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Um ano das manifestações populares de junho de 2013.

Reflexões acerca da efetividade do atual modelo de democracia representativa em vigência no Brasil

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Este trabalho faz breve reflexão acerca das manifestações ocorridas no país durante o mês de junho de 2013, analisando sucintamente alguns dos resultados surgidos a seguir, e o problema da real representatividade dos eleitos.

Resumo: Este trabalho faz breve reflexão acerca das manifestações ocorridas no país durante o mês de junho de 2013, analisando sucintamente alguns dos resultados surgidos a seguir, e o problema da real representatividade dos eleitos.

Palavras-chave: Manifestações. Efetividade. Democracia representativa.


INTRODUÇÃO

A onda de manifestações ocorridas no Brasil desde junho de 2013, inicialmente realizadas com pretexto de questionar o aumento das passagens de ônibus em várias metrópoles do país, serviu de alicerce para realização de inúmeros protestos em razão de diversos problemas socioeconômicos pelos quais o país passa.

Seja a corrupção política, os gastos públicos exorbitantes, problemas salariais ou estruturais, muito foi contestado e continua sendo alvo de críticas por meio de manifestações.

Apesar dos holofotes da mídia aos protestos, pouco se tem discutido acerca da eficácia do movimento, que surgido diante de uma democracia, governo do povo, permite reflexão acerca da real representatividade dos eleitos, e satisfação da sociedade com a atual forma de gerência do legislativo.

Além disso, pouco se tem noticiado acerca da efetividade das medidas populares do ano pretérito perante o legislativo federal. Muito se falou de reforma política, tributária, realização de nova assembleia constituinte e criação de leis modificativas, mas pouco se viu no sentido da real efetividade de tudo aquilo reclamado pela população.

É com a intenção de refletir sobre as questões versadas, que o trabalho pretende num primeiro momento versar sobre a origem e bases do Estado, tratando do que é a democracia representativa e os principais desafios para sua efetividade, para num segundo momento dizer sobre os movimentos populares de junho de 2013 e as principais reivindicações, visando por fim tratar dos resultados obtidos e o que eles demonstram no sentido da real eficácia do modelo representativo em uso no país.


1. O ESTADO E A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO BRASIL: BASES E PRINCIPAIS DESAFIOS

Na pesquisa sobre a origem do Estado de Direito, a teoria contratualista situada em autores como Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau, dentre outros, situa o apogeu do Estado de Direito na necessidade de regras para proteção à vida, segurança e patrimônio.

Enquanto em Thomas Hobbes essa convivência surge em razão do contínuo estado de guerra entre os homens[2] e como um mal necessário ao estabelecimento da paz[3], em John Locke o surgimento do estado de direito remonta à necessidade de proteção da vida e propriedade[4], e em Rousseau da vontade geral[5].

A visão contratualista, em que pese a divergência entre os estudiosos[6], serve de substrato essencial para a compreensão da relação entre o Estado e seu povo, bem como reflexão acerca da importância dos indivíduos na constituição das leis e regras jurídicas em vigência.

O Brasil, conforme lembra Bonavides (2001, p. 266), escolheu a democracia como forma de governo, e adota o sistema representativo de gestão. Através dele, lembra Quintão (2001), há uma autorização outorgada pelo povo a um órgão soberano, institucionalmente legitimado pela constituição, para agir autonomamente em nome do povo e dos interesses deste.

O ideal é de que o sistema representativo pudesse corresponder aos anseios da população, pois como bem lembra Quintão: “[...] tal sistema deve criar condições institucionais para viabilizar a cidadania plena e coletiva (2001, p. 319). Porém, a realidade trazida à tona com a recente onda de manifestações evidencia a necessidade de reflexão sobre os rumos que o modelo tem tomado no Brasil.

