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O IPTU progressivo no tempo e a função social da propriedade:

limitações e eficácia na governança urbana atual

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06/03/2015 às 09:52
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O BREVE RELATO DE VIÇOSA

Para contextualizar a problemática e supor que os institutos ora citados podem fazer parte do ato de gerir e planejar uma cidade, o presente estudo toma por base a cidade de Viçosa.

Município do interior mineiro, Viçosa padece dos mesmos problemas de uma cidade de pequeno e médio porte, mas também apresenta peculiaridades de uma cidade tipicamente universitária, com a economia primordialmente baseada na especulação imobiliária e demais ramos do setor de serviços.

Com uma população fixa de mais de 70mil habitantes e uma flutuante de cerca de 20mil, é exemplo notório da segregação espacial – da região central rica e ocupada por não nativos ou funcionários da universidade de uma classe social financeiramente privilegiada à região periférica de condomínios fechados e habitações de qualidades inferiores em áreas de risco ambiental – e ilegalidades urbanísticas.

 O processo muito acelerado de urbanização acarretado pela federalização da Universidade circunscrita em seu território no princípio da década de 70[6] foi causa da alteração da matriz econômica municipal (anteriormente agrícola) e do aparecimento de típicas mazelas urbanas.

A qualidade de vida típica das cidades de pequeno porte demográfico do interior mineiro foi se perdendo rapidamente. Atualmente, Viçosa tem apresentado uma série de problemas característicos das metrópoles brasileiras, como poluição de seus córregos, engarrafamentos, violência urbana, áreas faveladas e acentuado processo de verticalização das suas edificações em determinadas áreas, ocasionando densificação excessiva em relação à infraestrutura disponível.

[...]

O poder público e os empresários da construção civil, principalmente ao longo destes últimos trinta anos, tiveram um papel decisivo para a formação desse espaço urbano desigual e para o crescimento da cidade ilegal.

[...]

A correlação de forças políticas, claramente favorável a este setor, faz com que as políticas e ações públicas para o ordenamento da cidade sejam elaboradas e implementadas evitando contrariar seus interesses.

A problemática exposta junto à força do setor especulativo imobiliário que rondam a cidade já são fundamentos mais que suficientes para se acreditar na utilização de instrumentos de redistribuição espacial, como o IPTU progressivo no tempo, não bastasse um dado não totalmente atualizado, mas muito próximo à realidade: quase 30% dos lotes em Viçosa estão vagos. Em específico estudo:

A existência de aproximadamente 5.573 lotes vagos (29,4% dos lotes existentes no Município), a situação em que se encontram e a repercussão das suas atuais condições, na população e nas ações do poder público, indicam a necessidade de a Administração Municipal atuar mais decisivamente no sentido de promover a ocupação regular desses lotes. Para isso,podem ser utilizados os instrumentos de política urbana citados, no âmbito nacional, pelo Estatuto da Cidade como o Parcelamento, a Edificação ou a Utilização Compulsórios, o IPTU Progressivo no Tempo e a Desapropriação com Pagamento com Títulos da Dívida Pública. (Grifou-se) (PINHEIRO, 2004)

Resta a dúvida: em uma administração onde a política apoiada no mercado prevalece à técnica e ao social, como dar eficácia à norma? Por expressão do princípio da legalidade e eficiência, a majoração a Administração Pública não deveria utilizar-se mais dos instrumentos de gestão urbana? Como concorrer com setores interessados, os mesmos que encabeçam a lista de doadores de campanhas eleitorais?

Além disso, as forças hegemônicas que detêm o poder econômico continuarão dirigindo a dinâmica do desenvolvimento urbano, impondo limites à atuação do Poder Público, que continuará cumprindo o papel que o vem caracterizando, ao legitimar o espaço urbano pelas lógicas da ilegalidade e da segregação social e espacial. (RIBEIRO Filho, 2006)


CONCLUSÕES

Após fundamentação teórica abalizada por grandes doutrinadores, o presente estudo conclui que:

A) O direito à cidade, sob a égide de sua função social, deve ser considerado norma programática em prol da socialização e publicização do espaço e do território (ou condicionar aos interesses coletivos a propriedade privada) a fim de propiciar espaços mais qualitativos e menos excludentes.

B) Para efetivação do princípio da função social da cidade faz-se mister ofertar eficácia plena à legislação e aos liames dos instrumentos de gestão e planejamento da Política Urbana, como por exemplo o IPTU progressivo no tempo.

C) A real efetivação do instituto do IPTU progressivo é um exemplo hábil e palpável, a curto prazo, para minimizar as desigualdades fundiárias e a segregação espacial em prol da função social da propriedade, dando um primeiro passo em direção a uma idéia de justiça urbana;

D) O direito à propriedade é um direito subjetivo fundamental e oponível a toda a coletividade (oponível erga omnes) desde que utilizado de forma a não confrontar ou macular outros direitos, sejam eles individuais ou difusos (como o direito da coletividade em que a expansão urbana de sua cidade atenda aos preceitos do desenvolvimento sustentável), ou seja, cumprindo com o imóvel sua função social. Crê-se então que a função social da propriedade atua como condicionante ao direito de propriedade, não como mero óbice ao exercício por parte do proprietário;

E) O instituto do IPTU progressivo no tempo deve ser utilizado como faceta para a promoção da justiça urbana em prol de uma gestão mais igualitária da cidade, contudo a referida efetivação deve ser parte de um projeto maior. A majoração da alíquota do IPTU para imóveis que não cumpram sua função social não deve ser compreendida enquanto ato administrativo isolado, mas sim como instrumento de um planejamento urbano completo. Não é finalidade do presente estudo corroborar a prática cotidiana da "acupuntura urbana", ou seja, de realizações e melhorias estrategicamente pontuais na cidade.

