4. COMO A TEORIA DA ACTIO LIBERA EM CAUSA FOI RECEPCIONADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A presente teoria adentrou no ordenamento a partir da Exposição de motivos de 1940 da Parte Geral do Código Penal em que previa, segundo RIBEIRO:
“Ao resolver o problema da embriaguez, do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenado, mas se estende a todos os casos em que o agente se deixou arrastar ao estadado de insconsciência (grifo nosso) (NUCCI, 2009b, p. 303)”.
Abarcada pela atual exposição de motivos quando:
“24. Permanecem íntegros, tal como redigidos no Código vigente, os preceitos sobre paixão, emoção e embriaguez. As correções terminológicas introduzidas não lhes alteram o sentido e o alcance e se destinam a conjuga?los com disposições outras, do novo texto.”
Outros aspectos são os trazidos pelo art. 26, e art. 28, II, §1º e 2§. Seguem abaixo:
“Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar?se de acordo com esse entendimento.
Embriaguez
II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
§ 1o É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar?se de acordo com esse entendimento.
§ 2o A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar?se de acordo com esse entendimento.”
Logo, o instituto baseia-se não só por uma lei, mas também na Exposição de Motivos de 1940. RIBEIRO, em sua dissertação traz casos concretos de aplicabilidade da actio libera in causa que serão dispostos abaixo.
Então pode se concluir com RIBEIRO que,
“[...] para punir aqueles crimes cometidos em estado de ebriez preordenada ou não o Código Penal brasileiro optou pela actio libera in causa, que pela análise da culpa – sentido amplo – no momento de se embriagar, legitima a punição do delito causado inconscientemente.”
Contudo não se pode esquecer que há controvérsias quando esses institutos se contrapõem à luz da nova CF/88 e o rol de direitos fundamentais positivados desde então.
4.1. Jurisprudência
Abaixo vou relacionar como o STJ e o STF vem tratando a teoria do actio libera in causa.
4.1.2. STJ
AgRg no REsp 1165821 / PR
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2009/0221697-6
Processo
AgRg no REsp 1165821 / PRAGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL2009/0221697-6
Relator(a)
Ministro JORGE MUSSI (1138)
Órgão Julgador
T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento
02/08/2012
Data da Publicação/Fonte
DJe 13/08/2012
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBRIAGUEZ COMPLETA. INCIDÊNCIA DO ART. 28, §§ 1º E 2º DO ART. 28 DO CÓDIGO PENAL. INVIABILIDADE. SITUAÇÃO FÁTICA NÃO ANALISADA NA ORIGEM. SÚMULA N. 211/STJ. INCIDÊNCIA. RECONHECIMENTO DO AUMENTO DA PENA DECORRENTE DA OCUPAÇÃO DE CARGO EM COMISSÃO. ENTENDIMENTO EM SENTIDO CONTRÁRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA N.º 7/STJ.
1. Dada à adoção da teoria da actio libera in causa pelo Código Penal, somente a embriaguez completa decorrente de caso fortuito ou força maior que reduza ou anule a capacidade de discernimento do agente quanto ao caráter ilícito de sua conduta, é causa de redução ou exclusão da responsabilidade penal nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 28 do Diploma Repressor.
2. In casu, o estado de embriaguez completa, a ocorrência de caso fortuito ou força maior, bem como a redução ou anulação da capacidade de discernimento do agente não restaram analisadas pelo Tribunal local, tornando-se, pois, inviável o exame direto por este Sodalício Superior ante a ausência de prequestionamento da situação fática - Súmula n.º 211/STJ -.
3. A incidência da majorante prevista no art. 327, § 2º, do Diploma Penalista, incide a todos aqueles que, à época dos fatos, detinham cargos em comissão, tendo em vista a maior reprovabilidade do agente que vale de sua posição para a prática da conduta infracional.
Precedentes.
4. In casu, tendo o Tribunal de Origem afirmado que o Agente ocupava cargo em comissão a época do fato criminoso, é de rigor a incidência da respectiva majorante, não sendo possível a este Sodalício Superior proferir entendimento em sentido contrário quanto à não ter o agente se valido de sua posição para a perpetração da conduta ilícita, pois tal operação demandaria revolvimento do material fático/probatório dos autos, vedado na presente seara recursal -Súmula n.º 7/STJ -.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Acórdão
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.
Palavras de Resgate
BIS IN IDEM.
