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O contrato de namoro no ordenamento jurídico brasileiro

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01/12/2014 às 12:16
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Capítulo 4 – DO NAMORO

4.1      Conceito de namoro

Não há na legislação um conceito do que é um namoro. Consultando uma das definições da palavra no dicionário Houaiss, podemos verificar que namoro é quando “duas pessoas têm um relacionamento amoroso em que a aproximação física e psíquica, fundada numa atração recíproca, aspira à continuidade.”[50]

Nesse sentido, não dá para considerar o namoro como uma entidade familiar, mas tão somente a expectativa futura de se formar uma família. Euclides de Oliveira leciona que o namoro é tido como uma escalada do afeto, ou seja, um crescente processo de convivência que pode encaminhar a uma futura família, vejamos:

Passo importante na escalada do afeto ocorre se o encontro inicial revela o início de uma efetiva relação amorosa. Dá-se então, o namoro, já agora um compromisso assumido entre homem e mulher que se entendem gostar um do outro. Pode ser paixão à primeira vista, embora nem sempre isso aconteça, pois o amor vai se consolidando aos poucos, com encontros e desencontros do casal embevecido. Do latim in amoré, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo.[51]

Assim, não há requisitos legais para a conceituação do que é um namoro, a não ser os requisitos morais, impostos pela sociedade e pelos costumes de determinada época e lugar. A exemplo disso é a atual inexistência do requisito de diversidade de sexos, diferente do que o doutrinador Euclides de Oliveira apontou, tendo em vista a crescente aceitação de casais homossexuais na sociedade moderna.

Atualmente, segundo o entendimento de Olga Inês Tessari, o objetivo do namoro é o mesmo desde quando este tipo de relação surgiu, qual seja, o conhecimento mútuo entre os parceiros para futura ou não constituição de matrimônio e consequentemente uma família. O que se modifica em geração a geração é forma pelo qual os casais se relacionam e o grau de intimidade que possuem. Nas palavras da autora:

O namoro da atualidade é mais aberto, as pessoas dormem juntas, viajam juntas, conversam muito e este convívio propicia um conhecimento mútuo muito mais profundo o que pode levar a casamentos mais estáveis.[52]

Devido a esse maior grau de intimidade, relações mais duradouras, aparente fidelidade e a convivência contínua do casal, em que há uma publicidade social dessa relação, surgem confusão entre o namoro e a união estável, pois podem ser encontrados cada vez mais nos atuais namoros, requisitos pertencentes às uniões estáveis.

4.2      Diferenças entre o namoro e a união estável

Então como diferenciar um namoro de uma união estável?

Infere-se pelo já exposto que há uma linha tênue entre o namoro e a união estável, tendo em vista que em ambos não há um prazo mínimo para sua caracterização, nem o dever de coabitação, muito menos a existência ou não de relações sexuais. Todavia a distinção entre os dois institutos faz-se necessária tendo em vista que o namoro não gera efeitos jurídicos, tanto patrimoniais quanto sucessórios, diferente da união estável. Na opinião de Venosa:

... o conhecimento intrínseco entre o namoro e a união estável nem sempre será simples no caso concreto. Cada situação concreta geralmente apresenta uma diferente compreensão e composição. Primeiramente porque nosso ordenamento jurídico não exige que duas pessoas envolvidas em relação afetiva convivam sob o mesmo teto. O Código Civil estabelece que será reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, com convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família. Evidente que essa convivência que se traduz em união estável, gera efeitos patrimoniais recíprocos que se aguçam quando do término da relação.[53]

Entretanto, segundo o entendimento majoritário da doutrina, o requisito principal para diferenciar um namoro da união estável é o da constituição de família. Carlos Roberto Gonçalves adverte que

“...é necessária a efetiva constituição de família, não bastando para a configuração da união estável o simples animus, o objetivo de constituí-la, pois, do contrário estaríamos novamente admitindo a equiparação do namoro ou noivado à união estável.”[54]

