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A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal

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26/07/2014 às 10:36
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capítulo ii

análise doutrinária do crime previsto no artigo 273, do código penal

2.1 Objetividade jurídica

Na lição de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 188):

Bem jurídico protegido é a incolumidade pública, especialmente em relação à saúde pública. As ações incriminadas apresentam-se, freqüentemente, como fraude ou lesão patrimonial em atos de comércio, embora sua gravidade decorra do perigo comum que produzem.

Segundo o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 125):

Tutela-se, ainda, a saúde pública, tentando-se evitar a produção, comércio ou entrega de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais com nocividade positiva, pela inadequação do produto ao tratamento ou com reduzido valor medicinal.

Rogério Greco (2011, p. 787), no mesmo sentido, ensina que o bem juridicamente protegido é a incolumidade pública, consubstanciada, no caso, especificamente na saúde pública.

Por incólume compreende-se aquilo que não sofreu nenhum dano físico ou moral, que é ileso, intato; aquilo que se manteve sem alteração, que se conservou. (AULETE, 2013)

Desse modo, como se percebe, o tipo penal do artigo 273, do Código Penal, visa garantir que a população em geral se veja livre do perigo de eventuais danos, especialmente relacionados à saúde, causados pela prática de alguma das condutas previstas no preceito incriminador, conforme se estudará logo adiante.

2.2 Sujeitos do delito

Leciona Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 188):

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que pratique uma das ações descritas no dispositivo em exame, independentemente da qualidade de produtor ou comerciante.

Sujeito passivo é a coletividade cuja saúde seja lesada ou colocada em perigo pela ação do sujeito ativo.

Sob a influência das ideias de Heleno Cláudio Fragoso e Magalhães Noronha, extraímos da obra de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 126):

Sujeito ativo é quem pratica uma das condutas incriminadas, independentemente da qualidade de produtor ou comerciante. Tratando-se de empregado, pode haver erro de tipo, ou, se forçado a praticar o ilícito sob ameaça de dispensa, a inexigibilidade de conduta diversa.

Sujeito passivo é a coletividade, cuja saúde é posta em risco, presumidamente, pela nocividade positiva ou negativa, como já foi exposto.

Rogério Greco (2011, p. 787), por sua vez, explica que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. O sujeito passivo é a sociedade, de forma geral, bem como aquelas pessoas que sofreram imediatamente com a conduta praticada pelo agente.

Nesse contexto, Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 184) traz-nos a seguinte classificação:

Crime comum é o que pode ser praticado por qualquer pessoa, Exs.: homicídio, furto, estelionato etc.

Crime próprio é o que só pode ser cometido por determinada categoria de pessoas, pois pressupõe no agente uma particular condição ou qualidade pessoal [...].

Conclui-se, portanto, tratar de hipótese de crime comum, uma vez que não é exigida do sujeito ativo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, qualquer condição particular ou qualidade pessoal. Autor do delito será todo aquele que pratique alguma das condutas a seguir discriminadas, enquanto que sujeito passivo é a coletividade, que presumidamente é colocada em perigo, bem como, eventualmente, os indivíduos sujeitos diretamente a danos decorrentes da conduta do agente.

2.3 Elementos objetivos do tipo penal

Dispõe o preceito primário do caput, do artigo 273, do Código Penal: Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. (BRASIL, 2013)

Aqui vale transcrever a explanação trazida por Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 942) sobre os elementos do tipo:

Falsificar (reproduzir, por meio de imitação, ou contrafazer), corromper (estragar ou alterar para pior), adulterar (deformar ou deturpar) ou alterar (transformar ou modificar) produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (é a substância voltada ao alívio ou à cura de doenças – fins terapêuticos –, bem como ao combate de males e enfermidades – fins medicinais).

Prossegue o ilustre doutrinador: Trata-se de tipo misto alternativo, ou seja, a prática de uma ou mais condutas implica sempre num único delito, quando no mesmo contexto. (NUCCI, 2011, p. 942)

O parágrafo 1º-A, do artigo 273, do Código Penal, norma de caráter explicativo, por sua vez amplia o rol de objetos materiais sobre os quais pode recair a conduta do autor do delito. Preceitua: Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (BRASIL, 2013)

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 126-127) esclarecem o significado de cada um deles:

A lei inclui expressamente, no § 1º-A, todos os medicamentos (substâncias ou preparados que se utilizam como remédios), as matérias-primas (substâncias brutas principais com que são fabricados os medicamentos), os insumos farmacêuticos (componentes da produção), cosméticos (produtos utilizados para a limpeza, conservação ou maquiagem da pele), saneantes (produtos de limpeza) e os de uso em diagnóstico (conhecimento ou determinação de doença).

