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Mais uma vez a pergunta urge: remete-se ou não ao primeiro grau?

That's the question, STF. Chega de insegurança jurídica e casuísmos

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15/08/2014 às 13:40
Leia nesta página:

No decorrer de uma ação penal, se o parlamentar deixa o cargo por qualquer motivo, o STF entende que não mais exerce sua jurisdição, remetendo os autos à primeira instância.

Ao resolver, no dia 12 de agosto, questão de ordem na Ação Penal nº. 606, em que um ex-Senador é investigado por suposta prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, decidiu devolver os autos para a primeira instância da Justiça Comum mineira. A análise da questão de ordem pretendeu definir se, com a renúncia do parlamentar, publicada em 16 de julho de 2014, no Diário do Senado, subsistiria ou não a competência do Supremo para julgá-lo.

O relator da ação, Ministro Luís Roberto Barroso, propôs a fixação de um critério para determinar o momento que o Supremo perderia a competência para julgar nos casos de renúncia ou perda de função pública. Ele lembrou que a posição geral da Corte quanto à matéria é no sentido de que, uma vez que o parlamentar deixe o cargo por qualquer razão, imediatamente o Supremo não exerce mais a jurisdição. Porém, segundo ele, ainda não houve um consenso sobre um critério geral para determinar até que ponto do processo o Supremo continuaria a exercer jurisdição nos casos de renúncia.

O Ministro reiterou seu ponto de vista no sentido de que o recebimento da denúncia é o momento ideal como parâmetro para fixar a competência. No entanto, votou por uma posição média, já utilizada em outros julgados por dois Ministros da Primeira Turma – Rosa Weber e Dias Toffoli – a fim de que o final da instrução fosse adotado como critério. “O critério seria: após o final da instrução, a renúncia não desloca mais a competência. Como neste caso a renúncia foi anterior ao final da instrução, declina-se a competência. Entendo que se a renúncia se verificar posteriormente, nós continuaríamos a exercer a jurisdição”, ressaltou o relator.

Embora acompanhassem o relator no sentido de baixar os autos de instância, os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio apresentaram fundamentação diferente. O Ministro Luiz Fux ressaltou que, no caso, como não houve o término da instrução criminal, é possível devolver os autos para a primeira instância. Já o Ministro Marco Aurélio entendeu que a hipótese é de incompetência absoluta da Corte porque envolve a função, “e a função não mais existe”.

Antes, por sete votos a quatro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de que não cabia ao Supremo Tribunal Federal, mas sim ao Juízo Criminal da Comarca de João Pessoa, julgar a ação penal em que um ex-Deputado Federal, acusado de crime de homicídio qualificado, na modalidade tentada, contra um ex-Governador da Paraíba. A decisão foi tomada durante o julgamento de questão de ordem levantada pelo relator da Ação Penal (AP) 333, Ministro Joaquim Barbosa, diante do fato de que o réu renunciou ao mandato parlamentar cinco dias antes do início do julgamento da ação penal. Em outra questão de ordem, esta levantada pela defesa do ex-parlamentar, questionando a competência do STF para julgar ação penal envolvendo crime doloso contra a vida, os onze ministros que integram a Corte votaram pela competência do Supremo, quando se tratar de acusado com foro especial. Os Ministros que defenderam o julgamento do ex-deputado pelo STF disseram entender que a renúncia dele cinco dias antes do início do julgamento constituiu “abuso de direito” e teve o evidente propósito de frustrar o julgamento pelo STF. Quando a votação estava empatada por 4 votos a 4, os Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello determinaram o resultado, votando pela transferência do julgamento para a Paraíba. Gilmar Mendes considerou que o ato de renúncia foi um gesto legítimo, dentro do que preceitua a Constituição. Disse, ainda, que não compartilha do argumento de que a renúncia teria sido abuso de direito. No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello entendeu que a renúncia produziu plenas conseqüências, vez que o parlamentar a formulou de forma oficial à Câmara, que declarou a vacância do cargo e convocou o suplente. “A renúncia é inquestionável”, afirmou Celso de Mello. “Foi recebida e gerou efeitos, antes do julgamento final do processo em curso, sendo um desses efeitos a cessação da competência do STF para julgá-lo.” Celso de Mello defendeu o respeito do princípio do juiz natural previsto na Constituição, afirmando que ele é, por um lado, garantia processual para qualquer pessoa em ação penal e, por outro lado, uma limitação jurídica sobre os órgãos com poder para processar e julgar. Nesse sentido, segundo ele, o STF é juiz natural para processar e julgar os membros do Congresso Nacional, quaisquer que sejam as razões penais, segundo prevê a Constituição Federal. Portanto, não sendo mais Deputado Federal não deveria ser julgado pelo STF. O Ministro Marco Aurélio alertou que a renúncia foi legítima e ocorreu no momento em que o acusado sequer havia sido julgado. ”Ao STF compete somente constatar o fato de que não há mais ação penal contra um deputado, mas sim contra um cidadão comum, afastando a prerrogativa de foro”, afirmou (Fonte: STF).

Corretíssima a decisão, de acordo com o art. 102, I, b, da Constituição.

Aliás, antes mesmo, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto acolheu parecer do Ministério Público Federal e determinou o envio, para o Tribunal de Justiça de São Paulo, da Ação Penal (AP 502) que tramitava na Corte contra um ex-Deputado Federal por crime contra as finanças públicas. O Ministro explicou que, como o réu renunciou ao mandato parlamentar para assumir a prefeitura de Santana de Parnaíba, cargo para o qual foi eleito nas eleições de 2008, cessou a competência do STF para processar e julgar o caso. O Ministro citou jurisprudência da Corte, no sentido de que “a prerrogativa de foro perde sua função de ser se aquele contra quem foi instaurada a persecução penal não mais detém o ofício público cujo exercício representava o único fator de legitimação constitucional da competência penal originária do STF, mesmo que a prática delituosa tenha ocorrido durante o período de atividade funcional”. Fonte: STF.

