É preciso sentir a necessidade da experiência, da observação, ou seja, a necessidade de sair de nós próprios para aceder à escola das coisas, se as queremos conhecer e compreender.
Émile Durkheim
A internação psiquiátrica está prevista na Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001 e se apresenta em três formatos: 1. Internação Voluntária (quando há consentimento do doente); 2. Internação Involuntária (sem o consentimento do enfermo, com autorização familiar ou de outros responsáveis); 3. Internação Compulsória (sem o consentimento do paciente e com autorização judicial).
A legislação destacada é insuficiente, se considerarmos o novo contexto social emergente, marcado, sobretudo, pela banalização e vulgarização do consumo de drogas, lícitas e/ou ilícitas. Em verdade, a lei referida, projetada na década de 90, com vistas a avalizar o movimento antimanicomial, não foi arquitetada para o tratamento de dependentes de álcool e outras drogas, com os contornos recentes do tema.
Neste sentido, mister se repensar o horizonte legislativo para disciplinar o tratamento de dependência química no Brasil. A mudança da realidade social e cultural impõe necessária alteração legislativa, sob pena de se tornar o direito anacrônico e ineficaz.
A internação compulsória é o mecanismo mais empregado pelas famílias no tratamento de seus entes enfermos. Contudo, existem pontos bem conturbados na questão!
A grande polêmica, oriunda da “judicialização da medicina”, ocorre no momento do próprio pedido de internação, formulado perante o Poder Judiciário.
É sabido e ressabido que a internação e a alta médica são atos exclusivos de médicos. Não são raras as vezes que o Poder Judiciário, diante de prova inequívoca, de índole médica, nega a antecipação de tutela para a internação compulsória de dependentes químicos.
Neste caso, não resta outra opção, senão a 2ª instância. Contudo, em se tratando de dependência química, a demora pode se traduzir em graves prejuízos ao doente, sua família e a sociedade como um todo.
Nesta esteira de raciocínio, o Judiciário deve estar mais atento e receptivo aos pedidos oportunos de internação. É certo que privar alguém de sua liberdade, mantendo – a em tratamento não indicado, tipifica crime, capitulado no artigo 148 (parágrafo 1º, inciso II) do Código Penal (Sequestro e Cárcere Privado). De outra banda, não deduzir pela necessidade de um tratamento avalizado por ordem médica adequada pode se traduzir em desagravo à vida e à dignidade do próprio doente, provocando reflexos inclusive sociais, como o aumento da marginalidade.
Enfim, do diálogo entre o Direito à Vida e à Liberdade sentido nos temas ligados à dependência química, a melhor solução ainda é limitar o livre arbítrio do doente para lhe preservar a própria vida. É claro que tal avaliação (reluto, de ordem médica!) deve ser realizada cum grano salis para elidir internações desnecessárias e criminosas.
Desta feita, em havendo risco iminente à vida e à integridade psicofísica do enfermo e a terceiras pessoas (conviventes ou não), atestado por médico, fica o Poder Judiciário autorizado a determinar o tratamento compulsório do enfermo. Ainda, a internação só deverá ser admitida se esgotados todos os meios extra hospitalares de tratamento.
Destaque – se jurisprudência oportuna sobre o tema:
INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. Boituva. Dependência química. Pedido de internação compulsória feito pela mãe, sob alegação de furtos sucessivos e conduta agressiva. - A mãe relata que o filho, capaz e viciado em drogas, vem furtando objetos da residência e, quando em abstinência, vem ameaçando a integridade física da autora e do irmão; há atestado médico recomendando a internação para tratamento da dependência química e os art. 6º § único III e 9º da LF nº 10.216/01 permitem a internação compulsória por ordem do juiz. A perícia médica será feita durante a internação. Inexistência de erro ou abuso na decisão agravada. - Agravo desprovido.
(TJ-SP - AI: 888851020118260000 SP 0088885-10.2011.8.26.0000, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 23/05/2011, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 26/05/2011)
Por derradeiro, cumpre esclarecer que a ausência de avaliação médica inicial (em regra, o dependente não se submete a mesma) pode ensejar a produção de outros meios de prova, que revelem o fumus boni iuris e o periculum in mora necessários a antecipação de tutela na ação de internação compulsória. Posteriormente, ao longo da internação, o paciente deverá ser encaminhado à perícia médica.