Já o parágrafo 1º, do artigo 273, do Código Penal, acrescenta novos verbos ao tipo penal objeto do presente trabalho, largamente ampliando seu alcance. Determina: Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (BRASIL, 2013)

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 942) elucida a abrangência das citadas condutas:

Nas mesmas penas incorre quem importa (traz algo de fora para dentro do país), vende (aliena por certo preço), expõe à venda (coloca à vista com o fim de alienar a certo preço), tem em depósito para vender (mantém algo guardado com o fim de alienar a certo preço) ou, de qualquer forma, distribui (dá para várias pessoas em várias direções ou espalha) ou entrega a consumo (passa algo às mãos de terceiros para que seja ingerido ou gasto) o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

O parágrafo 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, a seu turno, dispõe:

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (BRASIL, 2013)

 Como se nota, todo aquele que pratica alguma das condutas previstas no parágrafo 1º, do artigo 273, do Código Penal, ou seja, que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender, distribui ou entrega a consumo produtos, em qualquer das condições previstas nos incisos supracitados, fica sujeito às severas sanções do crime em comento.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 942-943) dá o significado de cada uma das hipóteses. Vejamos:

a) sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (é o produto que, embora não adulterado de qualquer forma, deixou de ser devidamente inscrito no órgão governamental de controle da saúde e da higiene pública. É preciso ser exigível tal registro, de modo que é norma penal em branco);

b) em desacordo com a fórmula constante do registro no órgão competente (faz-se a inscrição do produto no órgão competente, embora seja este alienado, por exemplo, com conteúdo diverso do que consta no registro. Não deixa de ser, nesse caso, uma modalidade específica de alteração do produto, além de norma penal em branco);

c) sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização (é o produto que não corresponde exatamente àquele que consta com autorização governamental para ser vendido ao público, seja porque mudou sua forma de apresentação, seja por que não preenche, na essência, o objetivo da vigilância sanitária. Trata-se de norma penal em branco);

d) com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade (o produto, tal como é conhecido, deveria apresentar certa eficácia para o combate a determinados males e doenças, deixando de manifestá-la porque foi alterado, perdendo capacidade terapêutica ou diminuindo-se o tempo de duração de seus efeitos);

e) de procedência ignorada (é o produto sem origem, sem nota e sem controle, podendo ser verdadeiro ou falso, mas dificultando, sobremaneira, a fiscalização da autoridade sanitária);

f) adquiridos de estabelecimentos sem licença da autoridade sanitária competente (compõem o universo dos produtos originários de comércio clandestino de substâncias medicinais ou terapêuticas. Tendo em vista o perigo abstrato existente na comercialização de produtos sem o controle sanitário, é natural que não se possa adquiri-los de lugares não licenciados), conforme o § 1.º-B.

Da lição de Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 21-22), extraímos o conceito de normas penais em branco:

 Normas penais em branco são as disposições cuja sanção é determinada, permanecendo indeterminado o seu conteúdo.

[...]

Depende, pois, a exequibilidade da norma penal em branco (ou “cega” ou “aberta”) do complemento de outras normas jurídicas ou da futura expedição de certos atos administrativos (regulamentos, portarias, editais). A sanção é imposta à transgressão (desobediência, inobservância) de uma norma (legal ou administrativa) a emitir-se no futuro.

[...]

Normas penais em branco em sentido estrito são aquelas cujo complemento está contido em norma procedente de outra instância legislativa. As fontes formais são heterogêneas, havendo diversificação quanto ao órgão de elaboração legislativa.

Vê-se, portanto, que os incisos I, II e III, do parágrafo 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, veiculam normas penais em branco em sentido estrito, pois necessitam do complemento de atos administrativos emanados do órgão governamental de controle da saúde e higiene pública a fim de que se configure a tipicidade do fato.

