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Lei Maria da Penha e a dignidade da mulher enquanto pessoa humana

12/02/2015 às 08:52
Leia nesta página:

Apesar da Lei Maria da Penha ser uma conquista histórica, ela não abarca todas as situações de violência às quais as mulheres podem ser submetidas, e muito menos desconstrói o machismo que perpassa as relações de gênero.

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.” (Rosa Luxemburgo)

Resumo: As mudanças sociais ocorridas desde a 1ª Guerra Mundial influenciaram substancialmente a vida das mulheres, principalmente ocidentais, em todos os seus âmbitos. O presente artigo fará um breve relato histórico apontando acontecimentos de grande relevância no que tange às transformações sociais, econômicas, políticas e sexuais das mulheres. Por fim, tratará de forma mais detida da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) enquanto conseqüência de reivindicações e de reconhecimento da mulher enquanto ser humano.


Recortes da história das mulheres e a conquista da “Lei Maria da Penha”

Vários acontecimentos históricos contribuíram para a saída das mulheres, principalmente ocidentais, do meio doméstico para outras possibilidades de trabalho, bem como para a emancipação política e jurídica, e para uma relativa independência financeira e liberdade sexual. No século XIX a Europa já possuía diversas Universidades que recebiam mulheres como estudantes. No século XX as “Guerras Mundiais” fizeram com que muitas mulheres entrassem no mercado de trabalho porque precisavam substituir os homens que estavam na guerra. Além disso, muitas passaram a militar nos partidos socialistas e comunistas que cresceram no contexto das guerras e ganharam força com a Revolução Russa em 1917. Como exemplo, cito aqui a polonesa Rosa Luxemburgo, a pintora mexicana Frida Kahlo, e a alemã Olga Benário (que viveu parte da sua vida no Brasil), todas militantes comunistas de partidos surgidos no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Mesmo diante dessa conjuntura internacional que aos poucos abria caminhos de liberdade para as mulheres, até o ano de 2002 estava em vigor no Brasil o Código Civil de 1916 (CC/16), com poucas modificações, tendo sido antecedido somente pelas Ordenações Filipinas do Reino. Ou seja, vivíamos um período histórico marcado pelo patriarcado, o que teve consequências inclusive jurídicas para as mulheres. Para citar como exemplo, o CC/16 reconhecia como cidadãos apenas os homens (Art. 2º) e considerava as mulheres casadas como relativamente incapazes (Art. 6º, II). Com relação aos direitos de família, instituiu a figura do “chefe da sociedade conjugal” (Art.233) e o “pátrio poder” (Art. 384), a “autorização marital”, bem como garantiu que o casamento poderia ser anulado pelo marido caso esse descobrisse que a mulher com quem casou não fosse virgem antes das núpcias (Art. 219, IV), não tendo a mulher o mesmo direito com relação ao homem (Art. 220).

O Brasil, assim como outros países, foi fortemente influenciado pelas mudanças ocorridas no mundo com as Guerras Mundiais e ascensão socialista na Europa Oriental/Leste Europeu. No ano de 1922 aconteceu em São Paulo a “Semana de Arte Moderna” que propôs uma mudança nos paradigmas artísticos e culturais brasileiros, e, com o Movimento Antropofágico, deu visibilidade a vários artistas, dentre eles, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, que um pouco mais tarde influenciaram Patrícia Galvão (Pagu), escritora, artista, feminista e militante comunista a partir da década de 1930. 

É nesse contexto jurídico e político que as mulheres brasileiras começam a se organizar para lutarem pelo direito à igualdade. Uma das primeiras cobranças foi com relação ao sufrágio universal, pois apenas os homens votavam já que somente eles eram cidadãos. E foi com a Nova República (1930) que o direito de votar foi concedido às mulheres no ano de 1932.