No namoro não há ainda a constituição de família, ou melhor, não há a efetiva comunhão de vida. Já na união estável os companheiros vivem como se casados fossem,  já há uma família, conforme demonstra Flávio Tartuce:

...o que diferencia os institutos é que no namoro há um objetivo de constituição de família (animus familiae). Como se escreveu em coautoria com José Fernando Simão, o que diferencia os institutos é que no namoro há um objetivo de constituição de família futura, enquanto que na união estável essa família já existe. A questão do tratamento da situação fática pelas partes e pela sociedade é essencial para a diferenciação categórica. Por vezes, na união estável há um tratamento entre as partes como se fossem casados, com o intuito de uma comunhão plena de vidas (tractatus). O mesmo se diga em relação ao reconhecimento ou reputação social da existência da entidade familiar (reputatio ou fama).[55]

Este entendimento tem se mantido na jurisprudência, conforme acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis:

UNIÃO ESTÁVEL - Requisitos - Relacionamento público, notório, duradouro, que configure núcleo familiar - Convivência estável e duradoura, por quase doze anos - Prova dos autos que demonstra características do relacionamento do casal, que ultrapassam os contornos de um simples namoro - Réu que arcava com as despesas do lar, inclusive de sustento dos filhos exclusivos da companheira, assumindo a condição de verdadeiro chefe de família - Auxilio financeiro que perdurou para além do término do relacionamento, revelando dever moral estranho a simples namoro - Partilha de bens - Desnecessidade da prova de esforço comum na aquisição dos bens - Art. 5o da Lei n. 9.278/96 - Comunicação 'ex lege' apenas dos bens adquiridos onerosamente na constância da união - Ação parcialmente procedente - Recurso provido em parte". (TJSP, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 552.044-4/6-00, Relator. Des. Francisco Loureiro,  Data de julgamento:  07/08/2008)

Ademais, o artigo 1.725 do Código Civil prevê a possibilidade dos companheiros na união estável estipularem um contrato escrito para regular as suas relações patrimoniais, sendo que na sua ausência vigora o regime legal da comunhão parcial de bens:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.[56]

A doutrina denominou essa avença de “contrato de convivência”, conforme explica Francisco José Cahali:

A possibilidade de avença escrita passou a ser denominada de contrato e convivência: instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem as regulamentações quanto aos reflexos da relação. Pacto informal, pode ser tanto constar de registro particular como de escritura pública, e ser levado ou não a inscrição, registro ou averbação. Pode até mesmo conter disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em negócios jurídicos diversos, desde que contenha a manifestação bilateral da vontade dos companheiros, identificando o elemento volitivo pelas partes.[57]

O contrato de convivência não cria a união estável, pois esta representa uma situação de fato, bastando que determinada relação preencha os requisitos legais (CC, art. 1.723). Todavia, a existência de um contrato de convivência pode representar um forte indício na existência da união estável.

Entretanto, atualmente vem surgindo, tanto na doutrina como na jurisprudência uma nova figura que, em tese, resguardaria o casal que deseja que relacionamento amoroso afaste os efeitos de uma união estável. Temendo que um simples namoro possa gerar obrigações de ordem patrimonial, alguns casais estão buscando a solução na elaboração de um contrato escrito com a finalidade de assegurar a ausência da reciprocidade e a incomunicabilidade patrimônio, o chamado “contrato de namoro”.


Capítulo 5 - DO CONTRATO DE NAMORO

5.1      Origem do contrato de namoro

Não se sabe ao certo quando originou o chamado “contrato de namoro”, mas sabe-se em meio a que contexto este instrumento começou aparecer: a partir da alteração dos requisitos para a configuração da união estável, feita pela Lei n° 9.278/96, que, conforme anteriormente mencionado, extinguiu o prazo de cinco anos de convivência ou a existência de prole em comum.

Com o advento da nova legislação, muitos casais de namorados passaram a celebrar o contrato de namoro frente à possibilidade de se verem em uma união estável, principalmente pelo fato de que se a relação for assim considerada haverá implicações patrimoniais.

