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A servidão florestal como alternativa de alocação econômica dos recursos naturais com vistas à sustentabilidade do setor primário brasileiro

01/01/2015 às 10:30
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Com foco nas áreas de Reserva Legal de propriedades rurais consolidadas, especialmente quanto à forma de regularização denominada compensação ambiental, o texto baseia-se no novo regramento introduzido pela Lei 12.651/12.

Introdução

O Brasil é um país de dimensões continentais que abriga, em seu território, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nove diferentes biomas; são eles: Caatinga, Campos, Cerrado, Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Mata de Araucária, Mata de Cocais, Pantanal, Zonas Litorâneas.

Após anos de descaso com todo esse patrimônio natural, o país passou a se vincular, por meio de acordos internacionais, ao cumprimento de obrigações e de metas de proteção ao meio ambiente. Por meio desses tratados, o país internalizou as denominadas regras de comando e controle para repreender condutas lesivas ao meio ambiente.

Como “os lírios não nascem das leis”, conforme ensinou o poeta Carlos Drummond de Andrade, os resultados esperados não foram alcançados. O desmatamento e a degradação à qualidade ambiental continuaram e continuam avançando a passos largos, mesmo com o advento do princípio do poluidor-pagador e da tríplice responsabilidade ao degradador. De acordo com o IBGE, em relação ao final do primeiro semestre de 2013[1]:

O Brasil possui apenas 12% da área original da Mata Atlântica, o bioma mais devastado do País. De 1,8 milhão km², sobraram 149,7 mil km². A área desmatada chega a 1,13 milhão km² (88% do original) equivalente ao Estado do Pará e mais que toda a região Sudeste. Depois da Mata Atlântica, o Pampa gaúcho é o mais desmatado: perdeu 54% de sua área original, de 177,7 mil km² até 2009. O Cerrado chegou a 49,1% em 2010. Em dois anos houve um amento de devastação de 48,37% . A conclusão é assustadora: foram desmatados 52,3 mil km², quase o Estado do Rio Grande do Norte. A caatinga, por sua vez, perdeu 45,6% de seus 826,4 mil km² originais.

Outro fator preocupante é extinção de espécies da fauna ou ameaçadas de extinção, o IBGE apontou nove espécies extintas, 122 espécies criticamente em perigo, 166 em perigo e 330 vulneráveis.

O instituto também apresentou os índices de desmatamento de todos os biomas extra-amazônicos, já que a Amazônia tem um monitoramento específico e mais detalhado. Os biomas são territórios com ecossistemas homogêneos em relação à vegetação, ao solo, ao clima, à fauna e à flora. O Brasil é dividido em seis biomas. A pesquisa chama atenção para a consequência do desmatamento desenfreado, o resultado são os danos ao solo, recursos hídricos, extinção de espécimes, fauna e flora além do aumento de gás carbônico na atmosfera.

Outros institutos que foram incorporados pelo governo brasileiro, por meio dos tratados internacionais, mas que ainda são pouco utilizados para a proteção do meio ambiente, dizem respeito às ideias de promoção e de incentivo às condutas protetoras e promocionais ao meio ambiente, com base no princípio do protetor-recebedor.

Em um país que a carga tributária corresponde a 35,13% do PIB e que detém um dos piores Índices de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES), conforme pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) no começo de 2012, o que se verifica é que os instrumentos econômicos poderiam ser mais bem utilizados para a preservação ambiental.

No setor primário da economia, por exemplo, que corresponde a uma importante fatia do Produto Interno Bruto Nacional, a introdução de medidas de incentivo às condutas protecionistas, como aquelas já criadas pela Lei nº. 12.651/12, poderão trazer avanços significativos rumo à sustentabilidade no setor.

No campo da tributação, alguns exemplos já foram importados pelos entes políticos, porém, quando se compara a normatização das ideias de comando e controle com aquelas voltadas aos incentivos, verifica-se, ainda, uma prevalência das primeiras em detrimento das últimas, e os resultados dessa política, conforme visto acima, é, no mínimo, ineficiente.

Importante, portanto, analisar o impacto da política de comando e controle sobre a sociedade brasileira e os possíveis resultados alcançados e a se alcançar quando da aplicação da política de incentivos às condutas protetoras ao meio ambiente. Os resultados poderão ser utilizados para balizar futuras políticas ambientais aplicadas pelos entes políticos.


Da atual legislação brasileira em matéria de Reserva Legal

O regime atual do instituto da Reserva Legal encontrou previsão no antigo Código Florestal (Lei 4.771/65), especialmente, em suas alterações posteriores determinadas pela Lei 7.803 de 18 de julho de 1989 e pela Medida Provisória nº. 2.166-67, de 24 de agosto de 2.001.

As diferenças entre o diploma anterior e o atual decorrem da própria sistemática reservada ao instituto pela lei atual. Antes, descrita, especificamente, em um único artigo, atualmente, para a Reserva Legal foram reservados 13 diferentes artigos, divididos em 3 seções do Capítulo IV.

“Mantendo a lógica da divisão entre disposições permanentes e disposições transitórias, adotada pela Lei nº. 12.651/12, também foram inseridos dispositivos específicos para as áreas rurais consolidadas[2] em Reserva Legal (art. 66 a 68), prevendo mecanismos diferenciados para tais situações” (PAPP, 2012, p. 148).

Dentre as principais mudanças legislativas, é possível citar a relação com as Áreas de Preservação Permanente, que poderão ser inseridas no cômputo da Reserva Legal e a própria definição que revela uma dupla função da área de reserva, atrelando-a aos aspectos econômico e social do uso da propriedade rural.