Os movimentos e lutas que envolviam questões de gênero e feminismo ganharam força definitivamente com a publicação em 1949 do livro “O Segundo Sexo” (“Le Deuxième Sexe”) da filósofa e feminista francesa, Simone de Beauvoir.  Dentre outras idéias, Beauvoir defendia que o “ser mulher” é algo construído historicamente, ou seja, não são apenas as questões biológicas que determinaram o que vem a ser uma mulher, mas todas as relações que as mulheres foram tendo com os homens ao longo dos anos. Dessa forma, o patriarcado com suas práticas machistas impuseram às mulheres o que elas devem ser, daí Beauvoir ter dito nesse livro: “Ninguém nasce mulher. Torna-se mulher”.

Nas décadas de 1960 e 1970 o Movimento Hippie cresceu, expandiu-se para além dos Estados Unidos, e levou através da arte suas mensagens de paz, amor, prosperidade e liberdade, para várias partes do mundo. Esse movimento de contracultura surgiu a partir da insatisfação da população estadunidense com o seu governo, que de 1955 a 1975 estavam em Guerra contra o Vietnã, no contexto da “Guerra Fria” (1945-1991). O que começou com a negação radical às práticas político-bélicas dos Estados Unidos, ganhou dimensões que possibilitaram às mulheres que optavam pelo estilo de vida hippie, uma grande liberdade sexual e comportamental que influenciou as mulheres das gerações seguintes.

No Brasil, outra insatisfação estava no fato das mulheres casadas serem consideradas relativamente incapazes para os atos da vida civil, porém tal mudança só veio em 1962 com o “Estatuto da Mulher Casada”. Um avanço importante foi a promulgação da “Lei do Divórcio” em 1977 que possibilitou às mulheres pedirem judicialmente a dissolução do casamento. A Ditadura Militar no Brasil (1964-1985) travou o processo de emancipação jurídica das mulheres, além de perseguir, torturar, estuprar e assassinar várias feministas e comunistas por enquadrá-las como subversivas. Cito como exemplo, Marilena Villas Boas Pinto, militante do MR-8 assassinada em 1971; Ana Maria Nacinovic Corrêa, militante da ALN assassinada em 1972; Helenira Resende de Souza Nazareth, militante na Guerrilha do Araguaia e foi assassinada em 1972.

Se em 1932 foi garantido o direito da mulher ao voto, a lei 9.504 de 1997 determinou que 30% dos candidatos de cada partido político deverão ser mulheres (cota eleitoral de gênero):

  Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher.

(...)

§ 3o  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)    

Com a Constituição Federal de 1988 consolidou-se a igualdade formal entre homens e mulheres. Estabelece o Art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” e que, nos termos da Constituição, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. O princípio da igualdade foi essencial para que a própria CF/88 garantisse ao longo do seu texto, direitos específicos das mulheres. A partir daí outras leis, inclusive o Código Civil, foram sendo modificadas e criadas para contemplar questões envolvendo gênero. Nesse item trataremos da lei 11.340/2006 que, nessa esteira de pensamento, veio prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.


Considerações sobre a Lei Maria da Penha

A lei 11.340 de 2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, recebeu tal apelido em alusão ao nome de uma das tantas mulheres vítimas da violência doméstica cometida pelo companheiro.  Maria da Penha Maia Fernandes ficou paraplégica depois de receber um tiro do marido enquanto ela dormia. Conforme informações do Portal Brasil, depois de se recuperar do tiro, ela ainda foi mantida em cárcere privado e recebeu outra tentativa de assassinato por eletrocução (choques). De acordo com a sua ementa, a “Lei Maria da Penha”:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (grifo meu)

Essa lei criou de forma explícita o dever não só do poder público, mas da família e da sociedade, de garantir os direitos humanos das mulheres (Art. 1º, § 2º). Importante avanço trazido por essa lei foi o reconhecimento de que existem outros tipos de violência que vão para além da física e sexual, e que a proteção da mulher no âmbito familiar e doméstico, abrange qualquer relação íntima de afeto, ainda que a vítima e o agressor não morem juntos, e nisso se inclui as relações homoafetivas (Art. 5º, § único). De acordo com o Art. 7º, são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.  (grifos meu)

Com vistas a prevenir a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha em seu Art. 8º cita algumas medidas a serem tomadas, como, por exemplo, a criação de políticas públicas, promoção de estudos e pesquisas sobre causas e consequências da violência contra a mulher, realização de campanhas educativas, parceria entre órgãos governamentais e ONG’s, e capacitação dos militares que atenderão as mulheres vítimas de violência. Chamo a atenção para o inciso III do mencionado artigo:

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Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

(...)

