Artigo Destaque dos editores

A videoevidência como ferramenta de legitimação da polícia do futuro

Exibindo página 1 de 6
16/11/2014 às 15:03
Leia nesta página:

As discussões sobre a necessidade de alteração do atual sistema de Segurança Pública no Brasil indicam a conveniência de se pesquisar como melhorar os registros das ações policiais cotidianas, dando-lhes maior credibilidade e evidência da sua legitimidade.

Resumo:As discussões sobre a necessidade de alteração do atual sistema de Segurança Pública no Brasil indicam a conveniência de se pesquisar como melhorar os registros das ações policiais cotidianas, dando-lhes maior credibilidade e evidência da sua legitimidade e legalidade, com a devida transparência exigida pelo mandato policial. Este artigo, de natureza descritiva e exploratória, enfrentou a problemática e avançou na busca de soluções de como fortalecer as provas produzidas no processo penal com a participação do policial militar. Seu objetivo principal foi o estudo da viabilidade jurídica do uso da imagem e áudio registrados durante a ação policial em face da legislação processual e do princípio constitucional que garante a intimidade às pessoas. O objetivo específico aferido foi a viabilidade técnica do emprego da câmera-corporal nas operações e ações policiais. É ancorado em três eixos, necessários para a compreensão dos objetivos, hipóteses, problemática, justificativa e propostas desta pesquisa: estudo jurídico a respeito da teoria geral da prova, estudo da participação do policial militar na produção de provas durante a persecução penal e a utilização de microcâmeras para a produção de provas. O referencial teórico, bem como os dados secundários e primários, estes coletados por meio de pesquisa de campo e de entrevistas, ofereceram conhecimentos necessários para se concluir e avaliar positivamente o uso da chamada câmeras-corporais ou sistema de vídeo-evidência como estratégia operacional na busca da excelência dessas provas.  As principais conclusões foram no sentido de que as tecnologias existentes no mercado já tornam viável a implantação de um sistema de vídeo-evidência; o equipamento mais indicado na atualidade são as chamadas câmeras de lapela; a descarga em nuvem é o cenário mais utilizado; a filmagem da ação policial afasta a precariedade do BOPM – TC e serve de seu complemento; o sistema de vídeo-evidência tem aceitabilidade pelo público interno e externo; a filmagem da abordagem policial caminha para ser obrigação da polícia por imposição legislativa ou judicial; a vídeo-evidência é eficaz na diminuição do uso da força pelos policiais e na diminuição do número de queixas contra eles; a complexidade da implantação do projeto indica a necessidade de começar pequeno, pensar grande e desenvolver-se rápido; e, o policial deve sentir que o sistema visa, de fato, fortalecer a sua atuação legítima e legal, mas que também possibilita a realização de auditorias de sua conduta, embora não tenha o fim específico disciplinar.   

Palavras-chave: Polícia Militar. Provas. Uso de câmeras corporais. Sistema de vídeo-evidência. Transparência. Mandato policial.


1. INTRODUÇÃO       

A segurança pública está entre os principais temas abordados em programas de governo e merece destaque diante da dinâmica e complexidade da vida contemporânea, do avanço da criminalidade em alguns setores e da necessidade da garantia do cumprimento da lei, da ordem e de um padrão mínimo de harmonia nas relações entre os integrantes da sociedade. Sem estas garantias, não é possível o avanço em outros setores básicos, com a preservação dos direitos individuais e dos principais bens jurídicos tutelados pelo Estado: a vida, a integridade física e a dignidade humana das pessoas.

Rivero e Moutouh (2006, p. 397 - 398), no estudo das liberdades públicas, destinaram um capítulo para o estudo da segurança, concluindo que ela é a “proteção avançada de todas as liberdades.”

Os autores discorrem sobre a busca da chamada segurança material que, na França, país de Rivero, em face do terrorismo e da ascensão da criminalidade, é privilegiada e elevada ao patamar de um direito fundamental:

A segurança é um direito fundamental. É uma condição do exercício das liberdades e da redução das desigualdades. Por esta razão, é um dever para o Estado, que zela, no conjunto do território da República, pela proteção das pessoas, de seus bens e das prerrogativas de sua cidadania, pela defesa de suas instituições e dos interesses nacionais, pelo respeito das leis, pela manutenção da paz e da ordem públicas. (RIVERO e MOUTOUH, 2006, p. 397 - 398).

Neste contexto, dentro do Título “V” da Constituição da República Federativa do Brasil, o Legislador Constituinte de 1988, dedicou o Capitulo III para tratar da Segurança Pública e, no seu art. 144, asseverou que ela é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. É exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Em rol taxativo, elencou os órgãos que por ela são responsáveis.    

Às Polícias Militares, nos termos do § 5º, do art. 144, da CF/88, coube a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

Diante da missão constitucional que lhe é imposta, a PMESP adota um sistema de gestão que evidencia a sua preocupação com o seu aperfeiçoamento e busca de um nível de excelência na qualidade da prestação de serviços ao público interno e externo, na medida em que sua visão de futuro é ser reconhecida como referência nacional e internacional em serviços de segurança pública.