Mais uma vez acertava a Corte Suprema.

Porém, para a surpresa da comunidade jurídica brasileira, em outubro do ano passado, por 8 votos a 1, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que a renúncia ao mandato de um Deputado Federal, ocorrida no dia anterior, não retirava a competência da Suprema Corte para julgar a Ação Penal (AP) 396, em curso contra o ex-parlamentar, sob acusação de formação de quadrilha e peculato. A decisão foi tomada no julgamento de uma questão de ordem suscitada no processo pelo fato de, na véspera do julgamento do parlamentar, sua defesa haver encaminhado à relatora, Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, duas petições (uma às 17h42 e a outra, às 18h19), informando que o Deputado acabara de apresentar renúncia formal ao mandato e pleiteando a transferência do processo para a Justiça de primeiro grau: “Ao apresentar a questão de ordem, a Ministra Cármen Lúcia disse que se trata de ´fraude processual inaceitável`, uma vez que a renúncia teria, em primeiro lugar, o objetivo de fugir à punição pelo crime mais grave de que o ex-parlamentar é acusado (formação de quadrilha – artigo 288 do Código Penal ), que prescreveria em 4 de novembro. Em seu voto, a Ministra Cármen Lúcia citou o ministro Evandro Lins e Silva (aposentado) que, em julgamento semelhante, afirmou que ´os crimes não se evaporam com a extinção do mandato`. Para ela, a renúncia exatamente na véspera do julgamento da ação penal pela Suprema Corte teve claro objetivo de frustrar a atuação jurisdicional do Estado, e foi uma tentativa de tornar o STF refém da opção pessoal do ex-parlamentar. Ao observar que ´os motivos e fins da renúncia dão conta da insubmissão do réu ao julgamento`, a Ministra relatora lembrou que o processo contra o deputado tramita há 14 anos (e se encontra no STF desde 2005) e, em nenhum momento antes, o parlamentar manifestou o desejo de ser julgado pela Justiça de primeiro grau. Portanto, segundo ela, ficou claro que se trata de um ´abuso de direito, ao qual não dá guarida o sistema constitucional vigente`. Ao acompanhar o voto da relatora pela continuidade do julgamento, o Ministro José Antonio Dias Toffoli propôs que se adotasse como parâmetro para impossibilitar a transferência de julgamentos semelhantes para instância inferior a data em que o processo for colocado em pauta. Já o Ministro Joaquim Barbosa, que também acompanhou o voto da relatora, propôs, como limite, a data em que os autos forem encaminhados conclusos ao relator (isto é, por ocasião do fim da instrução do processo, quando ele estiver em mãos do relator para elaboração de relatório e voto). O ministro Gilmar Mendes lembrou que, após a edição da Emenda Constitucional nº 35/2001, que atribuiu ao STF poderes para processar parlamentares sem prévio consentimento da Câmara e do Senado, os processos contra parlamentares não ficam mais parados na Suprema Corte, o que tem aumentado as condenações e, como consequência, o temor de serem julgados pelo STF. Também o Ministro Ricardo Lewandowski viu na renúncia uma clara tentativa de fraude à lei. Ao também acompanhar o voto do relator, lembrando que há previsão constitucional para casos como a AP 396, o Ministro Carlos Ayres Britto citou afirmação do jurista romano Ulpiano (Eneo Domitius Ulpianus, que viveu de 150 a 228 d.C.), segundo o qual ´não se pode tirar proveito da própria torpeza`. Ao votar com a relatora, a Ministra Ellen Gracie afirmou que ´o Tribunal não pode aceitar manipulação de instâncias para efeito de prescrição`. No mesmo sentido se pronunciou o presidente da Corte, Ministro Cezar Peluso. Segundo ele, aceitar a manobra do ex-parlamentar transformaria o STF em categoria de juízes preparadores de primeiro grau. Isso porque a Corte faria o trabalho mais demorado, que é a instrução, para os juízes de primeiro grau julgarem. Ao concordar que o estratagema da defesa constituiu um abuso, o Ministro disse que ´não há direito subjetivo nenhum, quando o ato é eticamente pouco sustentável`. Segundo ele, trata-se de uma clara fraude à lei, isto é, uma tentativa de frustar a aplicação da lei, ´absolutamente caracterizada, no caso`. Único voto discordante, o Ministro Marco Aurélio defendeu a transferência do processo para a Justiça de primeiro grau. ´Por sermos guardiões maiores da Constituição Federal, não podemos aditá-la`, sustentou. Segundo ele, ´cumpre constatar o fato: não ser mais o réu membro do Congresso Nacional`. ´Com a renúncia, cessou a competência da Corte`, sustentou. ´A renúncia é um direito potestativo`, observou, e, como tal, deve ser analisada dentro do direito de ampla defesa do réu.” Fonte (STF). Grifo nosso.

Erro grosseiro, desta vez, como deixou claro o Ministro Marco Aurélio.

Pois bem.