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

Infelizmente o que vemos na grande mídia é algo diverso. São inúmeros programas, músicas, propagandas, noticiários, páginas nas redes sociais e demais sites na internet, que criam diariamente estereótipos das mulheres para toda a sociedade. Todos esses veículos midiáticos determinam o padrão físico, comportamental e psicológico a ser seguido pelas mulheres. E, contrariando o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF/88), transformam as mulheres em mercadorias a serem usadas pelos homens machistas.

A título de exemplo, podemos lembrar como é a imagem das mulheres e também dos homens que aparecem nas propagandas de cervejas e de roupas; nas músicas adeptas da “ostentação”; nos programas televisivos e jornais voltados principalmente ao público masculino, que trazem mulheres nuas ou seminuas criando no imaginário social a idéia de submissão das mulheres aos desejos sexuais masculinos. A conseqüência desse desserviço da grande mídia é a violência física, sexual, psicológica, patrimonial e também moral, a que as mulheres acabam sendo submetidas pelos homens e por outras mulheres. Esse padrão estereotipado é machista, e, portanto, opressor, classista, racista, homofóbico, violento, e em nada contribui para a emancipação feminina.

Com relação às mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, a lei estabelece o trâmite burocrático de assistência e atendimento das mesmas. O mais comum é que as vítimas procurem primeiramente uma autoridade policial para dar ciência do ocorrido, e, conforme o Art. 11, esta deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.    

Até o ano de 2012 os crimes enquadrados pela Lei Maria da Penha só passariam pelo devido processo legal, caso a vítima além de prestar queixa à polícia, representasse contra o ofensor. Ou seja, quando da promulgação da lei, a Ação Penal era Condicionada à Representação da ofendida, tendo esta então que formalizar a queixa mesmo depois denúncia. Em 2012 a Procuradoria Geral da República propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-4424) que foi acatada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mudando o tipo de Ação Penal cabível nos crimes da Lei Maria da Penha. Assim, a partir do ano de 2012 a Ação Penal passou a ser Pública Incondicionada, o que significa que qualquer pessoa pode denunciar à polícia casos de violência doméstica e familiar à mulher, e o prosseguimento da Ação independe da vontade da vítima. Assim, ficam revogados o inciso I, do Art,12, e o Art.16 da Lei Maria da Penha.

Do Art. 11 ao Art. 15 a lei estabelece os procedimentos a serem tomados pela polícia no atendimento à mulher vítima de violência, bem como direitos sociais e prerrogativas conferidas a ela para escolha do lugar do processamento da Ação (Art. 15). Importante ressaltar que a lei vetou a aplicação de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária como substituição de pena (Art. 17).        

Para a proteção da vítima e dos filhos menores, a lei elenca quais são as medidas protetivas de urgência que o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da ofendida (Art.19), poderá deferir e determinar seu cumprimento no prazo de 48 horas (Art. 18):

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Essas medidas poderão ser aplicadas cumulativamente, substituídas por outras de maior eficácia, ou mesmo revistas. Em qualquer fase do processo o juiz poderá decretar a prisão preventiva do agressor (Art. 20) e a ofendida será notificada das entradas e saídas do ofensor da prisão (Art. 21).

Dentre as medidas protetivas de urgência estão aquelas que se destinam à vítima. É um conjunto de determinações que o juiz poderá ordenar para garantir a integridade da ofendida e de seus dependentes, já sinalizando a lei que outras medidas não elencadas nela também poderão ser tomadas.  Como exemplo, cito aqui o encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa de proteção e atendimento, recondução desses ao lar depois do afastamento do agressor, restituição à ofendida dos bens ora subtraídos pelo agressor.