O Comando da Instituição busca incessantemente melhorar a eficiência operacional por meio da redução dos indicadores criminais e, para tanto, adota a metodologia baseada em programas de policiamento, aliada à utilização de sistemas inteligentes, que auxiliam no planejamento das operações policiais.

Entretanto, atualmente, observa-se a criminalização das ações policiais e a aceitação social de algumas condutas criminosas, sob a alegação de que o Estado é muito repressivo e de que o sistema de justiça é altamente seletivo em relação aos bens jurídicos que deseja tutelar e às pessoas que deseja punir.      

De outro lado, o instrumento legal e institucionalizado para o PM registrar sua ação é o BO/PM – TC, que não tem o condão de documentar, por completo, sua ação.

É imperioso pesquisar como melhorar os registros das ações policiais cotidianas, dando-lhes maior credibilidade, evidenciando sua legitimidade e legalidade.

Surge então o problema de como fortalecer, como elemento de prova, a versão estatal, materializada nos registros realizados pelo seu representante por meio do BO/PM – TC, posto que se baseia, não raras vezes, em declaração unilateral oferecida pelo policial militar envolvido na questão, carecendo, portanto, de eficácia probatória, sendo baixa a sua legitimidade na prática, embora o direito administrativo imponha-lhe presunção contrária.

O objetivo principal estudado é a viabilidade jurídica do uso, como prova judicial, do registro policial cinematográfico, em face da legislação processual e do princípio constitucional que garante a intimidade das pessoas.

O objetivo específico aferido é a viabilidade técnica do emprego da microcâmera ou câmeras-corporais nas operações e ações policiais.

A hipótese básica apreciada é a de que o registro cinematográfico da ação policial (a vídeo evidência), em complementação ao BO/PM – TC, tem o condão de afastar sua precariedade no que tange à eficácia da prova e seria um reforço na legitimidade do relatório contido em tal documento.

A hipótese secundária é a de que, dentro da sua competência constitucional, a Polícia Militar tem espaço para o aperfeiçoamento dos registros de suas ações e  a institucionalização do uso de microcâmeras é ferramenta tecnológica estratégica nesta gestão operacional, tem aceitabilidade pelos integrantes da Instituição e tem validade jurídica, por se tratar de importante complemento para documentar e legitimar as ações policiais cotidianas e, com ela, a PMESP garantirá a excelência na qualidade das provas produzidas na fase policial da persecução penal, visto que hoje há importantes registros de absolvições criminais pela deficiência da prova produzida nesta fase, baseada basicamente no relato do BO/PM – TC e no depoimento pessoal do policial autor da prisão, o que certamente contribui para o fenômeno da impunidade.

A área de concentração da pesquisa é Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, com abrangência em Polícia Ostensiva e propiciará discussões capazes de efetivar, por meio do aperfeiçoamento contínuo dos métodos, estruturas e tecnologias, a contenção de ações ofensivas à sociedade, sem descuidar da necessária transparência institucional.

No primeiro capítulo, discorreu-se sobre as provas no processo penal, apresentando sucinto estudo da teoria geral da prova, com análise da prova testemunhal, documental, material, do indício e dos métodos de conhecimento de um fato. 

O segundo capítulo ocupou-se do estudo das provas produzidas com a participação do policial militar, analisando a atualidade e relevância da discussão, o BO/PM – TC e sua evolução histórica  e o depoimento do policial militar.

O terceiro capítulo destinou-se ao estudo da utilização de microcâmeras ou câmeras-corporais para a produção de provas, analisando o direito à imagem, o tratamento ético dispensado à matéria, o valor jurídico das imagens capitadas, a abordagem policial, a experiências dos Estados Unidos da América (EUA), a experiência particularizada do Departamento de Polícia de Rialto, a experiência vivenciada pela Polícia Inglesa, as experiências vivenciadas por outras policiais no Brasil, a experiência particularizada da Polícia Militar do Rio de Janeiro, a experiência particularizada da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a experiência particularizada da Polícia Rodoviária Federal, as experiências não institucionalizadas vivenciadas em OPM da PMESP com estudo de casos ocorridos na cidade de Guarulhos/São Paulo e, finalmente, apresenta as tecnologias disponíveis no mercado.

Encerrando o referencial teórico, o capítulo 4 ocupou-se do estudo da viabilidade da implantação da tecnologia na PMESP e apresentou algumas recomendações necessárias para o sucesso de um projeto desta natureza.

O capítulo 5 ocupou-se da metodologia e o capítulo 6 da discussão dos resultados da pesquisa.

Encerra-se a pesquisa com as conclusões propiciadas com o estudo, as quais, certamente, servirão de referencial para a Corporação no processo decisório quanto à implantação ou não do sistema de vídeo-evidência, bem como para a elaboração das Diretrizes necessárias, caso se decida pela sua implantação.


2. ESTUDO DA PROVA

Não há como incursionar no tema sem a preocupação de apresentar, ainda que de forma bem sucinta, estudo jurídico a respeito da teoria geral da prova, necessário para a compreensão dos objetivos, hipóteses, problemática, justificativa e propostas desta pesquisa.