Bonavides aponta através de estudos realizados em sua obra, por um tormentoso problema de identidade no sistema representativo, pois acaba muitas vezes, voltando-se para a defesa de interesses de determinadas classes e vontades pessoais. Para o autor (2001, p. 217-218):

Não fala a vontade popular, não falam os cidadãos soberanos de Rousseau; fala, sim, a vontade dos grupos, falam seus interesses, falam suas  reivindicações. Com a presença inarredável dos grupos, o antigo sistema representativo padeceu severo e profundo golpe. Golpe que fere de morte também o coração dos sentimentos democráticos, volvidos para o anseio de uma “vontade geral”, cada vez mais distante e fugaz. [...] o princípio da - “identidade”‘, tão caro à doutrina democrática, foi “instrumentalizado”- aqui com máxima eficácia- para colher vivos e sem deformações os interesses prevalentes dos grupos que estão governando a chamada sociedade de massas e lhe negam a vocação democrática. O termo representação passou pois por aquela “depravação ideológica” a que se refere Hans J. Wolff e o sistema representativo culmina logicamente numa depreciação progressiva da independência do representante, cada vez mais “comissário”, cada vez menos “representante”.

A preocupação apresentada pelo estudioso é corriqueira na literatura referente ao assunto, e está presente na obra de diversos outros autores nacionais. Dalmo de Abreu Dallari versa ainda da gigantesca heterogeneidade no legislativo, expondo que:

[...] os conflitos freqüentes e profundos tornaram o processo legislativo demasiado lento e tecnicamente imperfeito, pela necessidade de acordos e transigências sempre que se debate um assunto relevante. E à vista disso tudo, vários autores e muitos líderes concluíram que a falha está no povo, que é incapaz de compreender os problemas do Estado e de escolher bons governantes. Esse é um dos impasses a que chegou o Estado Democrático: a participação do povo é tida como inconveniente, e a exclusão do povo é obviamente antidemocrática.(2002, p. 301).

Norberto Bobbio traz em sua obra "O futuro da democracia" uma discussão muito importante acerca do atual modelo de representatividade, deixando muito claro o problema da transformação da ação política em carreira, pois os eleitos: "[...] terminam por constituir uma categoria à parte, a dos políticos de profissão, isto é, daqueles que [...] não vivem apenas para a política mas vivem da política." (1997, p. 47-48).

Mesmas questões são abordadas com várias outras peculiaridades por Lenio Steck (2003, p. 106-107), Quintão (2001, p. 327 e ss.), Ferreira Filho (2001, p.24  e ss.), Maluf (2007, p. 241 e ss.), Canotilho (1993, p. 258, 409 e ss.) dentre outros.

A breve reflexão tecida acerca das mazelas havidas no sistema representativo pátrio seve como justificativa, ao menos no plano teórico, e numa visão prefacial, para as manifestações ocorridas no mês de junho de 2013. Se o sistema representativo atendesse diretamente os anseios da população não haveriam motivos para que se iniciassem.


1. AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013: PRINCIPAIS REIVINDICAÇÕES E ALGUMAS CRÍTICAS AOS RESULTADOS

Iniciadas em grandes cidades com finalidade de repreender o aumento das passagens de ônibus, as manifestações de junho de 2013 acabam por refletir a indignação de grande parcela da sociedade[7] com inúmeras questões socioeconômicas e políticas, e conforme observa Nascimento (2013, p. 78), a indignação pelo aumento do preço das passagens foi apenas estopim:

Tal aumento foi apenas a motivação final necessária para a população decidir pela união contra todas as injustiças praticadas pelo governo, como a falta de investimento em educação - pois lhe é conveniente - a baixa qualidade da saúde pública, a situação deplorável em que os meios de transporte se encontram, além de medidas parlamentares que ofendem o direito do povo à democracia.

Milhares de pessoas resolveram sair às ruas, e utilizar da oportunidade para efetuar reivindicações das mais diversas. Conforme informa o sítio Wikipedia:

Inicialmente restrito a pouco milhares de participantes, os atos pela redução das passagens nos transportes públicos ganharam grande apoio popular em meados de junho, em especial após a forte repressão policial contra os manifestantes, cujo ápice se deu no protesto do dia 13 em São Paulo. Quatro dias depois, um grande número de populares tomou parte das manifestações nas ruas em novos diversos protestos por várias cidades brasileiras e até do exterior. Em seu ápice, milhões de brasileiros estavam nas ruas protestando não apenas pela redução das tarifas e a violência policial, mas também por uma grande variedade de temas como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má qualidade dos serviços públicos e a indignação com a corrupção política em geral. Os protestos geraram grande repercussão nacional e internacional.[8]

A mídia e poder público em geral reconheceram os movimentos realizados como legítimos[9], contudo, como bem assevera Harvey (2013, p. 148): "O desafio, agora, é consolidar esse avanço no que se refere às mobilizações dos movimentos sociais [...]" (2013, p. 148).