Assim, passou-se a divulgar a ideia de celebrar um contrato entre duas pessoas que mantém relacionamento amoroso, no caso um namoro, e que pretendem, por meio de um documento, que pode ser por instrumento público ou particular, afastar os efeitos da união estável. Nesse sentido expõe Maria Berenice Dias com objetividade:

Desde a regulamentação da união estável, levianas afirmativas de que simples namoro ou relacionamento fugaz podem gerar obrigações de ordem patrimonial provocaram pânico. Diante da situação de insegurança, começou a se decantar a necessidade de o casal de namorados firmar contrato para assegurar a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade do patrimônio presente e futuro.[58]

Na visão de Silvio de Salvo Venosa, este instrumento que também pode ser chamado de contrato de intenção afetiva recíproca, tem por objetivo regular o amor. Assim, nas palavras do autor, “há de se concluir que nem mesmo as reações afetivas podem mais ser espontâneas”[59]

Venosa[60]continua explicando o que ele chama de verdadeiro “temor ao amor”, que se caracteriza pelo medo que levam os casais a assinar este tipo de contrato com a finalidade de afastar a responsabilização patrimonial que pode ocorrer no término da relação.

Cabe ainda dizer que tanto o namoro como a união estável são situações fáticas, comportamentos ou atitudes que se verificam na sociedade, espontaneamente, não havendo necessidade da celebração de qualquer contrato para caracterizá-las. Não é o contrato formal que “inaugura” a união estável ou o namoro, eles preexistem ao contrato documentado; o contrato escrito testemunha a união que já está formada.

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5.2      O contrato de namoro na doutrina

O principal objetivo desta pesquisa acadêmica é averiguar se o instrumento denominado contrato de namoro é válido ou inválido frente ao ordenamento jurídico pátrio.

Aqueles que posicionam favoráveis ao contratato de namoro, alegam que é um importante instrumento jurídico para evitar que um dos namorados tenha direito a uma parcela do patrimônio adquirido ao longo do relacionamento, pois o namoro não é uma relação jurídica, mas tão somente uma relação afetiva. Não há nada lei que veda este contrato.

Para Zeno Veloso, um “namoro prolongado”, que segundo o jurista pode ser uma relação de pessoas adultas, com aspectos de modernidade, como o fato de um passar dias e noites na casa do outro, e vice-versa, de frequentarem bares, restaurantes, festas, de viajarem juntos, hospedando-se no mesmo hotel etc., pode ser facilmente confundido como uma união estável. O contrato de namoro poderá prevenir graves discussões patrimoniais, como explica o jurista:

Tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um “contrato de namoro”, ou seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de constituir uma entidade familiar, com as graves consequências pessoais e patrimoniais desta.[61]

Antônio dos Santos Damasceno{C}[62]aborda o referido contrato por uma perspectiva comportamental, observando que as emoções, os sonhos, a beleza da convivência perdem a importância, pois para iniciar uma relação afetiva mais duradoura, caso o contrato de namoro entre “na moda”, deve-se sentar e contratar as condições deste negócio. Segundo Damasceno o surgimento destes contratos é um indicativo de mercantilização da vida; da diminuição da espontaneidade dos sentimentos dos sentimentos diante dos riscos da vida moderna, na qual predomina o receio de ser enganado.

Todavia, alguns doutrinadores entendem que o contrato de namoro não dispõe de valor algum, a não ser de uma mera declaração de singela relação afetiva.