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Das alternativas de regularização das áreas de Reserva Legal em propriedades rurais consolidadas

Para entender a sistemática do Novo Código Florestal há de se destacar que sua redação foi divida em dois grupos de disposições, a saber: permanentes e transitórias. De modo genérico, pode-se dizer que no primeiro grupo estão inseridas as regras jurídicas destinadas à proteção e ocupação dos locais nos quais ainda não tenha ocorrido a conversão da floresta e outras formas de vegetação nativa para uso alternativo do solo. De outra banda, as transitórias são destinadas aquelas regiões nas quais houve supressão de florestas e outras formas de vegetação nativa até a data de 22 de julho de 2008.

De acordo com as disposições transitórias, os proprietários ou possuidores que detinham, até 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no artigo 12 do Novo Código Florestal, poderão regularizar a sua propriedade, adotando algumas das seguintes alternativas: recomposição, regeneração ou compensação.

A compensação ambiental, única hipótese objeto da presente pesquisa, pode ser realizada por meio das alternativas indicadas no §5º do artigo 66 da Lei 12.651/12, dentre as quais, destaca-se o “arrendamento de área sob o regime de servidão ambiental ou Reserva Legal“.

Conforme narrado por AMADO (2013, p. 258), no entanto, para ser admitida pelo órgão ambiental competente, a compensação de Reserva Legal deverá contar com área equivalente em extensão à área da reserva a ser compensada; estar localizada no mesmo bioma da área a ser compensada e, se fora do Estado, estar localizada em áreas identificadas como prioritárias pela União ou pelos Estados.


Da servidão ambiental como mecanismo de sustentabilidade do setor primário

De início, importante ressaltar que a compensação denota um interessante instrumento de proteção ambiental (PAPP, 2012, p. 250):

Na medida em que estimula a utilização de mecanismos que valorizam as florestas e outras formas de vegetação ainda existentes em imóveis rurais, além de poder propiciar a formação de áreas contínuas e de maior extensão submetidas ao regime de especial proteção ambiental, o que pode contribuir para os objetivos de conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e da biodiversidade.

Nesse sentido, a servidão ambiental, como modalidade de compensação, se mostra um mecanismo efetivo para o fomento da preservação ambiental de áreas localizadas em regiões com inestimável valor ecológico, pois ao se realizar a servidão, a área demarcada será, de forma temporária ou vitalícia, preservada pelos proprietários.

Saliente-se que preservar não significa estritamente proceder à manutenção da vegetação já existente, porquanto tal ação também é definida como sendo o “conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem à proteção em longo prazo das espécies, hábitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais[3]”, ou seja, servidão também é uma forma de preservação.

Além disso, em que pese não existirem ainda dados concretos, o que se percebe é a grande adesão, por parte dos proprietários e posseiros rurais, à regularização de suas áreas de Reserva Legal por meio da servidão ambiental, seja pela possibilidade de se adequarem legalmente, seja pela possibilidade de preservarem o meio ambiente e ao mesmo tempo manterem interessante área produtiva dentro de suas propriedades.


Conclusão

As medidas de comando e controle aplicadas ao longo dos anos e subsidiadas pela revogada Lei 4.771/65, bem como, as inúmeras ações civis públicas ajuizadas pelos representantes do Ministério Público não trouxeram qualquer efetividade prática quanto à proteção dos ecossistemas – principal objetivo do Código Florestal.

Os proprietários ou possuidores rurais que detinham, até o ano de 2012, déficit de Reserva Legal permaneceram com suas obrigações além das margens legais, já que, no cômputo final, o resultado econômico lhe indicava tal opção. Era necessária a criação de mecanismos efetivos e que acompanhassem a realidade do setor primário brasileiro.

Com o advento da Lei 12.651/12, o panorama jurídico possibilitou que os proprietários e possuidores rurais buscassem a tão almejada adequação, já que medidas incentivadoras, como a servidão ambiental, lhe permitiriam, a partir de então, não só a proteção ao meio ambiente, como também, o livre exercício de suas atividades econômicas.  


Referências bibliográficas

AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. Método: São Paulo, 2013.

PAPP, Leonardo. Comentários ao Novo Código Florestal Brasileiro. Millenium: Campinas, 2012.


Notas

[1]In: http://jornalmaisnoticias.com.br/ibge-divulga-dados-alarmentes-sobre-o-aumento-do-desmatamento-no-brasil – visitado em 16/07/2014.

[2] De acordo com o artigo 3º, IV da Lei 12.651/12, entende-se por área rural consolidada a área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio;

[3] In: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-ucs/glossario - visitado em 16/07/2014. 

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Sobre o autor
Rafael Matthes

Advogado e consultor na área de Direito Ambiental. Doutorando em Direito Ambiental pela PUC/SP e mestre bolsista CAPES em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito Tributário pela Rede de Ensino LFG e em Direito Internacional pela PUC/SP, graduando em Tecnologia em Gestão Ambiental pela Universidade Metodista. Atualmente é professor convidado nos cursos de Especialização em Direito Ambiental na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC e nas Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. É professor em Direito Ambiental e em Direito Tributário na Universidade Anhanguera e professor em Direito Ambiental e em Direito Tributário no curso preparatório para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil na Rede de Ensino LFG. Foi consultor voluntário em Sustentabilidade na RIO+20 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. Foi monitor da cadeira de Direitos Difusos e Coletivos da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - FDSBC e atuou como professor-organizador do grupo de iniciação científica sobre Direito Ambiental Internacional. Na Universidade Católica de Santos, realizou estágio docente na cadeira de Direito Internacional. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Ambiental, Internacional e Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTHES, Rafael. A servidão florestal como alternativa de alocação econômica dos recursos naturais com vistas à sustentabilidade do setor primário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4201, 1 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31431. Acesso em: 3 dez. 2024.

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