Mais de um ano se passou desde o início dos protestos em meados de 13 de junho de 2013, e ao menos no plano legislativo federal, iniciadas as discussões acerca de algumas das bandeiras levantadas, até então pouco parece ter sido modificado. Os gastos com a Copa do Mundo não diminuíram ou têm sido justificados de forma transparente[10], não houve qualquer reforma tributária, ou aumento significativo dos investimentos em saúde e educação.

Tal questão é fruto de inúmeros questionamentos em sítios e redes sociais. O economista Edson Trajano, em artigo escrito para o jornal "O vale" em outubro de 2013 tratou muito propriamente do problema da ausência de modificações relevantes no cenário nacional:

Passados quatro meses das manifestações que ocorreram no Brasil, poucas foram as mudanças significativas nas áreas de saúde, educação e transporte coletivo. [...] A reivindicação de redução nas tarifas do transporte público foi atendida na maioria das cidades. O preço pago pela população foi a redução nos investimentos na área de infraestrutura de transporte público e o possível aumento dos impostos acima da inflação, sobretudo do IPTU. O problema de mobilidade urbana foi resultado da desastrosa política que priorizou, nas últimas décadas, o transporte individual, em vez de investir no transporte coletivo. [...] Em relação aos investimentos em saúde e educação reivindicados nas ruas, pouco foi feito. A única ação relevante foi o polêmico programa “Mais Médicos”. [...] As ações foram focadas apenas em curto prazo, a exemplo da contração de médicos para resolver problemas emergenciais. [...] Na área de educação, a preocupação central dos governantes, nas três esferas, é a apresentação de indicadores quantitativos, tanto no número de pessoas com o ensino superior, quanto no índice de aprovação dos alunos no sistema de progressão continuada, que é usado como indicador de remuneração dos professores. Ou seja, em escolas que reprovam mais alunos o professor não ganha bônus de rendimento. Melhorias na qualidade no ensino exigem mais investimentos e mais tempo de escola, com mais tempo para formação, investimentos em infraestrutura e pessoal. Para o ensino básico é essencial a ampliação das escolas em tempo integral. De um modo geral, o resultado das manifestações de junho foi o aumento da pressão popular sobre os governantes. Os resultados foram apenas ações de curto prazo, que resultaram no aumento dos gastos públicos de forma desorganizada, mantendo a precária prestação de serviços à população[11].

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Marco Antônio Villa, em publicação realizada em dezembro de 2013 no jornal "O Globo", trouxe à tona sua indignação pelo adormecimento ocorrido no poder público após as manifestações. Segundo ele:

O gigante voltou a adormecer. Seis meses depois das manifestações de junho, o Brasil continua o mesmo. Nada mudou. É o Brasil brasileiro de sempre. Mais uma vez, os fatores de permanência foram muito mais sólidos do que os frágeis fatores de mudança. [...] As instituições democráticas estavam — e continuaram — desmoralizadas. [...] O Congresso Nacional continua o mesmo. São os “white blocs.” Destroem as esperanças populares, mostram os rostos — sempre alegres — e o sorriso de escárnio. Odeiam a participação popular. Consideram o espaço da política como propriedade privada, deles. E permanecem fazendo seus negócios…. [...] Seis meses depois, estamos no mesmo lugar. A política continuou tão medíocre como era em junho. A pobreza ideológica é a mesma. Os partidos nada representam. Não passam de uma amontoado de siglas — algumas absolutamente incompreensíveis. Política persiste como sinônimo de espetáculo. [...] O gigante continua adormecido. Em junho, teve somente um espasmo. Nada mais que isso. Quando acordou, como ao longo dos últimos cem anos, preferiu rapidamente voltar ao leito. É mais confortável. No fundo, não gostamos de política. Achamos chato. Voltamos à pasmaceira trágica. É sempre mais fácil encontrar um salvador. Que pense, fale, decida e governe (mal) em nosso nome.[12]

Apesar dos vários manifestos, inclusive com entendimento de que os resultados das reivindicações foram satisfatórios[13], pouco foi visto no sentido de trazer real efetividade das reivindicações, conforme melhor se estudará a seguir.


