IV. CONCLUSÃO
As investigações atinentes ao modelo de organização que se está aplicando nos eventos FIFA que serão realizados no Brasil, não deixam dúvidas de que é necessária leitura atenta tanto dos dispositivos da Lei Geral da Copa, quanto das aplicações de seus dispositivos na prática.
Muito embora seja possível perceber que o Brasil não foi o único anfitrião desse tipo de evento a produzir legislação específica para tutelar os interesses dos patrocinadores, as peculiaridades da fabricação da LGC merecem pormenorizada reflexão por variados motivos.
O primeiro deles diz respeito a preocupação com os aspectos materiais imediatos dos institutos penais temporários da Lei em tela. Porquanto se trata de uma norma de caráter penal, não são simples os parâmetros principiológicos e normativos que a ordem jurídica nacional impõe ao legislador como peremptórios. Sem embargo, a não observância desses parâmetros (verdadeiros requisitos da norma penal), vicia a legislação excepcional, retirando qualquer possibilidade de regularização de seus preceitos.
É importante lembrar que toda nossa ordem constitucional trata de forma especial a legislação penal exatamente pela peso da responsabilidade do Estado no que concerne à tutela criminal. Como um instrumento público de proteção dos bens mais caros da sociedade, a legislação penal impõe gravames excepcionais, diferentes e mais pesados do que normas de quaisquer outra natureza.
Há, ainda, outras nuanças que precisam ser levadas em consideração. Exatamente pelas qualidades extremas da persecução penal, o processamento da infração se reveste de caráter desigual, pois o interesse violado é, como pressuposto, de alcance social. Disso resulta que o indivíduo a quem se atribui a violação, tem de suportar-se numa contenda contra toda a coletividade, representada pelo Estado.
Por conta disso, a normativa penal evoluiu ao longo dos séculos de forma a minorar as possibilidades de que esse tipo de relação venha a ser estabelecida em torno de acontecimentos que não refletem o interesse social. Dessa forma, sedimentou-se uma série de orientações, grande parte das quais positivadas no direito brasileiro, que dá conta de que a ausência de manifesto respaldo social para a produção da normativa penal prejudica toda as suas palavras, porquanto ausente o elemento essencial da legitimidade.
A gravidade dessa contestação assusta quando percebida no contexto da construção do Brasil como um país de presença e prestígio internacional. De fato, fica inconsistente o discurso de ares democráticos propalado pelo governo brasileiro nos fóruns internacionais quando, em sua prática interna, submete as casas de representação popular aos mandamentos mercantis das parceiras da FIFA.
Não bastasse as inconsistências formais da fabricação das Lei Geral da Copa nos seus mandamentos penais, os fatos subsidiários que resultaram na obrigação do Brasil de respeitar as exigências da FIFA não ajudam a eliminar as suspeitas acerca do prejuízo ao arcabouço jurídico brasileiro traduzido pela LGC. O hosting agreement compromete o governo brasileiro, mas este não se confunde com o Estado, muito menos com seus cidadãos. Ele não é um acordo entre a sociedade brasileira e a FIFA, e não tem o condão de autorizar o legislativo a ignorar preceitos básicos que norteiam a persecução penal no Brasil.
Como patente nas reflexões feitas no transcorrer do texto, o compromisso do Estado brasileiro, sobretudo do Legislativo, é com os cidadãos e instituições nacionais. Qualquer que seja o acordo, mesmo que chancelado pelo Congresso Nacional, que implique em violação dos interesses da coletividade e que violente os parâmetros institucionais regentes do direito pátrio, está prejudicado em sua essência e não possui condições mínimas para acrescentar algo ao direito brasileiro.
As linhas mestras de construção da sociedade nacional prevêem que a produção legislativa se submeta aos ditames constitucionais elementares, sem os quais perderíamos a referência normativa e o elemento de coesão interna das leis brasileiras. É, sobretudo, pelos esforços para estruturar uma nação próspera e justa que o Brasil reconhece-se como capaz para colocar seu nome entre as grandes nações. As ações que contrariam esses empreendimento são desinteressantes para o crescimento institucional da democracia e para a realização dos valores que subjazem à noção de prosperidade e justiça social, desservindo àqueles que, em discurso, o Estado deveria servir.
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