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A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal

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26/07/2014 às 10:36
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CONCLUSÃO

Ao longo dos quatro capítulos do presente trabalho, visando abordar a problemática do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, analisamos as origens históricas de sua atual redação e inclusão no rol dos crimes hediondos, a seguir trazendo um compêndio daquilo que de mais importante ensina a doutrina a seu respeito, terminando por demonstrar a violação aos princípios constitucionais penais pela inovação legislativa que majorou as penas do crime em tela e criou as diversas figuras típicas equiparadas, enfim debatendo cada uma das principais soluções a serem adotadas pelo juiz no caso concreto, no intuito de garantir o pleno cumprimento dos princípios constitucionais penais violados em abstrato pelo referido tipo penal.

No item primeiro do primeiro capítulo, verificamos que a conduta típica de falsificar mercadorias encontra-se prevista desde as Ordenações Filipinas, mas que os crimes contra a saúde pública, assim expressamente previstos, tiveram sua origem no Código Penal de 1890. A conduta de corromper, adulterar, falsificar ou alterar substâncias medicinais, bem como comercializá-las, por sua vez, foi pela primeira vez tipificada pelo Código Penal de 1940, mais precisamente em seus artigos 272 e 273.

No item segundo do primeiro capítulo, verificamos que todo o Capítulo III, do Título VIII, do Código Penal de 1940, foi profundamente alterado com a entrada em vigor da Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, editada no contexto histórico da denominada “máfia dos remédios”, que afligia o país introduzindo no mercado medicamentos falsificados das mais diversas espécies. Referida lei gerou uma exorbitante majoração das penas do crime objeto do presente trabalho, bem como incluiu diversas figuras típicas equiparadas, sujeitas às mesmas penas.

No item terceiro do primeiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, foi incluído no rol dos crimes hediondos pela Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998, que alterou o artigo 1º, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Com o advento da alteração legislativa, aquele que incorrer nas penas do crime objeto do presente trabalho fica sujeito às severas imposições da Lei de Crimes Hediondos, tais como a insuscetibilidade de anistia, graça, indulto e fiança, a necessidade do cumprimento de dois quintos da pena, se primário, ou de três quintos, se reincidente, para progressão de regime e a obrigatoriedade do cumprimento de dois terços da pena para a concessão de livramento condicional, desde que não reincidente.

No item primeiro do segundo capítulo, verificamos que o objeto jurídico, ou seja, o bem jurídico tutelado pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, é a incolumidade pública, mais especificamente, a saúde pública.

No item segundo do segundo capítulo, verificamos que o sujeito ativo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, pode ser qualquer pessoa, enquanto que o sujeito passivo é a própria coletividade, bem como as pessoas que sofrerem diretamente danos decorrentes da conduta do agente. Trata-se, portanto, de crime comum.

No item terceiro do segundo capítulo, verificamos que as condutas incriminadas pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, não são somente aquelas descritas em seu nomem juris e previstas em seu caput, quais sejam, falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, mas também importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender, distribuir ou entregar a consumo produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado, ou, ainda, sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente, em desacordo com a fórmula constante do registro, sem as características de identidade e qualidade admitidas para sua comercialização, com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade, de procedência ignorada, ou adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. Se não bastasse, os objetos materiais sobre os quais recai a conduta do agente passaram a incluir os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os produtos de uso diagnóstico. Trata-se de tipo penal misto alternativo.

No item quarto do segundo capítulo, verificamos que o elemento subjetivo do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, é o dolo ou a culpa, conforme o caso. Para o caput, não há a exigência de um especial fim de agir para a tipificação do delito. Quanto às demais condutas, existe divergência na doutrina: há quem sustente que a finalidade de venda é exigida tão somente para a conduta de ter em depósito, enquanto outros entendem que tal finalidade é necessária para todas as hipóteses restantes.

No item quinto do segundo capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, se consuma com a simples prática das condutas típicas nele previstas, sendo desnecessária a ocorrência de efetivo dano à saúde pública ou a comprovação do perigo concreto de tal dano. O risco à saúde pública é presumido pela lei. Trata-se, portanto, conforme entende majoritariamente a doutrina, de crime formal, de perigo abstrato. A tentativa é, em tese, admissível.

No item sexto do segundo capítulo, verificamos que há a previsão da modalidade culposa para o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, por ela respondendo aquele que, em desatenção às regras de cuidado objetivo, pratica qualquer das condutas previstas no referido tipo penal.

No item sétimo do segundo capítulo, verificamos que o artigo 285, combinado com o artigo 258, ambos do Código Penal, veiculam causa de aumento de pena ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal: na modalidade dolosa, se resultar lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada da metade, e se resultar morte, é aplicada em dobro; na modalidade culposa, se resultar lesão corporal, a pena aumenta-se da metade, e se resultar morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.

No item oitavo do segundo capítulo, verificamos que a pena cominada para o caput e parágrafos 1º-A e 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, é de reclusão de dez a quinze anos, e multa, enquanto que para a forma culposa, do parágrafo 2º, a pena é de detenção de um a três anos, e multa. Na forma dolosa, o cumprimento da pena, tendo em vista sua quantidade, inicia-se obrigatoriamente em regime fechado. Na forma culposa, salvo circunstância que justifique regime mais gravoso, o cumprimento inicia-se em regime aberto. Em todos os casos, a ação penal é pública incondicionada.

No item nono do segundo capítulo, verificamos que tem prevalecido na jurisprudência que a competência para processo e julgamento do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, será da Justiça Federal desde que haja indícios da importação de qualquer dos produtos descritos no caput e no parágrafo 1º-A, em qualquer das situações previstas nos incisos do parágrafo 1º-B. Nos demais casos, a competência será da Justiça Estadual.

No item décimo do segundo capítulo, verificamos, a fim de finalizar o assunto e evitar brechas em sua compreensão, que predomina na doutrina tratar-se o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, de crime comum, doloso ou culposo, comissivo, formal, de perigo abstrato, unissubjetivo e plurissubsistente.

No item primeiro do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola os princípios constitucionais penais da proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que, em se tratando de crime de perigo abstrato, comina penas que em muito superam as de crimes de dano a bem jurídico idêntico ou de maior valor, como, por exemplo, o homicídio simples, o aborto provocado por terceiro, a lesão corporal gravíssima e o tráfico de drogas.

No item segundo do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola o princípio constitucional penal da ofensividade, uma vez que, em se tratando de crime de perigo abstrato, incrimina condutas das quais não se exige comprovação de efetiva lesão, ou ao menos perigo concreto de lesão, ao bem jurídico tutelado pela norma, o que se mostra inadmissível em uma moderna concepção do Direito Penal. De fato, certas condutas previstas no tipo penal em comento apresentam-se totalmente inócuas, como é o caso, por exemplo, da adulteração de um frasco de xampu por acréscimo de água, ou da falsificação de um produto de limpeza.

No item terceiro do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola os princípios constitucionais penais da intervenção mínima e da fragmentariedade, uma vez que outras formas de sanção poderiam ser suficientes para a tutela do bem jurídico protegido. Assim, referido tipo penal não obedece à regra de punir somente as lesões mais graves contra os bem jurídicos mais relevantes. Certo é que determinadas condutas previstas no crime do artigo 273, do Código Penal, melhor se enquadrariam como meras irregularidades administrativas, o que denota uma verdadeira administrativização do Direito Penal.

No item quarto do terceiro capítulo, verificamos que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil. Com efeito, da forma como se encontra tipificado, o crime objeto do presente trabalho não expressa adequadamente o imprescindível caráter de proteção do indivíduo em face do Estado. Ao contrário, desrespeita princípios constitucionais penais básicos, que emanam da própria dignidade humana, sujeitando o indivíduo a severa pena privativa de liberdade, sem falar das restrições impostas pela Lei de Crimes Hediondos.

No item primeiro do quarto capítulo, verificamos que a jurisprudência majoritária dos tribunais entende ser descabido o afastamento da tipicidade material do fato por aplicação do princípio da insignificância no crime previsto no artigo 273, do Código Penal, assim como em todos os crimes cujo bem jurídico tutelado é a saúde pública. Contudo, recente acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça abriu precedente em sentido contrário, possibilitando a aplicação do referido princípio. De fato, apesar carecermos de parâmetros concretos a nos informar que espécie de ofensa pode ser considerada insignificante para a saúde pública, desde que se compreenda o crime objeto do presente trabalho na forma de perigo concreto, em conformidade com princípio da ofensividade, da análise da conduta do agente, especialmente levando-se em conta a quantidade dos produtos em tese nocivos à saúde pública, bem como sua composição química, torna-se possível o reconhecimento da insignificância, tendo como critério o prudente arbítrio do juiz.

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No item segundo do quarto capítulo, verificamos que, ante a desproporcionalidade e falta de razoabilidade das penas previstas para o crime do artigo 273, do Código Penal, é comum que o juiz, no caso concreto, aplique analogicamente penas mais brandas, cominadas a delitos que tutelam idêntico bem jurídico, dentre eles, especialmente, o contrabando e o tráfico de drogas. Contudo, conforme convém a doutrina, a analogia em Direito Penal somente tem lugar em favor do réu e em relação a normas penais não incriminadoras. No presente caso, estaríamos diante de verdadeira analogia in bonam partem de norma penal incriminadora, o que ensejaria uma flexibilização do princípio da reserva legal a fim de tornar possível a aplicação de penas previstas para condutas diversas daquelas praticadas pelo agente. Ante o impasse, apresenta-se mais técnica e adequada a adoção da medida explicitada no item seguinte.

No item terceiro do quarto capítulo, verificamos que, ante a violação aos princípios constitucionais expostos no presente trabalho, o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, em sua atual redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, está eivado de inconstitucionalidade material, assim como a sua inclusão no rol de crimes hediondos pela Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998, devendo o juiz, no caso concreto, exercer o controle difuso de constitucionalidade. Apesar de o presente trabalho não criticar somente a majoração das penas do crime em tela, mas também a criação das diversas figuras típicas equiparadas, o simples reconhecimento da inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo penal afasta a força normativa de todo o preceito primário, já que um tipo sem pena não pode subsistir. Uma vez tornada como que inexistente a atual redação dos artigos 272 e 273, do Código Penal, prevalece o primitivo texto, tendo em vista o efeito repristinatório da decisão de controle de constitucionalidade. A partir daí, deve o juiz buscar, caso existente, o tipo penal ao qual melhor se adéqua a conduta praticada pelo agente.

Conclui-se, portanto, que ante a patente violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal, deve o juiz, conforme o caso, afastar a tipicidade material do fato por aplicação do princípio da insignificância. Caso se mostre inadequada tal medida, mais correto é o juiz exercer o controle difuso de constitucionalidade, reconhecendo a inconstitucionalidade da atual redação do crime objeto do presente trabalho, bem como de sua inclusão no rol dos crimes hediondos, aplicando o ordenamento jurídico vigente, desconsideradas as alterações legislativas.


 

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Sobre o autor
Daniel Bombarda Andraus

Graduado pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - UniSALESIANO Araçatuba. Aprovado no X Exame de Ordem Unificado. Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Ex-assessor junto ao Ministério Público Federal. Ex-analista do Ministério Público do Estado de São Paulo. Defensor Público do Estado de Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRAUS, Daniel Bombarda. A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4042, 26 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30496. Acesso em: 25 dez. 2024.

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