As reportagens e estatísticas de que a criminalidade aumenta traz a dúvida de o Brasil realmente prender ou não os criminosos. O problema é que, mesmo com tais informações e dados, percebemos que a quantidade de presos também aumenta cada vez mais.
Notícias como “Número de presos aumentou 29% nos últimos cinco anos” (Revista Consultor Jurídico, 2014) afirmam que “O Brasil encerrou 2013 com um total de 548 mil presos, 36 mil a mais que no ano anterior (um aumento de 6,5%)”, o que confirmam os problemas e críticas sempre trazidos à tona por GOMES (2001) que explica “A explosão do número de presos provisórios conferiu ao Brasil o nada honroso posto de campeão mundial em crescimento de população carcerária.”. Tal doutrinador chegou a conclusão que “ (...) a quantidade de detentos não-condenados nas cadeias brasileiras subiu 1253%, de 1990 a 2010. Já o número de definitivos cresceu 278%. Tal disparidade fez com que, hoje, quase 44% dos detidos sejam provisórios. Em 1990, esse índice era de 18%.”
A prisão cautelar, como o próprio nome diz, é uma cautela, que é provisória e que ocorre antes que haja o trânsito em julgado que estipule uma pena. De um lado é uma prisão sem a certeza de uma condenação de um criminoso culpado e de outro é a excepcional restrição de um perigo ambulante trazendo riscos para a sociedade, a paz e a segurança jurídica que exclusivamente ocorrerá nos termos da lei com indícios suficientes da autoria e prova da materialidade delitiva.
Tourinho Filho (2012, p. 479) expõe o dilema existente quando se trata da prisão ou liberdade, pois não obstante a prisão cautelar a depender do caso concreto pode ser injusta ao acusado, “por outro lado, em determinadas hipóteses, a Justiça Penal correria um risco muito grande deixando o indigitado autor do crime em liberdade”.
Fábio Ramazzini Bechara (2005, p. 162) expõe, mui resumidamente, que o fundamento constitucional da prisão cautelar encontra-se na proteção do direito social à segurança, e, havendo suficiente culpabilidade haveria um pressuposto de legalidade necessária a autorizar a medida constritiva e não haveria antecipação dos efeitos de uma condenação. Continua dizendo que além do Poder Constituinte eternizar a presunção de inocência como direito fundamental de natureza individual também possibilitou a intervenção estatal na esfera pessoal do acusado. Concluiu que isto poderia ocorrer através do meio, e não exclusivamente com a pena final, e sim com os instrumentos legais necessários a tornar eficiente a persecução criminal, o que legitimaria as medidas constritivas de alguns direitos fundamentais.
Tudo isto já havia sido tratado há séculos pelos filósofos que falavam do contrato social e por pensadores que tem suas ideias até hoje refletidas na sociedade como Hobbes, Rousseau, Aristóteles, Foucalt, etc.
Atualmente este assunto é cada vez mais estudado e não só por penalistas, mas, principalmente, por constitucionalistas, tendo em vista a ampliação do controle de constitucionalidade e da multiplicação de importantes decisões do Supremo Tribunal Federal.
Basicamente é mais um conflito aparente de normas e como são normas constitucionais originárias deve haver uma compatibilização entre elas com foco no princípio da unidade da Constituição. Para trazer a harmonia nestes casos, o STF sempre cita o princípio da proporcionalidade para averiguar o que é razoável.
À vista disto, os bens jurídicos e motivos na balança de um lado são: evitar uma pena antecipada sem contraditório, ampla defesa e devido processo legal; concretizar o princípio da presunção da inocência e o princípio da não culpabilidade (para os atentos que entendem que não são sinônimos); garantir o direito à liberdade, vida, saúde (nos baseando na disseminação das doenças na prisão) e dignidade da pessoa humana; diminuir os gastos públicos decorrentes da prisão, que inclusive conta com uma falência do seu sistema atualmente; evitar a desigualdade social pela seleção dos crimes que prenderão (seletividade) de modo a auxiliarem na manutenção do sistema protegendo os ricos e deixando os pobres marginalizados; tentar visar e dar eficiência às finalidades da pena; entre outros.
O principal argumento seria fugir das consequências da prisão como a rotulação e estigmatização social; a segregação do mundo; a perda de laços com a família, os amigos e o emprego; o preconceito da sociedade; a destruição da identidade e personalidade; etc.
O contato com outros criminosos tornam as cadeias e presídios, segundo Luiz Flávio Gomes (2012), em uma “Universidade do crime” o que favorece a “reprodução da fábrica de delinquência” e a “aprendizagem intensiva do crime, do ódio e da violência” pelos “alunos-prisioneiros”, além de:
A Universidade do crime, ademais, cumpre outras funções sociais muito “relevantes”: (a) é pretexto para o discurso demagógico e ilusionista que elege ou reelege muitos políticos, (b) constitui a base de reprodução da fábrica de delinquência, (c) é o espaço privilegiado das discriminações, (d) a garantia da impunidade das outras ilegalidades praticadas pelas classes sociais superiores (dominantes), (e) o reforço do estereótipo midiático do criminoso perigoso, (f) o palco das humilhantes degradações demandadas pelo populismo penal midiático, (g) a alavanca da política criminal de extermínio, (h) o instrumento superlativo de controle social das classes marginalizadas e excluídas etc. (GOMES, 2012)
De outro lado, há uma sólida e constitucional fundamentação que rechaça tudo o que foi citado acima ao pensar no direito de toda uma coletividade e não no de uma única pessoa. Basta citar alguns firmamentos corroborando nesta linha, como a proteção da Administração da Justiça; do próprio direito penal e do processo penal que irá instrumentalizar o primeiro; da defesa social; do direito social à segurança; da ordem pública; da paz; da harmonia social; da segurança pública; do impedimento da impunidade; do alcance das finalidades previstas no artigo 282 do CPP como a aplicação da lei penal, a investigação, a instrução criminal e evitar a prática de novas infrações penais quando adequadas à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado ou acusado e das finalidades do artigo 312 que visam à garantia da ordem pública, da ordem econômica, à conveniência da instrução criminal, ou à aplicação da lei penal; assim por diante.
Todo este raciocínio é o mesmo para todas as demais modalidades de prisão. Na verdade, em uma reflexão mais funda, toda a ordem na sociedade e toda a existência do Estado em si também são os alicerces, pois sem a imposição de um real respeito de um ordenamento jurídico válido e justo nada restaria.
Conclui-se que os direitos do cidadão devem ser respeitados, no entanto, a sociedade também não pode ficar sem defesa, sendo que tudo isso deve ter um equilíbrio, pautado pelo princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. 3. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 479.
BECHARA, Fábio Ramazzini. Prisão cautelar. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 162.
GOMES, Luiz Flávio. Sistema prisional: maior Universidade do Brasil. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2012/07/06/sistema-prisional-maior-universidade-do-brasil/>. Acesso em: 03/06/2014.
GOMES, Luiz Flávio. Presos provisórios: aumento de 1253% em 20 anos. Disponível em: < http://institutoavantebrasil.com.br/presos-provisorios-aumento-de-1253-em-20-anos/>. Acesso em: 03/06/2014.
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. População carcerária: Número de presos aumentou 29% nos últimos cinco anos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jan-14/numero-presos-brasil-aumentou-29-ultimos-cinco-anos/>. Acesso em: 03/06/2014.