Agora, no último dia 27 de março, a mesma Suprema Corte (pasmen!) decidiu que os autos da Ação Penal nº. 536 (já conhecida como o Mensalinho Mineiro), ajuizada contra um ex-Deputado Federal, deviam ser remetidos para a primeira instância da Justiça de Minas Gerais. A decisão ocorreu quando os Ministros analisaram uma questão de ordem a fim de saber se, com a renúncia ao cargo de Deputado Federal, o réu deixaria de ter foro por prerrogativa de função, não cabendo mais ao Supremo julgá-lo.Segundo os autos, o ex-parlamentar e outros réus foram denunciados pelo Procurador-Geral da República pela suposta prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, em concurso material e em concurso de pessoas. Houve o desmembramento do processo no Supremo e a AP 536 passou a tramitar apenas contra o (então) Deputado Federal. A denúncia foi recebida pelo Supremo no dia 3 de dezembro de 2009. Posteriormente, o réu foi interrogado e as testemunhas de acusação e defesa foram ouvidas. Em 7 de fevereiro em 2014, o Procurador-Geral da República apresentou alegações finais e, reiterando os termos da denúncia, pediu a aplicação de uma pena de 22 anos de prisão. No dia 19 de fevereiro de 2014, o réu comunicou ao Supremo que havia renunciado ao mandato de deputado. O relator, Ministro Luís Roberto Barroso, lembrou que desde 1999 o entendimento reiterado do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que havendo a renúncia, a qualquer tempo e por qualquer razão, a competência para julgar o réu passa a ser das instâncias inferiores (afirmação absolutamente correta). Segundo ele, houve uma exceção a essa jurisprudência com a AP 396, em que se constatou abuso de direito e fraude processual (quais? O uso legítimo do direito de renunciar ao mandato eletivo?), uma vez que o réu renunciou ao cargo após o processo ter sido incluído na pauta para julgamento do Plenário da Corte. Em seu voto, o relator entendeu que o agora acusado pelo “Mensalinho do PSDB Mineiro” deve ser submetido à regra geral que vigorou até o momento, porque considera “indevida a mudança da regra do jogo a essa altura”. “Estamos no âmbito do processo penal e nesse domínio a preservação das regras do jogo é de capital importância, sob pena de vulnerar a segurança jurídica e o processo legal”, ressaltou.

Ora, Ministro, e, no caso anterior, não valia o mesmo argumento jurídico?

Neste último caso, o Ministro informou que, no caso concreto, a renúncia ocorreu no momento em que se encontrava aberto o prazo para a apresentação de razões finais pela defesa. “Portanto, a instrução processual foi encerrada alguns dias após a renúncia”, disse. “A partir daí, faltaria a elaboração dos votos pelo relator, pelo revisor e depois se pediria dia para julgamento do Plenário”, completou. Para o relator, a situação do réu não se equipara à AP 396, quando a renúncia deu-se na véspera do julgamento.

Pergunto eu? Qual a diferença? É meramente temporal?

Também ressaltou que nesta ação penal não há risco de prescrição da pena in abstrato. “Se os autos forem ao juiz de primeiro grau, ele já estará em condições de sentenciar”, afirmou. Dessa forma, o relator entendeu que no caso concreto deveria ser preservada a jurisprudência consolidada da Corte, por isso votou pelo declínio da competência do Supremo a fim de que ocorra a remessa dos autos à primeira instância da Justiça mineira. Ele foi seguido pela maioria do Plenário, vencido o Ministro Joaquim Barbosa.

Ministro, ter como parâmetro nestes casos a prescrição é rasgar a Constituição Federal, pois uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra: como o senhor mesmo afirmou: são as regras do jogo, jogo constitucionalmente jogado.

Certamente ciente que não se estava obedecendo regra de jogo nenhuma, muito menos a Constituição Federal, o relator propôs nova regra para situações em que houver renúncia de parlamentar a ser julgado pelo Supremo: “Temos a necessidade de estabelecer um critério geral, porque até que momento um ato de vontade do parlamentar deve ter o condão de mudar a competência do STF?”, indagou o relator. Ele sugeriu o recebimento da denúncia como marco temporal para a continuidade de ação penal contra parlamentar que renuncie ao cargo, utilizando como fundamento o artigo 55, parágrafo 4º, da Constituição Federal. “A renúncia, após o recebimento da denúncia, não retira a competência do Supremo”, ao ressaltar que existem outros momentos possíveis como o final da instrução processual ou a inclusão do processo em pauta. Outra proposta apresentada foi a da Ministra Rosa Weber, que sugeriu o encerramento da instrução processual como marco para a renúncia afastar a competência do Supremo. Já o Ministro Dias Toffoli pronunciou-se no sentido de que os autos não deveriam ser enviados às instâncias inferiores quando o relator já tiver concluído seu voto e liberado o processo para o revisor. Ainda em relação à proposta de se estabelecer uma regra para essas situações, o Ministro Celso de Mello ponderou que o critério deve ser aplicado caso a caso.

Convenhamos, com todo respeito que uma Corte Constitucional merece, mas que confusão absurda, protagonizada por supostos juristas pátrios. Resultado: os autos da referida ação penal (com absoluto acerto) foram remetidos para a instância inferior (Justiça criminal de Belo Horizonte), pois não se tratava mais de um acusado com prerrogativa de função.

Triste conclusão do julgamento: mais uma vez “não houve deliberação do Plenário em relação a esse ponto. O tema deverá ser objeto de discussão oportunamente.”

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Definitivamente, só na Suprema Corte do Brasil...

Com efeito, e como se sabe, um dos critérios determinadores da competência estabelecidos em nosso Código de Processo Penal é exatamente o da prerrogativa de função, conforme está estabelecido nos seus arts. 69, VII, 84, 85, 86 e 87. É a chamada competência originária ratione personae.

