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Propostas de resolução de colisão entre direitos fundamentais a partir da lei geral proposta por Alexy e da apreciação do choque entre os direitos à informação e à privacidade

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24/10/2014 às 11:12
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6. DIREITO À PRIVACIDADE

            Assim como foi feito com o direito à liberdade de informação, urge, antes de qualquer exposição maior, delimitar o que se entende por direito à privacidade e a determinação de qual corrente de conceituação será aqui abordada. Por direito à privacidade – entendida no sentido etimologicamente contrário ao de publicidade – absorve-se a possibilidade de desviar da esfera pessoal, olhos e ouvidos indiscretos e impedir a divulgação de tudo aquilo que for concernente a tal esfera.[26]Esse conceito, assim observado, vai ao encontro da idéia de direito à intimidade, ou o direito de reservar para si seus próprios assuntos. Por fim, também se aproxima muito o conceito lato sensu de vida privada, referente à parte da personalidade que se deseja ver preservada do alcance do conhecimento público.[27]Ora, diante dessa harmonia conceitual, este trabalho segue a exposição já feita, condizente com a terminologia norte-americana (right to privacy) e considera equivalentes os três termos, não fazendo distinção ao elencá-los. Com efeito, julga-se privacidade, intimidade e vida privada similares, e possuidores de igual significado, qual seja, nas palavras de René Ariel Dotti, “a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”.[28]

            Antes da Constituição de 1988, a legislação brasileira não tratava de forma expressa o direito à privacidade. Com a sagração constitucional do direito à intimidade e à vida privada[29]no inciso X, do art. 5º (e também à honra e à imagem, que não têm tratamento aprofundado nesse trabalho), o constituinte acompanhou a tendência de várias outras constituições contemporâneas, que os consagraram em seus textos. Dentre essas, pode-se fazer referência à Constituição da Itália de 1947, à Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1949, a Portuguesa de 1976 e, por último, a Constituição Espanhola, datada de 1978, que traz em seu art. 18.1 a garantia ao “direito à honra, à intimidade pessoal e familiar e à própria imagem.

            Antes mesmo, contudo, do amparo efetivo proporcionado pelos textos constitucionais, o direito à intimidade foi primeiramente reconhecido em documentos internacionais. A pioneira Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, assinada em Bogotá em maio de 1948, e a aclamada Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), firmada em Nova York em dezembro do mesmo ano, são bons exemplos. O 12º artigo dessa última, de forma bem elucidativa, versa: “no one shall be subjected to arbitrary interference with his privacy, family, home, or correspondence [...]”.

            O direito à privacidade configura, além de um direito fundamental, um direito da personalidade, essenciais à pessoa e inerentes à mesma. Os direitos em epígrafe se consolidaram principalmente a partir da segunda metade do século XX. Nesse período, marcado pelo pós-guerra, atentou-se para a necessidade de sacramentar nos códigos um rol de direitos que conferisse ao homem a tutela de seus próprios valores e a garantia de sua individualidade, ante a insubstituível importância da pessoa humana como fundamento do progresso civil.[30]A Constituição Alemã de 1949 definiu a “intangibilidade da dignidade humana” como direito fundamental e, em seu artigo 2º, dispôs quanto “a garantia do livre desenvolvimento da personalidade”.[31]

            Constituem, esses direitos acima descritos, a salvaguarda última do ser humano contra qualquer espécie de abuso do direito, edificando possíveis barreiras à eficácia, inclusive, dos demais direitos fundamentais, como se enseja demonstrar nos tópicos seguintes a partir do choque entre o direito à liberdade de informação e o direito à privacidade.


7. A COLISÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E À PRIVACIDADE

É pacífico no ordenamento jurídico brasileiro: nenhum direito disposto na Constituição Federal pode ser considerado absoluto, porquanto os direitos encontram-se limitados por outros direitos ou por valores amparados pelo texto constitucional.[32]Não haveria porque ser diferente com o direito à liberdade de informação. Malgrado o destaque desse direito no rol dos direitos fundamentais, como foi visto em tópicos passados, a própria Constituição impõe limites ao seu exercício. O § 1º, artigo 220 da Lei Maior é explícito, verbis:

Art. 220. (omissis)

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. [grifo nosso]

Os direitos da personalidade formam, de acordo com o apreendido na Constituição, um conjunto de limites externos à liberdade de informação. Veja bem, vez que esses limites também estão tutelados como direitos fundamentais, não se configura uma simples conformidade de regras, trata-se de uma clássica colisão de direitos fundamentais.[33]Desse conflito, prima facie, pode-se determinar que o exercício das liberdades referentes à informação não pode usurpar a seara da personalidade, marcadamente nos incisos destacados. Essa colisão significa, praticamente, que os fatos relacionados com o âmbito de proteção constitucional dos direitos à personalidade não podem ser indiscriminadamente divulgados ao público.[34]

Todavia, se por um lado não pode haver arbitrariedades no exercício do direito à liberdade de informação, pelos mesmos motivos depreende-se que o seu tolhimento completo é igualmente indevido. O direito fundamental em questão é estimado por transcender a dimensão de garantia individual e contribuir para a formação da opinião pública pluralista, essencial para o funcionamento da sociedade democrática.[35].