Do ponto de vista de Maria Berenice Dias, o contrato de namoro é inexistente no ordenamento jurídico sendo incapaz de produzir qualquer efeito. Ainda afirma que pode representar uma fonte de enriquecimento ilícito:

Não há como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por exemplo, segue-se longo período de vida em comum, no qual são amealhados bens pelo esforço comum. Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito. Não se pode olvidar que, mesmo no regime da separação convencional de bens, vem a jurisprudência reconhecendo a comunicabilidade do patrimônio adquirido durante o período de vida em comum. O regime é relativizado para evitar enriquecimento injustificado de um dos consortes em detrimento do outro. Para prevenir o mesmo mal, cabe idêntico raciocínio no caso de namoro seguido de união estável. Mister negar eficácia ao contrato prejudicial a um do par. Repita-se: o contrato de namoro é algo inexistente e desprovido de eficácia no seio do ordenamento jurídico.[63]

Discorrendo sobre o tema, a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva entende que o contrato de namoro não configura ato ilícito e, muito menos, trata-se de um contrato, por não haver direitos e obrigações numa relação de namoro. O namoro, apesar de ter reflexos afetivos e emocionais, limita-se apenas a vida social, não repercutindo no universo jurídico. Desta forma, a advogada afirma:

Assim a declaração de namoro é ato lícito, perfeitamente válido perante nosso ordenamento jurídico, desde que seja firmada com a finalidade de refletir em documento escrito a realidade, já que não viola diretos, que não existem nessa relação, não podendo, portanto, causar qualquer dano.[64]

Já para o magistrado e professor Pablo Stolze Gagliano[65], o contrato de namoro deve ser considerado nulo, pela impossibilidade jurídica do objeto, pois não se deve reconhecer validade a um contrato que pretenda afastar o reconhecimento de uma união estável, cuja regulação é feita por normas cogentes, de ordem pública, indisponíveis pela simples vontade das partes.

No mesmo sentido, Flávio Tartuce também defende a nulidade do contrato de namoro por violar normas cogentes e desvirtuar do princípio da função social do contrato. No dizer do jurista:

Problema dos mais relevantes é o relacionado à elaboração de um contrato de namoro ou de um contrato de intenções recíprocas entre as partes, justamente para afastar a existência de uma união estável entre elas. Existindo entre os envolvidos numa união estável, conforme outrora manifestado, posiciono-me pela nulidade do contrato de namoro, por afrontar às normas existenciais e de ordem pública relativas à união estável, notadamente por desrespeito ao art. 226, § 3º da Constituição Federal. Como fundamento legal ainda pode ser citado o art. 166, inciso VI do Código Civil, pelo qual é nulo o negócio jurídico quando houver intuito das partes fraude à lei imperativa. In casu, a lei imperativa é aquela que aponta os requisitos para a existência de uma união estável, categoria que tem especial proteção do Estado. Subsidiariamente, serve como argumento a função social do contrato que, em sua eficácia interna, deve ser utilizada para a proteção da dignidade humana nas relações contratuais (art. 421 do CC/2002).[66]

Tartuce também explica que a autonomia contratual entre as partes é mitigada pelo princípio da função social do contrato, como reconhecido no Enunciado Doutrinário 23, da I Jornada de Direito Civil, in verbis:

”Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse relativo à dignidade da pessoa humana”

Conforme já mencionado, o namoro e a união estável são situações de fato que não dependem de documento escrito para a sua configuração. Nesse sentido, havendo as características e os requisitos de uma união estável, não há como um contrato escrito afastar essa situação fática, como descrito por Silvio de Salvo Venosa:

Propendo, portanto, pela corrente que entende que esses contratos de namoro são nulos (art. 166, VI do Código Civil). Sua finalidade, na massiva maioria das vezes, é proteger o partícipe que possui patrimônio em detrimento daquele que não o tem, com nítida ofensa aos princípios da dignidade humana e do direito de família. Assim sendo, um contrato desse jaez não poderá nunca impedir o reconhecimento da união estável, assim como uma declaração de união estável poderá levar a uma conclusão de sua inexistência. Recorde-se que não estamos no campo dos contratos patrimoniais e sim na seara da família, cujos princípios são diversos. Destarte, muito distante desses pactos está o princípio do pacta sunt servanda. Nesse campo, os fatos superam qualquer escrito![67]

No mesmo sentido, Pablo Stolze Gagliano afirma que:

A união estável é um fato da vida, uma situação fática reconhecida pelo Direito de Família que se constitui durante todo o tempo em que as partes se portam como se casados fossem, e com indícios de definitividade..[68]

No mesmo entendimento, o jurista Paulo Lôbo afirma que um namoro não pode criar direitos ou deveres e um contrato de namoro não possui eficácia nenhuma, tendo em vista que a situação fática se sobrepõe à vontade do casal:

A noção de convivência duradoura é imprescindível, tendo em vista que a união estável é uma relação jurídica derivada de um estado de fato more uxorio, que nela tem sua principal referência.

