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Hermenêutica e justificação jurídica:

reflexões sobre a (in)aplicabilidade dos postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados

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02/09/2014 às 14:18
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4. À guisa de considerações finais: há espaço para a teoria de justificação jurídica de Robert Alexy

Antes de comentários mais aprofundados, faz-se necessário abrir parêntesis para a discussão que permeia a abordagem dos postulados da hermenêutica filosófica e os preceitos teóricos de Robert Alexy. No espaço acadêmico brasileiro muito se tem questionado a abertura principiológica e sua afronta à hermenêutica do eixo Heidegger-Gadamer. Todavia, não é este o objetivo central deste artigo. A questão nodal perpassa a subsistência da teoria de justificação jurídica e o movimento de uniformização jurídica. Todavia, no que diz respeito ao movimento de uniformização dos julgados – muitos, vinculantes – abre-se senda para se questionar a validade dos critérios de ponderação? Mas esta é outra demanda.

Robert Alexy (1997, p. 157) estabelece a teoria da justificação jurídica a partir do diagnóstico de o discurso prático ser poroso e impossibilitado de completa extinção de lacunas. Tal lacuna de racionalidade, em seu entender, demonstraria a impotência dos argumentos em prover na integralidade a supressão de todas as lacunas, de modo a não produzir nenhuma solução correta, mas plurimas possibilidades de respostas corretas.

Nestes termos, ao divergir dos postulados de Ronald Dworkin, fomenta elementos hábeis para a multiplicação de princípios e valores alheios ao Direito para simulação de fundamentos jurídicos. De tal sorte, o modelo tripartite de sistema jurídico – regras; princípios e procedimentos – propicia, na prática, a descalcificação da solidez das normas jurídicas, em favor do discurso prático.

Seguindo esta linha, Alexy defende a desvinculação da dogmática do empirismo e, o que é pior, da lógica. Assim, “na medida em que o discurso dogmático é um discurso sobre questões práticas, ele é um discurso prático.” (ALEXY, 2001, p. 319-320). Perde-se, com esta defesa, a exigibilidade de correção das decisões jurídicas, bem como, a compulsoriedade de fundamentação jurídica. Exige-se, compulsoriamente, apenas a justificação de um caso especial de afirmação normativa (ALEXY, 2001, p. 218).

Não se trata de mero manejo de palavras e categorias jurídicas. Existe uma alteração substancial grave do itinerário decisório. Defender a justificação significa autorizar a antecipação do produto final, independentemente dos critérios colecionados, o que importa é que estes justifiquem as opções particulares do julgador. Por sua vez, fundamentar vincula-se à necessidade – no caso brasileiro, dever constitucional – de se fundir fatos com fundamentos jurídicos de modo a se obter um produto final indissociável dos argumentos. Portanto, cerceia juízos de solipsismo judicial, proveniente da escola do Direito Livre e da instrumentalidade.

Por tanto, a partir do dever insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, há de se rechaçar a ideia de justificação jurídica estabelecida por Robert Alexy, notadamente pela incompatibilidade constitucional que nutre. Some-se nestas razões a dimensão hermenêutica excludente, afinal, decisão judicial não é justificação, mas fundamentação, de modo que o ato decisório seja o último momento argumentativo do processo.

No que tange ao movimento (moda) de uniformização de julgados, a partir de uma analogia torta com o sistema de precedentes da common law, importante fixar novas críticas à teoria de Robert Alexy, que se somam ao problema insanável da justificação jurídica como paradigma de decisão judicial. Além da argumentação empírica, dos cânones de interpretação e da dogmática jurídica, Robert Alexy (2001, p. 259) atribui relevância especial para a justificação em precedentes. Patrocina a vinculação compulsória aos precedentes como condição de igualdade e justiça, o que se mostra inexequível, conforme já exposto.

Contudo, o caráter mais sedicioso provem das duas regras básicas construídas para justificação em precedentes: a primeira, determina a citação de precedentes, sempre que possa ser feito; a segunda, a necessidade de se argumentar somente nos casos de desvinculação da justificação de precedentes (ALEXY, 2001, p. 259). Há problemas claros em se aceitar tal postulado, notadamente pela permissividade de reprodução desatenta de argumentos exarados em um realidade descompassada com a situação fática des-velada. Porém, potencializam-se as incongruências quando exige a argumentação somente nos casos de preterição dos precedentes, isto é, verbetes sumulares. Fica cristalino, portanto, a prevalência da hierarquia das justificações sobre os argumentos de hierarquia ao arrepio da Constituição Federal.

Essa é a moda do momento. Claro que se pode negar qualquer impacto da moda. Mas isto seria desconsiderar o que se passa, talvez se acreditando demais nas convicções. A hermenêutica tradicional continua atuando com noções que não fazem mais sentido do ponto de vista hermenêutico, mas que estão na moda .

