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A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal

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26/07/2014 às 10:36
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capítulo iv

decisão judicial no crime previsto no artigo 273, do Código Penal

4.1 Reconhecimento da atipicidade material pelo princípio da insignificância

Tendo em vista a violação aos princípios constitucionais penais, conforme exposto no capítulo anterior, convém agora analisarmos, dentre as medidas a serem adotadas pelo juiz no caso concreto, a fim de evitar as injustiças do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, a possibilidade de reconhecimento da atipicidade material do fato por aplicação do princípio da insignificância.

Sobre o denominado princípio da insignificância, leciona Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 10-11):

Ligado aos chamados “crimes de bagatela” (ou “delitos de lesão mínima”), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc.

Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 232), discorrendo, em síntese, sobre a insignificância, aduz tratar-se de excludente supralegal de tipicidade, demonstrando que lesões ínfimas ao bem jurídico tutelado não são suficientes para, rompendo o caráter subsidiário do Direito Penal, tipificar a conduta.

Paulo Queiroz (2008, p. 59), por sua vez, salienta:

[...] em razão do princípio da proporcionalidade, não se justifica que o direito penal possa incidir sobre comportamentos insignificantes. Ocorre que, ainda quando o legislador pretenda reprimir apenas condutas graves, isso não impede que a norma penal, em face de seu caráter geral e abstrato, alcance fatos concretamente irrelevantes.

Por meio do princípio da insignificância, cuja sistematização coube a Claus Roxin, o juiz, à vista da desproporção entre a ação (crime) e a reação (castigo), fará um juízo (inevitavelmente valorativo) sobre a tipicidade material da conduta, recusando curso a comportamentos que, embora formalmente típicos, não o sejam materialmente, dada a sua irrelevância.

Como sabemos, segundo o conceito analítico, crime é todo fato típico, ilícito e culpável. O fato típico, a seu turno, possui como elementos a conduta humana, o resultado, o nexo de causalidade e a tipicidade. (GRECO, 2011, p. 62). A tipicidade, em seu aspecto objetivo, pode ainda ser classificada em tipicidade formal e tipicidade material. (GOMES, 2011). Enquanto que por tipicidade formal compreende-se a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal (GRECO, 2011, p. 63), a tipicidade material representa o tipo legal adequado à lesividade, que possa causar a bens jurídicos protegidos, bem como socialmente reprovável. (NUCCI, 2011, p. 202). Segundo Fernando Capez (2011, p. 297), para que se fale em tipicidade material, a conduta não deve ter apenas forma, mas conteúdo de crime.

Uma vez que a lesividade da conduta do agente seja ínfima, insignificante, não se mostra capaz de causar dano, ou perigo concreto de dano, ao bem jurídico tutelado pela norma. E se não há dano ou perigo concreto de dano ao bem jurídico, não há tipicidade material. Inexistindo tipicidade material, não há fato típico e, por conseguinte, não há crime.

O Supremo Tribunal Federal vem firmando sua jurisprudência no sentido de exigir, para a aplicação do princípio da insignificância, a presença de quatro requisitos, o que se depreende do acórdão proferido no julgamento do habeas corpus nº 110.840-MS: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. (BRASIL, 2012). Contudo, a elevada abstração de tais requisitos torna nebulosa sua aplicação no caso concreto, principalmente por se tratarem de conceitos próximos, de difícil diferenciação. Nesse sentido encontra-se a crítica de Paulo Queiroz (2008, p. 53):

Parece-nos [...] que tais requisitos são tautológicos. Sim, porque se mínima é a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa é mínima e a ação não é perigosa, em consequência, mínima ou nenhuma é a reprovação; e, pois, inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma idéia por meio de palavras diferentes, argumentando em círculo.

Quanto ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, examinar a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância importa, necessariamente, na análise sobre o reconhecimento da insignificância a qualquer crime que ofenda a saúde pública.

Apesar de amplamente utilizado, como se viu, por exemplo, nos crimes de descaminho e furto de pequena monta, a jurisprudência dominante dos tribunais superiores mostra-se relutante quanto à aplicação do princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a saúde pública. Aqui convém transcrever pequeno trecho do voto proferido pelo relator ministro Gilmar Mendes, quando do julgamento do habeas corpus nº 110.964-SC, pelo Supremo Tribunal Federal, versando sobre a impossibilidade do reconhecimento da insignificância no crime de contrabando de cigarros:

[...] Levando-se em conta a jurisprudência firmada pelo STF no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, quando o valor sonegado não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), poder-se-ia aplicá-lo também aos casos a envolver o delito de contrabando?