3. ANÁLISE DA REAL EFEDADE DAS MANIFESTAÇÕES: UMA REFLEXÃO ACERCA DO ATUAL MODELO DEMOCRÁTICO PÁTRIO

Para consecução dos objetivos do trabalho, demonstra-se importante proceder a uma sucinta avaliação de efetividade pela qual, segundo Boullosa & Araújo (2009, p.120), seja possível o exame da implementação das medidas reivindicadas pelo povo perante o legislativo, por meio de uma perspectiva comparativa entre o antes e o depois.

Essa medida é essencial, uma vez que de acordo com Rico (1998, p. 33), a tradição brasileira é bastante pobre em termos de estudos de avaliação da efetividade das políticas públicas.

A avaliação permitirá uma visão dos resultados alcançados pelas manifestações perante o legislativo federal, bem como compreensão da eficácia do movimento popular realizado.

Antes de mais nada, é preciso tomar parte das principais bandeiras que foram reivindicadas nos protestos ocorridos em junho de 2013, para que seja possível avaliar e tratar das medidas criadas pelo Poder Público para efetivá-las.

Dentre outras, as principais reivindicações foram: a da redução do preço das passagens e melhorias no transporte público; realização de reforma política e combate à corrupção; maiores investimentos em saúde e em educação, bem como realização de reforma tributária.

No que diz respeito à redução dos preços das passagens de ônibus, as reivindicações foram prontamente atendidas, e as capitais praticamente na totalidade procederam à realização da exigência popular, por meio de medidas que possibilitaram a redução de impostos às empresas e redução das passagens, conforme noticiou o sítio G1:

Sete capitais brasileiras anunciaram em junho a redução do preço da passagem de ônibus: Cuiabá, João Pessoa, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife e Vitória. Com exceção de Cuiabá e Porto Alegre, as outras cinco cidades já haviam aumentado o preço neste ano. E agora voltaram atrás. [...] PORTO ALEGRE - Na capital gaúcha, o prefeito José Fortunati divulgou nesta terça-feira que o valor será reduzido, no mínimo, de R$ 2,85 para R$ 2,80. A queda, segundo ele, será possível devido à isenção do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre o transporte coletivo. O prefeito pedirá ao governo do estado a isenção de ICMS no óleo diesel, o que permitirá, eventualmente, uma redução a até R$ 2,70. RECIFE - Em Pernambuco, o governador Eduardo Campos informou que haverá a redução da tarifa em R$ 0,10 no Recife e na Região Metropolitana. CUIABÁ - Na capital de Mato Grosso, a tarifa terá uma redução de R$ 0,10 e a passagem deverá custar R$ 2,85. A medida passa a valer nesta quarta (19). JOÃO PESSOA - Já na capital da Paraíba, a passagem vai passar de R$ 2,30 para R$ 2,20 a partir do dia 1º de julho. MANAUS - Na cidade, a Prefeitura reduziu de R$ 3 para R$ 2,90 o preço da passagem. VITÓRIA - No Espírito Santo, a isenção do PIS/Cofins possibilitou a redução de R$ 2,45 para R$ 2,40, segundo a Prefeitura da capital. NATAL - No Rio Grande do Norte, a medida provisória que zerou os impostos também foi usada como pretexto para a diminuição, de R$ 2,40 para R$ 2,30, em Natal[14].

Além das metrópoles citadas, também houvera reduções noticiadas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte[15].

