Desde 29 de janeiro de 2014, a nova lei anticorrupção brasileira (Lei 12.846/2013) entrou em vigor. O seu objeto é a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Ela é fruto do esforço do governo federal (CGU), da sociedade civil, do parlamento e dos compromissos internacionais do Brasil, com a Convenção Interamericana Contra a Corrupção da OEA (1996), da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE (1997), e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (2003). As manifestações públicas ajudaram sua rápida aprovação.
O combate à corrupção é tarefa multifacetada e que exige uma grande mudança institucional, pessoal e social em um país que transformou este fenômeno parte de sua história. A nova lei pode ajudar a mudar este quadro, pois desta vez cuida-se de punir a outra ponta da relação corrupta: o corruptor. Para tanto, trata de atribuir uma responsabilidade objetiva para as pessoas jurídicas envolvidas em casos de corrupção. O que isto significa? As punições previstas na nova lei não terão a necessidade de comprovação de culpa ou dolo das pessoas físicas envolvidas. Para lembrar, este tipo de responsabilidade é a que está presente no Código de Defesa do Consumidor e no campo do Direito Ambiental quando se apura a empresa responsável por violações da lei.
Quais as punições? Multas no valor de 0,1 a 20% do faturamento da empresa no último ano anterior ao da instauração do processo administrativo; e a obrigação da publicação da decisão que julgou a empresa responsável pelo ato corrupto. Além destas, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, poderão propor ações judiciais com vistas à aplicação de outras sanções às pessoas jurídicas infratoras como perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração; suspensão ou interdição parcial de suas atividades; dissolução compulsória da pessoa jurídica; e proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 e máximo de 5 anos.
Há diversos outros mecanismos na Lei 12.846/2013 que merecem detida atenção dos agentes públicos, dos empresários e da sociedade organizada. Pune-se o suborno das empresas brasileiras mesmo quando pagos no exterior. Ela tem novidades, como o acordo de leniência (um tipo de delação premiada) e o uso de mecanismos de integridade com o objetivo de atenuar possíveis punições. Mas, ainda será necessário muito debate público, controle e participação dos interessados e na sua aplicação na forma democrática de respeito ao direito e ao patrimônio das empresas. Esta nova etapa da luta contra a corrupção será essencial para superar nossa realidade e proporcionar uma sociedade sem tantos valores perdidos quando a corrupção entra em campo.
Nos tempos difíceis que atravessamos, quase todos os setores da sociedade são invadidos pela “deusa da corrupção”. A tarefa é enorme. O papa Francisco, nas suas mensagens proféticas, tem colocado, dentro e fora da Igreja Católica, a corrupção como uma questão de dignidade, que viola homens e mulheres, põe o suborno e o ato ilícito como regra da vida dos negócios e afasta as pessoas da mensagem central do Evangelho. Ele nos convida a sermos vigilantes no combate à corrupção e ao mal que ela possa causar, reconhecendo-nos como pecadores, mas capazes de rejeitar a corrupção em todos os seus sentidos e em todos os lugares em que ela está.
No caso brasileiro, muito ainda deve ser feito para mudar o quadro da corrupção. O cipoal de leis, regras e normas que marcam nossa tradição jurídica nem sempre ajudam. Noutras vezes, as leis podem modificar o que pretendem combater. Cabe ao país impor novos padrões para a ética, a dignidade, a cidadania e o direito. Pode ser que a nova lei anticorrupção empresarial ajude a criar este outro padrão. Mas vai depender muito mais da força da sociedade e de suas instituições, que da sua dureza. Temos um instrumento que altera definitivamente as relações entre sociedade e Estado. Se ela vai diminuir os escândalos da política, o desencanto da população com o Estado, os erros de tantos para beneficiar a tão poucos e o desperdício do dinheiro público será uma resposta que o futuro cobrará do presente.