Entendo que não. Explico.

 [...]

Na espécie, saliento tratar-se de mercadorias submetidas a uma proibição relativa (cigarros de origem estrangeira desacompanhados de regular documentação), tendo em vista as restrições promovidas por órgãos de saúde do Brasil.

Assim, não se cuida, tão somente, de sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, a saúde pública. (BRASIL, 2012)

Mais especificamente sobre o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, vale citar trecho de acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2009, quando do julgamento do habeas corpus nº 93.870-RJ:

No caso em apreço, nada obstante a pequena quantidade do produto apreendida, mostra-se de todo inaplicável o princípio da insignificância, visto que evidenciado o alto grau de reprovabilidade do comportamento e a expressividade da lesão jurídica ocasionada, pois os pacientes, tal como narrado na peça acusatória, tinham em depósito, para venda a terceiros, produto farmacêutico sem o necessário registro no órgão de vigilância competente, fabricado por empresa com sede da cidade de Assunção, Paraguai. (BRASIL, 2009)

Contudo, em recente decisão, datada de 23 de abril de 2013, a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial nº 1.346.413-PR, entendeu afastada a tipicidade material da conduta, por aplicação do princípio da insignificância, daquele que importou pequena quantidade de medicamentos desprovidos de registro (Pramil), para uso pessoal. Vejamos trecho do voto proferido pela ministra Marilza Maynard (BRASIL, 2013):

[...] diante das peculiaridades do caso em concreto – pequena quantidade de medicamentos (5 cartelas contendo 20 comprimidos cada) para uso próprio, avaliados em R$ 30,00 (trinta reais), segundo a sentença de primeiro grau –, e sendo o paciente primário, entendo ser aplicável o princípio da insignificância, tendo em vista a inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado, afastando, assim, a tipicidade material da conduta.

De fato, mostra-se intrincada a aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, justamente por carecermos de parâmetros concretos a nos informar que espécie de ofensa pode ser considerada insignificante para a saúde pública. Contudo, compreendendo-se o referido crime na forma de perigo concreto, em conformidade com o princípio da ofensividade, da análise da conduta do agente, especialmente levando-se em conta a quantidade dos produtos em tese nocivos à saúde pública, bem como sua composição química, torna-se possível o reconhecimento da insignificância, tendo como critério o prudente arbítrio do juiz. A consequência é a absolvição do réu, uma vez que o fato deixa de ser reputado típico por ausência de tipicidade material.

4.2 Aplicação analógica de penas mais brandas

A fim de afastar a desproporcional e nada razoável pena prevista no preceito secundário do tipo penal do artigo 273, do Código Penal, é comum que o juiz, no caso concreto, aplique analogicamente penas mais brandas, cominadas a delitos semelhantes, tendo em vista, principalmente, a identidade do objeto jurídico tutelado. Como exemplo, vale citar trecho da ementa de acórdão proferido pela sexta turma do Superior Tribunal de Justiça no final do ano de 2010, quando do julgamento do recurso especial nº 915.442-SC:

2. A Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico da norma.

3. Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. (BRASIL, 2010)

Nesse sentido, convém ainda citar acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, proferido quando do julgamento da apelação criminal nº 6.218-BA. Vejamos: Em razão do princípio da proporcionalidade, correta a aplicação da analogia para se utilizar no caso do delito tipificado no art. 273 do CP a pena prevista para os crimes previstos no art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Tóxicos). (BRASIL, 2013)

Nos casos acima transcritos, verifica-se a aplicação analógica das penas previstas para o crime de tráfico de drogas, do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, quais sejam, reclusão de 5 a 15 anos e multa de 500 a 1500 dias-multa. (BRASIL, 2013)

Há também precedentes no sentido de se enquadrar a conduta de importar clandestinamente medicamentos em pequena quantidade ao crime de contrabando, do artigo 334, caput, do Código Penal, a despeito do perfeito amoldamento de tal conduta ao tipo penal previsto no artigo 273, parágrafos 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal. Vejamos trecho da ementa de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região quando do julgamento da apelação criminal nº 7.102-RS:

O agente que importa clandestinamente medicamentos em pequenas quantidades - não representando a conduta, portanto, especial potencial lesivo à saúde pública - incide na pena do crime definido no art. 334 do CP, em detrimento do delito do artigo 273, § 1º-B, do CP, destinado à internalização irregular de fármacos em larga escala. (BRASIL, 2012)

Ainda, convém mencionar a proximidade do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, com aquele tipificado no artigo 56, da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que poderia ensejar a aplicação analógica de suas penas ao delito objeto do presente trabalho. Segue o referido dispositivo legal:

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I - abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança;

II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento.