Mas há de ser ponderado o tênue equilíbrio entre namoro e a união estável, pois aquele resulta inteiramente do ambiente de liberdade, que a Constituição protege, inclusive da incidência de normas jurídicas, permanecendo no mundo dos fatos. Namorar não cria direitos e deveres (...).

Em virtude da dificuldade para identificação do trânsito da relação fática (namoro) para a relação jurídica (união estável), alguns profissionais da advocacia, instigados por seus constituintes, que desejam prevenir-se de consequências jurídicas, adotaram o que se tem denominado contrato de namoro. Se a intenção de constituir união estável fosse requisito para sua existência, então semelhante contrato produziria efeitos desejados. Todavia, considerando que a relação jurídica de união estável é ato-fato jurídico, cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, esse contrato é de eficácia nenhuma, jamais alcançando seu intento.[69]

Assim, pode se depreender que é majoritária a corrente doutrinária que não reconhece a validade jurídica dos contratos de namoro, tendo em vista a impossibilidade jurídica do objeto, que é repelir o reconhecimento de uma união estável que é, por sua vez, regulamentada por preceitos de ordem pública que são indisponíveis. Ademais, caso fosse reconhecida a validade do ajuste, seria uma fonte de enriquecimento ilícito de um convivente em detrimento do outro.

5.3      O contrato de namoro na jurisprudência

Apesar de poucas decisões judiciais a respeito do contrato de namoro, os tribunais têm entendido que este instrumento por si só não é capaz de afastar ou impedir o reconhecimento da união estável e seus efeitos, restando, portanto, ao magistrado a análise de todo o conjunto probatório para entender se aquela relação é um namoro ou uma união estável.

Neste sentido, a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se manifestou sobre o tema ao julgar um recurso de apelação em uma ação movida com a finalidade de se reconhecer a alegada união estável entre um casal, para direito à partilha de bens e alimentos.

No caso em tela, a autora alegou que a relação de quatro anos com o réu era uma união estável, e acabaram rompendo por causa do temperamento agressivo do ex-companheiro. Também argumentou que tinham um filho e que o relacionamento era público.

Entretanto, o relator do acórdão, desembargador Grava Brasil, confirmou a sentença de primeira instância, negando provimento ao recurso, ao entender que não se tratava de uma união estável, mas de um namoro. Considerou como elementos probatórios o fato do casal ter convivido por apenas seis meses, por dormirem em casas separadas, exceto aos finais de semana e assinado um contrato de namoro: “Verifica-se que os litigantes convencionaram um verdadeiro contrato de namoro, celebrado em janeiro de 2005, cujo objeto e cláusulas não revelam ânimo de constituir família”(gn). (TJSP – Apelação n. 9103963-90.2008.8.26.0000. 9ª Câmara de Direito Privado. Relator: Grava Brazil. Data de julgamento: 12/08/2008).

Como se pode verificar, a Justiça Paulista não aceitou o contrato de namoro como uma forma única e segura de garantir a inexistência de uma união estável. Logo, mesmo assinando um contrato de namoro e demonstrando que o casal resida em casas separadas, pode ser reconhecida a união estável.

Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que pode haver o reconhecimento de união estável, mesmo sem a coabitação, ao contrário do que muitos imaginam. Trata-se de decisão da Terceira Turma de relatoria do Ministro Ari Pargendler ao julgar o Recurso Especial nº 275.839-SP, em que o Tribunal de Justiça de São Paulo havia mantido a decisão de primeira instância considerando que a inexistência de coabitação, a falta de compromisso de fidelidade e sem ausência de contribuição para o patrimônio comum, não caracterizada a união estável.