No Brasil, o órgão de vigilância sanitária competente para a regulamentação, controle e fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública é a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2012), criada pela Medida Provisória nº 1.791, de 30 de dezembro de 1998 (BRASIL, 2013), convertida na Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 (BRASIL, 2013), incumbindo-lhe a concessão de registros de produtos, segundo as competentes normas de sua área de atuação. (ANVISA, 2012)

Dentre os medicamentos encontrados no Brasil desprovidos de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, podemos citar o Pramil (sildenafil) (ANVISA, 2006), cuja importação, comércio e uso foram proibidos em todo o território nacional por força da Resolução nº 2.997, de 12 de setembro de 2006 (BRASIL, 2013), bem como o Desobesi-M (cloridrato de femproporex) (ACHÉ, 2013), cujo registro está cancelado desde 11 de dezembro de 2011 (ANVISA, 2012), por determinação da Resolução da Diretoria Colegiada nº 52, de 6 de outubro de 2011. (BRASIL, 2013)

Por fim, conclui-se que o nomem juris do crime do artigo 273, do Código Penal, qual seja, falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (BRASIL, 2013), reflete apenas as condutas previstas no caput do artigo, mas não em seus parágrafos (GRECO, 2011, p. 787), que contemplam diversas outras figuras típicas, conforme exposto acima.

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Vale também ressaltar que, diversamente do que dispunha o primitivo artigo 272, do Código Penal, que incriminava a corrupção, adulteração e falsificação de substâncias alimentícias ou medicinais destinadas a consumo (BRASIL, 2013), o tipo penal do artigo 273, do Código Penal, não exige, para sua configuração, que o produto se torne nocivo à saúde humana.

2.4 Elemento subjetivo do tipo penal

Segundo o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189):

Elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade consciente de praticar qualquer das condutas descritas no artigo em exame. Na hipótese do caput, não há exigência de elemento subjetivo especial do tipo; nas demais hipóteses, porém, exige-se esse elemento subjetivo, consistente no especial fim de agir – “para vender” – do § 1º.

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 127), quanto ao caput, lecionam:

O dolo é a vontade de praticar qualquer das condutas inscritas no dispositivo, desde que o agente saiba que se trata de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Não se exige, porém, qualquer fim especial da conduta.

Em relação às figuras equiparadas, os ilustres doutrinadores têm uma visão restritiva quanto à exigência do especial fim de agir para tipificação do delito. Referindo-se ao parágrafo 1º, lecionam: Na conduta de ter em depósito, a lei exige que o comportamento tenha como finalidade a venda. (MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 128)

Prosseguem:

O dolo, tanto nas condutas previstas nos §§ 1º e 1º-B, exige que o agente, além da vontade de praticar a ação, tenha ciência da falsificação, corrupção, adulteração ou alteração do produto incriminado ou de que esteja ele em uma das situações previstas no último parágrafo citado. (MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 128)

Rogério Greco (2011, p. 788), em consonância, expõe que o dolo é o elemento subjetivo exigido pelo caput, bem como pelo § 1º do art. 273, do Código Penal.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 944), de modo mais específico, aduz que o elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo ou a culpa, conforme a situação.

2.5 Consumação e tentativa

Na lição de Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189):

Consuma-se o crime com a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração do produto destinado a fins terapêuticos os medicinais (caput); ou com a efetiva importação, venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a consumo de produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, nas condições descritas no § 1ª-B (§ 1º-A). O perigo para a saúde pública é presumido pela lei. A tentativa é, teoricamente, admissível.

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 127), por sua vez, ensinam:

Consuma-se o crime quando praticada a ação típica, independentemente de qualquer outro resultado. O perigo para a saúde pública é presumido por lei, não se exigindo, pois, sua comprovação.

Tratando-se de crime plurissubsistente, nada impede a tentativa, Esta existe quando não ocorre a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração por circunstâncias alheias à vontade do agente, tendo este já iniciado a execução da conduta típica.

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 945), o momento consumativo ocorre da seguinte forma:

Quando as condutas descritas no caput do tipo forem praticadas em relação a produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, ainda que não haja dano à saúde de alguém. Pode dar-se, no caso do § 1.º, quando as condutas ali descritas envolverem o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, também sem dependência a lesão à saúde de terceiro.

Quanto à tentativa, o ilustre doutrinador entende que é admissível na forma dolosa. (NUCCI, 2011, p. 945)

Finalmente, Rogério Greco (2011, p. 787) expõe:

O delito se consuma quando o agente pratica quaisquer dos comportamentos previstos pelo tipo penal do art. 273 do Código Penal, criando a situação concreta de risco à incolumidade pública, ou, mais especificamente, à saúde pública.