A riqueza do dilema é justamente essa: obter controle de invasões de privacidade sem a supressão do direito à informação. Tentemos obter uma resposta aceitável a partir do processo de análise proposto por Alexy, e visto supra.

Ora, é “chover no molhado” alongar a exposição acerca da ocorrência da colisão destacada. Já restou provado, por tudo que foi aqui exposto, que há um choque evidente entre o princípio que prega a liberdade de informação e o que resguarda o direito à privacidade. É sabido também que nenhum dos dois pode ser considerado isoladamente, sob pena de incorrer ou na supressão total da liberdade de comunicação, de uma maneira geral, ou no abandono da salvaguarda da intimidade dos cidadãos, bem indubitavelmente fundamental à formação da personalidade.

Do mesmo modo, não cabem delongas sobre a determinação de um termo geral de preferência no caso em questão, seja porque a doutrina ainda mostra-se irresoluta quanto à questão, seja porque, como foi bem já foi ressaltado, perde em praticidade uma análise que aqui deposite muito tempo, vez que a decisão a partir da ponderação “desconsidera” essa relação de precedência previamente constituída, e sobreleva a importância dos condicionantes materiais do caso concreto.

Desse modo, dissecar possíveis condicionantes de preferência referentes apenas à concretude do caso parece bem mais sensato, e é dessa forma que seguiremos. Malgrado a pluralidade enorme de casos e a imprevisibilidade das condições fáticas que surgem à cada dia, a seguir tenta-se destacar alguns condicionantes que são constantemente elencados pela vasta jurisprudência dos tribunais brasileiros referente à matéria.

7.1. OS CONDICIONANTES DE PREFERÊNCIA

Antes de proceder a uma análise mais técnica da questão, compete esclarecer que o que nomeia-se aqui “condicionante” diz respeito aos pressupostos fáticos da “lei de colisão” proposta por Alexy e já debatida nesse trabalho. Esses condicionantes constituem todas as informações absorvidas do caso concreto para compor a base material dos juízos de ponderação. A partir deles é que são elaboradas as relações de preferência específicas em cada colisão.           

Pois bem, imagine-se o caso hipotético de um cidadão A, que impetra uma ação contra uma emissora de televisão B, por acreditar que, no exercício do direito de informar, B adentrou na tutela de sua personalidade, invadindo sua privacidade. A partir desse caso bem simples, verificaremos quais os condicionantes são mais comuns e devem ser levados em conta na apreciação do conflito entre o direito à liberdade de informação e à privacidade, para analisar, posteriormente, um caso real.

Bem a princípio, a primeira verificação que se deve fazer é se A é um cidadão público. A privacidade de políticos, artistas, atletas etc. se sujeitam a parâmetros de aferição bem menos rígidos do que a privacidade de pessoas anônimas, é evidente. A esfera privada do indivíduo, portanto, depende diretamente de seu status: quando a pessoa se destaca como figura pública ou célebre, o âmbito de proteção de sua privacidade reduz-se sensivelmente.[36]Via de regra, quanto maior a exposição do indivíduo, menor é a possibilidade de serem vedadas intromissões em sua vida privada.

É claro, contudo, deve haver, em todos os casos, um resguardo à linha da esfera privada; a dificuldade consiste, justamente, em traçar essa fronteira. Cabe ao julgador, com base nos demais determinantes, designar quanto terreno deve ser destinado à esfera privada, e quando campo de trabalho deve-se fornecer ao direito à informação.

Não parando por aí, um outro condicionantes diz respeito ao limite interno da liberdade de informação, a veracidade.[37]Não há porque falar desse tema sem a verificação desse pressuposto. Parece óbvio que, antes de publicar qualquer informação sobre A, B deve atestar a confiabilidade de suas fontes, ou mesmo a existência real do fato a ser noticiado. A liberdade de informação no Estado democrático de direito pressupõe o dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja verificada a seriedade ou idoneidade das informações colhidas antes de qualquer divulgação.[38]

Outro que merece análise é o interesse público envolvido na notícia a ser divulgada. Esse interesse difere-se da simples curiosidade popular e deve ser averiguado pelo grau de necessidade coletiva que a informação carrega consigo.[39]Concretamente, o direito de informar deve prevalecer em relação ao direito à privacidade somente se a informação divulgada for indispensável à sociedade. Caso contrário, prepondera a preservação da privacidade. B só tem direito a publicar informações privadas de A se for de real interesse coletivo, e se tal informação for de monta irrenunciável.