Pode-se dizer que se vive a era do “realismo jurídico tropical” em que a lógica que preside este modelo é a dos informativos etiquetados com as grifes com durabilidade efêmera, de uma semana. Até a próxima semana não se sabe, de fato, o que pode ter mudado. O aumento da velocidade constante impede, de igual sorte, a possibilidade de reflexão. Os informativos são uma espécie de adição, de vício, dos jogados na inautenticidade. A última edição da interpretação (sic) ocupa o lugar da última versão da moda. E como a maioria não quer aparentar estar out, o sentido altera-se automaticamente. O paraíso da funcionalidade impede que as reflexões se postem de maneira constante, dada a fragmentação do momento .

O produto – verbete – nesta nova economia simbólica do Judiciário desde antes e pelo sujeito. Não lhe concede, ademais, espaço para dizer o contrário. O argumento de autoridade toma o lugar da reflexão, impondo o sentido aparentemente estático e paradoxalmente cambiante. Beira ao absurdo a edição de mais de um verbete uniformizador por sessão de julgamento na Turma Nacional de Uniformização ou, a majoritária avocação de atribuições julgadoras para o presidente do órgão colegiado.

Joga-se, assim, de um lado com a premência de estar in e, de outro, com a irracionalidade do mercado consumidor. O Judiciário acabou, pois, transformando-se no cenário próximo ao da moda. As decisões judiciais deixaram de dizer o caso. Elas passaram a ser produzidas para serem vistas, justificando, como quer Robert Alexy, atos jurídicos prévios (afinal, não é esta a razão existencial da modulação temporal dos efeitos da decisão e do controle de externalidade?).

O computador e a internet propiciaram uma vitrine para as decisões judiciais. Reproduzem-se como metâmeros. De um lado orquestradas pelos órgãos de cúpula e na lógica da Orquestra Judicial, espraiam-se como um sinfonia única para toda a estrutura jurisdicional. Há uma compulsão por admirar, copiar e legitimar quem nos conduz. A decisão judicial, pois, está vestida com as roupas da última coleção e garantida pela grife STF, STJ, TNU e afins.

Infelizmente, tais práticas impedem a polifonia do Direito e do discurso jurídico. Neste cenário de prevalência da filosofia da consciência, enclausurada na relação sujeito-objeto, a produção do Direito se dá ao modo liberal-individualista-normativista, ligado umbilicalmente à procura de uma verdade sacralizada representada pela divisa “It’sthelaw”. Com isso o Direito como fruto de um monólogo, abastece um modo de exclusão de uma minoria [progressivamente seletiva] para a maioria, sem voz e vez que, à luz das artes cênicas não se encaixa nem como coadjuvante, talvez mera figuração. O indivíduo “perdeu o lugar de onde podia fazer oposição, de onde podia dizer ‘Não! Não quero!’, de onde podia se insurgir: ‘as condições que me são apresentadas não são aceitáveis, não concordo’” , como bem discorre Melman (2003, p. 39), falta notadamente um lugar para o debate, o que é pior: até mesmo no Judiciário, tradicional recinto de diálogo.

Em busca de celeridade, eficiência, economia processual e afins, a justificação das decisões assume uma posição de obediência hierárquica, mesmo que flagrantemente inconstitucional. Neste plano, o modo de tomada de decisões escapa do tradicional modelo de ato de conhecimento, para ser ato de hierarquia funcional, sem se espraiar em uma tentativa de compreensão, de des-velamento. Portanto, falta à decisão o desenvolvimento do processo como procedimento em contraditório  que, à luz da Física possui força centrípeta apta a reunir todas as vozes dos destinatários do ato final no bojo do processo, de forma que o Direito seja polifônico e a decisão resultado da interação argumentativa dos destinatários do ato final.


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Sobre o autor
Marcio Ricardo Staffen

Doutorando em Direito Público pela Università degli Studi di Perugia - Itália. Doutorando e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (Conceito CAPES 5). Especializando em Gestão Acadêmica e Universitária pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (UDESC - ESAG). Possui Graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Pesquisador do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Professor Honorário da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidad Inca Garcilaso de la Vega (Peru). Professor nos cursos de graduação em Direito e especializações no Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI) e na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica UNIDAVI. Advogado (OAB/SC). Coordenador da Escola Superior de Advocacia Subsecção Rio do Sul (OAB/SC). Realizou cursos junto à Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Università degli Studi di Perugia UNIPG, Università Roma Trè, Università degli Studi di Camerino UCAM, Universidad de Alicante - UA e Universidade Karlova IV (Praga). Membro do Comite da Escuela de Formación de Auxiliares Jurisdiccionales de la Corte Superior de Justicia del Callao (Peru). Membro Honorário do Ilustre Colegio de Abogados de Ancash (Peru). Membro efetivo da Sociedade Literária São Bento. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI. Líder do Grupo de Pesquisa Direito, Constituição e Sociedade de Risco (GPDC-UNIDAVI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STAFFEN, Marcio Ricardo. Hermenêutica e justificação jurídica:: reflexões sobre a (in)aplicabilidade dos postulados de Robert Alexy na moda de uniformização de julgados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4080, 2 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31569. Acesso em: 17 nov. 2024.

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