A tentativa é admissível.

Como se percebe, apesar da pequena divergência doutrinária, prevalece que, para a consumação do delito previsto no artigo 273, do Código Penal, não é necessário que ocorra efetivo dano à saúde de alguém, nem tampouco que se comprove o real risco à saúde pública.

Para melhor classificarmos o delito em tela, convém transcrever os ensinamentos de Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 185) sobre o tema:

Crimes de dano são os que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico. Exs.: homicídio, lesões corporais etc.

Crimes de perigo são os que se consumam tão-só com a possibilidade de dano. Exs.: perigo de contágio venéreo (art. 130, caput); rixa (art. 137); incêndio (art. 250) etc.

[...]

Perigo presumido (ou abstrato) é o considerado pela lei em face de determinado comportamento positivo ou negativo. É a lei que o presume juris et de jure. Não precisa ser provado. Resulta da própria ação ou omissão.

Verifica-se, portanto, ser o crime do artigo 273, do Código Penal, de perigo abstrato, uma vez que, em todas as suas modalidades, se consuma com a mera possibilidade de dano, possibilidade esta presumida pela lei, sem que seja necessária a sua prova, em face de condutas previstas pelo legislador no tipo penal incriminador.

Ainda, verifica-se tratar de crime formal, conforme extraímos da lição de Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 187):

No crime formal o tipo menciona o comportamento e o resultado, mas não exige a sua produção para a consumação. Exs.: crimes contra a honra, ameaça, divulgação de segrego, violação de segredo profissional etc.

[...]

São delitos formais aqueles que, não obstante reclame a lei que a vontade do agente se dirija à produção de um resultado que constituiria uma lesão do bem, não exigem para a consumação que esse resultado se verifique.

Nesse sentido encontram-se Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189) – Trata-se de crime [...] formal (crime que não causa transformação no mundo exterior); [...] de perigo abstrato e coletivo –, Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 945) – [...] formal; [...] de perigo comum abstrato – e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2011, p. 634) – Como a antiga redação exigia que a conduta tornasse o produto nocivo à saúde, requisito não repetido na atual legislação, pode-se concluir que o delito atualmente é de perigo presumido.

Em sentido contrário, porém reconhecendo a corrente majoritária, podemos citar Rogério Greco (2011, p. 787): Crime [...] de perigo comum e concreto (embora haja divergência doutrinária nesse sentido, pois que se tem entendido, majoritariamente, tratar-se de um crime de perigo abstrato, presumido).

No que tange ao entendimento de o crime do artigo 273, do Código Penal, é de perigo presumido ou abstrato, convém, por fim, citar a ressalva feita por Victor Eduardo Rios Gonçalves (2011, p. 634): É evidente, entretanto, que essa faceta é questionada pela doutrina em face do princípio da lesividade quando se trata, por exemplo, de mera falsificação de frasco de vitamina C ou de um batom.

A violação de tal princípio, dentre outros, ganhará destaque no capítulo seguinte.

2.6 Forma culposa

Dispõe o artigo 273, do Código Penal, em seu parágrafo 2º:

[...]

Modalidade culposa

§ 2º - Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (BRASIL, 2013)

Sob a influência das ideias de Flamínio Fávero, extraímos da obra de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 128):

Agindo o sujeito ativo sem dolo, mas também sem tomar as cautelas necessárias na espécie, comete o crime culposo ao corromper, adulterar, alterar, importar, vender etc. a substância incriminada. É dever do fabricante e do comerciante verificar as condições com que se apresentam os produtos referidos no artigo 273, além de obedecer as normas jurídicas específicas que regulam suas atividades. Quando o comerciante, porém, entrega ao consumo mercadoria contida em recipiente fechado como a recebeu do fabricante, não cabe condená-lo pelo delito, pois não podia saber se estava, ou não, adulterada.

Rogério Greco (2011, p. 787), por sua vez: Comete o crime previsto no art. 273, § 2º, do CP quem distribui e entrega a consumo, bem como quem tem em depósito para venda medicamento falsificado e adulterado, sem verificar as condições do produto.

De modo mais sucinto, Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189) expõe: Quando qualquer das condutas perpetradas decorre da desatenção às regras de cuidado objetivo pelo agente (§ 2º), configura-se a modalidade culposa.