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Nesta cena, é também cabido acrescentar que os fatos que são notícias – como desastres naturais, acidentes e crimes – merecem ser divulgados, independente das pessoas envolvidas.[40]

Por último, é imperioso verificar que a análise dos casos de conflito de princípios constitucionais deve passar também pela licitude dos meios empregados na obtenção das informações: não se admite a divulgação de informações obtidas por meios ilícitos como interceptação telefônica clandestina, violação de domicílio, tortura e outros.[41]


8. ANÁLISE DO CASO CONCRETO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Levantados esses certos condicionantes comuns à maioria dos confrontos entre direito à liberdade de informação e à privacidade, tem-se pressuposto para partir em uma análise concreta ante a jurisprudência de um tribunal brasileiro. Verificar-se-á a aplicabilidade de cada uma dessas condições de modificação no caso, e suas implicações na resolução. Tenta-se, por meio destes, a propositura de um “método de verificação”, a partir do qual se chega ao juízo de qual direito tem peso maior em cada caso.

O caso utilizado nesse ponto do trabalho bem poderia ser o mesmo citado por Alexy quando do “teste” de sua “lei de colisão”, o Lebach, dada o seu forte conteúdo metodológico; não obstante, optou-se por dar preferência à decisão de um tribunal brasileiro, até para que se possa enxergar como geralmente se resolvem os conflitos de direitos fundamentais aqui. Trata-se de uma decisão prolatada pelo STJ, em sede do Recurso Ordinário em Mandato de Segurança – RMS, interposto por W. H. para contestar acórdão que denegou a ordem impetrada contra decisão do juízo federal, o qual autorizou a quebra de sigilo bancário requerida pelo Ministério Público – MP. O relator para o acórdão, ministro Luiz Fux, entendeu que a quebra para fins de investigação de suspeita de crime financeiro não viola a privacidade do impetrante, porque o sigilo bancário não é um direito absoluto, verbis:

EMENTA. RECURSO ORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. SIGILO BANCÁRIO. DIREITO RELATIVO. SUSPEITA DE CRIME FINANCEIRO.

1. A suspeita de crime financeiro, calcado em prova de lesividade manifesta, autoriza a obtenção de informações preliminares acerca de movimentação bancária de pessoa física ou jurídica determinada por autoridade judicial com o escopo de instruir inquérito instaurado por órgão competente.

2. A quebra de sigilo bancário encerra um procedimento administrativo investigatório de natureza inquisitiva, diverso da natureza do Processo, o que afasta a alegação de violação dos Princípios do Devido Processo Legal, do Contraditório, e da Ampla Defesa.

3. O sigilo bancário não é um direito absoluto, deparando-se ele com uma série de exceções previstas em lei ou impostas pela necessidade de defesa ou salvaguarda de interesses sociais mais relevantes (Vide §§ 3º e 4º do art. 1º e art. 7º da Lei Complementar 105/2001)

4. Recurso ordinário improvido.[42]

Noutras palavras, diante das circunstâncias, o colegiado do STJ chegou a um consenso e decidiu por sobrepor o direito à informação ao direito à privacidade, determinando a quebra do sigilo bancário do autor do mandato. Para os ministros, nesse caso específico, o peso desse primeiro é maior que o segundo, e deve preponderar.

Ora, não há porque falar, nesse caso específico, sobre a veracidade da informação em questão, vez que essa é implícita em casos de quebra de sigilo bancário. Tanto não há porque se discutir o status do autor da ação, dado a irrelevância do tópico para a dissolução do conflito.

Por outro lado, (i) o interesse público envolvido na questão, e a (ii) a licitude das meio de obtenção da informação são de monta essencial para a dissolução do embate. Senão vejamos. Em (i), a própria ementa regula a importância da fiscalização de suspeita de crime financeiro. Para o ministro relator, Luiz Fux, tal valor é digno per si de determinar a quebra do sigilo bancário. Em (ii), o que se questiona é a validade dos meios de aquisição das informações litigadas. Observado que o requerimento de quebra do sigilo foi feito pelo Ministério Público, e, foi, portanto, autorizado judicialmente, é clarividente a licitude desses meios, a plena usabilidade dos mesmos nos caso.      

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Sobre a autora
Milla Paixão Paiva

Acadêmia de Direito da Universidade Federal do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, Milla Paixão. Propostas de resolução de colisão entre direitos fundamentais a partir da lei geral proposta por Alexy e da apreciação do choque entre os direitos à informação e à privacidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4132, 24 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30690. Acesso em: 18 dez. 2024.

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