Desde logo, observa-se que a competência por prerrogativa de função é estabelecida, não em razão da pessoa, mas em virtude do cargo ou da função1 que ela exerce, razão pela qual não fere qualquer princípio constitucional, como o da igualdade (art. 5º., caput) ou o que proíbe os juízos ou tribunais de exceção (art. 5º., XXXVII). Aqui, ninguém é julgado em razão do que é, mas tendo em vista a função que exerce na sociedade. Como diz Tourinho Filho, enquanto “o privilégio decorre de benefício à pessoa, a prerrogativa envolve a função. Quando a Constituição proíbe o ‘foro privilegiado’, ela está vedando o privilégio em razão das qualidades pessoais, atributos de nascimento... Não é pelo fato de alguém ser filho ou neto de Barão que deva ser julgado por um juízo especial, como acontece na Espanha, em que se leva em conta, muitas vezes, a posição social do agente.”2 Efetivamente, a Constituição espanhola estabelece expressamente que “la persona del Rey es inviolable y no está sujeta a responsabilidad.” (art. 56-3)

Niceto Alcala-Zamora y Castillo e Ricardo Leveve explicam que “cuando esas leyes o esos enjuiciamentos se instauran no en atención a la persona en si, sino al cargo o función que desempene, pueden satisfacer una doble finalidad de justicia: poner a los enjuiciables amparados por el privilegio a cubierto de persecuciones deducidas a la ligera o impulsadas por móviles bastardos, y, a la par, rodear de especiales garantias su juzgamiento, para protegerlo contra las presiones que los supuestos responsables pudiesen ejercer sobre los órganos jurisdiccionales ordinarios. No se trata, pues, de un privilegio odioso, sino de una elemental precaución para amparar a un tiempo al justiciable y la justicia: si en manos de cualquiera estuviese llevar las más altas magistraturas, sin cortapisa alguna, ante los peldaños inferiores de la organización judicial, colocándolas, de momento al menos, en una situación desairada y difícil, bien cabe imaginar el partido que de esa facilidad excesiva sacarían las malas pasiones.”3

No julgamento do Habeas Corpus nº. 91437 o mesmo Supremo Tribunal Federal lembrou a lição do Ministro Victor Nunes Leal de que “a jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é realmente instituída, não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do acusado seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois uma garantia bilateral – garantia contra e a favor do acusado”.

Também no julgamento da Questão de Ordem levantada no Inquérito nº. 2.010-SP, o Ministro Marco Aurélio salientou que “a prerrogativa de foro não visa beneficiar o cidadão, mas proteger o cargo ocupado.”

Também o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de afirmar que “o foro especial por prerrogativa funcional não é privilégio pessoal do seu detentor, mas garantia necessária ao pleno exercício de funções públicas, típicas do Estado Democrático de Direito: é técnica de proteção da pessoa que o detém, em face de dispositivo da Carta Magna, significando que o titular se submete a investigação, processo e julgamento por órgão judicial previamente designado, não se confundindo, de forma alguma, com a idéia de impunidade do agente.” (STJ – HC 99.773/RJ – 5ª. Turma - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho).

O problema é que no Brasil o número de julgamentos proferidos pelos nossos Tribunais Superiores é muito pouco, o que gera uma sensação de impunidade (perfeitamente justificável) quando se trata de crimes cujos acusados são ocupantes de cargos do alto escalão da República.

Por exemplo, no Supremo Tribunal Federal, dos 130 processos contra políticos e altas autoridades que tramitaram na Corte desde 1988 até 2007, ocorreram apenas seis julgamentos. Todos foram absolvidos. E mais: 46 processos (35,38%) sequer foram analisados (foram remetidos para instância inferior de julgamento, por término do mandato do réu). No Superior Tribunal de Justiça, a situação não é muito diferente. Das 483 ações penais desde1989 (ano de criação do Tribunal), 40,79% não deram em nada. Foram devolvidas para a primeira instância ou foi decretada a extinção da punibilidade. Apenas 16 processos tiveram sentença declarada: 11 foram absolvidos e 5 condenados. Em resumo, só cerca de 1% das autoridades acaba de fato sendo punida.4

Eis os dados sobre processos contra autoridades no Superior Tribunal de Justiça:

E os casos no Supremo Tribunal Federal:

Fonte: Blog do jornalista Fernando Rodrigues (06/07/2007).5

Pesquisa realizada pela Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo Tribunal Federal revelou que de fevereiro de 2002 a dezembro de 2008, 172 inquéritos foram reautuados como ação penal. Conforme os dados divulgados, 165 pessoas estão sendo processadas criminalmente no Supremo e 339 investigadas. Das 102 ações penais e 265 inquéritos que tramitam atualmente na Corte, 79 inquéritos e 13 ações penais correm em segredo de justiça. Desde 2002, 9 ações penais foram julgadas improcedentes. O Supremo registrou 43 inquéritos com denúncia recebida, inclusive em parte, e 46 inquéritos com denúncia rejeitada. Fonte: STF.

Também segundo dados do Supremo Tribunal Federal, Deputados, Senadores, Ministros de Estado são algumas das autoridades com prerrogativa de foro que respondem aos 378 inquéritos e ações penais que tramitam no Supremo Tribunal Federal. Desse total, 275 são inquéritos e 103 são ações penais, em que políticos respondem como réus e aguardam um veredicto final da Corte sobre culpabilidade ou inocência em relação à denúncia. Entre as acusações, há casos de desvio de dinheiro público, crimes de responsabilidade, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e fraude em licitação. O levantamento com dados do Portal de Informações Gerenciais do STF, no entanto, não contempla, em suas estatísticas, as Petições que tramitam na Corte e que pedem investigação de autoridades. Isso porque as Petições podem versar sobre matérias de outros ramos do Direito, que não a área penal e autoridades com foro privilegiado, o que inviabiliza uma totalização fiel das informações. Entre as ações penais em curso no STF, a mais célebre é a AP 470, denúncia conhecida como “esquema do Mensalão”, em que parlamentares foram acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de receber dinheiro em troca de apoio político para o governo. Em agosto de 2007, após de cinco dias que somaram 30 horas de julgamento, o STF recebeu a denúncia contra os 40 acusados. Desses, 39 continuam respondendo como réus perante a Corte. Eles já foram interrogados e juízes federais designados cumprem agora a etapa de oitiva de testemunhas. O ex-secretário-geral do Partido dos Trabalhadores (PT) Sílvio José Pereira, que respondia por formação de quadrilha, concordou em cumprir pena alternativa e foi excluído da ação. O processo conta atualmente com 19 mil folhas e 170 apensos e está totalmente digitalizado. Para agilizar a tramitação desse tipo de denúncia e dos demais processos criminais dentro do STF, foi criado em novembro de 2008, o Núcleo de Apoio ao Processamento de Ações Penais Originárias do Supremo. Entre as atribuições do núcleo está “informar periodicamente ao relator, mediante controles estatísticos, as pendências de diligências sob a responsabilidade do núcleo” e “controlar os prazos de devolução dos autos emprestados”. Os dados sobre as 103 ações penais em andamento no STF em 2009, somados ao levantamento realizado pelo STF em 2007, mostram o aumento crescente do número desse tipo de processo na Corte. Em 2002, tramitavam no Supremo 13 Ações Penais; em 2003, já eram 30, e, até julho 2007, 50 ações penais estavam em andamento na Corte. Hoje esse número já dobrou. Do total de Ações Penais analisadas desde a Emenda Constitucional 35/01, 12 foram julgadas improcedentes, com a absolvição do réu. Outras 11 foram enviadas ao Ministério Público Federal (MPF) para fins de intimação do procurador-geral da República quanto a informações juntadas ao processo, ou para aguardar parecer da PGR. Outro dado de relevo é o equilíbrio entre o total de denúncias recebidas e rejeitadas desde a aprovação da Emenda Constitucional 35/01. Desde então, 49 inquéritos foram rejeitados. Outros 45 tiveram a denúncia acolhida e foram convertidos em Ação Penal. Dos 275 inquéritos, 76 estão no MPF, aguardando manifestação do procurador-geral. Alguns estão no Ministério Público há mais de oito meses. Dos 378 inquéritos e ações penais em curso no STF, 144 aguardam a realização de diligências processuais, como o cumprimento de investigações da Polícia Federal e de cartas de ordem (quando um juiz é nomeado para praticar o ato necessário ao processo).

Na edição do dia 26 de fevereiro de 2012, em matéria especial, o jornal Folha de São Paulo, comprovou que “inquéritos que tiveram políticos brasileiros como alvo nos últimos anos demoraram mais tempo do que o normal para chegar a uma conclusão, e processos abertos pelo Supremo Tribunal Federal contra eles se arrastam há mais de dez anos sem definição.” De acordo com o levantamento feito pelo jornal, “em média, a Polícia Federal leva pouco mais de um ano para concluir uma investigação. Inquéritos analisados pela Folha que já foram encerrados consumiram o dobro de tempo. O levantamento mostra que deficiências do aparelho judiciário do país e falhas cometidas por juízes, procuradores e policiais estão na raiz da impunidade dos políticos brasileiros, provocando atrasos nas investigações e em outros procedimentos necessários para o julgamento dos acusados. Durante quatro meses, a Folha analisou 258 processos que envolvem políticos e estão em andamento no STF ou foram arquivados pela corte recentemente, incluindo inquéritos ainda sem desfecho e ações penais à espera de julgamento. Os processos envolvem 166 políticos que só podem ser investigados e processados no Supremo, um privilégio garantido pela Constituição ao presidente da República e seu vice, a deputados federais, senadores e outras autoridades. O senso comum sugere que esse tipo de coisa acontece porque os políticos têm condições de pagar bons advogados para defendê-los na Justiça, mas a análise dos processos mostra que em muitos casos as investigações simplesmente não andam, ou são arquivadas sem aprofundamento. Só dois casos do conjunto analisado pelo jornal estão prontos para ir a julgamento.”

Na mesma edição, a Folha de São Paulo ouviu o Professor Pierpaolo Botini afirmou que “os processos penais em andamento nos tribunais contra autoridades são pouco julgados. Em 2007, a Associação dos Magistrados Brasileiros apresentou pesquisa sobre o andamento dessas ações, e os resultados mostraram baixíssimos índices de julgamento. Uma das razões é a absoluta falta de vocação dos tribunais para conduzir esses processos penais. Os tribunais foram criados para analisar teses jurídicas, discutir a vigência de normas e unificar sua interpretação. O trabalho de ouvir testemunhas, determinar perícias, gravações telefônicas, busca e apreensão, dentre outras ações para reunir evidências sobre a prática de um crime, é tarefa do juiz de primeiro grau. Os tribunais não têm experiência para organizar a colheita de provas. Assim, ou bem se acaba com a prerrogativa de foro ou os tribunais adotam medidas para se adaptar à tarefa de produzir provas. Uma alternativa, já usada pelo Supremo Tribunal Federal, é delegar a juízes de primeiro grau a colheita de depoimentos e outros elementos de prova, e reservar para o tribunal a análise das evidências reunidas. Outra medida é o uso de tecnologias que facilitem a produção de provas, como a videoconferência e a tramitação digital de documentos. A prerrogativa não é um mal em si, mas essa falta de vocação dos tribunais dificulta o andamento das ações penais, problema que pode ser superado com medidas de gestão que tornem mais ágil a tramitação dos processos e evitem a impunidade.”

Na reportagem, revela-se “que na Índia, nas eleições para o Lok Sabha (Câmara dos Representantes), em 2004, 1 em cada 4 candidatos eleitos tinha uma condenação na Justiça, proporção que atingiu 1 em cada 3 nas eleições de 2009. No Brasil, 1 em cada 9 dos deputados federais eleitos em 2010 era réu em ações penais por suspeita de crimes diversos, dentre os quais estupro e homicídio. Há casos de indivíduos que buscam a eleição e a reeleição como forma de garantir o foro privilegiado. Esse mecanismo dá a políticos um tratamento "político" e elimina os custos reputacionais de eventuais condenações em instâncias inferiores.”

Na mesma matéria, em longa entrevista, o Ministro Celso de Mello afirmou, dentre outras coisas, que era a favor da “supressão pura e simples de todas as hipóteses constitucionais de prerrogativa de foro em matéria criminal. Mas, para efeito de debate, poderia até concordar com a subsistência de foro em favor do presidente da República, nos casos em que ele pode ser responsabilizado penalmente, e dos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo. E a ninguém mais. Eu sinto que todas as autoridades públicas hão de ser submetidas a julgamento, nas causas penais, perante os magistrados de primeiro grau. Ao contrário do STF, que é um tribunal com 11 juízes, você tem um número muito elevado de varas criminais [na primeira instância], e pelo Estado inteiro. Com essa pluralização, a agilidade de inquéritos policiais, dos procedimentos penais é muito maior. Acho importante nós considerarmos a nossa experiência histórica. Entre 25 de março de 1824, data da primeira carta política do Brasil, e 30 de outubro de 1969, quando foi imposta uma nova carta pelo triunvirato militar, pela ditadura, portanto um período de 145 anos, os deputados e os senadores não tiveram prerrogativa de foro. Mas nem por isso foram menos independentes ou perderam a sua liberdade para legislar até mesmo contra o sistema em vigor. A Constituição de 1988, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática, porque ampliou de modo excessivo as hipóteses de competência penal originária.”

O Ministro afirmou, a respeito do Direito Comparado, que “algumas cortes constitucionais europeias detêm competência penal originária. A Corte Constitucional italiana, por exemplo, mas para hipóteses muito limitadas, quatro ou cinco, e nada mais. Na França, o Conselho Constitucional detém competência penal originária em relação a pouquíssimas autoridades, cinco, se tanto. Ou seja, são constituições republicanas, mas que refletem a mesma parcimônia que se registrara na carta monárquica brasileira de 1824. No modelo norte-americano, já ao contrário, não há prerrogativa de foro. Temos algumas constituições que se aproximam do modelo brasileiro, mas este é quase insuperável, quase invencível. Vale a pena pegar algumas constituições estaduais do Brasil para ver as autoridades com foro junto ao Tribunal de Justiça. Começa com o vice-governador e vai embora. Entra Deus e todo mundo.”

Para ele, “a prerrogativa de foro seria cabível apenas para os delitos cometidos em razão do ofício. Isso significa que atuais titulares de cargos executivos, judiciários ou de mandatos eletivos só teriam prerrogativa de foro se o delito pelo qual eles estão sendo investigados ou processados tivessem sido praticados em razão do ofício ou no desempenho daquele cargo.” Perguntado sobre o impacto, na rotina dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos casos relativos ao foro, o Ministro foi enfático: “A situação é dramática. É verdade que os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante tiveram um impacto altamente positivo sobre a prática processual no STF. Mas, por outro lado, no que se refere aos processos originários, vale dizer, às causas que se iniciam desde logo, diretamente no Supremo, houve um aumento exponencial desse volume, e isso se verifica no cotidiano da corte.”

Sobre a utilização de Juízes auxiliares, o Ministro disse ser contra a medida, “em primeiro lugar, porque acho que o estudo tem que ser meu. Por isso é que acabo trabalhando essas 14 horas por dia. É um ato pessoal. Mas respeito a posição dos outros juízes, cada um tem seu estilo de trabalho. Em segundo lugar, entendo que o magistrado, ou ele exerce suas funções jurisdicionais, podendo acumulá-las com um cargo docente, como permite a Constituição, ou não se lhe oferece qualquer outra alternativa. Acho que não tem sentido convocar um juiz para atuar como um assessor de Ministro. A mim, não parece que a Constituição autorizaria isso.”

Aliás, “a decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir um novo julgamento para parte dos condenados no processo do mensalão - a partir do acolhimento dos embargos infringentes -, pode beneficiar réus de 306 ações penais que se arrastam na Corte, sem previsão de conclusão. Enquanto advogados de defesa se empolgam com a possibilidade de lançar mão de mais um recurso, ministros e ex-integrantes do STF revelam apreensão com o "efeito dominó" da decisão. "Em outros casos, o efeito que se terá é esse mesmo, o efeito dominó", afirma o ministro Marco Aurélio Mello, que votou contra os infringentes para o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e outros 11 condenados. "Persistindo a atual composição (do STF), a maioria de seis (ministros) vai confirmar o entendimento segundo o qual cabem os infringentes toda vez que o acusado tiver quatro votos a favor. E depois reclamam que a Justiça é morosa, não é?" (...) Além das 306 ações penais, atualmente no Supremo há 533 inquéritos criminais cujos réus são deputados, senadores ou ministros, que desfrutam do foro privilegiado. São investigações que podem se transformar em ações penais originárias (que tramitam no STF por causa do foro especial de pelo menos um dos réus) caso as denúncias sejam aceitas pela Corte. Inviável. Um outro ministro que rejeitou empurrar para 2014 o desfecho do mensalão é categórico. "Se entrar (embargos infringentes) para todas as ações nessa situação (com 4 votos), será a inviabilidade do tribunal. Já imaginou? Toda vez que tiver quatro votos vai ficar rejulgando? O tribunal não consegue nem julgar as ações originárias!", diz o ministro, que pediu anonimato. Como consequência da decisão do STF centenas de outros réus poderão garantir mais um recurso para protelar a já demorada decisão final da Justiça. Mesmo não passando por instâncias inferiores, os réus com foro privilegiado costumam ser beneficiados pela burocracia. Algumas dessas demandas foram instauradas em 2003 e ainda seguem em fase de instrução - depoimentos , perícias e reunião de provas. (...) Um dos processos, após 11 anos, tem 49 volumes e 24 apensos e corre em segredo de Justiça. Defensor de 13 alvos de ações penais originárias, o advogado José Roberto Leal disse que a possibilidade de uso dos embargos infringentes significa "a garantia do direito de defesa". Para José Eduardo Rangel de Alckmin, que defende outro acusado em ações penais datadas de 2004 e 2005, a decisão "mostrou que a Justiça não pode buscar a condenação de qualquer jeito". O criminalista Marcelo Leonardo diz que sempre contou com a possibilidade de recorrer aos embargos infringentes. "Ninguém duvidou disso até maio deste ano, quando o ministro Joaquim Barbosa deu aquela inédita decisão de negar (os embargos)." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Em debate realizado no jornal O Estado de S. Paulo, no dia 03 de setembro, o jurista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira afirmou que “algumas situações específicas justificam o foro, isso não afronta a igualdade. É preciso deixar claro que quem detém o foro não vai ser julgado por um órgão de fora do Judiciário. Não se trata de um tribunal especial para julgar presidente, governador, procurador-geral. São órgãos da estrutura do Poder Judiciário, compostos de juízes que têm as mesmas garantias e obrigações de todos os juízes. O acusado será julgado por alguém investido das funções de julgador. Algumas autoridades podem e devem ser julgadas de forma diferenciada porque exercem funções especiais, com características especiais. Não posso entender que um presidente de tribunal possa ser julgado por um juiz de primeira instância, recém-ingresso na magistratura, inexperiente.” (...) O foro por prerrogativa é do Direito brasileiro. Acho que essa discussão envereda por alguns segmentos interessados na desmoralização do Judiciário, na diminuição da sua credibilidade. O Judiciário tem suas mazelas, que precisam ser corrigidas. Mas é preciso reconhecer o lado bom do Judiciário, porque do contrário vamos caminhar para uma situação muito perigosa. O foro não é pró-corrupção. Essa imagem é errada, porque estão enlameando os membros dos tribunais competentes. Os desembargadores e os ministros são homens de bem. Não fazem parte de um tribunal de exceção. Os ministros são piores que juízes de primeiro grau? Estão colocando uma pecha de que eles são adeptos da impunidade, e isso não é verdade. Há mais morosidade sim, mas dizer que há impunidade não é correto. É ruim porque desmoraliza o Judiciário.” (...) Sou a favor. Com relação aos prefeitos, a prerrogativa cria blindagem para impedir influências políticas. Um problema muito sério é o da politização da Justiça, especialmente nas comarcas do interior do Brasil, onde tanto o juiz como o promotor ficam sujeitos a influências e pressões. Isso é real. Na apuração dos crimes de maior repercussão, muitas vezes juiz e promotor ficam subjetivamente comprometidos emocionalmente com o fato. São seres humanos. Podem não se imiscuir, mas sentirão toda aquela repercussão que está batendo à sua porta.” Fonte: Revista Consultor Jurídico (04/09/2007).

Como se disse anteriormente, é natural que exista este critério determinador da competência, pois a pessoa que exerce determinado cargo ou função, evidentemente, deve ser preservada ao responder a um processo criminal, evitando-se, inclusive, ilegítimas injunções políticas que poderiam gerar injustiças e perseguições nos respectivos julgamentos.

É razoável, portanto, que um Juiz de Direito, um Deputado Estadual ou um Promotor de Justiça seja julgado pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado, e não por um Magistrado de primeira instância, em razão da “necessidade de resguardar a dignidade e a importância para o Estado de determinados cargos públicos”, na lição de Maria Lúcia Karam. Para ela, não há “propriamente uma prerrogativa, operando o exercício da função decorrente do cargo ocupado pela parte como o fator determinante da atribuição da competência aos órgãos jurisdicionais superiores, não em consideração à pessoa, mas ao cargo ocupado.”6