Importante destacar, de início, que o devido processo legal busca o desenvolvimento equilibrado das atividades do Estado e das partes, eliminando qualquer predominância da jurisdição sobre as partes e vice-versa. 

Fernandes (2002, p. 31) afirma que “o processo é o palco no qual devem desenvolver-se, em estruturação equilibrada e cooperadora, as atividades do Estado (jurisdição) e das partes (autor e réu).” Para o autor, o processo é o ponto de convergência e de irradiação, pois nele as partes podem pleitear a afirmação concreta de seu direito, permitindo ao Estado Juiz a solução mais justa.

Não é objetivo dissecar juridicamente o estudo das provas, mas as considerações com tal enfoque demonstram a importância do primeiro representante do Estado a chegar ao local de crime, o qual deverá identificar e registrar os vestígios que, certamente, serão lapidados pelos peritos e se transformarão em indícios e provas na fase processual.

Importa salientar que a prova se insere no quadro das garantias do devido processo legal, tendo o mesmo peso para defesa e acusação, em face do direito ao contraditório e do que se dispôs em pactos e convenções, dentre eles o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 16 de dez. de 1966; a Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), de 04 de Nov. de 1950, que entrou em vigor em 1953; e, o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, os quais, em síntese, situam, entre as garantias da pessoa acusada de crime, o direito de também inquirir as testemunhas, peritos e pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.

2.1. TEORIA GERAL DA PROVA

Provar é demonstrar positiva ou negativamente um ato, um fato, o estado de uma pessoa ou circunstância. Sua finalidade ou objetivo é o convencimento do julgador.

Segundo Malatesta (1966, p.19 apud DESGUALDO, 2006, p. 11) “a prova é o meio subjetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade.”

Quanto ao o objetivo da prova, tem-se o seguinte posicionamento doutrinário:

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade. (OLIVEIRA, 2008, p. 281).

Destarte, abrange o fato criminoso e sua autoria, com todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam influir na responsabilidade penal e na fixação da pena ou na imposição de medida de segurança.

Para sua obtenção, o primeiro limite imposto, obviamente, é o constitucional, visto que de plano nos deparamos com o disposto no inciso LVI, do art. 5º, da CF/88: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”

De nada valeria o alcance da verdade real obtida na ilegalidade. A improvisação e o emprego de meios cruéis para sua obtenção, não tem mais lugar no Estado Democrático de Direito, que deve colocar a dignidade da pessoa humana acima dos próprios fins. A busca da verdade real não autoriza o emprego de provas contaminadas pela ilicitude ou ilegitimidade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Portanto, pode-se afirmar que vigora o princípio da liberdade da prova, o qual estabelece que, para a instrução do processo e busca da verdade sobre os fatos, pode ser produzida toda e qualquer prova não vedada pelo ordenamento jurídico, ou, em outras palavras, que não sejam inconstitucionais, ilegais ou imorais.

É ainda de suma importância que o policial militar tenha a noção de que “ao Ministério Público, cabe provar a existência do fato criminoso, sua realização pelo acusado e os elementos subjetivos do crime (dolo ou culpa)”, conforme magistério de Capez (2009, p.333).

Postas tais colocações, fica claro que a atuação do policial que atende a ocorrência não se finda com o encerramento do seu talão de registro. Ele ainda desfilará no palco que atuarão os atores da persecução penal chamado processo criminal.

2.2. CLASSIFICAÇÃO DA PROVA

Quanto à forma, a prova pode ser testemunhal, documental e material.

A prova testemunhal, sentido lato, é a oriunda de pessoa que, na qualidade de testemunha (arrolada normalmente pelo policial fardado), vítima (identificada e qualificada normalmente pelo policial fardado) ou indiciado (detido normalmente pelo policial fardado) presenciou o fato ou dele participou. 

Fernandes (2002, p. 76) evidencia a importância da prova testemunhal no processo penal, afirmando que, “na maioria das vezes, a verificação do crime e de sua autoria depende de depoimentos de testemunhas.” Entretanto, o mesmo autor lembra-nos de que, para sustentar uma condenação, a prova testemunhal deve ser produzida sob o crivo do contraditório, daí a importância do policial militar captar e documentar com os mínimos detalhes o que vislumbrou na cena do crime.

A prova documental, por seu turno, nos termos do art. 232 do CPP, origina-se de escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. 

No entanto, este entendimento é no sentido estrito, pois, como nos ensina Fernandes (2002, p.79), o CPP, em outras passagens (arts. 165 e 170) alude a documentos gráficos e diretos, sendo possível um conceito mais amplo do que o apresentado no art. 232. Para o autor, gráficos são fatos ou ideias representados por sinais gráficos diversos da escrita (desenhos, pinturas, cartas topográficas etc.).

Tourinho Filho (1998, apud FERNANDES, 2002, p.79) ensina que “documentos diretos são fatos representados diretamente para a coisa representativa (fotografia, fonografia, cinematografia, microfotografia etc.).”

A prova material, por sua vez, é aquela que pertence às coisas da natureza e possui massa, tendo o policial militar importância destacada na sua preservação inicial.