2.7 Causas de aumento de pena

Dispõem, respectivamente, os artigos 285 e 258, do Código Penal:

Forma qualificada

Art. 285 - Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267. (BRASIL, 2013)

Formas qualificadas de crime de perigo comum

Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. (BRASIL, 2013)

Como se nota, por força do artigo 285, do Código Penal, aplicam-se a todos os crimes previstos no Capítulo III, do Título VIII, do Código Penal, com exceção de um, as causas de aumento de pena previstas no artigo 258, do Código Penal.

Apesar de o texto legal usar a expressão “forma qualificada”, prevalece na doutrina tratar-se de causa de aumento de pena, principalmente pelo fato de a lei não prever expressamente o mínimo e o máximo da pena privativa de liberdade a ser cumprida. (JESUS, 2009, p. 575-577)

Assim, quanto ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, vale citar a lição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2007, p. 129):

Em qualquer das condutas típicas, se, do fato, resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, há crime qualificado pelo resultado. Pode o produto não conter a nocividade positiva mas ocorrer um desses resultados. Suponha-se, por exemplo, a substituição de insulina por água destilada que não remove a hiperglicemia. Aplica-se, pois, ao artigo 273 o disposto no artigo 258 por força do artigo 285.

Em complemento, cumpre transcrever o exposto por Victor Eduardo Rios Gonçalves (2011, p. 635):

Nos termos do art. 285, em combinação com o art. 258, se em decorrência do crime culposo resultar lesão corporal, ainda que leve, a pena será aumentada em metade e, se resultar morte, será aplicada a pena do crime de homicídio culposo aumentada em um terço.

Consigne-se, também, que, nos termos do artigo 19, do Código Penal, pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente. (BRASIL, 2013)

2.8 Penas cominadas e ação penal

Em que pese já haver constado neste trabalho, citemos o constatado por Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 190) quanto às penas previstas para o crime do artigo 273, do Código Penal: As penas cominadas, cumulativamente, para o caput e os §§ 1ª-A e 1º-B são reclusão, de dez a quinze anos, e multa. Para a hipótese de crime culposo (§ 2º), as penas são de detenção, de um a três anos, e multa.

Pela análise do que consta no artigo 33, caput, do Código Penal, verifica-se que a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (BRASIL, 2013)

Nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “a”, do Código Penal, o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado. (BRASIL, 2013)

Já o artigo 33, parágrafo 1º, alínea “a”, do Código Penal, esclarece que se considera regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média. (BRASIL, 2013)

Portanto, sendo de dez a quinze anos de reclusão, e multa, a pena da forma dolosa do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, os condenados por tal delito obrigatoriamente deverão iniciar o cumprimento da pena no regime fechado. Na forma culposa, salvo circunstância que justifique regime mais gravoso, o condenado iniciará o cumprimento da pena no regime aberto, conforme artigo 33, parágrafo 2º, alínea “c”, do Código Penal. (BRASIL, 2013)

Em se tratando da forma culposa, como a pena mínima é igual a um ano, caberá a suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos legais, nos termos do artigo 89, da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (BRASIL, 2013).

A ação penal é pública incondicionada, tendo em vista que não há disposição em contrário no texto legal.

Com efeito, determina o artigo 100, caput, do Código Penal, que a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. (BRASIL, 2013). O artigo 100, parágrafo 1º, do Código Penal, por sua vez, dita que a ação penal é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. (BRASIL, 2013)

Em correspondência encontra-se o artigo 24, do Código de Processo Penal, que dispõe:

Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. (BRASIL, 2013)

2.9 Competência para processo e julgamento

O artigo 109, da Constituição Federal, estabelece as hipóteses de competência da Justiça Federal. Vejamos, mais precisamente, os incisos IV e V:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

[...]

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; (BRASIL, 2013)

Como se vê, dentre as hipóteses abarcadas pela jurisdição da Justiça Federal, encontram-se os crimes que ofendem interesses da União, bem como aqueles que estejam previstos em tratado internacional e desde que ocorra transnacionalidade da conduta.

A dúvida reside em saber se, pelo fato de o crime do artigo 273, do Código Penal, tutelar a saúde pública, sua prática atentaria contra interesse da União, ensejando a competência da Justiça Federal (hipótese do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal), ou se, para tanto, seria necessário que tal crime encontrasse previsão em tratado internacional e que sua prática transbordasse o território nacional (hipótese do artigo 109, inciso V, da Constituição Federal).