Segundo o Supremo Tribunal Federal, “os membros do Congresso Nacional, pela condição peculiar de representantes do povo ou dos Estados que ostentam, atraem a competência jurisdicional do Supremo Tribunal Federal. O foro especial possui natureza intuitu funcionae, ligando-se ao cargo de Senador ou Deputado e não à pessoa do parlamentar.”7 A prerrogativa decorre do ato de diplomação. Neste sentido, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal confirmou decisão liminar da Corte que reconheceu a legalidade do recebimento de denúncia feita contra acusados de envolvimento em supostos empréstimos fraudulentos realizados pelo banco BMG ao Partido dos Trabalhadores e a um grupo de empresas. Os Ministros indeferiram pedido de Habeas Corpus (HC 91593), onde se alegava que a denúncia havia sido recebida pela primeira instância no dia em que um dos acusados foi diplomado deputado federal. Quando da decisão liminar, os Ministros chegaram à conclusão que, ao contrário do alegado, a denúncia foi devidamente recebida um dia antes da diplomação do deputado. O relator, Ministro Marco Aurélio, reafirmou esse entendimento. “Quando do recebimento da denúncia não se tinha ainda o envolvimento do detentor da prerrogativa de foro”, disse.8 Em outro caso o Ministro Celso de Mello, relator do Inquérito (Inq) 2754, em curso no Supremo Tribunal Federal contra um Deputado Federal determinou que o processo fosse reautuado como ação penal (AP 511) – tendo em vista que foi recebida a denúncia contra ele –, bem como delegou à Justiça Federal em Brasília a oitiva das testemunhas arroladas pelo Ministério Público na peça de acusação. Como o inquérito teve início antes da diplomação, Celso de Mello aplicou jurisprudência do STF, validando todos os atos praticados no processo pelo juiz da 5ª Vara Criminal da circunscrição Judiciária de Brasília.

“Cabe enfatizar que a diplomação do réu, como membro do Congresso Nacional, revela-se apta a gerar, tão-somente, uma específica consequência de ordem processual, consistente no deslocamento, para o STF, da competência penal originária para a persecutio criminis”, observou o Ministro. “Isso significa, portanto, que a superveniência daquele fato jurídico-eleitoral – considerada a nova diretriz jurisprudencial firmada na matéria – não mais tem o condão de afetar a integridade jurídica dos atos processuais, cuja validade há de ser aferida com base no ordenamento positivo vigente à época de sua efetivação”, acrescentou Celso de Mello, baseando-se no julgamento do Recurso em Habeas Corpus (RHC) 78026, relatado pelo ministro Octavio Gallotti (aposentado). O Ministro Celso de Mello fundamentou-se, também, no julgamento de questão de ordem suscitada no Inq 571/DF, relatado pelo ministro Sepúlveda Pertence. Naquele julgamento, a Suprema Corte reformulou antiga orientação de jurisprudência firmada nos inquéritos 141/SP e 342/PR, relatados, respectivamente, pelos ministros Soares Muñoz e Octavio Gallotti. Pela antiga jurisprudência, a posse de membro do Congresso Nacional implicava a anulação de atos processuais anteriormente praticados em processo contra ele. No mesmo sentido, por unanimidade a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal indeferiu Habeas Corpus (HC) 94705 e manteve em curso a ação penal que tramitava na Justiça do Rio de Janeiro. A defesa alegava que as provas que o levaram à prisão não foram obtidas pelo foro adequado, uma vez que ele foi eleito deputado estadual. Sustentou que a ação penal deveria ser anulada desde o início, porque não foi analisada pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foro responsável por julgar parlamentares estaduais. Segundo o relator do HC, ministro Ricardo Lewandowski, o Ministério Público informou que os atos considerados ilegais pela defesa foram repetidos, antes mesmo do oferecimento da denúncia. A Primeira Turma considerou ainda que os atos são anteriores à diplomação do paciente como deputado estadual, o que não inviabiliza tais provas.

Observamos que as pessoas cuja prerrogativa de função vem estabelecida exclusivamente na Constituição Estadual, serão julgadas pelo Tribunal do Júri (e não pelo Tribunal de Justiça), quando cometerem um crime doloso contra a vida (Súmula 721 do STF). Da mesma forma, se cometerem crime eleitoral serão julgados pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral e se praticarem delito da competência da Justiça Comum Federal (art. 109, CF/88), serão processados e julgados perante o Tribunal Regional Federal, prevalecendo, então, as disposições da Carta Magna (mutatis mutandis, e como muito mais razão, veja-se a Súmula 702 do STF).

Em relação aos Deputados Estaduais, observa-se que eles gozam das mesmas imunidades dos Deputados Federais. Neste sentido, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello concedeu liminar em favor de um Deputado Estadual alagoano e determinou a suspensão da prisão preventiva decretada pelo Juiz de Direito da 17ª Vara Criminal de Maceió. O Ministro lembrou, em sua decisão, que os integrantes dos poderes legislativos estaduais só podem ser presos, “se e quando em situação de flagrância por crime inafiançável, vedada, em consequência, contra eles, a efetivação de prisão temporária, de prisão preventiva ou de qualquer outra modalidade de prisão cautelar”. Ao examinar o alcance das imunidades garantidas aos congressistas pelo artigo 53 da Constituição Federal, estendidas a Deputados Estaduais, o Plenário do STF assentou o entendimento de que o estatuto jurídico dos parlamentares assegura um “estado de relativa incoercibilidade pessoal” (freedom from arrest), segundo o qual deputados só podem ser presos em flagrante, e por crime inafiançável. Ao determinar a soltura do Deputado Estadual, o Ministro Celso de Mello ressaltou ainda que o foro por prerrogativa de função é assegurado ao parlamentar, “ainda quando licenciado ou afastado de suas funções”, e esse foro prevalece sobre a competência atribuída ao Tribunal do Júri, ainda que o crime em questão tenha sido cometido, de forma intencional, contra a vida. (Reclamação nº. 7936).

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Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Mais uma vez a pergunta urge: remete-se ou não ao primeiro grau?: That's the question, STF. Chega de insegurança jurídica e casuísmos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4062, 15 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30965. Acesso em: 16 abr. 2024.

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