Sobre a melhoria no transporte público, após realização da redução nas tarifas, as discussões continuaram mas poucas medidas foram tomadas em efetivo, cas omo bem relatado pelo sítio Última Instância no dia 24 de junho deste ano:

De todas as propostas relativas à mobilidade urbana apresentadas desde junho passado, o único projeto aprovado a se tornar lei foi o que reduz a zero as alíquotas de PIS/Pasep e Cofins sobre a receita do transporte urbano municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros (Lei 12.860/2013). Veja a situação de outras propostas para a melhoria do transporte público:

Isenções e incentivos

Além da lei acima, outras isenções estão previstas no PLC (Projeto de Lei Complementar) 310/2009. Este projeto institui o reitup (Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros), condicionado à implantação do bilhete único temporal ou rede integrada de transportes. A proposta, aprovada em caráter terminativo na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), foi encaminhada para exame da Câmara em agosto de 2013.

[...]

Também aprovado na CAE, aguarda votação na CI (Comissão de Infraestrutura), o PLS 11/2013, que destina recursos da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) a projetos de transportes coletivos ou não motorizados. A proposta, do senador Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP), estabelece que esses projetos, como corredores expressos e ciclovias, devem receber no mínimo 5% dos recursos provenientes da Cide-Combustíveis.

[...]

Na CAE, aguarda votação o PLS 268/2012, do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que concede benefícios a veículos utilizados em transporte coletivo, com objetivo de melhorar a frota e baratear as passagens. O projeto, já aprovado na CI, isenta de PIS/Pasep e Cofins os veículos para transporte de dez pessoas ou mais, incluído o motorista. A proposta tem voto favorável do senador Gim (PTB-DF), relator da matéria.[16]

A realização de reformas políticas, outro ponto reivindicado pelo povo continua em discussão, pois ainda não há opinião formada no sentido de haver uma reforma constituinte decidida por plebiscito[17], ou reforma por meio de leis.

Apenas no plano eleitoral surgiram algumas modificações com a Lei 12.891/2013 que regulamentou questões da propaganda eleitoral, contas de campanha e contratação de cabos eleitorais[18]. Apesar disso, o TSE entendeu no que as modificações efetuadas, em respeito ao princípio da anterioridade eleitoral (art. 16 da Constituição), somente poderão ser aplicadas a partir das eleições de 2016[19].

Já sobre as medidas para combate à corrupção, o projeto de lei que visa transformar em crime hediondo (PL 5.900/2013) os delitos de corrupção e concussão dentre outros, ainda se encontra em tramitação junto à Câmara, e aguardando desde abril de 2014 a aprovação pelo plenário[20].

Em tratando da saúde, o Governo Federal criou no segundo semestre de 2013 o programa "Mais Médicos", que visa levar médicos a municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil. Conforme informações postadas no sítio do programa:

O Programa Mais Médicos faz parte de um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, que prevê investimento em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde não existem profissionais. Com a convocação de médicos para atuar na atenção básica de periferias de grandes cidades e municípios do interior do país, o Governo Federal garantirá mais médicos para o Brasil e mais saúde para você. As vagas serão oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas regiões onde faltam profissionais. No caso do não preenchimento de todas as vagas, o Brasil aceitará candidaturas de estrangeiros, com a intenção de resolver esse problema, que é emergencial para o país.  Os municípios não podem esperar seis, sete ou oito anos para que recebam médicos para atender a população brasileira. Hoje, o Brasil possui 1,8 médicos por mil habitantes. Esse índice é menor do que em outros países, como a Argentina (3,2), Uruguai (3,7), Portugal (3,9) e Espanha (4). Além da carência dos profissionais, o Brasil sofre com uma distribuição desigual de médicos nas regiões - 22 estados possuem número de médicos abaixo da média nacional.  (Confira o Diagnóstico da Saúde no Brasil)[21]

Apesar de inúmeras polêmicas surgidas em torno do programa "Mais Médicos", em especial pelo fato de terem vindo inúmeros profissionais do exterior para preenchimento de vagas, pesquisas realizadas chegaram a computar a aprovação do programa por mais de 80% da população[22]. Tal pesquisa reflete a importância e efetividade do programa implementado, que tem trazido significativas melhorias face às reivindicações por saúde.

Na educação e também na saúde foi aprovada legislação que prevê a destinação para tais áreas de parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural (Lei dos Royalties ou pré-sal, Lei 12.858/2013). Segundo tal lei, será destinado 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-Sal para educação, bem como 25% dos royalties para saúde.