§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.

§ 3º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. (BRASIL, 2013)

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Contudo, dentre as inúmeras decisões em sentido contrário, já se manifestou a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão proferido no final do ano de 2011, quando do julgamento do recurso especial nº 1.050.890-PR, entendendo ser descabida a aplicação de penas diversas daquela legalmente prevista no preceito secundário do tipo penal do artigo 273, do Código Penal:

1. Não é dado ao juiz, em razão do princípio da proporcionalidade, aplicar ao réu condenado a determinado tipo penal sanção diversa daquela legalmente prevista (preceito secundário da norma).

2. In casu, a aplicação, pelo Juiz sentenciante, da reprimenda prevista para o delito de contrabando (art. 334, caput, do CP) ao réu condenado pelo crime tipificado art. 273, § 1º-B, incs. I, V e VI, do CP) foi incorreta, do mesmo modo a aplicação da pena do tráfico de drogas realizado pelo Tribunal a quo. (BRASIL, 2011)

Sobre a aplicação da analogia no Direito Penal, atenhamo-nos ao ensinamento da doutrina, primeiramente analisando o exposto por Rogério Greco (2011, p. 43) a respeito do tema:

Defini-se analogia como uma forma de autointegração da norma, consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante, atendendo-se, assim, ao brocardo ubi eadem ratio, ubi eadem legis dispositio.

Damásio Evangelista de Jesus (2009, p. 50), a seu turno, leciona:

A analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante.

[...]

É, pois, forma de auto-integração da lei para suprir lacunas porventura existentes. Em seu emprego, o intérprete parte da própria lei para elaborar a regra concernente ao caso não previsto pela legislação.

Por fim, Fernando Capez (2011, p. 53), conceituando a analogia em Direito Penal, ensina: [...] consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulada por lei disposição relativa a um caso semelhante. Na analogia, o fato não é regido por qualquer norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso análogo.

Ora, como se nota, para que se utilize a analogia em Direito Penal, assim como em qualquer ramo do Direito, mostra-se imprescindível a existência de uma lacuna na lei, a ocorrência de um fato não previamente descrito na norma. Assim, não obstante seja adequada a imposição de penas mais justas ao crime previsto no artigo 273, do Código Penal, impróprio se cogitar, uma vez que se encontra em plena vigência, a aplicação analógica de penas mais brandas, previstas a delitos semelhantes, que tutelam idêntico bem jurídico.

Com efeito, ainda que se trate de analogia in bonam partem, que visa beneficiar o réu, esta versaria sobre norma penal incriminadora, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico em razão do princípio da reserva legal, que se aplica tanto ao preceito primário quanto ao preceito secundário das normas que definem condutas puníveis. (JESUS, 2009, p. 55). Isso porque se estaria realizando o enquadramento da conduta do agente a tipo penal que, apesar de menos severo, traz a definição legal de fatos criminosos distintos. Estaríamos diante de verdadeira analogia in bonam partem de norma penal incriminadora. (CAPEZ, 2011, p. 56)

Ante o impasse sobre a possibilidade se mitigar o princípio da reserva legal em favor do réu e tendo em vista a divergência jurisprudencial acima exposta, inclusive sobre qual seria o paradigma adequado para se aplicar a analogia, apresenta-se mais técnica e adequada a adoção da medida a ser explicitada no item seguinte.

