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O juiz leigo nos juizados especiais e os limites de sua atuação:

uma questão controvertida

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05/08/2014 às 09:28
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4. O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A ATUAÇÃO DOS JUIZES LEIGOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS - RESTRIÇÃO

A divergência sobre a amplitude de atuação dos juizes leigos nos Juizados Especiais Criminais em todo o país acabou por desaguar no Conselho Nacional de Justiça - CNJ, merecendo a matéria a devida análise e tratamento no Procedimento de Controle Administrativo n. 0000303- 58.2011.2.00.0000, cuja relatoria coube ao Conselheiro Jefferson Kravchychyn.

No caso apontado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina representou ao Conselho Nacional em face do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, insurgindo-se contra decisão do Conselho Gestor do Sistema dos Juizados Especiais e Programas Alternativos de Resolução de Conflitos daquela Corte que, em processo administrativo, admitiu a atuação dos juizes leigos daquele Estado em todos os atos dos Juizados Especiais Criminais (conciliação, transação, instrução, decisão).

A decisão, unânime, do Conselho Nacional foi lançada nos seguintes termos:

“PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. JUIZ LEIGO. ATUAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. PRÁTICA DE ATOS DECISÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE.

- Não se pode conferir a juiz leigo todas as competências e atribuições imputadas a magistrado de carreira, pois este exerce o monopólio estatal da jurisdição e determinados atos são por ele indelegáveis para preservar-se tal premissa.

- Em outras palavras, reputa-se afrontosa ao devido processo legal a norma que, não emanada do Poder Legislativo, preste-se a disciplinar de forma inovadora questões referentes ao procedimento processual.

- Necessária a manifestação desse Conselho com vistas a conferir uniformidade de tratamento aos juízes leigos e sua competência. Nesse norte proponho seja orientado aos Tribunais Estaduais e, por seguinte, aos seus magistrados, que não promovam atos tendentes a conferir aos juízes leigos atribuição para a prolação de atos decisórios. A atuação combatida viola por certo o princípio da indelegabilidade do poder jurisdicional e fica sujeita a análise disciplinar dos que a desrespeitarem

- Voto no sentido de desconstituir a decisão do Conselho Gestor do Sistema JEPASC, pautada no voto relator do processo nº 270.187-2007.1, por entender que os juízes leigos, no âmbito dos juizados especiais criminais, somente podem atuar na condição de auxiliares da justiça, com participação restrita à fase preliminar, sem que possam proferir sentenças, executar penas ou decretar prisões, atividades privativas de juiz togado.

- A atuação de juiz leigo na instrução de processos, ainda que de menor potencial ofensivo, sem a supervisão ou orientação de juiz togado, afronta o princípio da indelegabilidade da jurisdição e o monopólio estatal da jurisdição. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000303- 58.2011.2.00.0000 - Rel. Jefferson Luis Kravchynchyn - 121ª Sessão - j. 01/03/2011 ).”

No referido precedente, o CNJ deixou assentado que não cabe ao juiz togado conferir poderes a juiz leigo para a prática de atos decisórios, por meio de portaria ou outra espécie de ato administrativo, especialmente diante da indelegabilidade da jurisdição conferida por comando constitucional ao juiz togado. Essa posição foi reafirmada pelo Conselho Nacional no PCA n. 0006286-72.2010.2.00.0000.

Por certo, não se pode negar que a atuação dos juízes leigos constitui importante ferramenta para o sucesso e celeridade dos Juizados Especiais.

Porém, sob a justificativa da necessidade de velocidade nos pronunciamentos judiciais não se pode arrostar o cumprimento das normas constitucionais e infraconstitucionais que ordenam a distribuição e o exercício da jurisdição.


5. CONCLUSÃO

A exegese gramatical do texto constitucional e da Lei n. 9099/95, combinada com a interpretação sistemática dos preceitos disciplinadores dos Juizados Especiais, aliadas à natureza dos direitos indisponíveis tutelados, à indelegabilidade da jurisdição por analogia, ao que se somam os subsídios doutrinários apresentados e os precedentes do Supremo Tribunal Federal, conduzem à conclusão de que a atuação do Juiz leigo é limitada no Juizado Especial Criminal, circunscrevendo-se a competência à prática dos atos de composição dos danos civis para posterior homologação pelo Juiz togado (conciliação – art. 73, Lei 9.099/95).

Ressente-se o juiz leigo, todavia, de jurisdição para transacionar, instruir ou proferir decisões nos processos criminais, porquanto o ordenamento jurídico dos Juizados Especiais assim não autoriza e com ele não se compatibiliza, encontrando-se vedado o uso da analogia por se tratar de matéria penal.