Do exposto, fica evidente também a relevância do policial militar ter a noção da classificação quanto à fonte ou sujeito, que pode ser pessoal ou real. Pessoal é a que provem de fonte consciente, caracterizando-se no pensamento produzido em um depoimento ou documento elaborado pela pessoa, que pode ser o próprio policial. Real é aquela advinda de uma fonte inconsciente, e a preservação do local do crime reveste-se de total importância para sua coleta (impressões digitais, plantares etc.).


3. PROVAS PRODUZIDAS COM A PARTICIPAÇÃO DO POLICIAL MILITAR

O policial militar, por ter a missão constitucional de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, como representante do Estado, atua no cenário da repressão imediata, sendo o responsável pela prisão em flagrante daqueles que violam a lei, razão pela qual deve zelar pelo registro dos vestígios encontrados no local de crime, que se transformam em indícios de materialidade e autoria e justificam a restrição da liberdade de um suspeito.

Estudos recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV)[1] revelam que  65,8% dos presos foram detidos no dia em que cometeram o delito.

Em São Paulo, segundo a pesquisa, divulgada segunda-feira, 24 de mar. de 2014, a maior parte dos detentos foi presa em flagrante e não em decorrência de investigação.

O estudo da GV, denominado Presos em São Paulo História de Vida e Justiça Criminal, faz parte de um projeto internacional realizado em outros países da América Latina.

Assim, é possível comparar a situação de São Paulo com outras regiões, o que confirma a importância da atuação do primeiro representante do Estado que chega ao local de crime.

No Chile, 67,5% dos presos foram detidos no dia em que cometeram o crime, e, na Argentina, 66,9%. No México, o porcentual é igual ao do Brasil (65,8%).

Entre os presos do Peru, o índice de detidos em flagrante é de 56,4%, o segundo menor depois de El Salvador, onde 44,8% dos encarcerados alegaram terem sido detidos no dia do delito.

Voltando à importância da atuação do policial militar, cumpre destacar que Pestana (2007) apresenta relevantes estudos com o objetivo de propor registro mais detalhado dos locais de crime pelo policial militar, acrescentando fotografia e materiais colhidos nesses locais, visto ser ele o primeiro braço do Estado a se deparar com os fatos.

Assegura o autor que registrar não é apurar. Assim entende que, em princípio, não há necessidade de alteração legislativa. Envereda seus estudos abordando a evolução histórica da perícia criminal no Brasil, os principais instrumentos e técnicas utilizados na perícia forense, destacando a recognição visuográfica, que é a lembrança do crime, sua descrição e esquematização com ilustração fotográfica.

Desgualdo (2006, p. 9) afirma que a recognição visuográfica foi novidade introduzida em todos os inquéritos policiais presididos na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), tratando-se de uma peça inquisitória, por meio da qual o Delegado de Polícia lança mão de croquis internos e externos, visando considerar, dentre outras coisas, as possíveis rotas de fuga do criminoso, com ilustração fotográfica do local e do cadáver, para, de forma independente do laudo pericial, trazer aos autos a peculiar visão do mundo fenomênico pelo autor da investigação, com a participação de testemunhas, parentes, hábitos e vícios dos envolvidos.

Pestana (2007, p. 37), em entrevista realizada em 21 de ago. 2007, com o Doutor Celso Perioli, superintendente da Polícia Técnico Cientifica de São Paulo, constata que a recognição visuográfica nos crimes de homicídio, onde o delegado ou investigador do distrito da região visitam e fotografam o local antes da chegada da perícia, podem, posteriormente, apresentar discrepâncias entre o laudo pericial e a recognição, fato que vem sendo abordado com muito empenho por advogados de defesa.

Entretanto, destacando a importância do levantamento policial no local do crime, o próprio superintendente relata caso concreto, ocorrido naquele ano, em um condomínio fechado em Alphaville, São Paulo, onde várias casas haviam sido furtadas. Antes mesmo da chegada da perícia, choveu muito forte, atrapalhando qualquer tipo de exame externo. Porém, o policial militar, que primeiro chegou ao local, havia fotografado pegadas de coturno em uma parte não cimentada do terreno, próximas a um dos locais preservados. As pegadas foram destruídas pela chuva, contudo pôde ser verificado que era o tipo de calçado utilizado pelos seguranças privados do condomínio. Ao se revistar os armários e alojamentos, os produtos dos furtos foram encontrados, assim como o autor dos delitos. Ficou clara então a importância do registro fotográfico.

Toda discussão teórica já apresentada é necessária para firmar a postura proativa que o policial que atende a ocorrência deve ter, pois ele participará da prova documental com a elaboração do BOPM-TC, arrolará testemunha, registrará vestígios que poderão se transformar em indícios, além de, sob o crivo do contraditório e do compromisso de dizer a verdade, será ouvido como testemunha.

Silva e Coscione (1992) também estudam o aperfeiçoamento dos registros feitos pela Polícia Militar, com a finalidade de subsidiar os trabalhos do Ministério Público, e esboçam pensamentos correlacionados com a problemática, justificativa e objetivo geral deste estudo.

Discorrem sobre o aumento da criminalidade e da violência, sobre a impunidade e analisam os ciclos de polícia, bem como a participação policial na produção das provas.