Referência Legislativa
LEG:FED DEL:002848 ANO:1940
***** CP-40 CÓDIGO PENAL
ART:00028 PAR:00001 PAR:00002 ART:00327 PAR:00002
LEG:FED SUM:******
***** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SUM:000007 SUM:000211
Processo
REsp 908396 / MGRECURSO ESPECIAL2006/0257094-3
Relator(a)
Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128)
Órgão Julgador
T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento
03/03/2009
Data da Publicação/Fonte
DJe 30/03/2009
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.MOTIVO FÚTIL. EMBRIAGUEZ. COMPATIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO-PROVIDO.
1. Pela adoção da teoria da actio libera in causa (embriaguez preordenada), somente nas hipóteses de ebriez decorrente de "caso fortuito" ou "forma maior" é que haverá a possibilidade de redução da responsabilidade penal do agente (culpabilidade), nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 28 do Código Penal.
2. Em que pese o estado de embriaguez possa, em tese, reduzir ou eliminar a capacidade do autor de entender o caráter ilícito ou determinar-se de acordo com esse entendimento, tal circunstância não afasta o reconhecimento da eventual futilidade de sua conduta.
Precedentes do STJ.
3. Inviável, na via extraordinária, desconstituir os fundamentos adotados pelo Tribunal a quo sem que haja uma análise acurada da matéria fático-probatória – no caso o exame dos limites da embriaguez para verificação de culpabilidade –, consoante determina a Súmula 7/STJ.
4. Recurso especial não-provido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Referência Legislativa
LEG:FED DEL:002848 ANO:1940
***** CP-40 CÓDIGO PENAL
ART:00028 PAR:00001 PAR:00002
LEG:FED SUM:******
***** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SUM:000007 SUM:000083
4.1.2. STF
HC 107801 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUSRelator(a): Min. CÁRMEN LÚCIARelator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUXJulgamento: 06/09/2011 Órgão Julgador: Primeira Turma
Ementa Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA.AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus. 2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual. 3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. 4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte. 5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243) 6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990. 7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB). 8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
Decisão
Após o voto da Senhora Ministra Cármen Lúcia, Relatora-Presidente, que denegava a ordem de habeas corpus, pediu vista do processo o Senhor Ministro Luiz Fux. 1ª Turma, 31.5.2011.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Senhor Ministro Luiz Fux, Redator para o acórdão, vencida a Senhora Ministra Cármen Lúcia, Relatora-Presidente. 1ª Turma, 6.9.2011.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há de se entender que o assunto é relevante quando se leva em consideração os altos índices de consumo de drogas lícitas e ilícitas que podem gerar danos sociais gravosos enquanto seus agentes estão embriagados.
Ficou entendido que o objetivo básico da actio libera in causa é o de alcançar o agente que, enquanto em estado de inimputabilidade, comete crimes. Isso pode variar, conforme demonstrado no trabalho, de acordo com a tese ou pressuposto adotado para entender a matéria.
Também pode ser interpretado que, enquanto não for reformulado o entendimento sobre o assunto, resta aos cidadãos brasileiros respeitarem as leis e os entendimentos vigentes. Isso quer dizer que não só na embriaguez preordenada o agente poderá ser punido, mas também na embriaguez voluntária ou culposa.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, C. R. (2014). Tratado de Direito Penal, Parte geral I. 20ª Edição. São Paulo: Saraiva.
BRASIL. (s.d.). CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm
BRASIL. (s.d.). CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
BUSATO, P. C. (s.d.). Valoração crítica da actio libera in causa a partir de um conceito . Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/12473-12474-1-PB.pdf
CONTI, E. M. (s.d.). Teoria da actio libera in causa, tipicidade culposa e responsabilidade penal objetiva. Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em JUS NAVIGANDI: http://jus.com.br/artigos/25277/teoria-da-actio-libera-in-causa-tipicidade-culposa-e-responsabilidade-penal-objetiva
MACHADO, L. M. (s.d.). Inimputabilidade Penal e a Teoria da "actio libera in causa". Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/12723-12724-1-PB.pdf
REZENDE, G., NEVES, G. B., & LOYOLA, K. (2013). Vade Mecum OAB 1ª Fase. São Paulo/SP: Rideel.
RIBEIRO, F. P. (2011). TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E A SUA NÃO RECEPÇÃO PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. Brasília/DF: CEUB.
SILVA, R. d. (s.d.). Inimputabilidade penal: emoção, paixão e embriaguez. Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em revistas.unopar.br/index.php/juridicas/article/download/860/798
STF. (s.d.). JURISPRUNDÊNCIA. Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28actio+libera+in+causa%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/b2d5cke
STJ. (s.d.). JURISPRUDÊNCIA. Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=actio+libera+in+causa
VIDAL, H. S. (s.d.). Dolo e culpa na embriaguez voluntária. Acesso em 09 de Julho de 2014, disponível em http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/12993-12994-1-PB.pdf