F) Após anos de luta dos movimentos sociais de reforma urbana em prol de conquistas legais na área, pode-se afirmar que o ordenamento jurídico pátrio, no que diz respeito aos instrumentos de efetividade de políticas públicas e regulações urbanísticas, está completo e bem “amarrado”. Todavia padece de falta de eficácia por interesses conflituosos no jogo de poder municipal. Enquanto a cidade produzir-se exclusivamente e em larga escala através do modelo capitalista de exploração, assim também se fará.

G) Crê-se na influência mútua entre a sociedade e o espaço – a sociedade molda o espaço; o espaço a condiciona – a perpetuar o modo de produção capitalista e seu status quo conflituoso. O conflito não faz-se prejudicial, afinal a luta destrói amarras urbanas, todavia aquele é silenciado constantemente e muitas vezes pelo próprio Estado.

H) Considerando que a positivação legal é fruto da valoração social de um fato, ou seja, expressão lógica da ética popular vigente em determinado espaço e tempo; considerando também que a norma jurídica administrativa deve ser entendida e interpretada em primeiro plano em prol do interesse público e/ou coletivo, o presente estudo entende que a prática de aplicar a determinado empreendimento ou terreno os efeitos do IPTU progressivo deva ser considerado ato administrativo vinculado, sujeito o gestor municipal às sanções cabíveis quando em desconformidade ao princípio da legalidade. Assim, convoca a comunidade científica, jurídica e interessada a entender e debater o tema para formar ética social neste sentido;

I) O presente artigo não vem exaltar a lei, ao contrário, o descrédito para com sua eficácia é que motiva o presente. Se a teoria legal é perfeita, atitudes devem ser tomadas. As leis urbanísticas pátrias, quando bem aplicadas, têm o condão de solucionar grande parte das mazelas da cidade. Mas não “saem do papel” por ser de interesse contrário dos agentes que dominam e moldam as cidades, falta de proatividade e técnica dos gestores e desconhecimento e passividade da população.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Publicada no Diário Oficial da União de 05 out. 1988.

BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei 10257. Publicada no Diário Oficial da União em 10 jul. 2001.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 1993.

DIAS, Daniella Maria dos Santos. Planejamento e Desenvolvimento Urbano no Sistema Jurídico Brasileiro: óbices e desafios. Curitiba: Juruá, 2012.

JACOBS, Jane. A morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

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LOUREIRO, Francisco Eduardo. A propriedade como relaxação jurídica complexa. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

MARICATO, Ermínia. Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. 5ª Ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2001.

NEGREIROS, Rovena; SANTOS, Sarah Maria M. Dificuldade da gestão pública do uso do solo. In: Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

PINHEIRO, Sérgio Cardoso. Lotes vagos em Viçosa – MG: repercussões legais, ambientais e econômicas no quotidiano da população e nas ações do poder público. Monografia apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação Lato sensu em Planejamento Municipal, para obtenção do título de Especialista. Viçosa-MG, 2004.

RIBEIRO Filho, Geraldo Browne. A produção ilegal do espaço urbano de Viçosa-MG. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

ROSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000053.pdf> Acesso em: 29 de junho de 2012.

SANTOS, Boaventura de Souza. Conflito de direito de propriedade: Invasões urbanas. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.

SOUZA, Marcelo Lopes. Mudar a cidade: Uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbana. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

STEFANELLO, Alaim Giovani Fortes. A função sócio-ambiental como novo paradigma da propriedade contemporânea. In: Hiléia Revista de Direito Ambiental da Amazônia. Ano 2 nº. 3. Manaus: Edições Universidade do Estado do Amazonas, 2006.

STF. Supremo Tribunal Federal. Enunciado sumular 668. Publicado em 24 de set. de 2003.


Notas

[1] Conforme ideia extraída de Jane JACOBS (2011, p.29): “As ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecem monótonas, a cidade parecerá monótona. Mais do que isso, e retornando ao primeiro problema, se as ruas estão livres da violência e do medo, a cidade está, portanto, razoavelmente livre da violência e do medo.”

[2] Nas palavras de Jean-Jacques Rosseau (2012):

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém !’. Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa idéia de propriedade, dependendo muito de idéias anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do estado de natureza”.

[3] Autor da célebre oração “A propriedade é um roubo”, acreditava que a propriedade era um mal social sobre a Terra.

[4] O Manifesto Comunista, expoente obra do pensador, considera a propriedade instrumento de dominação da constante luta de classes que pauta a história da sociedade.

[5] Cf. (SANTOS, 1984): “A lógica do capital é conflitual porque se consubstancia numa relação de exploração. Existe historicamente enquanto luta de classes. Mas, além disso, é contraditória porque a relação de exploração tem lugar numa arena jurídico-política de igualdade e liberdade.

[6]  Segundo estudo realizado por RIBEIRO Filho (2006) em meados da década de 90: Em 1960, a Universidade possuía 351 funcionários; em 1966, passou a 767. Em 1971 passou a contar com 1425 funcionários.

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Sobre o autor
Carlos A. M. Murrer

Advogado militante;<br>Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa-MG;<br>Pós-graduado em Direito Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG);<br>Mestrando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal de Viçosa-MG.<br>Bolsista e Voluntário em diversos projetos relacionados à cidadania, regularização imobiliária e fundiária, bem como meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MURRER, Carlos A. M.. O IPTU progressivo no tempo e a função social da propriedade:: limitações e eficácia na governança urbana atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4265, 6 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31625. Acesso em: 22 dez. 2024.

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