A primeira constatação que fazem os autores, com a qual se compartilha e que faz toda diferença para a compreensão da proposta de utilização da vídeo evidencia pela policia militar, foi no sentido de que a coleta da prova decorrente de uma infração penal, na fase policial, encerra dois momentos: um durante o atendimento da ocorrência, como seu registro, envolvendo uma série de dados, preservação material e do local, coleta de informações; e o outro, logo em seguida ou não, por meio de investigações complementares.

Neste contexto, é importante realçar o profissionalismo que o policial deve ter ao fazer um registro.

A importância do BO/PM – TC preenchido com profissionalismo e sua contribuição para a convicção do julgador é constatada em processo que tramitou pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Piracicaba:

O réu assumiu a propriedade da droga e afastou o envolvimento de Danilo. O réu confirmou que é membro do PCC e tinha certa representatividade, porque controlava a distribuição de drogas em vários bairros. No bar, só encontraram um pino de cocaína, vermelho. Não deram voz de prisão a Danilo. O tablete de maconha estava na cozinha. O réu assinou o BO/PM na presença de Defensor, onde afirmou que é proprietário do veículo Golf. Quanto à droga localizada no carro e residência, Danilo não tinha nada a ver. Confirmou que não tinha tido problema físico, moral ou patrimonial, pela ação dos policiais. O mesmo não se pode falar da versão do réu que, na fase policial, apontou Danilo como o proprietário das drogas e, em Juízo, não fez a mesma imputação. Mesmo assim, no BO/PM juntado a fls. 159, o réu assumiu a propriedade da droga, tal como mencionado pelos policiais.  (Processo nº 3000079-79.2013.8.26.0451, lauda 5, grifos nosso).

Os detalhes nas ocorrências fazem a diferença para a convicção do julgador e, muitas vezes, começam antes do próprio registro do policial, mas eles devem ser lembrados pelos participantes da persecução penal:

A pedido da Defesa de Jeu, foi juntada a cópia do pedido feito ao COPOM, no dia 29/04/2013, sobre tráfico de drogas, às fls. 273/275. No expediente encaminhado, consta, em síntese, o solicitante dizendo, que 'todo dia, a partir das 9 horas, eles tão aqui traficando e cheirando', no final da Rua Anita Garibaldi, numero 147, últimas vielas, viela 17, Montanhão. Alertou que 'ficam uns caras lá embaixo', ou seja, 'olheiros'. Informou as roupas usadas pelos traficantes e as características físicas deles. Relatou que as drogas ficam 'em saquinho branco' de supermercado. Pediu que os policiais fossem 'disfarçados' por causa dos 'olheiros'. Um deles é 'menor, ficou preso um mês e já está lá de novo'. Informou sobre 'carrão subindo para ir buscar droga'. De acordo com tal 'denuncia', está bem claro que no local indicado ocorria tráfico de drogas ininterruptamente, sem respeitar os moradores ou crianças, no dizer do 'solicitante'. (0020264-44.2013.8.26.0564, lauda 5, da 4ª VARA CRIMINAL da Comarca de São Bernardo do Campo).

No caso em testilha, a prova colhida comprovou que os denunciados e os infratores estavam justamente no local indicado como de tráfico, e justamente na forma indicada pelo solicitante.

Em seus depoimentos, os policiais relatam que o COPOM informou-lhes sobre o tráfico de drogas no exato local, as vestimentas de alguns deles e, com riqueza de detalhes, narram suas ações no sítio dos fatos, nada havendo para macular suas condutas, sobretudo quanto aos seus depoimentos que se mostram em perfeita harmonia com o conjunto probatório.

Pesquisadores, no entanto, já constataram posicionamentos em sentido contrário:

É certo que policiais militares às vezes colaboram para com a inviabilidade da persecução penal, por adotarem comportamentos inadequados na preservação do local de crime, no arrolamento de testemunhas e na coleta de provas, o que foi objeto de recente Ofício do lImo Promotor de Justiça Criminal, da Capital de São Paulo, Dr Ilson Roberto Severino Dias, ao Exmo Sr Cmt Geral, alardeando que policiais militares, no atendimento e registro de ocorrências, na maioria das vezes, têm se limitado a descrever no Talão de Ocorrência (TO) o mínimo atinente às partes, desconsiderando e não arrolando testemunhas importantes à elucidação dos fatos, ocasião em que sugeriu a adoção de providências para a melhoria da captação das provas. Tais questionamentos e entraves nos conduzem a uma questão central, qual seja, a deficiência da polícia na produção da prova. (SILVA e COSCIONE, 1992).

Em síntese, o que procuram evidenciar é o fato de que a adequada preservação, registro e coleta das provas na fase policial é fator de redução da impunidade. Desta forma, destacam a participação da Polícia Militar, pois, diante da sua missão constitucional, ela esta atuante diuturnamente, de forma preventiva, antes dos acontecimentos, buscando evitar a desarmonia da paz social, de modo que o policial militar é o primeiro a combater o crime, quando procede a repressão imediata. E, neste cenário, deve agir de modo equilibrado na coordenação das ações e decisões tomadas no calor dos fatos.

