbis:
Irreversibilidade dos fatos. A norma fala na inadmissibilidade de da concessão da tutela antecipada, quando o provimento for irreversível. O provimento nunca é irreversível, porque provisório e revogável. O que pode ser irreversível são as conseqüências de fato ocorridas pela execução da medida, ou seja, os efeitos decorrentes de sua execução. De toda sorte, essa irreversibilidade não é óbice intransponível à concessão do adiantamento, pois, caso o autor seja vencido na demanda, deve indenizar a parte contrária pelos prejuízos que ela sofreu com a execução da medida. (Código de Processo Civil Comentado, 11ª edição, RT, p. 553).
Assim, independentemente de boa-fé no recebimento, se a concessão do benefício decorreu da antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada ou mesmo de erro administrativo, cabe o ressarcimento ao erário. No caso de erro administrativo, aplica-se, ainda, o exercício do poder-dever da administração pública de rever seus atos, conforme preceitua a Súmula 473 do STF.
Ao analisar a Reclamação 6512/RS, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não é possível adotar o entendimento de que valores recebidos como consequência da boa-fé são irrepetíveis, sem declarar a inconstitucionalidade do artigo 115, da Lei n° 8.213/1991 e que, ao fazê-lo, viola-se a Súmula Vinculante 10. É da decisão liminar proferida pelo Ministro Cezar Peluso:
Trata-se de reclamação constitucional contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial nº 1.016.470.Alega que, ao determinar a desnecessidade da devolução dos valores recebidos em excesso, de boa-fé, por força de decisão que concedeu antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, afrontou a autoridade do enunciado da Súmula Vinculante nº 10, DJ de 27.06.2008, uma vez que órgão fracionário afastou a incidência do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, sem declarar sua inconstitucionalidade.Requer, liminarmente, seja suspenso o Recurso Especial nº 1.016.470, até o julgamento final desta reclamação.O reclamado prestou informações (fls. 42/43) remetendo cópias das decisões proferidas nos autos do Recurso Especial nº 1.016.470.2. O caso é de liminar.Neste juízo prévio e sumário, o ato decisório parece afrontar os termos da Súmula Vinculante nº 10, que estabelece que: "Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte."3.Do exposto, defiro a liminar para que seja imediatamente suspenso o andamento do Recurso Especial nº 1.016.470, em trâmite perante o Superior Tribunal de Justiça, até o julgamento definitivo desta reclamação. À Procuradoria-Geral da República.Publique-se.Brasília, 18 de dezembro de 2008. (g.n.)
Ao final, a Reclamação 6512/RS foi julgada procedente, em decisão da lavra do Ministro Gilmar Mendes, a seguir transcrita:
Trata-se de reclamação ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra o Superior Tribunal de Justiça, o qual, no julgamento do REsp 1.016.470, Rel. Min. Felix Fischer, teria afastado a aplicação do art. 115 da Lei n. 8.213/91 e dos arts. 273, § 2º, e 475-O, ambos do CPC, em violação à Súmula Vinculante n. 10.O então Relator, Min. Cezar Peluso, deferiu a medida liminar em decisão de fl. 75.Há parecer da Procuradoria-Geral da República pela procedência da reclamação (fls. 87-91), uma vez que "afastou o órgão fracionário a incidência de dispositivo infraconstitucional, contrariando o Princípio da Reserva de Plenário (art. 97, CF) e, por conseguinte, a Súmula Vinculante nº 10".Decido.A decisão reclamada, qual seja, acórdão da Quinta Turma do STJ proferido por unanimidade no agravo regimental no agravo regimental nos embargos declaratórios no recurso especial (REsp-ED-AgR-AgR) n. 1.016.470, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 25.8.2008, está assim ementada:"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE RECURSAL. NÃO CARACTERIZADO. TUTELA ANTECIPADA. REVOGAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DA MEDIDA ANTECIPATÓRIA. DESNECESSIDADE. BOA-FÉ DO SEGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.I. A oposição de embargos de declaração, rejeitados, e a posterior interposição de agravo regimental contra a mesma decisão monocrática, não caracteriza violação ao princípio da unirrecorribilidade recursal.II. É incabível a devolução pelos segurados do Regime Geral da Previdência Social de valores recebidos por força de decisão judicial antecipatória dos efeitos da tutela, posteriormente revogada. Entendimento sustentado na boa-fé do segurado, na sua condição de hipossuficiente e na natureza alimentar dos benefícios previdenciários.Agravo regimental desprovido." (grifei)Em seu voto, o Relator consignou que "entendeu-se no caso dos autos pelo afastamento das normas dos arts. 115 da Lei nº 8.213/91, e 273, § 2º, e 475-O, ambos do CPC (...) em razão da boa-fé da segurada/agravada e da sua condição de hipossuficiente, incapacitada de abrir mão de parte de seu já reduzido benefício previdenciário sem comprometimento de sua própria sobrevivência" (grifei - fl. 60).Ademais, afirmou que "se [os referidos dispositivos] não foram aplicados ao caso concreto, foi em razão da necessidade de preservação das condições mínimas de vida da segurada" (grifei - fl. 60).Por fim, acrescente-se que esta Corte já reconheceu que o princípio da boa-fé possui status constitucional, podendo, dessarte ser aplicado como parâmetro de controle de constitucionalidade. Nesse sentido: AI-AgR 490.551, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ 3.9.2010; AI-AgR 410.946, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 7.5.2010; RE 478.410, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, DJ 14.5.2010.Assim, concluo que a não-aplicação de norma infraconstitucional ao caso concreto pelo órgão fracionário não se deu por simples cotejo entre normas infraconstitucionais, e, sim, por verdadeira declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos, em detrimento da Súmula Vinculante n. 10. Nesse sentido: Rcl 7.322 e 7.856, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ 13.8.2010.Ante o exposto, julgo procedente a reclamação (RISTF, art. 161, par. único).Publique-se.Brasília, 16 de novembro de 2010.
III – CONCLUSÃO
Em conclusão, o STJ entende que é cabível a cobrança de valores de benefício previdenciário auferidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada e devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: “a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991).”
IV – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL 1.384.418/SC. Relator: Ministro Herman Benjamin. Primeira Seção, DJe: 30/08/2013.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Reclamação 6512/RS. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJe-223 19/11/2010, publicado em 22/11/2010.