Entretanto, a Terceira Turma deu provimento ao recurso especial para afastar a imprescindibilidade da coabitação. O ministro Ari Pargendler observou que a lei específica (Lei n. 9.278/96) não exige a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Segundo o ministro, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável:

“Afastada a indispensabilidade da coabitação para os efeitos do reconhecimento da união estável, nem por isso o recurso especial deve ser, desde logo, provido para reconhecê-la”. “O julgamento da apelação deve prosseguir para que o tribunal a quo decida se os elementos constantes dos autos demonstram a existência da união estável”. (STJ – Resp. 275839/SP. Relator: Min. Vasco Della Giustina. Data de julgamento: 10/08/2010)

A partir desta premissa, podemos verificar que se torna mais difícil a comprovação de que se trata apenas de namoro quando há a coabitação. Ou seja, se a união estável é reconhecida até mesmo sem o casal morar junto, dificilmente não será quando há tal requisito.

Ademais, na opinião de alguns magistrados o contrato de namoro, além de não possuir valor jurídico, constitui um aborto jurídico, como afirma o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Luiz Felipe Brasil Santos, in verbis:

“É isso que não desejo realizar nunca, porque tenho certeza de que não estarei colaborando para o afeto, não estarei colaborando para a realização espontânea do amor, da autonomia de vontades; pelo contrário, estarei colaborando para a proliferação do medo, para o resguardo das pessoas sob a forma de contratos de namoro, esses abortos jurídicos que andaram recentemente surgindo por aí, que são nada mais do que o receio de que um namoro espontâneo, natural, simples e singelo, resultante de um afeto puro, acabe transformando-se em uma união com todos os efeitos patrimoniais indesejados ao início”. (TJRS – Ap. 70006235287. 7ª Câmara Cível. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Data de julgamento: 16/06/2004)

Por fim, ao julgar outra lide em que se buscava o reconhecimento e dissolução de uma união estável para efeito de partilha de bens, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que é mister que a situação fatídica esteja acima de qualquer documento assinado pelo casal, pois a união estável teve ingresso no mundo jurídico brasileiro como forma de proteção do Estado à família. Deste modo, o contrato de namoro não produz qualquer efeito:

“Mas há de ser ponderado o tênue equilíbrio entre namoro e a união estável, pois aquele resulta inteiramente do ambiente de liberdade, que a Constituição protege, inclusive da incidência de normas jurídicas, permanecendo no mundo dos fatos. Namorar não cria direitos e deveres (...).

Em virtude da dificuldade para identificação do trânsito da relação fática (namoro) para a relação jurídica (união estável), alguns profissionais da advocacia, instigados por seus constituintes, que desejam prevenir-se de consequências jurídicas, adotaram o que se tem denominado contrato de namoro. Se a intenção de constituir união estável fosse requisito para sua existência, então semelhante contrato produziria efeitos desejados. Todavia, considerando que a relação jurídica de união estável é ato-fato jurídico, cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, esse contrato é de eficácia nenhuma, jamais alcançando seu intento.” (TJRS – Apelação n. 70033655374. 7ª Câmara Cível. Relator: José Conrado Kurtz de Souza. Data de julgamento: 26/05/2010)

Assim sendo, depreende-se então das decisões acima colacionadas, que a jurisprudência não vem aceitando o contrato de namoro como uma forma segura de afastar os efeitos de uma união estável, uma vez que é necessária a análise se estão ou não presentes os elementos que caracterizam a união estável, pois, ainda que se possua o contrato, haverá a devida apuração do magistrado em cada caso em particular.

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Sobre o autor
Isaque Soares Ribeiro

Assistente administrativo jurídico do Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo (CNB/SP) e graduando pelo curso de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Isaque Soares. O contrato de namoro no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4170, 1 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30915. Acesso em: 18 abr. 2024.

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