A Lei Maria da Penha faculta à União, ao DF, aos Estados e aos Municípios a criação de entidades que executarão programas que visem a proteção e ajuda à mulher vítima de violência, bem como aos seus dependentes e ao próprio agressor. De acordo com o Art. 35 os citados entes públicos poderão criar e promover, nos limites das suas competências: 

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores. 

O que se observa é que poucas cidades disponibilizam todos esses serviços às mulheres, isso porque nem todos os lugares possuem uma arrecadação que possibilita a criação dessas entidades, ou mesmo porque o combate à violência doméstica e familiar ainda não é prioridade quando as pessoas públicas estão pensando a destinação do orçamento, ainda que o Art. 39 estabeleça que "A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei".

No que diz respeito às penas aplicáveis aos casos previstos na Lei Maria da Penha, determinou-se que a nenhum deles poderá se aplicar a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), justamente por esta lei buscar dar celeridade a processos cujos crimes são de baixa periculosidade. Conforme a ementa da Lei Maria da Penha, esta “altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal”, isso porque ela modifica artigos para que eles contemplem a questão da violência doméstica e familiar contra a mulher. Vejamos:

Código de Processo Penal:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; 

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; 

 III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; 

IV -(Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. 

Código Penal:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I - a reincidência; 

II - ter o agente cometido o crime: 

 a) por motivo fútil ou torpe;

b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;

d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

(...)

§ 9º  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

(...)

§ 11º  Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)

Lei de Execução Penal:

Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.

Parágrafo único.  Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)

Como foi dito, existem outros programas e entidades que desenvolvem trabalhos de enfrentamento à violência contra a mulher, e, diferentemente da Lei Maria da Penha, não ficam restritos a questões domésticas e familiares. Cito como exemplo a “Secretaria de Políticas para as Mulheres” (SPM), ligada à presidência da república, responsável por criar políticas públicas voltadas às mulheres. Criada em 2003, a SPM que desenvolveu a Central de Atendimento à Mulher (“Ligue 180”), que desde 2005 funciona como um disque denúncia que aciona a Polícia Militar ou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para um primeiro atendimento às mulheres vítimas de violência.

Apesar da Lei Maria da Penha ser uma conquista histórica no que tange o amparo da mulher vítima de violência doméstica e familiar, ela não abarca todas as situações de violência às quais as mulheres podem ser submetidas, e muito menos desconstrói o machismo que perpassa as relações de gênero. Infelizmente a violência contra a mulher acontece em vários lugares para além do ambiente doméstico e familiar que a lei tutela. Outros instrumentos de disputa de consciências precisam ser fortalecidos para que as mulheres deixem de ser violentadas, e não porque existem penas caso isso aconteça, mas sim porque homens e mulheres se libertaram das opressões e passaram a tratar uns aos outros com dignidade.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do brasil. Brasília, df: senado federal: centro gráfico, 1988. 

BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 de dezembro de 1977.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário oficial da república federativa do brasil, brasília, df, 7 de agosto de 2006.

Site: http://www.brasil.gov.br/governo/2012/04/maria-da-penha-1. Acessado em 05 de agosto de 2014 às 11:23h.

Site: http://www.spm.gov.br/central-de-atendimento-a-mulher/. Acessado em 07 de agosto de 2014 às 20:48h.

MATOS, Maureen Lessa; GITAHY, Raquel Rosan Christino. “A Evolução dos Direitos da Mulher”. Colloquium Humanarum.  Vol. 4, nº 1, 2007.

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Sobre a autora
Maria Tereza Queiroz Carvalho

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Maria Tereza Queiroz. Lei Maria da Penha e a dignidade da mulher enquanto pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4243, 12 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31366. Acesso em: 23 nov. 2024.

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