Entretanto, controlada a situação com a aplicação de técnicas policiais balizadas pela legalidade, legitimidade e proporcionalidade, o policial militar ainda tem a incumbência do registro formal dos fatos, participando da colheita de provas e preservação de objetos e local para a atuação da perícia, de modo que, dele, exige-se aprimoramento na apreensão dos conhecimentos jurídicos e no esmero técnico com que se comportam ante o ato e o evento criminoso, sob pena, mais uma vez frise-se, de contribuir para a impunidade.

Em relação ao depoimento do policial, Selmer (2010), em tese de mestrado, realiza estudo interessante sobre a produção desta prova e sua correlação com a atividade policial militar, especificamente no que se refere à Polícia Militar do Paraná.

Discute a importância da sua produção para a qualidade da instrução processual, verifica qual é o papel do policial militar neste contexto e sugere ações a serem adotadas para o seu aperfeiçoamento. Apresenta propostas voltadas à melhoria da sua produção, com o delineamento de um conteúdo programático para os cursos de formação e instruções de manutenção referentes ao tema, propondo um novo modelo de procedimento administrativo destinado a ampliar a qualidade dos depoimentos prestados pelos policiais militares na instrução do processo-crime.  

Uma das hipóteses que levanta o autor, é a de que as equipes policiais militares atendem um elevado número de ocorrências, realizam muitas prisões e há grande lacuna de tempo entre o atendimento de uma ocorrência e a efetiva ouvida dos policiais militares em sede de processo penal. Assim, propõe a fomentação de um sistema capaz de fornecer ao policial informações acerca da ocorrência preteritamente atendida, de modo que possa rememorar os fatos e prestar um depoimento útil à produção da prova testemunhal, cuja relevância é evidenciada no art. 167 do CPP, o qual dispõe que, na ausência do exame de corpo de delito, em face do desaparecimento dos vestígios, a prova testemunhal poderá suprir sua falta.

A demonstrar a sua constatação em relação ao tempo decorrido entre o dia da ocorrência e a ouvida do policial em juízo, e, portanto, a relevância dos registros do policial elaborados quando do atendimento da ocorrência, assim já se posicionou magistrado na Comarca de Campinas/SP:

Decido.

A presente ação penal é improcedente.

Muito embora a materialidade do delito tenha restado comprovada nos autos por meio do Auto de Exibição e Apreensão de fls.05 e Laudo de Substâncias Psicoativas de fls. 11, a autoria não restou comprovada estreme de dúvidas. O único policial militar ouvido nesta data relatou a ocorrência com base no BO PM que trazia nas mãos, asseverando tratar-se de fato muito antigo. Ainda, quando exibida foto do réu, acostada a fls. 59, o depoente não soube dizer se se tratava ou não do réu Leandro. (Processo nº 0018831-70.2008.8.26.0114,  lauda 3, 1ª Vara Criminal da Comarca de Campinas).

O caso mencionado ocorreu em 05 de set. 2007 e a audiência e julgamento ocorreram em 4 de abr. 2013.

A situação detectada pelo autor é tão grave que o Poder Judiciário já se manifestou a respeito e tem procurado justificar pequenas contradições em depoimentos:

Pequenas divergências encontradas no cotejo dos depoimentos prestados pelos policiais, sem atingirem o âmago da questão, devem ser desprezadas, posto que podem ser produto do posicionamento dos mesmos quando da diligência efetuada e das tarefas de cada um deles naquele momento, além do entrelaçamento de situações diante do elevado número de ocorrências que tais policiais atendem no dia a dia, sem o comprometimento daquilo que narraram. (TJSP, Ap. 990.08.168537-0, 10ª C.D.Crim., Rel. Des. Otávio Henrique, j. 16.04.2009).

Ainda no mesmo sentido:

A circunstância das testemunhas divergirem acerca do tempo levado para retornarem da Delegacia de Polícia até o local onde se dava o tráfico de entorpecentes é de pouca importância. Isto porque as pequenas contradições decorrem das próprias imperfeições do psiquismo humano, agravadas, em geral, pelas condições em que é a prova realizada. Assim, de se desconfiar do testemunho demasiadamente perfeito, sendo, sim, importante, verificar se, embora discrepantes em detalhes mínimos, concordam os depoimentos nos pontos essenciais, quanto às circunstâncias mais decisivas do fato. (Ac. un. de 25.08.72, da 4a. Câm. do TACRIM, na Ap. 51.897, de São Paulo - rel. o Juiz NELSON FONSECA, "in" JUTACRIM 23/125).

Destarte, o depoimento do policial militar muitas vezes não tem riqueza de detalhes e contribui para a impunidade, quando, na verdade, sendo um profissional que representa o Estado, dele espera-se  maior capacidade de interpretação e reprodução daquilo que constatou na cena de um crime, mesmo que tenha havido longo decurso de tempo.