4.3 Declaração de inconstitucionalidade em controle difuso

Sem que haja a pretensão de nos alongarmos por demais no tema, necessária uma breve análise sobre o instituto do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

Ensina a doutrina que a ideia de controle de constitucionalidade implica na presença de uma série de pressupostos. Vejamos o exposto por Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 763) sobre o tema:

a) a noção contemporânea de controle de constitucionalidade das leis tem como pressuposto a existência de uma Constituição do tipo rígida;

b) a rigidez da Constituição tem como consequência imediata o princípio da supremacia formal da Constituição;

c) o princípio da supremacia formal da Constituição exige que todas as demais normas do ordenamento jurídico estejam de acordo com o texto constitucional;

d) aquelas normas que não estiverem de acordo com a Constituição serão inválidas, inconstitucionais e deverão, por isso, ser retiradas do ordenamento jurídico;

e) há necessidade, então, de que a Constituição outorgue competência para que algum órgão (ou órgãos), independente do órgão encarregado da produção normativa, fiscalize se a norma inferior está (ou não) contrariando o seu texto, para o fim de retirá-la do mundo jurídico e restabelecer a harmonia do ordenamento;

f) sempre que o órgão competente realizar esse confronto entre a lei e a Constituição, estará ele efetivando o denominado “controle de constitucionalidade”.

Quanto ao momento, podemos classificar o controle de constitucionalidade em prévio (preventivo) e posterior (repressivo). Enquanto a primeira espécie pode ser exercida tanto pelo Poder Legislativo – através do próprio parlamentar, bem como das Comissões de Constituição e Justiça – quanto pelo Poder Executivo – através do veto jurídico – e pelo Poder Judiciário – hipótese de impetração de mandado de segurança por parlamentar –, o controle repressivo é, em regra, desempenhado pelo Poder Judiciário, tanto por meio de um único órgão (controle concentrado) quanto por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso). (LENZA, 2012, p. 255-266)

Atenhamos-nos ao controle difuso. Também denominado controle aberto ou controle pela via de defesa ou exceção, esta forma de controle verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incidenter tantum), prejudicialmente ao exame do mérito. (LENZA, 2012, p. 269). Ainda nas palavras de Pedro Lenza (2012, p. 269): Pede-se algo ao juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual.

Sobre os efeitos da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso, vale transcrever os ensinamentos de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 812):

[...] qualquer que tenha sido o órgão prolator, a decisão no controle de constitucionalidade incidental só alcança as partes do processo (eficácia inter partes), não dispõe de efeito vinculante e, em regra, produz efeitos retroativos (ex tunc).

Pedro Lenza (2012, p. 274), por sua vez, salienta:

No momento que a sentença declara que a lei é inconstitucional (controle difuso realizado incidentalmente), produz efeitos pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito. Produz, portanto, efeitos retroativos.

Assim, no controle difuso, para as partes os efeitos serão: a) inter partes e b) ex tunc.

A inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo pode se dar tanto sob o aspecto formal quanto sob o aspecto material. Por inconstitucionalidade formal compreende-se a desconformidade entre o processo de elaboração da norma previsto na Constituição e aquele adotado no caso concreto. Inconstitucionalidade material, a seu turno, representa a desarmonia existente entre o conteúdo da norma infraconstitucional com aquele presente na Constituição. (PAULO; ALEXANDRINO, 2011, p. 768)

Em se tratando de inconstitucionalidade material, importante consignar que esta pode ser aferida tanto em relação aos princípios e regras expressamente previstos no texto constitucional quanto àqueles previstos de forma implícita. Nesse sentido encontra-se a lição de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011, p. 766):

[...] se a Constituição representa o fundamento de validade de toda e qualquer manifestação dos órgãos constituídos do Estado, o desrespeito aos seus termos implica nulidade do ato ou conduta destoantes de seus comandos. Nenhum comportamento estatal poderá afrontar os princípios e regras da Constituição, estejam esses expressos ou implícitos em seu texto.

Conforme o exposto, podemos concluir que o crime previsto no artigo 273, do Código Penal, em sua redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998 (BRASIL, 2013), é materialmente inconstitucional, uma vez que, conforme exposto ao longo do presente trabalho, viola frontalmente princípios constitucionais penais constantes implícita ou explicitamente em nossa Constituição. É também inconstitucional, especialmente pela violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a inclusão do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, no rol de crimes hediondos da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, inclusão esta trazida pela Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998. (BRASIL, 2013)

Corroborando o entendimento acima exposto encontra-se o voto proferido pelo desembargador Nuevo Campos, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde, observada a cláusula de reserva de plenário, do artigo 97, da Constituição Federal (BRASIL, 2013), suscita a arguição de inconstitucionalidade do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, quando do julgamento da apelação nº 990.09.152620-7. Vejamos:

Impõe-se [...] o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da inovação legislativa instituída pela Lei 9.677/98, no que tange às penas cominadas.

A atividade legislativa, no âmbito do Estado Democrático de Direito, possui limites definidos pelo princípio da legalidade, de cuja vertente material é corolário do princípio da proporcionalidade.

[...]

Reconhecida a inconstitucionalidade da inovação legislativa, em relação às penas cominadas, impõe-se a consideração das penas originariamente prevista pelo tipo penal, quais sejam, reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Impõe-se, em conseqüência, o reconhecimento da inconstitucionalidade da inovação legislativa introduzida pela Lei 9.695/98 na Lei 8.072/90, que definiu o crime em tela como hediondo.

Não se vislumbra, pelas razões já expostas, proporcionalidade em sua qualificação como crime hediondo. (BRASIL, 2010)

Nota-se que o eminente desembargador, ao reconhecer a inconstitucionalidade da majoração das penas do artigo 273, do Código Penal, trazida pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, entendeu ser aplicável a pena de reclusão de um a três anos e multa, pena esta que vigia anteriormente à alteração legislativa. (BRASIL, 2013)

Tal posicionamento encontra respaldo no denominado efeito repristinatório do controle de constitucionalidade, pelo qual o Poder Judiciário deverá proferir sua decisão de mérito como se jamais tivesse existido a norma declarada inconstitucional. Explica Pedro Lenza (2012, p. 341-342):

[...] se a lei é nula, ela nunca teve eficácia. Se nunca teve eficácia, nunca revogou nenhuma norma. Se nunca revogou nenhuma norma, aquela que teria sido supostamente “revogada” continua tendo eficácia. Eis o efeito repristinatório da decisão.

O presente trabalho, contudo, não critica somente a majoração das penas do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, mas também a criação das diversas figuras típicas equipadas, já analisadas. Surge, então, o dilema de se saber qual seria a situação daquele que pratica conduta atualmente prevista, por exemplo, no parágrafo 1º-B, do artigo 273, do Código Penal, que não se encontrava descrita nos primitivos artigos 272 e 273, do Código Penal, anteriores às mudanças trazidas pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998.

A solução pode ser encontrada no raciocínio exposto por Ricardo Rachid Oliveira (2013), Juiz Federal e doutor em Direito Penal pela Universidade Federal do Paraná:

Quando se desconsidera a pena desproporcional cominada a um tipo, o resultado que daí se obtém é um tipo sem pena, o que equivale à inexistência de tipo, já que o artigo 5º, XXXIX, da CR/88, ao definir o princípio da legalidade penal, estabeleceu [...] que “não haverá crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal”.

Um tipo penal que tenha o preceito secundário considerado inconstitucional perde, igualmente, como consequência inarredável, a força normativa do preceito primário. O princípio da legalidade não permite a criação, nem o empréstimo por analogia, da pena cominada a outro tipo.

Conclui-se, portanto, que, apesar de as figuras típicas equiparadas do crime previsto no artigo 273, do Código Penal, violarem diversos princípios constitucionais penais, como a ofensividade, a intervenção mínima e a fragmentariedade, a simples declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo em razão da violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade é suficiente para anular toda a eficácia normativa do tipo penal do artigo 273, do Código Penal, em sua redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, tornando-o como que inexistente em nosso ordenamento jurídico.

Uma vez tornada como que inexistente a redação determinada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998, aos artigos 272 e 273, do Código Penal, prevalece o primitivo texto, tendo em vista o já mencionado efeito repristinatório da decisão de controle de constitucionalidade. A partir daí, deve o juiz, observados os princípios constitucionais penais abordados neste trabalho, buscar, caso existente, o tipo penal ao qual melhor se adéqua a conduta praticada pelo agente. Aquele que, por exemplo, falsifica um medicamento, tornando-o nocivo à saúde humana, poderá ver-se enquadrado no primitivo artigo 272, do Código Penal. (BRASIL, 2013). Já a conduta daquele que importa medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente poderá tranquilamente ser reputada típica como contrabando, do artigo 334, caput, do Código Penal (BRASIL, 2013), uma vez que se trata de produto proibido.

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Sobre o autor
Daniel Bombarda Andraus

Graduado pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium - UniSALESIANO Araçatuba. Aprovado no X Exame de Ordem Unificado. Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Ex-assessor junto ao Ministério Público Federal. Ex-analista do Ministério Público do Estado de São Paulo. Defensor Público do Estado de Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRAUS, Daniel Bombarda. A decisão judicial em face da violação aos princípios constitucionais penais pelo crime previsto no artigo 273, do Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4042, 26 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30496. Acesso em: 24 dez. 2024.

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