Apesar dos resultados positivos das reivindicações populares em tais setores, é de se notar a ausência de projetos e planejamentos para aplicação dos recursos, fator que acabará por culminar na malversação dos valores.

Por fim, necessário versar sobre a reforma tributária.

Mesmo com o reconhecimento praticamente unânime da imprescindibilidade[23], nenhuma reforma foi realizada desde as manifestações do ano pretérito. Muito se tem reclamado da complexidade, cumulatividade e excessividade dos Tributos, mas as reformas necessárias continuam apenas no papel.

Das reivindicações analisadas, depreende-se que tão somente aquelas relacionadas à saúde e educação trouxeram, após os protestos, algum resultado positivo com destinação de recursos e criação do programa "Mais Médicos".

Ainda que tenha havido na época redução do preço das passagens de ônibus, a medida teve caráter tão somente emergencial, buscando o fim das manifestações e reestruturação da ordem. Passado isso, não foram efetivadas medidas para melhoria do transporte público, e as passagens voltaram a aumentar nesse ano em várias capitais, como Belo Horizonte[24], sem que tenham havido novos protestos.

Portanto, das sete reivindicações selecionadas para sucinta análise no trabalho, somente é possível dizer da presença de alguma efetividade no que foi reivindicado para redução das passagens e melhorias na saúde, pois nos demais tópicos nada se tornou efetivo. Nenhuma reforma política, tributária, nenhuma melhora na educação ou nos transportes públicos. Nada para punir com mais rigor a corrupção.

É com tais resultados, fruto de sucinta avaliação de efetividade (e aqui não se pretendeu de forma alguma esgotar o assunto, pois trata de simples ensaio), que torna-se possível pensar no real funcionamento do sistema representativo.

Como tratado no tópico "O Estado e a democracia participativa no Brasil", pelos resultados obtidos, fica muito evidente que o sistema representativo ainda em vigência no país não tem o devido funcionamento.

Infelizmente, o Brasil convive com o problema da "independência" dos representantes, que deixam de visar os interesses do povo para realizar a defesa de interesses meramente pessoais, que deixam de visar o bem geral para atender a pretensões de certas classes, que se entregam à política como carreira e não como missão, que esquecem que são meros representantes do povo.

Os resultados surgidos após as manifestações populares deixam bastante visível o abismo existente entre a população e o Poder Público, pelo menos em âmbito federal, no qual se focaram mais especificamente os breves estudos feitos.

Mesmo diante dos clamores gerais, poucas mudanças existiram até então nos âmbitos legislativo e executivo, para que as pretensões populares sejam atendidas, e tal resultado é bastante perturbador, pois parece externar empiricamente a inefetividade do sistema representativo.

Muito se tem falado da implantação no Brasil de um modelo de democracia participativa, que permita a participação efetiva das comunidades nas decisões a serem tomadas pelo poder público.

Acontece que existem inúmeros desafios, a começar pela efetividade do sistema representativo, pois de nada adianta buscar a participação do povo, se muitas das principais decisões a serem tomadas continuam na competência dos eleitos.

Enfim, muito tem que ser refletido e modificado na mentalidade política da população, para que haja maior interesse pelas decisões políticas e também pela efetividade do modelo representativo adotado.

Acontece que em razão dos contínuos escândalos políticos, corrupção e mentalidade avessa às questões políticas, a sociedade continua aceitando a existência do abismo entre o poder público e suas reais pretensões.

Tal situação lamentável faz lembrar muito bem de versos do escritor alemão Bertold Brecht no poema "O analfabeto político"[25], e fazem continuar a existir a dissociação entre representantes e representados.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Santana Pereira

É licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei e Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Advogado militante e professor do curso de Direito do IPTAN- Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Pós-graduado em Direito Público pela UCAM e em Educação Ambiental pela UFSJ. Pós-graduando em Direito Ambiental e em Gestão de Pessoas e Projetos Sociais. Membro da Academia Sanjoanense de Letras e das Comissões de Meio Ambiente e de Comunicação da 37ª OAB/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Pedro Henrique Santana. Um ano das manifestações populares de junho de 2013.: Reflexões acerca da efetividade do atual modelo de democracia representativa em vigência no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4094, 16 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29956. Acesso em: 29 mar. 2024.

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