Pela dualidade de procedimentos, isto é esperado da testemunha comum, conforme atestam alguns doutrinadores:

[...] quando o acusado e as testemunhas são ouvidos de novo em Juízo, longo tempo já decorreu da prática do crime, longo tempo que sempre produz uma alteração da verdade, ora obtida por interesses, ora provocada, em boa fé, pelo próprio tempo ou pela interpretação que no ânimo da testemunha se forma, sob a influência do noticiário, dos comentários, da imaginação, enfim, do feitio psíquico de cada qual [...] (VICENTE RAO, 1935, p.5, apud POLICASTRO, 2001, p. 31).

No mesmo sentido:

As testemunhas mais vivazes e probas contradizem-se frequentemente, com a realidade, e cometem grosseiros equívocos em consequência de uma percepção má ou simplesmente errônea dos fatos que presenciaram. A este respeito, tem enorme importância a capacidade de observação e memória. Entretanto, muito mais do que no processo civil, ela é, por excelência, a prova no processo criminal. Tanto basta para que se lhe dedique todo o cuidado, não somente no arrolamento da testemunha, como em sua inquirição, o que frequentemente não sucede, desmoralizando-se ainda mais esse meio probatório. (VISHINSKI apud FRANÇA, 1980, p. 346, grifo do autor).

Entretanto, com veemência, pode-se afirmar que o policial militar não é uma testemunha comum, mas sim “qualificada” e, como tal, assim deve se comportar.

Justamente por ser testemunha “qualificada”, o depoimento do policial militar é combatido pela defesa no processo penal, havendo necessidade de manifestações do Poder Judiciário a respeito do seu valor. Não sendo bem alicerçado, pode inclusive gerar responsabilidade penal para o policial militar, sujeito ao crime de falso testemunho, conforme publicação verificada em  05 de jun. 2012[2]:

Os três militares que receberam voz de prisão dentro do Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, no fim da tarde de segunda-feira, são suspeitos de prestar falso testemunho durante uma audiência. Segundo o Tenente-Coronel Filho, comandante do 22º Batalhão da Polícia Militar (PM), o juiz e os membros da Corregedoria da PM que participavam da sessão desconfiaram das versões de dois soldados e um cabo durante uma sessão na Vara de Tóxicos. Os PMs foram arrolados como testemunhas para o julgamento de um homem por tráfico de drogas. Os policiais participaram da prisão desse acusado, portanto, eram considerados essenciais no esclarecimento do caso. Durante depoimento, o magistrado e a equipe da Corregedoria acharam que os militares pudessem estar mentindo. As versões poderiam estar conflitantes ou confusas, conforme informou o coronel Filho. Foi dada voz de prisão aos PMs, levando em conta o compromisso que as testemunhas fazem perante a lei de falar somente a verdade.

Felizmente, este estudo encontrou também a existência de valoração positiva a respeito do depoimento policial.

Pesquisa no banco de sentenças do TJSP[3], o qual é constituído por 42% das Comarcas que já estão digitalizadas, conforme o Plano de Unificação, Modernização e Alinhamento da Justiça Paulista (PUMA)[4], filtrando as informações referentes ao crime de tráfico e uso de drogas ilícitas, no campo destinado à pesquisa livre e utilizando como parâmetros a frase “depoimento de policial militar”, localiza 932 sentenças, das quais 851 (91,31%) têm valoração positiva e 81 (8,69%) têm valoração negativa para esclarecimento da autoria e materialidade, conforme tabela abaixo:

Tabela 1- Valoração do depoimento do policial 

Ano

Valoração Positiva

Valoração Positiva %

Valoração negativa

Valoração negativa %

2010

49

92,45%

4

7,55%

2011

123

86,62%

19

13,38%

2012

134

93,06%

10

6,94%

2013

530

91,85%

47

8,15%

2014

15

93,75%

1

6,25%

Total

851

91,31%

81

8,69%

Fonte: Banco de Sentenças do TJ/SP

 Na pesquisa predominaram as sentenças referentes a flagrantes realizados por policial militar, mas houve alguns conduzidos por policiais civis, guardas municipais ou policiais federais. 

A valoração positiva e negativa não ficou atrelada à condenação ou absolvição do réu.

Como critérios negativos, foram consideradas as manifestações dos magistrados no sentido de que o policial militar não se recordava dos fatos ou seu depoimento, na fase judicial, sob o crivo do contraditório, apresentou muita divergência daquele feito na fase policial, o que se destacou notadamente em processos com mais de um réu.

Como critérios positivos, teve como predomínio aqueles que serviram para motivação da condenação, mas houve aqueles que serviram para motivar a desclassificação de tráfico para uso e também aqueles que serviram para embasar a prova da autoria, mas não da mercancia, gerando a aplicação do princípio do in dúbio pro reo, conforme ilustra o exemplo abaixo:

É preciso ter cautela ao utilizar a prova indiciária, não é possível condenar os réus baseando-se em conjecturas. Os réus negaram a prática dos fatos narrados na denúncia, e os policiais relataram em juízo que não viram os réus efetuando o tráfico de drogas e o único liame entre os réus e o tráfico de drogas foi a notícia sem identificação de seu autor. É certo que os depoimentos dos policiais apontam de modo genérico, a responsabilidade penal dos réus. Entretanto, esses depoimentos devem ser analisados junto com o conjunto de provas para permitir segura conclusão, pois, diante da dúvida, os réus devem ser favorecidos. E, ao analisar a prova dos autos, verificou-se que essa não é suficiente para uma condenação, visto não haver prova da autoria por parte dos réus, do delito descrito na denúncia. Ressalto que não se trata, de questionar o depoimento de policiais que, no cumprimento de suas tarefas, agem na repressão penal, já que tão válido como qualquer outro testemunho, e isso é pacífico pela doutrina e jurisprudência. Trata-se, isso sim, de determinar a correta concepção de culpa em atenção ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, pois compete ao Estado, para impor sanção, demonstrar de forma inequívoca a conduta penal do processado. Portanto, se houve indícios para o recebimento da denúncia e prisão em flagrante dos réus, não se mostram eles suficientes para embasar um decreto condenatório, vez que é duvidoso o destino da droga encontrada. Desse modo, não foi presenciado pelos policiais, nenhum ato que permita concluir que fosse a droga destinada ao consumo de terceiros. (Processo nº 0001190-66.2013.8.26.0220, lauda 3 – 4 , 3ª Vara de Guaratinguetá).

Ainda é preciso salientar que, embora em algumas sentenças os depoimentos tenham sido considerados como de valoração positiva, detectou-se algumas fragilidades no sentido de que eles não serviram para caracterizar o crime de associação para o tráfico, algumas agravantes ou causas de aumento de pena:

Contudo, como bem pontua o Ministério Público em sede de memoriais, as majorantes trazidas na denúncia não restaram bem delineadas. Isto, pois, não consta dos autos laudo circunstanciado acerca da proximidade do local da prisão em flagrante com algum estabelecimento de ensino ou lugares de grande movimentação de pessoas que pudesse aumentar a potencialidade lesiva do tráfico. Da mesma forma, nada foi produzido, nestes autos, de que estivesse o menor participando da atividade ilícita de GERSON. Por tais motivos, afasto as causas de aumento supramencionadas. (Processo nº 0000120-11.2013.8.26.0512 - lauda 4,  Vara única da  Comarca de Ribeirão Pires).

Assim também se posicionou o magistrado nos autos do processo nº 0001838-37.2013.8.26.0320, da 2º Vara Criminal da Comarca de Limeira:

O crime descrito no artigo 35 da Lei 11.343/06 não foi comprovado. É sabido que, para a sua consumação, referido delito exige um animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à pratica do crime visado. Excluído, pois, está o crime, no caso de convergência ocasional de vontades para a prática de determinado delito, que estabeleceria a co-autoria. Nesse sentido é o magistério de Guilherme de Souza Nucci: “Exige-se elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável. Do contrário, seria um mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico”. (Leis Penais e Processuais Anotadas 1. ed., 2. tir. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2006). (Processo nº 0001838-37.2013.8.26.0320, da 2º Vara Criminal da Comarca de Limeira).

A sentença abaixo foi escolhida aleatoriamente, a titulo de ilustração, para evidenciar a importância da valoração do depoimento do policial militar no esclarecimento da autoria e materialidade de um fato.

Nos autos do Processo nº 0015788-55.2012.8.26.0577, da 1ª Vara Criminal da Comarca de São José dos Campos, assim manifestou-se a magistrada ao prolatar a sentença:

Em contrapartida, necessário convir que os policiais militares que participaram da operação prestaram depoimentos coerentes, que devem ser acatados. São muito poucas as divergências neles encontradas, insuficientes para descaracterizar a validade das informações ali contidas ou mesmo toda a ação por eles capitaneada. Ademais, não se comprovando a inidoneidade dos milicianos, nem se demonstrando tivessem o propósito preconcebido ou interesse pessoal em incriminarem falsamente o réu, não há como não se dar crédito às suas afirmações. (Processo nº 0015788-55.2012.8.26.0577, da 1ª Vara Criminal da Comarca de São José dos Campos).

Para fortalecer seu entendimento, cita a seguinte jurisprudência:

É inaceitável a preconceituosa alegação de que o depoimento de policial deve ser sempre recebido com reservas, porque parcial. O policial não está legalmente impedido de depor e o valor do depoimento prestado não pode ser sumariamente desprezado. Como todo e qualquer testemunho, deve ser avaliado no contexto de um exame global do quadro probatório. (RT530/372).

Verifica-se, portanto, o predomínio maciço da utilização e da valoração positiva do depoimento do policial nas decisões judiciais de primeiro grau, nos crimes de tráfico e uso de drogas ilícitas.

Todavia, apesar desde reconhecimento, o fator preocupante é que, ao lado dos questionamentos da defesa, surgem ações de profissionais desqualificados que maculam a credibilidade e a presunção júris tantum que deve ser dispensado ao depoimento do policial, tornando-se, cada vez mais difícil a sustentação da sua versão em audiências judiciais, surgindo a necessidade de se buscar outros instrumentos que fortaleçam a versão estatal.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vanderlei Ramos

Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Oficial-aluno do curso de Doutorado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública do Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Terra”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Vanderlei. A videoevidência como ferramenta de legitimação da polícia do futuro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4155, 16 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32233. Acesso em: 14 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos