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Análise introdutória da teoria da actio libera in causa no Direito brasileiro

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31/01/2015 às 22:00
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A ebriez é um aspecto relevante na atribuição da culpa e penas para um agente. O presente escrito traz uma breve análise da teoria da actio libera in causa e como ela é traduzida no ambiente jurídico brasileiro.

1. INTRODUÇÃO

A punição aos atos ofensivos cometidos por pessoas ébrias sempre foi discutida nas sociedades pela história. Essas pessoas enquanto embriagadas por vários fatores deveriam ser punidas por seus delitos e crimes? Cada sociedade propôs um formato para tratar do assunto.

A actio libera in causa vem para discutir a imputabilidade do sujeito, dentro da esfera da culpabilidade, enquanto este estiver embriagado. A teoria resume-se na

“[...] punição dos agentes que, no momento da prática da conduta, estavam totalmente privados de sua capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento” (CONTI, 2013).

A teoria consiste numa ficção jurídica criada por meio de política criminal para desqualificar a imputabilidade, isto é, a impossibilidade de imputar responsabilidade a pessoas por seus atos contrários à lei, deslocando artificialmente o momento da análise da imputabilidade para quando o sujeito ainda está sóbrio.

O trabalho vem para trazer alguns delineamentos sobre o assunto, entre eles, conceitos jurídicos que circundam a teoria em destaque, críticas e casos concretos que brevemente serão discutidos para que seja percebido como a teoria vem sendo utilizada nos casos concretos.

1.1. Histórico

Pelo período da antiguidade, segundo CONTI (2013), os “estados de perturbação transitória da consciência” eram ignorados quando para imputar responsabilidades a alguma pessoa. Esse “estado” ainda poderia servir até como atenuantes de penas capitais porquanto o autor não estivesse em plenas faculdades mentais. Segundo CONTI (2014),

“[...] os jurisconsultos romanos, nas breves incursões feitas no tema da embriaguez de que se tem registro, compreendiam-na como um “ímpeto intermediário entre o dolo e o caso fortuito.” Isto é, para os romanos antigos não poderia ser considerada uma ação dolosa porque o agente não estava nas plenas faculdades mentais no momento do cometimento da ação delituosa, nem tampouco poderia ser considerado caso fortuito porque não foi um caso de força maior fora da alçada de previsibilidade do agente.

Já Aristóteles apud CONTI (2013), diz que

“Sempre que por ignorância se pratica um delito o sujeito não se conduz voluntariamente, a não ser aquele que cometa seja causa da ignorância, como acontece com os ébrios, os quais causam danos ou injúria sendo causa da ignorância.”

Segundo apontamentos de Damásio de Jesus apud CONTI (2013), Do trecho depreende-se que para o grego era perfeitamente possível punir o ébrio que cometesse crimes já que a embriaguez já era um ato “reprovável em si mesmo”.

Enfim, na antiguidade ainda não se possuía um entendimento complexo sobre a teoria em questão. Contudo isso não quer dizer que os ébrios não possuíssem suas punições por parte de suas sociedades.

Já na idade média, segundo CONTI (2013), houve contribuições do Direito Canônico para entendimento da matéria. Isso porque embora fosse reprovável embriagar-se, foi reconhecido a impossibilidade de atribuir ao ébrio as ações cometidas pelo mesmo enquanto fora de si. Nisso consistia um forte caráter subjetivo ao se atribuir a culpa por atos delituosos.

Baseados numa passagem bíblica em Ló, segundo CONTI:

“[...] que, visão de Santo Agostinho, não teria cometido pecado ao praticar incesto com suas filhas quando estava embriagado, porquanto ignorava, no momento do ato, sua condição de parente, somente podendo ser culpado por ter abusado do vinho”.

O entendimento era que não sendo punível os atos praticados durante o clímax da embriaguez, era totalmente reprovável e passível de punição o ato de embriagar-se por escolha livre, consciente e voluntária (CONTI, 2013).

Contudo, minoritariamente, Tomás de Aquino citado por Sznick (CONTI, 2013), sustentava que ao contrário da posição majoritária,

“[...] os dois fatos cometidos (o delito cometido e a embriaguez) eram menos grave que o fato isolado, cometido sem o uso de qualquer bebida alcoólica, enquanto que, paralelamente, dois pecados não são sempre mais graves que um único pecado e, portanto, ao delinquente embriagado devia aplicar-se uma pena inferior àquela prevista por um só delito.”

Nesse caso a embriaguez era um caso de redução de pena quando o agente criminoso estivesse em estado de embriaguez, a não ser que o mesmo se embriagasse para a prática de crimes com a prévia intenção de cometê-los. Nesse ponto começava-se a introduzir fundamentos da teoria do actio libera in causa.

Com o Renascimento, o assunto toma maiores contornos e começa a delinear suas formas. Para Bártolo (1313-57) e Baldo (1327-1406), era suficiente que a embriaguez “[...] tivesse sido voluntária para que se pudesse punir ações praticadas inconscientemente” (CONTI, 2013).

O entendimento firmado pelos autores foi que ainda que o autor não pudesse ser responsabilizado pelos atos cometidos durante o estado de embriaguez, ao mesmo poderia ser imputado sua responsabilidade pelos atos antecedentes porque estava em plenas faculdades mentais nesse momento. Posteriormente também foi inserida a embriaguez culposa (Farinacio).

Para SZNICK apud CONTI (2013),

“Foi somente no século XVI, a partir de Claro que perfeccionando-se a ciência se operou uma discussão de diversos casos. Nesse período, fez escola o conceito que, em relação a uma embriaguez completa, a responsabilidade a título de dolo para o delito cometido, devesse substituir por aquele a título de culpa.”

Então, ficou entendido através dos autores que aqueles agentes embriagados por caso de força maior ou fortuito não poderiam ser punidos por estar ausente a culpa ou dolo ato antecedente à embriaguez. Contudo se a embriaguez fosse voluntária e consciente, e então nessa situação praticasse atos criminosos, o agente agia culposamente, porque o crime não foi premeditado no ato antecedente. E ainda foi sustentado que se fosse possível prever o ato, o agente seria responsabilizado por dolo sem direitos a atenuantes, equiparando-se a embriaguez preordenada.

Com isso já se aproximavam dos conceitos modernos da teoria da actio libera in causa que serão tratados a seguir.

1.2. Conceitos

Antes de adentrar ao cerne do trabalho, resta dirimir alguns conceitos relativos à Teoria do Crime. A matéria penal vem para proteger os bens jurídicos mais importantes do sujeitos, sendo tratado como ultima ratio dos Ordenamentos Jurídicos das sociedades atuais. As leis penais, atualmente possuem um caráter finalista, que visa a responsabilização subjetiva dos agentes delinquentes em detrimento de uma responsabilização objetiva. Seu princípio geral é nullum crimem, nulla poena sine lege que significa que “Art. 1º CP Não há crime sem lei anterior que o defina”.

O crime se configura através de aspectos materiais e formais. Como material, podemos definir como aqueles que o legislador pretende defender em sua política criminal; e formal: Tipicidade (fato típico), Antijuridicidade, Culpabilidade (dolo ou culpa).

Contudo, antes se entende, para evitar equívocos, crime material como sendo aquele crime que exige um resultado concreto para além da conduta (admitem tentativa), enquanto que crime formal é aquele dito de mera conduta, que se exaure no momento em que acontece não necessitando um resultado.

O crime possui em sua consecução uma espécie de ordem cronológica, segue um caminho até seu exaurimento. Esse caminho é chamado de iter criminis e pode ser subdivido em quatro ou cinco fases: a cogitação, a preparação, a execução, a consumação; e o exaurimento, dependendo do referencial adotado.

A cogitação consiste na fase interna em que o agente ainda está planejando internamente o crime e desejando executá-lo. Na segunda fase, preparação, o que antes foi planejado é externalizado quando o agente começa os atos preparatórios para o cometimento do crime. Ainda na fase externa, na terceira fase, a execução, o agente executa o crime premeditado e preparado, começando a lesar o bem jurídico. Na quarta fase ocorre a consumação em que acontece os resultados e efeitos desejados pelo agente. E por fim o exaurimento, quando cessam os efeitos e resultados da ação.

1.2.1. TIPICIDADE

O fato típico é o primeiro elemento para se configurar um crime. É aquele fato que está previsto nos códigos penais que quando ocorre é subsumido à norma. Para se configurar o fato típico, este necessita de alguns requisitos:

  • Conduta dolosa ou culposa: o agente deve agir por ação ou omissão humana, consciente e voluntária;
  • Resultado: a ação ou omissão do agente deve modificar o mundo exterior;
  • Nexo causal: deve haver um nexo de causa-efeito ligando a ação ou omissão e o resultado;
  • Tipicidade: o fato deve estar previsto no ordenamento para realizar sua subsunção.

Isso lembrando que age com dolo aquele que atua com vontade e consciência sobre o fato. Responde também por dolo aquele que podendo prever os resultados de sua ação, assume o risco de sua ação. Age com culpa aquele que por negligência, imperícia ou imprudência não cumpre com o dever de cuidado sobre suas ações ferindo bens jurídicos de outras pessoas.

Dolo pode ser subdividido na forma mais básica em direto (consciência e vontade), ou eventual (assume o risco de produzir o resultado).

Já a culpa (imprudência, imperícia e negligência) pode ser subdivida em: consciente em que há previsibilidade do resultado mas o agente atua com imperícia, imprudência ou negligência, inconsciente (CP não distingue da consciente) em que não há previsibilidade do resultado apesar da conduta ser perigosa.

São casos de exclusão de fato típico, quando o mesmo não está previsto no ordenamento. Isto é, não há crime sem lei que o anteceda.

1.2.2. ANTIJURIDICIDADE

Aqui resta entender que antijurídico é o fato típico contrário à lei que um agente comete através de uma ação ou omissão dolosa ou culposa.

São casos de exclusão de antijuridicidade quando o agente atua para proteger um bem jurídico relevante. Eles subdividem-se em:

  • Estado de necessidade: quando dois bens jurídicos colidem e a escolha entre um e outro não são reprováveis;
  • Legítima Defesa: quando alguém sofre uma agressão injusta, iminente e atual a um bem jurídico seu, este possui o direito de defender sua esfera jurídica utilizando meios suficientes para tanto;
  • Estrito cumprimento do dever legal: quando o agente atua conforme a lei obedecendo ao ordenamento.
  • Exercício regular de um direito: quando o agente atua exercendo um direito seu previsto em lei.

1.2.3. CULPABILIDADE

Muitos autores entendem a culpabilidade como pressuposto de aplicação de pena, como o professor Damásio de Jesus, contudo o entendimento adotado será o de requisito do crime.

Os elementos da culpabilidade são:

  • Imputabilidade: se é possível imputar crimes ao agente, se o mesmo é capaz no momento do fato típico, etc.;
  • Potencial consciência de ilicitude: se o agente entende que sua ação é antijurídica;
  • Exigibilidade de conduta diversa: se no momento dos fatos, o agente poderia ter agido de forma diferente. Nesse caso a inexigibilidade de conduta diversa, ocorre quando não é possível exigir que o agente atue de forma diferente. São casos de coação moral irresistível (a física exclui o crime); e obediência hierárquica;

1.2.3.1. Imputabilidade aplicada à teoria do actio libera in causa

Resolve-se a imputabilidade como

“[...] o universo próprio de características de uma pessoa, indicativo de sua maturidade e higidez mental, capaz de lhe conferir plena capacidade de entendimento e determinação (ou posicionamento) sobre o caráter ilícito do fato, e, por conseguinte, aptidão para que lhe seja atribuída a prática de uma conduta delituosa, bem como aplicada a sanção penal direta correspondente (pena criminal).” (MACHADO, ___)

A teoria abarcada pelo CP está no art. 26:

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar?se de acordo com esse entendimento.”

Do artigo 26 depreende-se que para um sujeito ser imputável, ele depende de um fator biológico e psicológico, no tempo da ação ou omissão. Como fatores biológicos entende-se a idade para ser imputado crimes aos indivíduos, isto é, dependendo da política criminal de uma sociedade a imputabilidade pode variar com a idade, no Brasil são 18 anos; também entende-se como biológicos os fatores pertinentes às faculdades mentais, doenças, desenvolvimento mental adequado, etc. Já para o fator psicológico, o mesmo compreende o teor volitivo do agente em atuar ilicitamente ou não. Conforme os ensinamentos de PONTE apud MACHADO, “só é imputável o indivíduo que tem capacidade de entender e de querer”. E como ao tempo da ação ou omissão devemos concluir que deverá ser avaliado o estado do agente no momento da prática do crime, se este estava em plenas capacidades biopsicológicas para agir.

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Nesse momento em que a Teoria do Actio Libera in Causa entra na Teoria do Crime. Isso porque quando o agente se enquadra nos casos dessa teoria ele está em estado de embriaguez. Este que pode ser definido segundo VIDAL, “[...] a intoxicação do organismo causada pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos”.

A embriaguez pode ser subdividida em:

Quanto ao grau:

  • Completa: não tem consciência de seus atos;
  • Incompleta: apesar de ter ingerido substâncias que possam o ter embriagado ainda não perdeu a consciência e a vontade sobre seus atos;

Quanto à origem ou natureza:

  • Acidental (VIDAL): “é a embriaguez derivada de caso fortuito, força maior ou erro, segundo nosso particular ponto de vista, inobstante haja coincidência quanto ao tratamento jurídico penal dado às três hipóteses: se plena a embriaguez, vale dizer, completa, isenta o agente de pena (art. 28 §1º, CP); se incompleta, a pena poderá ser reduzida (art. 28, §2º, CP).”
  • Fortuita: é a embriaguez que não foi desejada, que ocorreu por causa ignorada pelo agente;
  • Força maior: quando o agente não pode evitar a situação de se embriagar;
  • Não-acidental: essa é a embriaguez que não se deduz acidentalmente, subdividindo-se em voluntária (dolosa), culposa e preordenada. Em nenhum dos casos fica excluída a imputabilidade do agente.
  • Voluntária (MARQUES apud VIDAL): “quando o agente se entregou às libações alcoólicas com o propósito de embriagar-se”. Não exclui a imputabilidade (art. 28 II, CP);
  • Culposa (VIDAL): quando o agente não tem o propósito de se embriagar mar isso acontece. Não exclui a imputabilidade (art. 28 II, CP);
  • Preordenada (CONTI, 2013): “o agente faz-se instrumento de si mesmo para praticar o delito”. Isto é, o agente embriaga-se como ato integrante do iter criminis ou para apresentar uma escusa por estar em situação de imputabilidade no momento do crime. Aqui a pena é agravada;
  • Patológica ou crônica (VIDAL): “quando assemelha-se à doença mental, retirando do agente, total ou parcialmente, a capacidade de entendimento e volição”. Esse seria o caso de alcoolismo crônico (BITENCOURT, 2014). Segue tratamento do art. 26, CP;
  • Habitual ou agudo (BITENCOURT, 2014): é representado pelo alcoolismo agudo. Segue tratamento, segundo BITENCOURT, do art. 26, CP.

Há de considerar também que os casos da embriaguez crônica e habitual são tratadas como doenças e por isso o tratamento é o do art. 26, CP, igualando-os como doentes mentais para o nível de imputabilidade.

Nesse momento adentramos na teoria do trabalho quando QUEIROS apud MACHADO

“[...] identifica que as ações livres em sua causa como aqueles ‘casos em que alguém, no estado de não-imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo prevista a possibilidade do resultado, ou, ainda, quando a podia ou devia prever”.

Então, como não é possível imputar responsabilidade a alguém completamente embriagado no momento em que estava cometendo o fato, que o legislador criou uma ficção jurídica por motivo de política criminal para através, do ato antecedente, responsabilizar o agente delinquente por seus atos enquanto em situação de inimputabilidade, quando não ocorrer caso fortuito ou de força maior (art. 28, §1º CP), situação em que não há crime.


2. TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA

Segundo NASCIMENTO apud RIBEIRO, a teoria se adequa para os casos

“[...] em que alguém, no estado de não-imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade de resultado, ou, ainda, quando podia ou devia prever”.

Como dito anteriormente, para se imputar responsabilidade jurídica a alguém é necessário que este esteja em plena capacidade de entender (a antijuridicidade) e de ter vontade de praticar o ato. A imputabilidade deve existir no momento do crime e não antes ou depois segundo a teoria do crime e da imputabilidade utilizada majoritariamente.

Partindo do argumento acima, vê-se inadmissível que seja imputado culpa a alguém antes ou depois do acontecimento do crime. Isso porque o mesmo não possuía conhecimento sobre o fato que estaria ocorrendo em seu nome, não percebendo a realidade do crime.

O “[...] dogma da teoria da imputação está na exigência de que esteja presente, durante a realização da atividade ilícita, o elemento subjetivo do tipo, isto é, dolo ou culpa, a fim de evitar a tão odiosa responsabilidade penal objetiva” (CONTI, 2013). Ainda com CONTI, cita SANTOS que diz que “Não existe dolo anterior, nem dolo posterior à realização da ação típica”. São fatos “imprudentes”.

Então a contra sensu do código, não seria possível culpabilizar alguém através da teoria da actio libera in causa porque o agente está em

“[...] estado de completo torpor no momento da prática do verbo núcleo do tipo, não podendo dizer que ele agia com consciência na realização da conduta (dolo), tampouco que agia de maneira não diligente voluntariamente (culpa)” (CONTI, 2013).

Disso se tem a conclusão que a responsabilização tem que ser objetiva, isto é, que o agente em plenas condições de entender e querer cometeu o ato ilícito. Então, se não for possível essa imputação, sequer haverá crime, porque quem não está nessas condições não forma nem fato típico.

Segundo CONTI (2013),

“[...] a punibilidade das actiones liberae in causa, quando analisada sob diferentes ângulos da teoria do delito, encontra uma série de obstáculos: seja em virtude da teoria da imputação, seja por força do princípio da culpabilidade ou mesmo por ausência de conduta, não seria possível atribuir ao agente as ações típicas praticadas durante estados transitórios de inconsciência, sob pena de caracterização de responsabilidade penal objetiva, repudiada por nosso sistema jurídico-penal”.

Então, ainda com CONTI,

“[...] a solução encontrada pela maior parte dos penalistas foi tentar, de algum modo, relacionar a ação delitiva praticada inconscientemente ao ato precedente de se colocar em tal situação, antecipando a análise da imputabilidade para o momento anterior em que a vontade do agente era livre e psiquicamente normal”.

A partir disto é possível inferir que a actio libera in causa vem como força de política criminal para se evitar os danos que possam ser causados por ébrios, trazendo mais um teor de defesa social com teor mais pragmático que teórico.

A seguir no trabalho, tratarei de cinco fundamentos levantados por CONTI em seu trabalho, para a aplicação da teoria em questão, sendo: teoria do dolo inicial e antecedente; teoria do dolo no processo de execução; teoria da causalidade mediata; teoria da equivalência dos antecedentes; teoria do instrumento de si mesmo.

2.1. Teoria do dolo inicial e antecedente

Nesta teoria, somente seria possível punir o agente que se colocou espontaneamente em estado de inimputabilidade já quisesse o resultado que viesse a se concretizar posteriormente.

Para CONTI (2013),

“Nessa lógica, a teoria da actio libera in causa serviria para antecipar a imputação do resultado ilícito para o momento em que o agente, de maneira livre e consciente, deliberou a prática criminosa, isto é, para o momento em que, por exemplo, decidiu se embriagar, conduta esta que, não fosse pela ficção jurídica, não poderia ser punida por configurar mero ato preparatório”.

Por fim, aqui nada obsta para que a responsabilização se desloque para o momento antecedente à situação de inimputabilidade. Segundo CONTI,

“[...] a adoção dessa teoria implica a restrição da actio libera in causa aos casos de embriaguez preordenada, excluindo de seu âmbito de aplicação, por conseguinte, a embriaguez voluntária e a embriaguez culposa”.

2.2. Teoria do dolo no processo de execução

Aqui nesta teoria, “bastaria que o dolo estivesse presente em qualquer dos momentos do processo de execução do delito” (CONTI, 2013). Aqui a vontade inicial do agente em se colocar na situação de inimputabilidade alongar-se-ia por toda execução do crime que dali fosse desencadeado, atingindo o resultado inconscientemente. Aqui o ato de quem se embriaga para cometer crimes é considerado com parte dos atos executórios.

SZNICK apud CONTI define:

“O agente, embriagando-se, inicia o processo executivo do delito, completa os atos preparatórios, com a consequência de que o próprio processo sofra um alargamento: a causa adequada ao resultado – aquela de beber – é logicamente inserida no iter criminoso, porquanto dirigida à realização do ato”.

Aqui o agente seria responsabilizado pelos atos antecedentes ao resultado do ato criminoso subsequente, quando o mesmo estava embriagado. Segundo Queirós, nesse caso a actio libera in causa estaria “restrita aos casos de embriaguez preordenada” (CONTI, 2013). Então nessa teoria o agente apenas poderia ser responsabilizado quando se embriagasse preordenadamente e a embriaguez voluntária ou culposa seriam casos de inimputabilidade.

2.3. Teoria da causalidade mediata

O maior teórico dessa corrente é CARRARA. O conceito chave é que,

“[...] o agente que, atuando de maneira livre e consciente, coloca-se voluntariamente em estado de inconsciência ou para ele se deixa arrastar, dá causa – ainda que indiretamente – aos resultados que depois venha a praticar nessa condição, podendo por eles ser responsabilizado através da actio libera in causa” (CONTI, 2013).

QUEIRÓS apud CONTI analisando CARRARA diz que quando a embriaguez voluntária é completa, é excluída a possibilidade de dolo, mas subsiste a culpa. Caso seja incompleta, apensa conforma-se como atenuante. Se acidental e completa, não se pode imputar responsabilidade e se for incompleta e o agente ainda possuir controle biopsicológico sobre seus atos, mantém-se a imputação com na teoria clássica do crime, salvo quando possa ser diminuído o dolo ou a culpa.

Nessa teoria se pune o que o ébrio fez, pensou, planejou, desejou antes de estar embriagado. Dispensa-se o elemento subjetivo para toda execução do crime, sendo possível imputar responsabilidade ao agente analisando a culpabilidade antes do torpor da embriaguez. Não é necessário que o dolo permaneça durante toda a execução do crime.

Nesse caso, com MAYER apud RIBEIRO, divide-se o fenômeno das actiones libera in causa em duas secções:

“Na primeira ação, está a vontade livre do agente dirigida à realização de um resultado, já na segunda ação, está a conduta não livre produtora do resultado visado. Essas duas ações estão ligadas ao elemento essencial à caracterização da teoria: o nexo causal (CHAMON JUNIOR, 2003a; NASCIMENTO, 1992).”

Para essa teoria, concluindo, não interessa o tipo de dolo (direto ou indireto), apenas resta saber se há nexo de causalidade entre o ato de embriagar-se de forma livre e consciente e a antijuridicidade póstuma.

“Se a ação ou omissão produzida inconscientemente de algum modo decorreu do ato anterior, seja este doloso ou culposo, é possível aplicar a fórmula da actio libera in causa para fins de responsabilização do agente” (CONTI, 2013).

Aqui, busca-se refutar o argumento da responsabilidade penal objetiva dizendo que apenas poderia ser imputada a responsabilidade ao agente respeitando-se o nexo causal entre o ato de embriagar-se e o resultado criminoso quando já embriagado.

2.4. Teoria da equivalência dos antecedentes

Nessa teoria cria-se um postulado causa causae est causa causati (a causa da causa também é causa do que foi causado). O cerne dessa teoria é que

“[...] o sujeito que voluntariamente se coloca em estado de inimputabilidade deu causa à causa do resultado ilícito posteriormente produzido, não havendo, bem por isso, qualquer óbice a sua responsabilização” (CONTI, 2013).

Essa teoria é adotada pelo CP brasileiro, quando no artigo 13, “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera?se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.

Nesta teoria, o agente é punido pelos atos subsequentes à sua ação de embriagar-se voluntariamente para colocar-se em situação de inimputabilidade. Aqui empreende-se uma sequência lógica e natural sem que se o agente não tivesse se embriagado nunca haveria de ocorrer os resultados supervenientes de sua decisão voluntária de embriagar-se. O agente é bem punido pelos fatos que antecederam os resultados supervenientes.

Aqui ocorre o alargamento da actio libera in causa para além da embriaguez preordenada, alcançando também a culposa e a voluntária. “A imputação se dará a título de dolo ou culpa, a depender do elemento subjetivo do agente no momento antecedente” (CONTI, 2013).

Nessa teoria os adeptos concordam com os da causalidade mediata no quesito de punibilidade dos agentes (dolo e culpa). No entanto divergem quanto à previsibilidade do agente em relação aos fatos supervenientes. Para a teoria da equivalência dos antecedentes, bastaria “[...] conditio sine qua non, que o ato antecedente tenha sido causa daquilo que causou o ato subsequente, pouco importando se este último estava ou não situado dentro da linha de desdobramento causal normal do primeiro” (CONTI, 2013).

2.5. Teoria do instrumento de si mesmo

Nesta o agente que “[...] voluntariamente se coloca em estado de inconsciência visando, com isso, cometer determinado injusto penal, está fazendo de si  mesmo um instrumento para a obtenção do resultado danoso, sendo perfeitamente possível responsabilizá-lo” (CONTI, 2013).

O agente ao se colocar em embriaguez preordenada atua como autor mediato da ação, porque usa a si mesmo, quando embriagado, como executor (autor imediato) de suas intenções volitivas antecedentes ao estado de inimputabilidade.

Aqui se entende, segundo RIBEIRO, que haveria dois sujeitos. O primeiro premedita a ação principal coloca-se em estado de inimputabilidade (embriagando-se), e o segundo seria o mesmo já embriagado, que executa o crime premeditado quando estava sóbrio.

Aqui SILVA (2004, p.83) apud RIBEIRO, disserta que:

“De sua parte, Ernst Beling compara a actio aos casos de autoria mediata, explicando que na actio libera in causa “alguém se coloca a si mesmo em um estado de incapacidade de querer ou de inimputabilidade, e executa em tal estado a ação ou a omissão que acarreta o resultado”. Na hipótese, como diz Mayer, o agente usa o seu próprio corpo como instrumento na execução do crime (grifo original).”

Por fim, é bom dizer que os adeptos, em maioria, dessa teoria compreendem apenas a actio libera in causa para os crimes cometidos após a embriaguez preordenada, quando o agente “[...] somente faz de si mesmo instrumento para obtenção de um resultado aquele que efetivamente deseja ou, ao menos assume o risco de produzi-lo” (CONTI, 2013).

2.6. Visão contemporânea

Na doutrina pátria, encontramos a definição de Narcélio de Queirós apud MACHADO, como dito anteriormente, dizendo que

“São os casos em que alguém, no estado de não-imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo prevista a possibilidade do resultado, ou, ainda,  quando a podia ou devia prever”.

A actio libera in causa é uma ficção jurídica utilizada para aferir a imputabilidade de sujeitos que se encontram em estado de inimputabilidade por embriaguez, descolando o elemento subjetivo para ação antecedente aos resultados supervenientes. Isto é, com ela é possível atribuir culpa a alguém mesmo que este se encontre em estado de inimputabilidade, dentro das previsões do ordenamento de cada sociedade.

MASSON apud CONTI analisa os efeitos da actio libera in causa,

“Invoca-se essa teoria, portanto, para justificar a punição do sujeito que, ao tempo da conduta, encontrava-se em estado de inconsciência. Possibilita-se então a análise do dolo ou da culpa, revelados no momento em que se embriagou.”

A visão majoritariamente adotada pela doutrina contemporânea é a concepção que abrange a embriaguez preordenada, a voluntária e a culposa. Também importante ressaltar uma minoria divergente que resiste a essa ampliação. Para eles a actio libera in causa deve somente tratar da embriaguez preordenada, negando a possibilidade de punir aqueles agentes que se encontrem em estados de inimputabilidade por embriaguez voluntária ou culposa.

Por fim, a compreensão do tema deve atender a própria análise dos vocábulos segundo CONTI, “‘actio’ (referente à conduta, seja comissiva ou omissiva) ‘libera’ (livre) ‘in causa’ (na causa, isto é, no momento antecedente do qual se originou o resultado)”.

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Sobre o autor
André Porto

Bacharel em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Servidor Público do Estado do Espírito Santo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, André. Análise introdutória da teoria da actio libera in causa no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4231, 31 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30884. Acesso em: 17 nov. 2024.

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