Apesar de controvertido, pela análise dos julgados abaixo, verifica-se que tem prevalecido o entendimento de que, no caso do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, a competência será da Justiça Federal desde que haja indícios da importação de qualquer dos produtos descritos no caput e no parágrafo 1º-A, em qualquer das situações previstas nos incisos do parágrafo 1º-B. Nos demais casos, a competência será da Justiça Estadual.

Vejamos trecho de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, quando do julgamento do recurso em sentido estrito nº 0005944-38.2009.404.7107-RS:

[...] 5. O crime do artigo 273, § 1º-B do Código Penal não tem o condão de atrair a competência federal unicamente por atentar contra a saúde pública, sendo necessários para tal a existência de indícios da ocorrência de importação de medicamento sem o devido registro no órgão de vigilância sanitária competente, porquanto tal conduta pode ser entendida como contrabando sob forma especializada que, por opção legislativa (Lei 9.677/98), passou a ser prevista em tipo penal próprio (artigo 273 do CP), providência que não alterou, todavia, a competência federal para seu processamento e julgamento. (BRASIL, 2010)

Nesse sentido também se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do habeas corpus nº 58.613-DF:

[...] 1. A competência da Justiça Federal será atraída, tão-somente, naqueles casos em que se evidenciar a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas pública, ex vi do art. 109 da Constituição Federal, o que não ocorre no caso em tela. 2. Tendo sido imputada ao paciente a conduta de entregar a consumo produto medicamentoso, de procedência ignorada, e sem registro no órgão competente, nos termos insertos nos incisos V e VI do § 1º-B do art. 273 do Código Penal, e não havendo acusação no sentido de tenha trazido, de qualquer forma, para o território nacional o medicamento, incabível o deslocamento do feito para a Justiça Federal, porque ausente eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União. (BRASIL, 2008)

Vê-se que, em se tratando a figura exposta no primeiro acórdão de forma especializada de contrabando, a competência será da Justiça Federal, independentemente da previsão do crime do artigo 273, do Código Penal, em tratados ou convenções internacionais, aplicando-se analogicamente a Súmula nº 151, do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens. (BRASIL, 2013)

2.10 Classificações doutrinárias

A fim de se concluir a análise do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, evitando-se brechas em sua compreensão, citemos agora as diversas classificações trazidas pela doutrina a respeito do delito em tela. Algumas delas, mais pertinentes ao propósito desse trabalho, já foram mencionadas alhures, mas aqui serão repetidas a título de compêndio.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 189):

Trata-se de crime comum (não exige qualquer qualidade ou condição especial do sujeito ativo); formal (crime que não causa transformação no mundo exterior); [...] instantâneo (a consumação não se alonga no tempo); crime comum, de perigo abstrato e coletivo, plurissubsistente, permanente (nas modalidades “ter em depósito” e “expor à venda”) e de forma vinculada.

Rogério Greco (2011, p. 787), de forma mais analítica:

Crime comum, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso e culposo (tendo em vista a previsão expressa constante do § 2º do art. 273 do Código Penal); comissivo (podendo, também, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal, ser praticado via omissão imprópria, na hipótese de o agente gozar do status de garantidor); de perigo comum concreto (embora haja divergência doutrinária nesse sentido, pois que se tem entendido, majoritariamente, tratar-se de um crime de perigo abstrato, presumido); de forma livre; instantâneo (no que diz respeito às condutas de falsificar, corromper, adulterar, alterar, vender, importar, distribuir, entregar) e permanente (quanto às condutas de expor à venda e ter em depósito); monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte.

Por fim, para Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 945), trata-se de crime comum; formal; de forma livre; comissivo; instantâneo (permanente nas formas “expor à venda” e “ter em depósito”); de perigo comum abstrato; unissubjetivo; plurissubsistente.

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Sobre o autor
Daniel Bombarda Andraus

Graduado pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - UniSALESIANO Araçatuba. Aprovado no X Exame de Ordem Unificado. Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Ex-assessor junto ao Ministério Público Federal. Ex-analista do Ministério Público do Estado de São Paulo. Defensor Público do Estado de Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRAUS, Daniel Bombarda. A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4042, 26 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30496. Acesso em: 5 nov. 2024.

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