Enfim, consciente de que toda lei é obra humana, aplicada por homens, imperfeita na forma e no fundo, registro caber ao intérprete a difícil missão de explicar, esclarecer, mostrar o sentido verdadeiro da expressão, da frase, sentença ou norma.

Nas palavras inesquecíveis de Carlos Maximiliano, o intérprete “procede à análise e também à reconstrução ou síntese. Examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto; compara-o com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da lei toda e do Direito em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica, e, assim, realiza, de modo completo, a obra moderna do hermeneuta”[16].


6. BIBLIOGRAFIA

FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, 430p.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados especiais criminais: comentários a Lei 9.099, de 26.9.1995. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 475 p. 

HAPPKE, André Alexandre. O juiz leigo no juizado especial criminal – primeiras notas. Revista da ESMESC. v. 1, n. 1, ago. 1995. Florianópolis,SC: ESMESC, 1995, p. 35-46.

JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. Atualizada de acordo com a Lei n. 10.259, de 12-7-2001. 9. ed. rev., atual. São Paulo: Saraiva, 2004. 177 p. 

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 8.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2002. 546 p. 

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Juizado especial criminal. 3. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 1999. 194 p.

TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados especiais estaduais cíveis e criminais: comentários à Lei 9.099/1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. 2007. 861 p. ISBN 8520329950 pág. 403.

VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Português prático e forense. São Paulo: LEDIX, 1991, p. 160.                                                                                                                                            


Notas

[1]              A oração subordinada é aquela que necessita de outra principal para ter sentido completo. O período composto por subordinação é aquele formado por uma oração principal e uma ou mais orações subordinadas. VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Português prático e forense. São Paulo: LEDIX, 1991, p. 160.

[2]              Nesse sentido: HAPPKE, André Alexandre. O juiz leigo no juizado especial criminal – primeiras notas. Revista da ESMESC. v. 1, n. 1, ago. 1995. Florianópolis,SC: ESMESC, 1995, p. 35-46.

[3]              Enunciado 70 - O conciliador ou o juiz leigo podem presidir audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais, propondo conciliação e encaminhamento da proposta de transação (Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC). Enunciado 71 - A expressão conciliação prevista no artigo 73 da Lei 9099/95 abrange o acordo civil e a transação penal, podendo a proposta do Ministério Público ser encaminhada pelo conciliador ou pelo juiz leigo, nos termos do artigo 76, § 3º, da mesma Lei (nova redação do Enunciado 47 - Aprovado no XV Encontro – Florianópolis/SC).

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[4]              “Art. 22 A conciliação será conduzida por juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação” ; “art. 40 O Juiz leigo que tiver dirigido a instrução proferirá sua decisão e imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá homologá-la, proferir outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a realização de atos probatórios indispensáveis.”

[5]              PAZZAGLINI FILHO, Marino. Juizado especial criminal. 3. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 1999. 194 p. ISBN 8522423407, pág.61.

[6]              MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2002. 546 p. ISBN 8522431027 pág. 42.

[7]              Art. 37. A instrução poderá ser dirigida por Juiz leigo, sob a supervisão de Juiz togado.

[8]              JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. Atualizada de acordo com a Lei n. 10.259, de 12-7-2001. 9. ed. rev., atual. São Paulo: Saraiva, 2004. 177 p. ISBN 85-02-04628-4 pág. 58.

[9]              FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, 430p. ISBN 85-203-1353-1, pág.268-271.

[10]             GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados especiais criminais: comentários a Lei 9.099, de 26.9.1995. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 475 p. ISBN 8520327036 pág. 69-70.

[11]             CF/88, art. 24, § 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

[12]             TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados especiais estaduais cíveis e criminais: comentários à Lei 9.099/1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. 2007. 861 p. ISBN 8520329950 pág. 403.

[13]             CF/88, art. 22, I. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (destaquei).

[14]             CF/88, art. 24, XI. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) XI - procedimentos em matéria processual; (...)

[15]             Fonte http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp#visualizar acessado em 17/08/2010;

[16]             MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 8.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Siegert Schuch

Mestre em Ciência Jurídica. Pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Professor da Escola Superior da Magistratura e da Academia Judicial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal da Fundação Universidade Regional de Blumenau. Juiz de Direito. Autor das obras “Acesso à Justiça e Autonomia Financeira do Poder Judiciário: a quarta onda?” e “Dano Moral Imoral”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHUCH, Luiz Felipe Siegert. O juiz leigo nos juizados especiais e os limites de sua atuação:: uma questão controvertida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4052, 5 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30667. Acesso em: 18 abr. 2024.

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